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Processo n.º 17/2005
3.ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2004, de fls.
3802, e na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público do acórdão do Tribunal Colectivo da Vara de Tavira que declarara extinto por prescrição o procedimento criminal, os ora recorrentes, A. e B. (e outro), foram condenados pela prática, em co-autoria, de um crime de desvio de subsídio, p. e p. pelo n.º
3 do artigo 37º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, nos termos ali descritos. Pelo requerimento de fls. 3843, os ora recorrentes, invocando o disposto na al. c) do artigo 379º e no n.º 3 do artigo 407º do Código de Processo Penal, vieram arguir a nulidade do acórdão por “omissão de pronúncia sobre o recurso oportunamente interposto pelos ora arguentes de decisão interlocutória da primeira instância segundo a qual não havia transcorrido o referido prazo de prescrição do procedimento criminal”. À cautela, para o caso de se entender que seria necessário ter declarado que mantinham interesse no conhecimento do recurso, sustentaram que deveriam ter sido convidados a dizê-lo; e, ainda, que a falta de tal indicação não significa em caso algum desistência do recurso. Finalmente, invocaram a inconstitucionalidade da “norma do n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal”, se entendida “no sentido de que a omissão de especificação dos recursos retidos em que se mantém interesse equivale e tem como consequência a automática desistência dos mesmos, independentemente de prévio convite ao recorrente para esclarecer se era exactamente esse o significado que pretendia com tal omissão”, por violação dos artigos 20º e 32º, n.º 1, da Constituição. Por acórdão de, de fls. 3858, foi indeferida a arguição de nulidade, por ser
“manifestamente improcedente”. Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça afastou a aplicabilidade ao caso do n.º 3 do artigo 407º do Código de Processo Penal porque, não tendo sido, nem recebido, nem rejeitado, pela primeira instância, o referido recurso –
“aqui, sim, houve omissão de pronúncia, mas não imputável a este Tribunal” –, nunca lhe foi fixado qualquer regime de subida. Assim, a arguição de nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça assentou, no entender deste Tribunal,
“num pressuposto que não se verifica no caso concreto”. Em segundo lugar, o Supremo Tribunal de Justiça, admitindo que o recurso tivesse sido recebido para subir a final, considerou que o mesmo se teria tornado inútil, porque a primeira instância decidira “no sentido da pretensão dos Arguidos expressa no requerimento que deu origem à deliberação do Colectivo que foi objecto desse recurso”. Ter-se-ia, então, verificado a extinção da instância por inutilidade superveniente, nos termos da al. e) do artigo 287º do Código de Processo Civil. Ora, “estando extinta a instância relativamente a tal recurso, nada na lei impunha ao Supremo Tribunal de Justiça que o apreciasse. Pelo contrário, se o fizesse, então sim, além de ter praticado acto inútil, com as consequências cominadas no artº 137º do Código de Processo Civil, teria cometido nulidade por excesso de pronúncia”. Por estes motivos, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu pela improcedência
“formal” da arguição de nulidade. Acrescentou, todavia, que também “improcede substantivamente, porquanto a questão posta neste recurso dito interlocutório foi afinal apreciada e julgada em 1ª instância e reapreciada, em parte, em recurso”.
2. Inconformados, os referidos arguidos vieram recorrer para o Tribunal Constitucional deste acórdão que indeferiu a arguição de nulidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
“para ser declarada a inconstitucionalidade da norma do n.º 5 do artº 412º do Código de Processo Penal, na interpretação acolhida no douto acórdão, no sentido de que a omissão da especificação dos recursos retidos em que se mantém interesse equivale e tem como consequência a automática desistência das mesmas, por violar o direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e o direito de recurso, consagrado nos artigos 20º e 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa”. O recurso não foi, porém, admitido, porque “no acórdão em causa não foi aplicada a referida norma do n.º 5 do artigo 412º do CPP' (despacho de fls. 3868).
3. Vieram então os recorrentes reclamar para o Tribunal Constitucional,
“porquanto e ao contrário do que se defende na decisão reclamada, a norma do n.º
5 do artigo 412º do Código de Processo Civil [Penal] foi efectivamente aplicada e substancialmente considerada no douto acórdão em causa”. Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação, considerando que a norma cuja inconstitucionalidade os ora reclamantes pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie não integra a ratio decidendi do acórdão recorrido, proferido com base no regime fixado pelo n.º 3 do artigo 407º do Código de Processo Penal para a subida dos recursos interlocutórios e no regime da inutilidade superveniente da lide.
4. A reclamação é, na verdade, manifestamente improcedente, já que, como o despacho de não admissão de recurso decidiu, a norma impugnada não foi aplicada pelo acórdão recorrido. Note-se, aliás, que os reclamantes não apresentam qualquer justificação para a discordância relativamente ao despacho de que reclamam, limitando-se a afirmar o contrário do que ali se decidiu. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto ao abrigo da citada alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, como é o caso, destina-se a conhecer da alegada inconstitucionalidade de uma norma efectivamente aplicada pela decisão recorrida, como expressamente ali se refere
(“Cabe recurso para o Tribunal Constitucional em secção, das decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.”) e o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado. Assim, tendo o recurso como objecto uma norma não aplicada pela decisão recorrida, não poderia o Tribunal Constitucional julgá-lo (cfr., por exemplo, o Acórdão nº 367/94, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1994), como estabelece o artigo 79º-C da Lei nº 28/82. O julgamento seria, aliás, inútil. Com efeito, o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica, como se sabe, que é condição de conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de repercussão, na decisão recorrida, do julgamento que nele venha a ser efectuado (cfr., nomeadamente, o Acórdão n.º 463/94, Diário da República, II série, de 22 de Novembro de 1994). Ora, no caso, nenhuma repercussão teria o julgamento da constitucionalidade da norma definida pela recorrente, ainda que o Tribunal viesse a concluir no sentido da inconstitucionalidade.
Assim, indefere-se a reclamação. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Artur Maurício