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Processo n.º 225/2005
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figura como recorrente A. e como
recorrido o Ministério Público, é submetida à apreciação do Tribunal
Constitucional a norma dos artigos 678º, nº 1, e 740º, nº 2, alínea a), do
Código de Processo Civil, interpretada no sentido de ser irrecorrível a decisão
que aplica uma multa processual de valor inferior a metade do valor da alçada do
tribunal de 1ª instância.
Ora, o Tribunal Constitucional já apreciou tal questão de constitucionalidade
normativa. Com efeito, no Acórdão nº 680/2004 (www.tribunalconstitucional.pt), o
Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo
678º, nº 1, do Código de Processo Civil, na dimensão normativa agora impugnada.
Não tendo sido suscitada qualquer questão nova que deva ser apreciada (cabe
sublinhar que a indicação, pelo recorrente, do artigo 740º, nº 2, alínea a), do
Código de Processo Civil, não torna a questão de constitucionalidade normativa
dos presentes autos diferente da decidida no aresto indicado, já que as
dimensões normativas são substancialmente idênticas), remete-se para a
fundamentação do Acórdão nº 680/2004, concluindo-se pela não
inconstitucionalidade da norma impugnada.
2. Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se,
consequentemente, a decisão recorrida.
O recorrente vem agora reclamar, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do
Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
A., recorrente, vem reclamar para a conferência sobre a decisão singular da
Exma. Conselheira Relatora, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1 - Não é necessária a extensa apresentação da questão: Tem sido repetida, na
verdade, e muitas vezes por iniciativa do recorrente, perante o Tribunal
Constitucional.
2 - Por isso mesmo, o recorrente vai apenas insistir naquilo que estima ser novo
na sua posição e que o Tribunal Constitucional, salvo o devido respeito, não tem
querido considerar de modo autónomo.
3 - Assim, o recorrente vai retomar a questão delimitada na resposta à arguição
de nulidade que formulou do acórdão n.º 680/2004, referido pela Sra. Conselheira
Relatora, a saber:
- A alegação da possibilidade de arbítrio dos Juízes na aplicação das multas
processuais foi feita a título de simples argumentação “ad absurdum”: «Se a
validade da decisão do Tribunal não está legalmente dependente da apreciação de
argumentos que sejam aduzidos pelas partes, muito menos se poderá valorar, para
tal efeito, a não refutação de um raciocínio “ad absurdum”».
4 - Contudo, não se tratava de argumento “ad absurdum” e vai aqui repeti-lo para
que se veja que é exactamente esse o cerne da argumentação de
inconstitucionalidade que tem vindo a apresentar, porventura sem graça ou
inteligência.
5 - Há na estrutura do Estado Democrático de Direito uma linha de força contra a
arbitrariedade judicial, tão mais necessária quanto a constituição recolheu a
norma de 33 da irresponsabilidade patrimonial dos Juizes pela decisão,
6 - E, segundo as regras da compressão justificada e proporcional dos Direitos
Fundamentais (que é Direito Fundamental ter o cidadão acesso a um Tribunal sem
Juiz arbitrário), não pode deixar de jogar aqui a prevalência do princípio
recursivo como morigeração do sistema mesmo da responsabilidade,
7 - É que, a admitir-se a tese mecanicista que o Tribunal Constitucional tem
defendido até agora, certo é larvar o arbítrio judiciário, através de
condenações em multa injustas, mas dolosamente graduadas abaixo da
recorribilidade formal.
8 - De qualquer modo, subsiste ainda um argumento de inconstitucionalidade nesta
área que não é subestimável, a saber: o art. 74oº, nº 2, a) CPC, que estabelece
o efeito suspensivo dos recursos interpostos das decisões que aplicam multas
processuais, pode e deve ser visto como concretização imediata do Direito
Fundamental do Acesso à Justiça (art. 20º, nº 1 CRP); portanto, sendo de extrema
raridade, ou mesmo nenhuma, os casos de possibilidade de multa acima de metade
do valor da alçada, então, naquela vertente concretizadora do art. 20º, nº 1
CRP, existe um recurso universal da aplicação de multas processuais.
9 - Sob este ponto de vista, a leitura impediente que tem sido feita do art.
678º, nº 1 CPC, indexando o recurso, mesmo em caso de multas processuais, a
montantes superiores a metade da alçada, torna esta norma inconstitucional.
10 - Com efeito, a norma que o art. 740°, nº 2, a) CPC supõe, estava contida
imediatamente no art. 20º, nº 1 CRP e é essa que a leitura do art 678°, nº 1
CPC, em causa, contraria,
V.Exas., a quem se pede um esforço de compreensão do problema para além da
burocracia do quotidiano e da manifesta falta de habilidade do recorrente,
julgarão por fim o verdadeiro caso que lhes é posto e não outro, como tem vindo
a suceder.
O Ministério Público pronunciou-se do seguinte modo:
1°
A presente reclamação é manifestamente infundada.
2°
Na verdade, a argumentação do reclamante nada aduz de relevante relativamente à
firme corrente jurisprudencial atinente à definição do “direito ao recurso” - e
que o recorrente, aliás, bem conhece, face a decisões precedentes quanto a si
tomadas noutros recursos.
Cumpre apreciar.
2. O reclamante na presente reclamação procura apresentar argumentos que afirma
serem novos, porque não ponderados no Acórdão nº 680/2004, para o qual a Decisão
Sumária sob reclamação remeteu.
O reclamante invoca a possibilidade de aplicação de “multas injustas (...)
dolosamente graduadas abaixo da recorribilidade formal”.
Sublinhar-se-á que não consta dos autos qualquer elemento (para além da
afirmação do reclamante) que permita concluir que a multa aplicada é injusta e
que o seu montante foi “dolosamente” graduado para impedir o recurso.
Não obstante, dir-se-á que a possibilidade de subsistência de decisões
incorrectas é necessariamente ponderada quando se opta por admitir, na
perspectiva da constitucionalidade, decisões que não admitem recurso. As razões
de tal opção constam do Acórdão nº 680/2004 e o reclamante conhece-as. Discorda
delas, mas isso, por si só, não constitui novo argumento que deva ser ponderado
nos presentes autos.
O reclamante invoca ainda o artigo 740º, nº 2, alínea a), do Código de Processo
Civil, segundo o qual têm efeito suspensivo os recursos de decisões que apliquem
multas processuais. O reclamante procura ver neste preceito uma concretização do
artigo 20º da Constituição e a imposição da admissibilidade de recurso em todos
os casos de condenação em multa processual.
No entanto, o preceito apenas estabelece o efeito do recurso de decisões que
aplicam multas processuais nos casos em que tais decisões admitem recurso. E os
critérios de admissibilidade do recurso constam do artigo 678º, nº 1, do Código
de Processo Civil, norma apreciada na Decisão Sumária impugnada.
O artigo 740º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, não constitui,
pois, qualquer argumento que não tenha sido ponderado na Decisão Sumária, pois a
sua aplicação é condicionada pela norma que consagra os critérios de admissão do
recurso.
E no contexto dos presentes autos a apreciação da norma contida nesse preceito
não constitui questão nova que deva ser apreciada, pois o reclamante não
pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a norma que estabelece
o efeito suspensivo do recurso de decisões que aplicam sanções processuais.
Improcede, portanto, a presente reclamação.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação, confirmando consequentemente a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 25 de Maio de 2005
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos