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Processo n.º 201/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
decisão do relator de não conhecimento do recurso interposto para o Tribunal
Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Fevereiro de
2005, que decidiu rejeitar o recurso para fixação de jurisprudência para ele
interposto pela ora reclamante.
2 – A reclamante fundamenta a sua discordância com o decidido no
Tribunal Constitucional num longo articulado, do seguinte teor:
«1º
A arguida interpôs recurso para fixação de jurisprudência para o pleno das
secções criminais do STJ, alegando a existência de diferente entendimento
jurisprudencial no que respeita à interpretação dada ao art. n.º 400º, nº 1, al.
f), CPP, porquanto o conceito 'aplicável' referido na norma em apreço, tem sido
interpretado, ora no sentido de considerar a pena abstractamente aplicável, tal
como sucede com o Acórdão fundamento indicado (Ac. do STJ de 09/10/2003,
retirado do processo 03P2850) ora no sentido de considerar a pena concretamente
aplicada, tendo nas suas conclusões referido:
A- Existem acórdãos opostos sobre a mesma questão fundamental de direito, ou
seja, à mesma disposição legal – art. 400º, n.º 1, al. f), CPP- foram dadas
diferentes interpretações/aplicações, ora se entendendo que o vocábulo
'aplicável' se refere à pena abstractamente considerada, ora se entendendo que
se refere à pena em concreto.
B- Verifica-se uma identidade das situações de facto e respectivo
enquadramento jurídico, contempladas nas decisões em confronto, e neste sentido
conferir o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis, em 'Breve Estudo sobre a
Reforma do Processo Civil', 2ª ed., pág. 666, no qual se ensina 'Para que seja
admissível recurso (...) não é forçoso que a oposição entre acórdãos se
manifeste na decisão, isto é, que a questão final a resolver num e noutro caso
fosse a mesma. (...) O fundamento de uma decisão final pode, por sua vez,
corresponder à duma questão preliminar. Por outras palavras: a decisão final
pode ser a consequência ou o corolário lógico duma decisão anterior.'
C- A oposição entre acórdãos é explicita.
D- Ambos os acórdãos, quer o proferido nos presentes autos, quer o invocado
como fundamento, transitaram em julgado.
E- Os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação.
F- Assim, deve o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça,
uniformizando a jurisprudência, proferir acórdão no sentido de que:
'É admissível recurso para o STJ, nos termos do art. 400º, nº 1, al. f), CPP, do
acórdão condenatório da Relação que confirme a decisão de primeira instância,
sempre que, em abstracto a moldura penal aplicável ao caso seja superior a oito
anos de prisão, e mesmo que em concreto não seja já possível a aplicação de uma
pena superior a oito anos.'
2
Posteriormente, foram os autos presentes à conferência e aí foi decidido
rejeitar o recurso de fixação de jurisprudência, defendendo-se em suma:
I) 'Os acórdãos em confronto - recorrido e fundamento foram
proferidos pelo STJ precisamente na mesma data e secção - 9 de Outubro de 2003 –
5ª secção ainda que o trânsito de um e do outro tenham ocorrido (por razões que
se desconhecem) em datas distintas. O acórdão recorrido transitou em 21.04.04; o
acórdão fundamento transitou a 27.10.2003. Neste particular aspecto
afigura-se-nos óbvio - até pela natureza das coisas e pelo objectivo do recurso
que, relevante será apenas a data da prolacção dos acórdãos e não do seu
trânsito (...) acórdão anterior, anterior no sentido de ter sido proferido (e
não transitado antes).
II) Por outro lado, entendeu-se que não haveria oposição de
julgados por não haver 'identidade de situações fáctico jurídicas nem há
identidade de questões de direito', nomeadamente, '(...) no Ac. recorrido a
questão foi resolvida tendo em vista a interpretação e aplicação dos normativos
dos art. 400º, n.º 1, al. f) (dupla conforme), e o art. 409º (proibição da
reformatio in pejus), ambos do CPP, o que conduziu à rejeição de determinado
recurso; no outro, o Acórdão fundamento, a questão foi resolvida com base na
'norma essencial' (como se diz) do art. 432º, al. d), do CPP e que conduziu à
admissão de um recurso, directamente para o STJ, de acórdão proferido pelo
colectivo visando apenas o reexame da matéria de direito, independentemente da
pena aplicada ou aplicável. Para que se tenha por existente a oposição de
julgados, é necessário que os mesmos dispositivos sejam interpretados e
aplicados diversamente a factualidades idênticas, sendo ainda de exigir que uma
das decisões tenha estabelecido de forma expressa entendimento contrário ao
fixado na outra. (....)
No acórdão recorrido, deparamos com esta situação: a recorrente A. foi condenada
em primeira instância como autora de um crime de branqueamento de capitais, p. e
p. pelo art. 23º do DL. n.º 15/93, de 22.01, na pena de 8 anos de prisão.
Recorreu para a Relação que, dando provimento parcial ao recurso, baixou a pena
para 6 anos e 6 meses de prisão. Recorreu ainda para o STJ, onde se suscitou a
questão prévia da rejeição do recurso, por inadmissível - questão que foi
julgada procedente, vindo o recurso a ser rejeitado com base na aplicação
conjugada dos art. 400º, n.º 1, al. f), e 409º do CPP.
Entendeu-se que havia dupla conforme quanto a uma pena aplicada em medida
inferior a 8 anos de prisão (embora a pala aplicável fosse superior a 8 anos) e
que, por o MP não ter recorrido, já não podia ser aplicada pena mais grave.
No acórdão fundamento, a situação apresenta-se assim: o arguido F.. foi
condenado pelo tribunal colectivo pela prática de um crime de abuso de confiança
fiscal, numa pena de multa.
Recorreu directamente para o STJ, visando apenas o reexame de matéria de
direito.
No STJ foi suscitada pelo MP a questão prévia da irrecorribilidade da decisão
para o STJ que não cuida (ou não devia cuidar) da pequena ou média
criminalidade, que seria competência da Relação.
O STJ julgou improcedente essa questão e considerou-se competente para conhecer
do recurso, por força do disposto no art. 432º, al. d), CPP.
(...)'
3º
Inconformada com esta decisão, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional
tendo sido proferida decisão de não admissão do recurso, sendo aí defendido, em
suma:
3.1. 'Em primeiro lugar, a recorrente não identificou durante o processo –
maxime no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa.
Na verdade , é patente que a Recorrente apenas se insurge contra o teor da
decisão recorrida, imputando-lhe directa e imediatamente o vício da
inconstitucionalidade (...).
Ora, o objecto da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade são apenas
normas jurídicas, não podendo o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre uma
(eventual) 'inconstitucionalidade da decisão judicial', como, de resto, tem sido
unanimemente acentuado pela jurisprudência deste Tribunal (...) - o que exige
que, ao suscitar-se a questão da inconstitucionalidade, se deixe claro qual o
preceito constitucional cuja legitimidade se questiona, ou, no caso de se
questionar certa interpretação de uma determinada norma, qual o sentido ou
dimensão normativa do preceito que se tem violador da lei fundamental.
Por isso se reconhece que os recursos de constitucionalidade, embora interpostos
de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém
sobre a violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na
decisão recorrida como sua ratio decidendi, não podendo visar as próprias
decisões jurisprudenciais, identificando-se, nessa medida, o conceito de norma
jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de constitucionalidade,
pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir
objecto de tal recurso (...).
3.2. Mas, mesmo a admitir-se - sem se conceder - que a Recorrente suscitou e
pretende impugnar uma dimensão interpretativa ao art. 437º do Código de Processo
Penal em termos de individualizar uma norma que presidisse à resolução do caso
ao nível 'da interpretação de que a expressão - acórdão proferido em último
lugar - se refere apenas ao dia e não à hora, porque pode um acórdão ter sido
proferido em último lugar, no mesmo dia, se foi proferido em hora posterior
(...) não estando provado no processo qual dos acórdãos foi proferido em último
lugar, apesar de terem sido proferidos pela mesma secção, uma interpretação do
art. 437º citado implicaria a admissão do recurso dado nas suas decisões os
tribunais estarem obrigados a respeitar as normas constitucionais e os
princípios consignados na Constituição, nos termos do art. 204º da CRP', sempre
haveria de concluir-se que, em tais circunstâncias, também o Tribunal
Constitucional não poderia conhecer do objecto do recurso uma vez que a ratio
decidendi do juízo recorrido não deixa de assentar no reconhecimento de que,
para além desse facto, improcedia, no plano substantivo-material, a invocada
oposição de julgados, afirmando-se ai 'que a recorrente invoca como acórdão
fundamento, uma decisão do STJ que se pronunciou sobre uma questão de direito
que nada tem a ver com a questão de direito apreciada no acórdão recorrido.
Aliás, nessa mesma linha, esclareceu o Juiz Conselheiro Relator que 'de todo o
modo o acórdão agora posto em crise, apenas se limitou a decidir pela não
verificação da oposição de julgados, ainda que, a latere, se aludisse à situação
inédita (para nós) de ambos os acórdãos, em confronto, terem sido proferidos na
mesma data, sem que daí se retirasse argumentação decisiva para a solução
adoptada.' Pelo que, também por esta base não se poderia tomar conhecimento do
objecto do recurso, porquanto, qualquer que fosse o resultado que tal recurso
merecesse, este seria, sempre, insusceptível de vir a afectar a decisão
recorrida. A resolução do recurso teria o sentido e a utilidade de um simples
exercício académico, não satisfazendo assim, o principio da instrumentalidade do
conhecimento da questão de constitucionalidade, nos termos do qual a decisão de
inconstitucionalidade terá sempre como efeito a desconsideração do sentido
normativo com que a norma foi efectivamente aplicada, com a consequente
alteração dos termos da decisão recorrida que naquele sentido se tenham fundado.
3.3. Além do referido, a recorrente vem sustentar que: 'Por outro lado, entendeu
o acórdão de que ora se recorre que não haveria oposição de julgados por não
haver 'identidade de situações fáctico jurídicas nem identidade de questões de
direito.'
Mais uma vez foi violado o art. 32º-1 e 2, do Constituição da República, já que
o art. o 437º-1, do Código de Processo Penal exige apenas oposição relativamente
'às mesmas questões de direito', o que, interpretado à luz daquelas disposições
constitucionais, implicaria que desde que a questão de direito em causa fosse
diferente, o recurso não deveria ser admitido.
(...) E a questão de direito é a mesma em ambos os acórdãos, isto é, o saber-se
se o art. 400º-f), do CPP se aplica às penas em concreto aplicadas ou à moldura
penal abstracta da pena.'
Também aqui, como se prefigura claro, a ratio decidendi do juízo proferido pelo
Supremo Tribunal de Justiça passa precisamente pela constatação de que não
existe identidadde de questões de direito. É certo que a recorrente não concorda
com o decidido, mas tal apreciação – envolvendo a aplicação concreta da norma ao
caso decidendo – escapa também, pelos motivos já expostos, à sindicância deste
Tribunal.”
3.4. 'Por fim, para que o Tribunal Constitucional pudesse tomar conhecimento
seria igualmente necessário que houvesse sido suscitada durante o processo uma
questão de constitucionalidade normativa em termos do tribunal a quo ficar
vinculado ao seu conhecimento.
O alcance desta exigência tem sido, em diversas ocasiões, esclarecido por este
Tribunal. (...)
Ora, no caso dos presentes autos, é manifesto que os recorrentes não suscitaram
adequadamente qualquer problema de inconstitucionalidade normativa que o
Tribunal Constitucional devesse conhecer ao abrigo do disposto no art. 280º, n.º
1, al. b), da Constituição e no art. 70º, n.º 1, al. b), da LTC.
Na verdade, na oportunidade processual que dispôs, maxime na resposta à promoção
do representante do MP junto do STJ, a recorrente não imputa qualquer
inconstitucionalidade às normas do CPP aplicáveis ao caso direccionando antes o
seu arrazoado discursivo em reacção directa e imediata à solução constante dessa
peça processual (...). E nesse momento, a recorrente estava claramente em
condições de poder suscitar a questão da inconstitucionalidade do art. 437º do
CPP nas dimensões normativas relevantes, o que, de todo, acabou por não fazer.'
4º
Com tal decisão, não pode a Recorrente conformar-se, nomeadamente, por
considerar que, e ao contrário do que foi defendido na decisão sumária
proferida, foi devidamente suscitada uma questão de inconstitucionalidade
normativa.
4.1. AO CONTRÁRIO DO QUE SE ESCREVEU NA DECISÃO RECLAMADA, E SALVO DEVIDO
RESPEITO, A RECORRENTE INDICA AS NORMAS CONSTITUCIONAIS VIOLADAS NA DECISÃO
RECLAMADA.
No ponto 4 da douta decisão reclamada estão, por mais do que um vez, no texto da
recorrente aí transcrito, indicadas as normas constitucionais violadas: os
artigos 32º- 1 e 2, e ao art. 204º da Constituição da República.
Aliás, o acima transcrito em itálico em 3.1. é claramente contraditório, negando
no 2º parágrafo o que se afirma no primeiro.
4.2.
Quanto à questão referida em 3.2
Na realidade, o que pretende a Recorrente com o seu requerimento de interposição
de recurso para o Tribunal Constitucional, é que esta instância sindique a
interpretação ou a dimensão interpretativa que foi dada, por um lado, à locução
'acórdão proferido em último lugar' prevista no n.º 1 do art. 437º do Código de
Processo Penal pelo Supremo Tribunal de Justiça, bem como à interpretação dada à
expressão 'mesma questão de direito', igualmente prevista no n.º 1 da norma
supra citada.
Cumpre, desta forma, analisar a primeira das locuções acima mencionadas.
Foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça que o recurso para fixação de
jurisprudência interposto pela arguida não poderia proceder, uma vez que,
'Os acórdãos em confronto - recorrido e fundamento foram proferidos pelo STJ
precisamente na mesma data e secção - 9 de Outubro de 2003-5ª secção ainda que o
trânsito de um e do outro tenham ocorrido (por razões que se desconhecem) em
datas distintas. O acórdão recorrido transitou em 21.04.04; o acórdão fundamento
transitou a 27.10.2003. Neste particular aspecto afigura-se-nos óbvio - até pela
natureza das coisas e pelo objectivo do recurso que, relevante será apenas a
data da prolação dos acórdãos e não do seu trânsito (...) acórdão anterior,
anterior no sentido de ter sido proferido (e não transitado antes).' - retirado
do Acórdão proferido pelo Supremo, em conferência.
Nos pontos 2, 3, 4, 5 e 6 requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional, QUE SE DÁ AQUI COMO REPRODUZIDO, consta tudo isso.
Ora, o Tribunal Constitucional só pode conhecer de questões de
constitucionalidade de normas, sendo certo que este controlo tanto pode
respeitar a uma norma em concreto, como a uma sua dimensão parcelar, como também
à interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso em concreto e aplicada
na decisão recorrida - Acórdãos 151/94; 238/94; 243/95; 18/96; 644/97; 338/98;
285/99; 363/99; 520/99; 527/99; 558/99; 680/99; 683/99; 156/00; 219/00,
disponibilizados em www.tribunalconstitucional.pt
Acresce que já foi decidido por este Tribunal no Acórdão 31/88:
'Afirmar que uma norma, na interpretação que lhe foi dada por qualquer tribunal,
afronta a lei fundamental, vale como arguição de inconstitucionalidade e é,
assim, fundamento de recurso.' - itálico nosso.
E também no Acórdão 674/99:
'O Tribunal Constitucional não pode deixar de controlar dimensões normativas
referidas pelo julgador a uma norma legal (...). O resultado do processo de
interpretação ou criação normativa (tanto de meras dimensões normativas como de
normas autónomas), ínsito na actividade interpretativa dos tribunais comuns e
pelo Tribunal Constitucional, quando a própria Constituição exigir limites muito
precisos a tais processos de interpretação ou criação normativa, não
reconhecendo qualquer amplitude criativa ao julgador.” - Negrito e itálico
nossos.
Ora, nos presentes autos, o que a Recorrente pretende é que seja analisada a
dimensão interpretativa que foi dada Aquelas expressões -'acórdão proferido em
último lugar' e 'mesma questão de direito', e se a dimensão interpretativa dada
pelo Supremo Tribunal de Justiça viola ou não os citados artigos 32º e 204º da
Constituição da República,
tendo-o explicitado no momento processual oportuno – na resposta à promoção do
Ministério Público junto do Supremo Tribunal e no seu requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
4.3.
Ao contrário do que se entende no douto despacho reclamado, questão que se
coloca em 3.3. passa pela verificação da inconstitucionalidade da interpretação
da lei processual penal dada pelo Supremo Tribunal de Justiça para decidir que
não existe identidade de questões de direito nos dois caos. E essa questão foi
suscitada atempadamente pelo reclamante. No ponto 4 da douta decisão reclamada
claramente de
4.4.
Entende a Recorrente que a questão da inconstitucionalidade normativa, ou melhor
dito, que a inconstitucionalidade da interpretação dada à norma em apreço, foi
devidamente suscitada. Senão, vejamos:
Na decisão sumária proferida pelo Ex.mo Juiz Conselheiro Relator consta:
'Por fim, para que o Tribunal Constitucional pudesse tomar conhecimento seria
igualmente necessário que houvesse sido suscitada durante o processo uma questão
de constitucionalidade normativa em termos do tribunal a quo ficar vinculado ao
seu conhecimento.(...)
Na verdade, na oportunidade processual que dispôs, maxime na resposta à promoção
do representante do MP junto do STJ; a recorrente não imputa qualquer
inconstitucionalidade às normas do CPP aplicáveis ao caso, direccionando antes o
seu arrazoado discursivo em reacção directa e imediata à solução constante dessa
peça processual (...). E nesse momento, a recorrente estava claramente em
condições de poder suscitar a questão da inconstitucionalidade do art. 437º do
CPP nas dimensões normativas relevantes, o que, de todo, acabou por não fazer.'
Salvo devido respeito, o parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal
de Justiça apenas se pronunciou quanto à não verificação, no caso em concreto,
da identidade de questão de direito.
Perante tal parecer, a Recorrente elaborou resposta, ai defendendo que o
entendimento sufragado pelo Exmo Sr. Procurador, nomeadamente, no que concerne à
interpretação da locução 'mesma questão de direito' com a amplitude ali
plasmada, implicava uma clara violação do direito de defesa que é atribuído ao
arguido pelo nº 1 do art. 32º da Constituição.
NÃO É ASSIM VERDADE, salvo devido respeito, ao contrário do que foi decidido no
douto acórdão reclamado, QUE A RECORRENTE NÃO TENHA INVOCADO A
INCONSTITUClONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO DA LEI que foi dado pelo Ministério
Público e que foi sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça no douto acórdão
recorrido.
Acresce que a recorrente não se pronunciou quanto à questão da
inconstitucionalidade da interpretação dada à expressão 'acórdão proferido em
último lugar' porque esta questão nem sequer foi levantada no parecer elaborado
pelo MP, mas apenas num momento posterior, aquando foi proferido acórdão tirado
em conferência no Supremo Tribunal de Justiça, pelo que, não poderia ser exigido
à Recorrente que se pronunciasse sobre uma questão que nem sequer havia sido
levantada.
Após a prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, foi no requerimento
de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional que a Recorrente se
pode pronunciar sobre esta questão, e não antes.
Ora, arguir a questão da inconstitucionalidade 'durante o processo' significa
que essa questão tenha sido levantada enquanto causa se encontra «pendente», ou
seja, antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final.
E no que toca à expressão “mesma questão de direito', a mesma foi oportunamente
suscitada. O mesmo só não sucedeu quanto à locução 'acórdão proferido em último
lugar' pelos motivos expostos supra.
Destarte, deve o presente recurso ser admitido, tanto mais que, para além de ter
sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa, a mesma foi
oportunamente deduzida.
Ao que acresce:
Não pode a Recorrente deixar ainda de pronunciar-se sobre aquilo que considera
ser a verdadeira ratio decidendi dos presentes autos.
Se, por um lado se concorda com aquilo que foi defendido pelo Ex.mo Juiz
Conselheiro Relator na parte em que defende que a ratio decidendi nos presentes
autos passa pela averiguação da existência de identidade das questões de
direito, sendo certo que esta questão foi devida e atempadamente suscitada, não
menos verdade, é o facto de ser também relevante a análise da expressão 'acórdão
proferido em último lugar', uma vez que também este argumento jurídico
constituiu a razão de ser da decisão judicial adoptada no caso em concreto.
Por outras palavras: também a necessária averiguação da expressão 'acórdão
proferido em último lugar' constitui igualmente o fundamento normativo do
julgamento da causa, não constituindo um mero obiter dictum.
5.
Finalmente, cumpre dizer que, ao contrário do que entendeu o Supremo Tribunal de
Justiça e entendeu também o douto acórdão reclamado, não deverá ser afunilada a
possibilidade de recurso para uniformização de jurisprudência, nem o recurso
para o Tribunal Constitucional por inconstitucionalidade das leis ou da sua
interpretação, SOBRETUDO EM DIREITO PENAL, JÁ QUE ESTÃO EM CAUSA OS DIREITOS
LIBERDADES E GARANTIAS DOS CIDADÃOS.,
E ESTÁ TAMBÉM EM CAUSA A CONFIANÇA DOS CIDADÃOS NA JUSTIÇA, QUE É
INEVITAVELMENTE ABALADA PERANTE DECISÕES OPOSTAS FACE À MESMA QUESTÃO.
Está a reclamante certa que este Venerando Tribunal irá ponderar estas questões,
dando-lhes o peso que merecem, como é seu timbre.
CONCLUINDO.
Pelo supra exposto, deve a decisão sumária proferida pelo Juiz Conselheiro
Relator ser revogada e substituída por outra que admita o presente recurso.».
3 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu
nos seguintes termos:
«1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente:
2 – Na verdade, a longa argumentação do reclamante em nada abala o
sentido da douta decisão sumária, no que toca à evidente inverificação dos
pressupostos do recurso interposto».
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1. A., melhor identificada com os sinais dos autos, recorre para o
Tribunal constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b),
com o seguinte requerimento de interposição de recurso:
«(...)
1º
A recorrente interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência de 2
acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que, no seu entender, relativamente à
mesma questão de direito assentaram em soluções opostas, no caso concreto,
proferiram decisões opostas com base em interpretações também opostas da mesma
disposição legal, no caso concreto o art. 400º-1 do Código de Processo.
2º
O recurso não foi admitido por várias razões, a primeira das quais foi o facto
de os acórdãos terem sido proferidos nos mesmo dia, 9 de Outubro de 2003, pela
mesma secção, a 5ª, sendo certo que o recurso é admitido relativamente ao
acórdão proferido em último lugar, o que pressupõe datas diferentes.
3º
Entende a recorrente que, nesta parte, o acórdão recorrido violou o art. 437º-1
do Código de Processo Penal, dando-lhe a interpretação de que a expressão
'acórdão proferido em último lugar' se refere apenas ao dia e não à hora, porque
pode um acórdão ser proferido em último lugar, no mesmo dia, se foi proferido em
hora posterior.
4º
Não estando provado no processo qual dos acórdãos foi proferido em último lugar,
APESAR DE TEREM SIDO PROFERIDOS PELA MESMA SECÇÃO, uma interpretação do art.
437º-1 citado implicaria a admissão do recurso dado nas suas decisões os
Tribunais estarem obrigados a respeitar as normas constitucionais e o os
princípios consignados na Constituição, nos termos do art. 204º da Constituição
da República
5º
Uma dessas disposições é a do art. 32º da CR, que no seu n.º 1 assegura ao
arguido todas as garantias de defesa e no seu n.º 2 estabelece o princípio in
dubio pro reo, isto é, de que as normas processuais penais e as normas penais
devem ser interpretadas na, dúvida, no sentido mais favorável ao réu.
6º
O acórdão ora recorrido violou, por isso, ao art. 204º da CR e ainda os artigos
32º-1 e 2 da mesma Constituição da República, na medida em que, sendo os
acórdãos proferidos no mesmo dia, teriam, necessariamente, de ser proferidos em
horas diferentes já que o foram pela mesma secção, a 5ª. E não estando
demonstrado qual deles foi proferido em segundo lugar, a aplicação correcta
daquelas disposições constitucionais implicaria que o recurso tivesse de ser
admitido já que só assim, NA DÚVIDA, se decidiria a favor do réu, e lhe seriam
asseguradas todas as garantias defesa, incluindo a de recurso.
7º
Por outro lado entendeu a 5ª Secção do STJ que não haveria oposição de julgados
por não haver “identidade de situações fáctico-jurídicas nem há identidade de
questões de direito”.
Mais uma vez foi violado o art. 32º-1 e 2, da Constituição da República já que o
art. 437º-1, do Código de Processo Penal exige apenas oposição relativamente 'às
mesmas questões de direito' o que, interpretado à luz daquelas disposições
constitucionais, implicaria que desde que a questão de direito em causa fosse
diferente, o recurso deveria ser admitido.
8º
E a questão de direito é a mesma em ambos os acórdãos, isto é, o saber-se se o
art. 400º-f), do Código de Processo Penal se aplica às penas em concreto
aplicadas ou à moldura penal abstracta da pena.
9º
Todas estas questões foram suscitadas pela da recorrente, nomeadamente na
resposta ao parecer do Ministério Público quanto à admissibilidade do recurso.
10º
Já não é possível interpor qualquer recurso ordinário nos presentes autos, sendo
a decisão proferida definitiva.
11º
O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70º da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 75º-A,
sobe imediatamente, nos autos, com efeito devolutivo (art. 78º deste diploma
legal).
Nestes termos e nos do art. 280º da Constituição da República, vem a Arguida
requerer que lhe seja admitido o presente recurso para o Tribunal
Constitucional, fixando-se efeito devolutivo a este recurso – art. 78º da LOTC».
2. Perscrutando os autos, deles resulta que:
2.1. A recorrente havia interposto para o Supremo Tribunal de
Justiça recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, invocando
seguinte argumentação:
«(...)
1º
A recorrente foi condenada a 8 anos de prisão e ao pagamento de uma coima de €
15 000,00 pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo
art.º 23º, n.º 1, al. a) do DL 15/93, de 22 de Janeiro, em processo que correu
os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca da Maia.
2º
Inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que concedeu
provimento parcial ao recurso, revogando a coima e reduzindo a pena de prisão
para 6 anos e 6 meses.
3º
Deste acórdão recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, e nesta instância foi
proferido acórdão no sentido de não admissão do recurso (com um voto de vencido)
onde se alegava o seguinte:
“Estamos perante um acórdão da Relação do Porto que confirmou a decisão de
primeira instância. Tal confirmação verifica-se, mesmo nos casos, como o
presente, de redução da pena aplicada em 1ª instância, mantendo-se o mesmo
enquadramento jurídico - penal, vide, entre outros, os acórdãos deste Supremo
Tribunal, de 16-01-2003 e de 13-02-2003, in Col. Jur.STJ XXVIII-I-162 e 186
respectivamente.
Trata-se, pois, de uma decisão proferida pela Relação do Porto, em recurso, da
qual só se pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça se a mesma for
recorrível.
É o que dispõe a al. b) do art. 432º do CPP, remetendo para o disposto no art.
400º do mesmo diploma. In casu apenas interpuseram recurso os arguidos, não o
tendo feito o Ministério Público.
Assim, há que ter em conta o disposto no art. 409º do CPP no que concerne à
reformatio in pejus, segundo a qual, interposto recurso de decisão final somente
pelo arguido - que é o caso que ora releva – o tribunal superior não pode
modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida,
em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes - vide o n.º 1
do referido art. 409º.
Isto significa que a pena aplicável pelo tribunal de recurso - mormente a de
prisão (vide o n.º 2 daquele art. 409º) - a cada um dos crimes, por cuja prática
o arguido foi condenado, não pode ser superior à pena aplicada pelo tribunal
recorrido a cada um dos mesmos crimes - v. Os Acórdãos deste Supremo Tribunal,
de 11-04-2002 (proc. n.º 150/02-3ª secção; dois de 27-03-2003, proc. n.º 859/03
e 870/03, ambos da 5ª secção); de 05-06-2003 (proc. n.º 150/03- 5ª secção) e de
03-07-2003 (proc. n.º 244/03-5ª secção).
Ora, in casu. a Relação confirmou - embora com redução da pena - o acórdão de
primeira instância, aplicou à arguida A. a pena de 6 anos e 6 meses de prisão
pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 23º,
n.º 1, al. a), do DL n.º 15/93, e ao arguido B. a pena de 7 anos e 6 meses de
prisão por um crime de tráfico de estupefacientes agravado.
Portanto, estamos perante um acórdão condenatório, que confirmou a decisão de
primeira instância, em processos por crimes aos quais, pela via de novos
recursos - agora para este Supremo Tribunal - não é aplicável pena de prisão
superior à já aplicada pela Relação, pelo que, face ao disposto no art. 400º,
n.º 1, al. f), do CPP, conjugado com o art. 409º do mesmo diploma, não são
admissíveis os presentes recursos (a decisão é, pois, neste caso, irrecorrível)
que têm de ser rejeitados, nos termos do art. 414º, n.º 2, e 420º, n.º 1, CPP.'
Esta é uma das posições jurisprudenciais no que toca à interpretação do art.
400º, n.º 1, al. f), do CPP.
4°
Existe, porém, uma outra posição jurisprudencial relativamente á interpretação a
dar ao referido art. 400º-1, f), do CPP, que defende que a pena 'aplicável' é a
pena tal como configurada em abstracto na lei, isto é, a moldura da pena entre
os seus limites mínimo e máximo, por oposição à pena 'aplicada', que é aquela
que foi efectivamente encontrada para o caso concreto, pelo que, para a questão
da recorribilidade, não há que atentar à pena efectivamente aplicada, mas à que
em abstracto está configurada na moldura do crime pelo qual o arguido foi
condenado.
Foi neste sentido o Acórdão do STJ de 09/10/2003, tirado no processo 03P2850, em
que foi relator o Sr. Conselheiro C., que se encontra publicado em (...) , onde
se escreveu:
'I - A gravidade do crime para efeitos de determinação da competência do Supremo
e dos outros tribunais, é aferida, por força da lei, pela moldura abstracta,
sendo bastante, para, independentemente qualquer que tenha sido a pena concreta,
justificar, daquela óptica político- legislativa, que uns devam ser recorríveis
para o Supremo e outros não.
II - Assim, qualquer que seja a pena em concreto aplicada ao caso, é a pena
aplicável que constitui critério de recorribilidade ou não para o Supremo
Tribunal de Justiça.
III - Embora seja desejável que o Mais Alto Tribunal seja, em prazo curto
liberto da apreciação de caso configurantes de pequena e média criminalidade,
trata-se de questão de política legislativa que aos tribunais não compete
solucionar ante a clareza da lei processual vigente. (...)
1. A alegada da incompetência do Supremo para conhecer do recurso: Salvo sempre
o devido respeito, não pode acolher-se esta tese restritiva da competência do
Supremo Tribunal de Justiça perfilhada no parecer da Ex.ma Procuradora-Geral
adjunta neste Supremo Tribunal.
Com efeito, se é certo e indiscutível que, em termos de política criminal, se
deve preservar o Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de topo que é, de
intervir na solução de casos configurantes ou tidos como de meras «bagatelas
penais» e, mesmo, nos de pequena e média criminalidade, não é menos verdade que
tal solução importa, claramente, uma tomada de posição legislativa que a mera
interpretação das normas positivadas não permite atingir sem atropelo dos
princípios respectivos.
Como refere o recorrente, citando Simas Santos e Leal-Henriques (2), «O limite
máximo da interpretação da lei penal - e não só da lei penal, acrescenta-se
agora - é o sentido literal possível dos termos linguísticos utilizados no texto
legal. Em direito penal toda a interpretação que exceda este sentido literal
possível (excepto quando exista um evidente defeito de redacção no texto legal)
deixa de ser uma interpretação para se converter numa criação de direito por via
judicial ou doutrinal e, na medida em que sirva para fundamentar ou agravar a
responsabilidade penal, viola o princípio da legalidade».
No ensinamento sempre actual do Mestre intemporal que foi Manuel de Andrade, na
sua insuperável clareza de expressão (3) '...não há dúvida que as palavras da
lei podem comportar, e em regra comportam, diversos pensamentos. Mas nem todos
têm, sob este ponto de vista, a mesma legitimidade. Um deles representará a
significação natural imediata, espontânea dos dizeres legais; outro, uma
significação artificiosa ou arrevesada. Um deles encontrará no teor verbal da
lei uma expressão perfeitamente adequada; outro, uma notação vaga, tosca,
infeliz. Um deles sente-se como que à vontade dentro do texto legal; outro, só
lá se aguenta com certo mal estar. Ora isto há-de ser um motivo de preferência a
favor do primeiro pensamento, que deverá reputar-se o verdadeiro sentido da lei,
salvo se os demais factores da interpretação muito resolutamente aconselharem ou
impuserem outra solução'.
E se do ponto de vista político-legislativo essa solução deve merecer uma
reanálise cuidada, tal não invalida a conclusão interpretativa a que se chega,
na certeza de que, tal como ficou expresso na declaração de voto de 26/6/03, do
ora relator, no recurso n.º 1797/03-5, a propósito de questão paralela, sendo a
questão de política legislativa só o legislador pode dar-lhe resposta adequada e
os tribunais, em nome mesmo do princípio da separação dos poderes que enforma o
estado de direito independentemente da visão crítica que sobre ela possam ter,
outro caminho não têm que o dever respeitá-la.
Assim, a gravidade do crime para efeitos de determinação da, competência do
Supremo e dos outros tribunais, é aferida, como deve ser, pela moldura
abstracta, sendo bastante, para, independentemente qualquer que tenha sido a
pena concreta, justificar, daquela óptica político-legislativa, que uns devam
ser recorríveis para o Supremo e outros não.
Se tal critério se revelar desajustado ao legislador compete alterá-lo, não
competindo ao tribunal substituir-se-lhe.
De resto, em matéria de recursos, há que respeitar a segurança jurídica que os
sujeitos processuais só podem encontrar no conforto da lei e não em
interpretações jurisprudenciais que dela se tendem a afastar.
A vingar a tese defendida pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, o arguido nunca
saberá, no momento da interposição, se dirige o recurso ao STJ ou à Relação,
pois que se o assistente ou o M.º P.º também recorrerem, o que ele ignora, já
não ocorrerá a proibição da 'reformatio in pejus' e já não se verificará o
pressuposto (negativo) de não se estar perante uma (futura) decisão da Relação
que viesse a ser irrecorrível.
Essa insegurança não pode ser tolerada e, por isso, as regras de competência são
definidas antecipadamente e de modo abstracto. E como tal têm de ser
interpretadas.
Não ignoramos que, assim, o STJ acabará por conhecer de casos de pequena e média
gravidade. Mas também não podemos perder de vista que, se foram julgados pelo
tribunal colectivo, em algum momento tiveram gravidade suficiente para fazer
intervir esse tribunal e não o singular, circunstância que, só por si, justifica
a intervenção deste Supremo Tribunal. Tanto mais que o processo pode voltar a
uma fase anterior, por virtude de reenvio ou de anulação do acórdão.'
5º
Subsistem, assim, neste Supremo Tribunal de Justiça duas posições:
Uma, a que a recorrente adere, sustentada no Acórdão do STJ de 09/10/2003,
tirado no processo 03P2850, de que tem de se atender apenas à moldura abstracta
da pena para se decidir se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do
acórdão condenatório da Relação é ou não admissível, pelo que se ao caso for
aplicável pena de prisão superior a 8 anos, pese embora a pena aplicada na
Relação tenha sido inferior àquele limite, e ainda que não seja possível a
agravação da pena por aplicação do princípio da reformatio in pejus, o recurso é
admissível.
Outra, a defendida (com voto de vencido) no acórdão proferido nos presentes
autos, Processo n.º 3249/03-5ª secção, de que há que atender à pena
concretamente aplicada, caso em que, se a pena aplicada pela Relação for
inferior a 8 anos de prisão e não for possível a sua agravação em virtude do
funcionamento do princípio da proibição da reformatio in pejus, não será
admissível o recurso.
Daqui o conflito de jurisprudência.
6º
Em nosso entender, deve aderir-se à corrente jurisprudencial do primeiro destes
acórdãos, contrária, portanto à defendida no acórdão proferido nos presentes
autos, pelos motivos doutamente expostos naquele acórdão, e por outros que
melhor se exporão nas alegações a efectuar neste recurso.
CONCLUINDO:
A- Existem, assim, dois acórdãos opostos deste STJ (os antes referidos) sobre a
mesma questão fundamental de direito, ou seja, à mesma disposição legal – art.
400º, n.º 1, al. f), CPP - foram dadas duas interpretações opostas.
B- Verifica-se uma identidade das situações de facto e respectivo enquadramento
jurídico, contempladas nas decisões em confronto - neste sentido conferir o
ensinamento do Prof. Alberto dos Reis, em 'Breve Estudo sobre a Reforma do
Processo Civil', 2ª ed., pág. 666, no qual se ensina 'Para que seja admissível
recurso (...) não é forçoso que a oposição entre acórdãos se manifeste na
decisão, isto é, que a questão final a resolver num e noutro caso fosse a mesma.
(...) O fundamento de uma decisão final pode, por sua vez, corresponder à duma
questão preliminar.'
C- A oposição entre acórdãos é explícita.
D- Ambos os acórdãos, quer o proferido nos presentes autos, quer o invocado como
fundamento, transitaram em julgado.
E- Os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação.
F- Assim, deve o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça,
uniformizando a jurisprudência, proferir acórdão no sentido de que:
'É admissível recurso para o STJ, nos termos do art. 400º, n.º1, al. f), CPP do
acórdão condenatório da Relação que confirme a decisão de primeira instância,
sempre que, em abstracto, a moldura penal aplicável ao caso seja superior a oito
anos de prisão, e mesmo que em concreto não seja já possível a aplicação de uma
pena superior a oito anos.'
2.2. Nesse Supremo Tribunal, o representante do Ministério Público manifestou-se
no sentido da rejeição do recurso por ser “meridianamente claro não se verificar
oposição de julgados”, louvando-se na seguinte argumentação:
«(...) Não obstante a legitimidade da recorrente e tempestividade do recurso,
deverá o mesmo ser rejeitado, nos termos do art. 441º.1, do Cód. Proc. Penal,
por não se verificar a necessária oposição de julgados.
É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que as expressões
normativas soluções opostas relativas à mesma questão de direito constantes do
art. 437º.1 do Cód. Proc. Penal, exigem que[1] essa mesma questão integre o
objecto concreto e directo das duas decisões, objecto naturalmente fundado em
circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico do ponto de vista dos seus
efeitos jurídicos.
No acórdão recorrido, em que estava em causa o crime do art. 23º.1, al. a), do
Dec.-Lei n.º 15/93, punido em abstracto com pena de prisão de 4 a 12 anos, e em
concreto com 8 anos de prisão, reduzida pela Relação para 6 anos e 6 meses,
diz-se:
(..) Estamos perante um acórdão da Relação do Porto que confirmou a
decisão da 1ª instância. Tal confirmação verifica-se mesmo nos casos, como o
presente, de redução da pena aplicada em 1ª instância ...
Trata-se, pois, de uma decisão proferida pela Relação do Porto, em
recurso, da qual só se pode recorrer para o Supremo ..., se a mesma for
recorrível.
Portanto, estamos perante um acórdão condenatório que confirmou a
decisão da 1ª instância, em processo por crimes aos quais, pela via dos novos
recursos - agora para este Supremo Tribunal -não é aplicável pena superior às já
aplicadas pela Relação, pelo que face ao disposto no art. 400º, n.º 1, al. f),
do C.P.P., conjugado com o art. o 409º do mesmo diploma, não são admissíveis os
presentes recursos (a decisão é, pois, neste caso, irrecorrível), que, assim,
têm que ser rejeitados ... .
Por seu turno, no acórdão fundamento, o que estava em causa era a possibilidade
de recurso directo para o Supremo de decisão do colectivo, em processo por crime
de abuso de confiança fiscal, punido em concreto, com pena de multa, e em
abstracto, com prisão até 3 anos ou multa.
Tal vale por dizer que, no acórdão recorrido, este Supremo Tribunal
entendeu rejeitar por inadmissibilidade o recurso, pelo facto da pena aplicável,
em virtude do princípio da proibição de reformatio in pejus, não poder exceder
os 8 anos de prisão, enquanto que no acórdão fundamento, o STJ, pronunciando-se
sobre a possibilidade de recurso directo de decisões do colectivo para o
Supremo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito,
independentemente da moldura penal aplicável ao crime, entendeu dele conhecer.
Ora, como se diz no Acórdão deste STJ de 23 de Janeiro de 2003,
processo n.º 1775/02-5 revestindo-se o recurso para fixação de jurisprudência,
de natureza excepcional, a interpretação das regras jurídicas que o disciplinem
deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa
excepcionalidade, por modo e forma a que, evitando a sua vulgarização, do mesmo
passo se impeça a sua transformação (ínvia) em mais um recurso ordinário.
Por aqui se explica - e encontra justificação - a orientação
restritiva com que tem vindo a ser encarada a admissibilidade desta providência
recursória, confinando-se a mesma aos limitados e cumulativos requisitos da
identidade dos factos e da identidade da questão de direito.
Não se verifica essa última identidade se são diferentes os
respectivos enquadramentos jurídicos, surgindo num dos acórdãos o diverso
entendimento sobre a mesma questão, não como decisão, mas como fundamento».
2.3. Em resposta a tal parecer, veio a Recorrente sustentar que:
«(...)Pretende o Sr. Procurador que o Sr. Relator terá de proferir despacho a
admitir ou rejeitar o recurso, valendo-se, nomeadamente, do disposto no art.
439º-3, do Código de Processo Penal (CPP). Ora esta disposição legal trata,
claramente, do caso de o recurso ter sido interposto na Relação.
Quanto ao recurso interposto já no Supremo Tribunal de Justiça, o art. 441º do
CPP é claro ao estabelecer que no caso de o fundamento da rejeição do recurso
ser a não oposição de julgados, a rejeição com esse fundamento é decidida em
conferência, e não apenas pelo relator.
Não tem assim razão, salvo devido respeito, o Sr. Procurador, no que toca à
questão prévia por ele levantada.
2. PRETENSA NÃO OPOSIÇÃO DE JULGADOS
O art. 437º do Código de Processo Penal é categórico ao afirmar quais os
requisitos a que deve obedecer o recurso extraordinário de fixação de
jurisprudência, a saber:
a) serem proferidos dois acórdãos adoptando soluções diversas;
b) hajam resolvido a mesma questão fundamental de direito;
c) tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação;
d) que as decisões tenham transitado em julgado.
No seu douto parecer defende o Ex.mo Senhor Procurador do Ministério Público
que, no presente caso, não se verifica oposição de julgados, porquanto (...) 'É
jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que as expressões normativas
soluções opostas relativas à mesma questão de direito (...) exigem que essa
mesma questão integre o objecto concreto e directo das duas decisões, objecto
naturalmente fundado em circunstancialismo táctico essencialmente idêntico do
ponto de vista dos seus efeitos jurídicos '
3.
Salvo devido respeito, não pode colher tal posição porque não tem qualquer
correspondência expressa na letra da lei nem foi esse o pensamento do legislador
(Conferir n.ºs 1 e 2 do art. 9º do Código Civil).
Há ainda que atentar no n.º 3 desta disposição legal que dispõe:
'Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados.'
Em matéria de interpretação de normas é ainda actual o ensinamento trazido pelo
Prof. Oliveira Ascensão, segundo o qual: “a letra da lei não é só o ponto de
partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer, o
texto funciona também como limite de busca do espírito' (O Direito - Introdução
e Teoria Geral 1978, pág. 350).
Acresce, a lição trazida pelo Prof. Gomes Canotilho, in “Direito
Constitucional', 5ª ed., 1992, pág. 235 e seguintes: 'Se a norma comportar duas
dimensões interpretativas possíveis sendo uma incompatível e outra compatível
com determinado texto constitucional, deve o interprete ou aplicador escolher a
de sentido compatível, realizando, assim, uma operação de interpretação conforme
à Constituição.' (negrito nosso)
Aceitar a posição ora defendida pelo Ex.mo Senhor Procurador, seria admitir que
os tribunais poderiam legislar, em claro desrespeito pelo do art. 2º da CRP,
colmatando-se as PRETENSAS falhas cometidas pelo legislador, e/ou completar,
sucessivamente, por via jurisprudencial, o seu pensamento, mormente, por aquele
não se ter sabido exprimir nos melhores termos, ISTO SEGUNDO O SEU (dos
tribunais) PARTICULAR ENTENDIMENTO QUE NÃO TEM QUALQUER BASE DE SUSTENTAÇÃO NEM
NA LETRA NEM NO ESPÍRITO DO LEGISLADOR.
4.
O procedimento do Sr. Procurador é o de aditar, para além da letra da lei, e por
via jurisprudencial, requisitos de admissibilidade ao recurso de fixação de
jurisprudência, porque a restrição pretendida pelo Sr. Procurador não se
encontra minimamente plasmada na letra da lei.
A lei não distingue as duas situações aqui colocadas em questão pelo Sr.
Procurador e, desde o direito romano que se mantém (quase) unanimemente aceite o
princípio de 'ubi lex non distinguit, nec distinguire debemus.'
O Sr. Procurador parece esquecer este brocardo latino.
5.
A promoção do SR. Procurador significa restringir incomportavelmente o direito
de defesa que é atribuído ao arguido pelo art. 32º, n.º 1, da CRP
Convém ainda recordar o ensinamento intemporal do saudoso Mestre J. Alberto dos
Reis, retiradas do 'Código de Processo Penal Anotado - II Volume, ed. 2000,
página 993, anotado pelos Srs. Juizes Conselheiros M. Simas Santos e M.
Leal-Henriques:
'(...) O princípio da liberdade de interpretação pode conduzir a resultados
indesejáveis. A diversidade de opiniões, de cultura, de temperamento, de
critérios individuais dará naturalmente origem a interpretações divergentes, de
sorte que casos particulares, perfeitamente idênticos, virão a ter diverso
tratamento jurídico. E assim o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei
toma-se uma ficção e um mito.
A máxima constitucional - a lei é igual para todos - fica reduzida a fórmula vã,
se em consequência da liberdade de interpretação jurisdicional, a casos
rigorosamente iguais corresponderem situações jurídicas antagónicas ou
divergentes. O que importa essencialmente, para efeitos práticos, é a actuação
concreta da lei, e não a sua formulação em abstracto.
Sente-se, pois, a necessidade de conciliar o princípio da liberdade de
interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os
indivíduos. Quer dizer, reconhece-se a conveniência de tomar previdências
tendentes a assegurar, quanto possível a uniformização da jurisprudência.'
(negrito nosso).
No seguimento do seu ensinamento, o Prof. J. A. Reis, analisa e aprecia inúmeras
situações que podem perfeitamente servir de guia ao operador criminal, dada a
proximidade dos textos legais nos dois sistemas, acabando por concluir que
essencial para se considerar que há-de ter-se por verificado o requisito é que
exista «uma questão comum, a que os dois acórdãos deram solução oposta», ou
seja, há oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso «mesmo quando a
questão final decidida nos acórdãos seja diversa, se, para a decidirem, os
acórdãos tiveram de se pronunciar primeiro sobre a mesma questão de direito e se
pronunciaram sobre ela em sentidos opostos», continuando a haver oposição ainda
que «os casos concretos apresentem contornos e particularidades diferentes, se
tais diferenças não obstam a que a questão de direito seja fundamentalmente a
mesma e se a esta foi dada solução oposta nos acórdãos.
6.
A interpretação da lei não pode ser de tal modo restritiva que implique a recusa
da sua aplicação na prática à maior parte dos casos concretos à qual a lei seria
aplicável caso não se adoptasse essa interpretação restritiva.
TAL É PARTICULARMENTE SENSÍVEL E PERIGOSO QUANDO ESTÃO EM CAUSA OS DIREITOS,
LIBERDADES E GARANTIAS DOS CIDADÃOS, EM PARTICULAR O DIREITO À LIBERDADE.
Aqui, a interpretação da lei não pode, de modo algum, ir no sentido restritivo,
sob pena de violação do art. 32º-1 que dispõe que:
'O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o
recurso'.
Ora a douta promoção do Sr. Procurador conduz, na prática, à denegação do
direito ao recurso, já que restringe esse direito a situações que ele próprio
entende serem pressupostos de admissibilidade do recurso, MAS QUE, NO CASO
CONCRETO, ATÉ SÃO DIFICILMENTE VERIFICÁVEIS, OU MESMO DE VERIFICAÇÃO IMPOSSÍVEL.
E dizemos de verificação impossível porque, em bom rigor, nunca existem dois
casos concretos absolutamente idênticos, pelo que, a seguir-se a interpretação
propugnado pelo Sr. Procurador, NUNCA HAVERIA LUGAR A RECURSO PARA FIXAÇÃO DE
JURISPRUDÊNCIA, SOBRETUDO EM MATÉRIA PENAL.
7.
Acresce o facto de a recorrente entender que entre o acórdão recorrido e o
acórdão fundamento existe identidade relativamente à mesma questão de direito.
É inegável que em ambos se trata da questão da admissibilidade do recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, tendo como fundamento a mesma norma: o art. 400º,
n.º 1, al. f) do CPP, e que, em ambos, a interpretação jurisprudencial foi
claramente oposta.
Não tem a recorrente qualquer dúvida de que as questões de direito em confronto,
são, SEM MARGEM PARA DÚVIDAS, em absoluto idênticas.
Mas é claro que para quem, à partida, não pretenda aceitar o recurso, sempre é
possível encontrar diferenças.
SÓ QUE NÃO BASTA INVOCAR A EXISTÊNCIA DE DIFERENÇAS. É NECESSÁRIO CONCRETIZAR EM
QUE CONSISTEM AS INVOCADAS DIFERENÇAS NO QUE TOCA À QUESTÃO DE DIREITO.
E SOBRE ISSO O SR. PROCURADOR NÃO DISSE UMA ÚNICA PALAVRA.
8.
Afirma, por outro lado, que a fundamentação do acórdão fundamento e do acórdão
recorrido são idênticas.
A verdade, porém, é que a fundamentação no acórdão fundamento e no acórdão
recorrido não é idêntica, mas sim muitíssimo diferente.
Basta atentar ao facto de um dos acórdãos ter a sua origem na 5ª secção do
Supremo Tribunal de Justiça e o outro na 3ª secção e serem claras, conhecidas e
manifestas as divergências jurisprudenciais existentes naquelas secções no que
toca à matéria de admissibilidade de recurso para o Supremo, e mais
concretamente, no que concerne à interpretação a dar à norma contida no art.
400º, n.º 1, al. f), do CPP.
9.
Como se pode ver do ponto 3 da sua douta minuta, embora o Sr. Procurador se
refira a “...soluções opostas relativas à mesma questão de direito..., logo a
seguir salta para a invocação da necessidade de verificação de um
“...circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico...'
Isto é, onde a lei exige a verificação de circunstancialismo de direito
essencialmente idêntico, o Sr. Procurador salta por cima da lei e exige a
verificação de um circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico para a
admissão do recurso.
RESUMINDO: O Sr. Procurador exige para a admissão do recurso algo que a lei não
exige, violando claramente a lei processual penal (art. 437º-1) e constitucional
(art. 32º-1) na sua douta promoção.
10.
Esquece-se ainda de um pormenor essencial: é que o que está em causa em ambos os
acórdãos não é qualquer questão de facto subjacente aos mesmos, mas sim uma
questão de direito.
TANTO ASSIM QUE A REJEIÇÃO DO RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO
PRESENTE CASO OCORREU COMO QUESTÃO PRÉVIA, INCIDINDO APENAS SOBRE MATÉRIA DE
DIREITO E NÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO. E É A OPOSIÇÃO ENTRE DUAS QUESTÕES DE
DIREITO QUE SE PRETENDE VER AQUI APRECIADA, NADA TENDO ESSA APRECIAÇÃO A VER COM
A QUESTÃO DE FACTO, pelo que a diversidade de questões de facto (se é que
existe, o que não se aceita, pelo menos com a amplitude suficiente para levar à
rejeição do recurso) é aqui irrelevante.
Aliás, dado o reduzido número de condenações até hoje existentes pelo crime em
apreço, branqueamento de capitais, a exigência de total identidade de situações
de facto para admissão do presente recurso é o mesmo que exigir uma condição
impossível de se verificar.
O que se pretende seja decidido é apenas uma questão de direito,
independentemente de situações de facto que nem sequer chegaram a ser
apreciadas.
11.
Compreende-se que o Sr. Procurador PRETENDA RESTRINGIR AO MÁXIMO O TRABALHO
DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DIGNIFICANDO ESTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
O que não se compreende é que se considere de ânimo leve a possibilidade de
alguém, permanecer seis anos e meio na prisão, quando poderia (DEVERIA) ser
absolvido, por uma má interpretação e aplicação da lei, EM VIRTUDE DE UMA
INTERPRETAÇÃO DA LEI QUE DEIXA CLARAMENTE MINORITÁRIA NO SUREMO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA, POR UMA VOLATILIDADE DA INTERPRETAÇÃO DA LEI QUE DEIXA QUER O ARGUIDO
QUER O SEU ADVOGADO EM PERMANENTE INCERTEZA SOBRE O QUE LHE VAI SAIR NA ROLETA,
(e aqui pede-se desculpa pela expressão, mas é a que o signatário encontrou como
mais adequada a uma situação verdadeiramente digna de um romance de Kafka ou de
uma peça de Becket).
12.
Para utilizar, com a devida vénia, a terminologia do Sr. Procurador, é para a
recorrente meridianamente claro que o presente recurso deve ser admitido.
Porque se é certo que não deve ser banalizada a admissão de recursos para
uniformização de jurisprudência, TAMBÉM NÃO É MENOS CERTO QUE NÃO DEVEM SER
BANALIZADOS OS PRETEXTOS PARA A SUA NÃO ADMISSÃO, sobretudo quando se trata do
direito à liberdade de uma cidadã de 64 anos de idade, e do direito desta a uma
solução justa do seu caso, QUE, POR OUTRO LADO, PERMITIRÁ A SOLUÇÃO JUSTA DE
CASOS FUTUROS IDÊNTICOS AO SEU, UNIFORMIZANDO-SE A JURISPRUDÊNCIA.
E é para defesa das liberdades e de soluções justas que existe este VENERANDO
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
POR TUDO ISTO, O PRESENTE RECURSO DEVE SER ADMITIDO».
2.4. Por Acórdão de 9 de Fevereiro de 2005, o Supremo Tribunal de
Justiça decidiu rejeitar o recurso. Considerou-se nesse aresto que:
«(...) Decidindo:
Art. 437º CPP
“1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça
proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentam
em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou as partes
civis podem recorrer, para o pleno das Secções Criminais, do acórdão proferido
em último lugar.
.. 4 Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado
em julgado.
Desde já, um primeiro obstáculo à admissão do recurso; - com efeito, os acórdãos
em confronto: - recorrido e fundamento, foram proferidos pelo S.T.J.,
precisamente na mesma data e secção: - 9 Outubro 2003 – 5ª secção, - ainda que o
trânsito de um e de outro tenha ocorrido (por razões que se desconhecem) em
datas distintas.
Acórdão recorrido transitou em 21.4.04; acórdão fundamento transitou em 27.10.03
– neste particular aspecto afigura-se-nos óbvio,- até pela natureza das coisas e
pelo objectivo do recurso – que,. relevante será apenas a data da prolação dos
acórdãos e não a do seu trânsito. Vejam-se; n.º 1 parte final (art. 437º)
“acórdão proferido em último lugar”; n.º 3 (art. 437º) “no intervalo da prolação
dos acórdãos não tiver ocorrido modificação legislativa ...”; e n.º 4 (idem)
...”acórdão anterior” – anterior, no sentido de ter sido proferido (e não,
transitado) antes.
Isto, só por si, retiraria objecto ou fundamento do recurso.
Dispensamo-nos de maiores desenvolvimentos sobre este ponto, já que, é também
demasiado evidente, a falta do requisito substantivo da,
Oposição de julgados
Estamos em crer que, só por lapso, precipitação ou alguma leviandade, a
recorrente invoque como acórdão fundamento, uma decisão do S.T.J. que se
pronunciou sobre “questão de direito”, que nada tem a ver com “a questão de
direito” apreciada no acórdão recorrido.
Enquanto neste, a questão foi resolvida tendo em vista a interpretação e
aplicação dos normativos dos arts. 400º, n.º 1, al. f), (dupla conforme) e 409º
(proibição de “reformatio in pejus”), ambos do CPP o que conduziu à rejeição de
determinado recurso; no outro (Ac. fundamento) a questão foi resolvida cm base
na “norma essencial” (como aí se diz) do art. 432º, al. d), do CPP e que
conduziu à admissão de um recurso, directamente para o STJ, de acórdão proferido
pelo colectivo visando apenas reexame de matéria de direito, independentemente
da pena aplicada ou aplicável.
“Para que se tenha por existente a oposição de julgados, é necessário que os
mesmos dispositivos sejam interpretados e aplicados diversamente a factualidades
idênticas, sendo ainda de exigir que numa das decisões tenha estabelecido por
forma expressa entendimento contrário ao fixado na outra” – Ac. STJ de 6.5.99 –
Proc. n.º 191/99 – 3ª Secção, SASTJ, 31-79. E neste sentido têm sido constante e
pacífica a jurisprudência do STJ.
O caso dos autos apresenta-se como exemplo paradigmático duma total ausência de
oposição de julgados. Nem há identidade de questões de direito.
No acórdão recorrido deparamos com esta situação: (em síntese) – A recorrente A.
foi condenada em 1ª instância como autora de um crime p. e p. pelo art. 23º do
D.L. 15/93 de 22.01, na pena de 8 anos de prisão.
Recorreu para a Relação que, dando parcial provimento ao recurso, baixou a pena
para 6 anos e 6 meses de prisão. Recorreu ainda para o STJ, onde se suscitou a
questão prévia da rejeição do recurso, por inadmissível; - questão que foi
julgada procedente, vindo o recurso a ser rejeitado com base na aplicação
conjugada dos arts. 400º, n.º 1, al. f), e 409º, do CPP.
Entendeu-se que havia “dupla conforme” quanto a uma pena aplicada em medida
inferior a 8 anos de prisão (embora a pena aplicável fosse superior a 8 anos) e
que, por o M.P. não ter recorrido, já não podia ser aplicada para mais grave
(reformatio in pejus) -, tem voto de vencido.
No acórdão fundamento, a situação apresenta-se assim:
A arguida F... foi condenada pelo tribunal colectivo pela prática de um crime de
abuso de confiança fiscal, numa pena de multa.
Recorreu directamente para o STJ, visando apenas reexame de matéria de direito.
No STJ foi suscitado pelo MP questão prévia da irrecorribilidade da decisão para
o STJ – que não cuida (ou não deve cuidar) da pequena e média criminalidade, que
seria da competência da Relação.
O STJ julgou improcedente essa questão e considerou-se competente para conhecer
do recurso, por força do disposto no art. 432º-d), do CPP. – Tem voto de
vencido.
Situações mais diferentes do que estas, não se concebem, pelo menos, ao nível da
interposição de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. (...)»
2.5. Desta decisão foi interposto, nos termos supra mencionados, o
recurso para este Tribunal, tendo o mesmo sido admitido “com reserva” por
despacho prolatado a fls. 131 com o seguinte teor:
«A requerente A., pretende recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão
proferido em secção em que se decidiu pela inexistência de “oposição de
julgados”, - pressuposto essencial ao prosseguimento do recurso extraordinário
para fixação de jurisprudência”.
Subjacente a esse requerimento e outras peças processuais apresentadas,
afigura-se-nos estar em profunda discordância com a decisão proferida no
“acórdão recorrido” que rejeitou recurso interposto pela requerente para o
S.T.J., com fundamento no disposto nos art.s 400º, n.º 1, al. f), e 409º, do CPP
no seguimento de alguma jurisprudência (que, hoje julgamos minoritária), do
S.T.J..
Não recorreu, então para o T.C. (e, possivelmente teria melhores fundamentos do
que agora) preferindo interpor recurso extraordinário para fixação de
jurisprudência, pondo em confronto com aquele, um outro acórdão da mesma secção
do S.T.J. proferido na mesma data e que decidiu questão de direito inteiramente
diversa, s.m.o.
De todo o modo o acórdão agora posto em crise, apenas se limitou a decidir pela
não verificação da oposição de julgados, ainda que, “a latere“, se aludisse à
situação inédita (para nós) de ambos os acórdãos, em confronto, terem sido
proferidos na mesma data, sem que daí se retirasse argumentação decisiva para a
solução adoptada.
Temos por seguro que, para se concluir pela ausência de oposição de julgados,
não se aplicou nem se interpretou qualquer norma com sentido desconforme a Lei
Fundamental.
Porém, porque a requerente insiste com alguma veemência, que foi mal
interpretado o art. 437º CPP com violação dos art.s 32º-2 e 204º, da CRP –
questões que havia suscitado “na resposta ao parecer do M.P.”, admite-se, com
reserva, o recurso para o Tribunal Constitucional.
Sobe imediatamente nos autos e com efeito devolutivo, cfr. art. 78º, n.º 3, da
LOTC – Lei 28/82.»
3. Como tal despacho não vincula este Tribunal (artigo 76.º, n.º 3,
da LTC), e por se entender que o presente recurso denuncia uma factispécie
integrável no âmbito normativo definido pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, passa
a decidir-se com base nos seguintes fundamentos.
4. Como é consabido, são requisitos específicos para o conhecimento de um
recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
art. 70.º da LTC: que a decisão judicial tenha aplicado a norma reputada de
inconstitucional; que o juízo sobre a constitucionalidade da norma tenha sido
uma verdadeira ratio decidendi e não um mero obiter dictum da decisão recorrida;
que a questão de inconstitucionalidade haja sido suscitada “durante o processo”,
entendida esta expressão em sentido funcional – em termos de tal invocação dever
ser feita num momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão,
“antes [portanto] de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a
que respeita”, como se depreende do facto de a intervenção do Tribunal
Constitucional apenas ocorrer em via de recurso, para apreciação ou reexame de
uma questão que o Tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado (cf., entre a
vastíssima jurisprudência deste Tribunal, os Acórdãos nos 90/85, 352/94, 560/94,
155/95 (todos publicados na 2ª Série do Diário da Republica, respectivamente, em
11 de Julho de 1985, 6 de Setembro de 1994, 10 de Janeiro de 1995 e 20 de Junho
de 1995), e, mais recentemente, os Acórdãos nos 23/2003 e 24/2003, ainda
inéditos); e, por fim, que não seja admissível recurso ordinário da decisão
judicial, por a lei não o prever ou por já haverem sido esgotados todos os que
cabiam no caso concreto.
Assim prefigurados os pressupostos determinantes da admissibilidade do recurso,
importa afirmar, desde já, que, no caso sub judicio, é manifesto que o recurso
não satisfaz os requisitos determinantes para que este Tribunal possa tomar
conhecimento do seu objecto. Por várias razões.
Em primeiro lugar, a Recorrente não identificou durante o processo – maxime, no
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa.
Na verdade, é patente que a Recorrente apenas se insurge contra o teor da
decisão recorrida, imputando-lhe directa e imediatamente o vício da
inconstitucionalidade: no seu juízo. Basta atentar no teor do seu requerimento
de interposição de recurso:
“(...) 2º
O recurso não foi admitido por várias razões, a primeira das quais foi o facto
de os acórdãos terem sido proferidos nos mesmo dia, 9 de Outubro de 2003, pela
mesma secção, a 5ª, sendo certo que o recurso é admitido relativamente ao
acórdão proferido em último lugar, o que pressupõe datas diferentes.
3º
Entende a recorrente que, nesta parte, o acórdão recorrido violou o art. 437º-1
do Código de Processo Penal, dando-lhe a interpretação de que a expressão
'acórdão proferido em último lugar' se refere apenas ao dia e não à hora, porque
pode um acórdão ser proferido em último lugar, no mesmo dia, se foi proferido em
hora posterior.
4º
Não estando provado no processo qual dos acórdãos foi proferido em último lugar,
APESAR DE TEREM SIDO PROFERIDOS PELA MESMA SECÇÃO, uma interpretação do art.
437º-1 citado implicaria a admissão do recurso dado nas suas decisões os
Tribunais estarem obrigados a respeitar as normas constitucionais e o os
princípios consignados na Constituição, nos termos do art. 204º da Constituição
da República
5º
Uma dessas disposições é a do art. 32º da CR, que no seu n.º 1 assegura ao
arguido todas as garantias de defesa e no seu n.º 2 estabelece o princípio in
dubio pro reo, isto é, de que as normas processuais penais e as normas penais
devem ser interpretadas na, dúvida, no sentido mais favorável ao réu.
6º
O acórdão ora recorrido violou, por isso, ao art. 204º da CR e ainda os artigos
32º-1 e 2 da mesma Constituição da República, na medida em que, sendo os
acórdãos proferidos no mesmo dia, teriam, necessariamente, de ser proferidos em
horas diferentes já que o foram pela mesma secção, a 5ª. E não estando
demonstrado qual deles foi proferido em segundo lugar, a aplicação correcta
daquelas disposições constitucionais implicaria que o recurso tivesse de ser
admitido já que só assim, NA DÚVIDA, se decidiria a favor do réu, e lhe seriam
asseguradas todas as garantias defesa, incluindo a de recurso.
7º
Por outro lado entendeu a 5ª Secção do STJ que não haveria oposição de julgados
por não haver 'identidade de situações fáctico-jurídicas nem há identidade de
questões de direito.'
Mais uma vez foi violado o art. 32º-1 e 2, da Constituição da República já que o
art. 437º-1, do Código de Processo Penal exige apenas oposição relativamente 'às
mesmas questões de direito' o que, interpretado à luz daquelas disposições
constitucionais, implicaria que desde que a questão de direito em causa fosse
diferente, o recurso deveria ser admitido.
8º
E a questão de direito é a mesma em ambos os acórdãos, isto é, o saber-se se o
art. 400º-f), do Código de Processo Penal se aplica às penas em concreto
aplicadas ou à moldura penal abstracta da pena.”
Ora, o objecto da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade são apenas
normas jurídicas, não podendo o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre uma
(eventual) “inconstitucionalidade da decisão judicial”, como, de resto, tem sido
unanimemente acentuado pela jurisprudência deste Tribunal – cf. nesse sentido o
Acórdão n.º 199/88, publicado no DR II Série, de 28 de Março de 1989, onde se
afirmou que “este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe
cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de
‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de
inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade se
questiona, ou no caso de se questionar certa interpretação de uma determinada
norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem por
violador da lei fundamental”.
Por isso se reconhece que os recursos de constitucionalidade, embora interpostos
de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém
sobre a violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na
decisão recorrida como sua ratio decidendi, não podendo visar as próprias
decisões jurisdicionais, identificando-se, nessa medida, o conceito de norma
jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de constitucionalidade,
pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir
objecto de tal recurso – cf., nestes exactos termos, o Acórdão n.º 361/98 e,
entre muitos outros, os Acórdãos n.os 286/93, 336/97, 702/96, 336/97, 27/98 e
223/03, todos disponíveis para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm. Assim é, desde logo, porque
este Tribunal não está configurado como uma instância de amparo com competência
para sindicar o mérito jurídico da aplicação da lei efectuada pelas demais
instâncias jurisdicionais, apenas lhe competindo apurar, nesses termos, da
inconstitucionalidade de normas, pelo que não há, nesta sede, lugar para o
conhecimento de recursos interpostos com fundamento em violação da lei por banda
da decisão judicial recorrida, nem, pelos mesmos motivos, com base na
“inconstitucionalidade da decisão judicial”.
E isto porque a Constituição não configurou o recurso de constitucionalidade
como um recurso de amparo no âmbito do qual fosse possível sindicar qualquer
lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a possibilidade de conhecer,
nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial sindicanda, antes recortou a
competência do Tribunal Constitucional em torno do conhecimento de questões de
constitutionalidade de normas, pelo que é perante tal conformação do sistema
jurídico-constitucional de recursos que o Tribunal pode actuar em termos de
avaliar da bondade constitucional de critérios normativos quando estejam em
causa os direitos fundamentais – daí decorrendo, como afirma Fernando Alves
Correia (“Os Direitos Fundamentais e a sua Protecção Jurisdicional Efectiva”, in
Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2003, p. 72), que o
“recurso de constitucionalidade, sobretudo quando tem na base a suscitação pela
parte, durante o processo, da questão de constitucionalidade da norma jurídica
aplicável ao caso, desempenha um papel determinante na protecção dos direitos
fundamentais dos cidadãos”.
Tal é, na verdade, o que resulta do facto de “não exist[ir], no sistema
jurídico-constitucional português, um processo de «queixa constitucional»
(Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde, recurso de amparo) que
permita aos cidadãos lesados nos seus direitos fundamentais apelarem
directamente para um tribunal constitucional (...)”. Contudo, tal não
significará uma “protecção enfraquecida dos direitos fundamentais uma vez que
“os particulares podem, nos feitos submetidos à apreciação de qualquer tribunal
e em que sejam parte, invocar a inconstitucionalidade de qualquer norma (...)
fazendo assim funcionar o sistema de controlo da constitucionalidade (...) numa
perspectiva de controlo subjectivo” – cf. Gomes Canotilho (in “Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 4.ª edição, Coimbra, 2000, p. 493),
Destarte, como se disse no Acórdão n.º 133/97, “admitir-se-á em tese geral que
uma interpretação viole a lei, mas uma coisa é violar a lei e outra violar a
Constituição. O contencioso da constitucionalidade, por um lado, é um
contencioso de normas não de decisões, (...) tal como não cabe nos poderes de
cognição deste Tribunal sindicar a forma como o tribunal recorrido interpretou e
deu aplicação às normas que regem a questão submetida a julgamento”.
5 – Mas, mesmo a admitir-se – sem se conceder – que a Recorrente suscitou e
pretende impugnar uma dimensão normativa imputada ao artigo 437.º do Código de
Processo Penal em termos de individualizar uma norma que presidisse à resolução
do caso ao nível «da interpretação de que a expressão 'acórdão proferido em
último lugar' se refere apenas ao dia e não à hora, porque pode um acórdão ser
proferido em último lugar, no mesmo dia, se foi proferido em hora posterior
(...) não estando provado no processo qual dos acórdãos foi proferido em último
lugar, APESAR DE TEREM SIDO PROFERIDOS PELA MESMA SECÇÃO, uma interpretação do
art. 437º-1 citado implicaria a admissão do recurso dado nas suas decisões os
Tribunais estarem obrigados a respeitar as normas constitucionais e o os
princípios consignados na Constituição, nos termos do art. 204º da Constituição
da República», sempre haveria de concluir-se que, em tais circunstâncias, também
o Tribunal Constitucional não poderia conhecer do objecto do recurso uma vez que
a ratio decidendi do juízo recorrido não deixa de assentar no reconhecimento de
que, para além desse facto, improcedia, no plano substantivo-material, a
invocada oposição de julgados, afirmando-se aí «que (...) a recorrente invo[ca]
como acórdão fundamento, uma decisão do S.T.J. que se pronunciou sobre “questão
de direito”, que nada tem a ver com “a questão de direito” apreciada no acórdão
recorrido». Aliás, nessa mesma linha, esclareceu o Juiz Conselheiro Relator que
“de todo o modo o acórdão agora posto em crise, apenas se limitou a decidir pela
não verificação da oposição de julgados, ainda que, “a latere“, se aludisse à
situação inédita (para nós) de ambos os acórdãos, em confronto, terem sido
proferidos na mesma data, sem que daí se retirasse argumentação decisiva para a
solução adoptada”. Pelo que, também por esta base não se poderia tomar
conhecimento do objecto do recurso, porquanto, qualquer que fosse o resultado
que tal recurso merecesse, este seria, sempre, insusceptível de vir a afectar a
decisão recorrida. A resolução do recurso teria o sentido e a utilidade de um
simples exercício académico, não satisfazendo, assim, o princípio da
instrumentalidade do conhecimento da questão de constitucionalidade, nos termos
do qual a decisão de inconstitucionalidade terá sempre como efeito a
desconsideração do sentido normativo com que a norma foi efectivamente aplicada,
com a consequente alteração dos termos da decisão recorrida que naquele sentido
se tenham fundado.
6 – Além do referido, a Recorrente vem igualmente sustentar que:
«Por outro lado entendeu a 5ª Secção do STJ que não haveria oposição de julgados
por não haver 'identidade de situações fáctico-jurídicas nem há identidade de
questões de direito.'
Mais uma vez foi violado o art. 32º-1 e 2, da Constituição da República já que o
art. 437º-1, do Código de Processo Penal exige apenas oposição relativamente 'às
mesmas questões de direito' o que, interpretado à luz daquelas disposições
constitucionais, implicaria que desde que a questão de direito em causa fosse
diferente, o recurso deveria ser admitido.
(...) E a questão de direito é a mesma em ambos os acórdãos, isto é, o saber-se
se o art. 400º-f), do Código de Processo Penal se aplica às penas em concreto
aplicadas ou à moldura penal abstracta da pena”.
Também aqui, como se prefigura claro, a ratio decidendi do juízo proferido pelo
Supremo Tribunal de Justiça passa precisamente pela constatação de que não
existe identidade de questões de direito. É certo que a recorrente não concorda
com o decidido, mas tal apreciação – envolvendo a aplicação concreta da norma ao
caso decidendo – escapa também, pelos motivos já expostos, à sindicância deste
Tribunal.
7. Por fim, para que o Tribunal Constitucional pudesse tomar conhecimento seria
igualmente necessário que houvesse sido suscitada durante o processo uma questão
de constitucionalidade normativa em termos do tribunal a quo ficar vinculado ao
seu connhecimento.
O alcance desta exigência tem sido, em diversas ocasiões, esclarecido por este
Tribunal. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da
República II Série, de 6 de Setembro de 1994) afirmou-se que esse requisito deve
ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade
pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido
funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita em momento
em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de esgotado o
poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”. Igualmente, no Acórdão n.º 560/94 (publicado no
Diário da República, 2ª Série, de 10 de Janeiro de 1995) considerou-se que «a
exigência de um cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e
processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é [...] “uma
mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial
para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de
constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de
recurso, proceda ao reexame da questão (e não a um primeiro julgamento de tal
questão».
Ora, no caso dos presentes autos é manifesto que os recorrentes não suscitaram
adequadamente qualquer problema de inconstitucionalidade normativa que o
Tribunal Constitucional devesse conhecer ao abrigo do disposto no art. 280.º,
n.º 1, al. b) da Constituição e no art. 70.º, n.º 1, al. b) da LTC.
Na verdade, na oportunidade processual que dispôs, maxime em resposta à promoção
do representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, a
recorrente não imputa qualquer inconstitucionalidade às normas do Código de
Processo Penal aplicáveis ao caso, direccionando antes o seu arrazoado
discursivo em reacção directa e imediata à solução constante dessa peça
processual – são disso particularmente ilustrativas as passagens onde a
recorrente afirma que “a promoção do SR. Procurador significa restringir
incomportavelmente o direito de defesa que é atribuído ao arguido pelo art. 32º,
n.º 1 da CRP” e que “o Sr. Procurador exige para a admissão do recurso algo que
a lei não exige, violando claramente a lei processual penal (art. 437º-1) e
constitucional (art. 32º-1) na sua douta promoção”. E, nesse momento, a
recorrente estava claramente em condições de poder suscitar a
inconstitucionalidade do artigo 437.º do Código de Processo Penal nas dimensões
normativas relevantes, o que, de todo, acabou por não fazer.
8. Destarte, pelos argumentos expostos, decide-se não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente com 8 (oito) UC de taxa de justiça.».
Cumpre apreciar e decidir.
B – Fundamentação
5 – Na sua longa exposição discursiva a reclamante refuta o
entendimento da decisão reclamada no sentido da recorrente não ter identificado
durante o processo, e maxime no requerimento de interposição do recurso,
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Tal juízo feito pela decisão reclamada é inteiramente de manter. A
contestação da reclamante assenta manifestamente num equívoco, patente, de
resto, no próprio articulado da sua reclamação, traduzido em a mesma considerar
como questão de inconstitucionalidade normativa a indicação pela recorrente das
normas constitucionais violadas na decisão recorrida.
Na verdade, a esse respeito afirma a reclamante que “ao contrário do
que se escreveu na decisão reclamada, e salvo devido respeito, a recorrente
indica as normas constitucionais violadas na decisão reclamada” e que “no ponto
4. da douta decisão reclamada estão, por mais do que uma vez, no texto da
recorrente aí transcrito, indicadas as normas constitucionais violadas: o artigo
32º, 1 e 2, e o art.º 204º, da Constituição da República”.
Suscitar uma questão de constitucionalidade corresponde, todavia, a
problematizar a validade constitucional de certa norma, dimensão normativa ou
critério normativo de direito infraconstitucional que se assume como sendo
passível de aplicação ao caso dos autos ou que nele foi aplicado como fundamento
normativo ou ratio decidendi da decisão aí proferida, em face de certas normas
ou princípios constitucionais.
Não equivale a suscitação de inconstitucionalidade normativa a
imputação feita à decisão recorrida de que esta fez errada aplicação, no caso
por si apreciado, de preceitos ou princípios constitucionais.
Ora apenas aquela, que não esta, pode ser conhecida no nosso sistema
jurídico-constitucional de controlo de aplicação das normas e princípios
constitucionais, como se refere na decisão ora impugnada para a conferência.
Consequentemente, a decisão reclamada é desde logo de manter por
faltar o analisado pressuposto do recurso.
6 – Mas a reclamação é ainda de indeferir pelos fundamentos aduzidos
no ponto 5 da decisão reclamada, cuja bondade a reclamante acaba por não
afastar.
Na verdade, referindo-se a esse ponto, não deixa a reclamante de afirmar que “se
por um lado se concorda com aquilo que foi defendido pelo Ex.mo Juiz Conselheiro
Relator na parte em que defende que a ratio decidendi nos presentes autos passa
pela averiguação da existência de identidade das questões de direito, sendo
certo que esta questão foi devida e atempadamente suscitada, não menos verdade é
o facto de ser também relevante a análise da expressão “acórdão proferido em
último lugar”, uma vez que também este argumento jurídico constitui a razão de
ser da decisão judicial adoptada no caso concreto”.
Em rectas contas, o que a reclamante aqui controverte é o juízo de
aplicação da norma constante do art.º 437º, n.º 1, do Código de Processo Penal
ao caso concreto feito pelo acórdão recorrido, defendendo em contrário do aí
ponderado que a questão de direito decidida no acórdão fundamento e no acórdão
pretendido recorrer para o Pleno da Secção Criminal do STJ é, no plano
substantivo-material [no caso, o art.º 400º, n.º 1, alínea f), do CPP], idêntica
e que as soluções que lhe foram dadas são opostas.
Todavia, como se diz na decisão ora reclamada, esta apreciação desta
questão, porque, «envolvendo a aplicação concreta da norma ao caso concreto”
escapa, também, (...) à sindicância deste Tribunal».
Também por esta razão a reclamação não merece deferimento.
7 – Finalmente, a decisão reclamada é ainda de acolher relativamente
ao juízo formado sobre o não cumprimento do ónus de prévia suscitação da questão
de inconstitucionalidade.
Na verdade, não se vê que a reclamante haja colocado seja em momento anterior
seja a quando da resposta à promoção do M.º P.º, junto do STJ, em que se
defendia a rejeição do recurso, em termos adequadamente perceptíveis por este
Supremo Tribunal, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa relativa
ao preceito do art.º 437º, n.º 1, do CPP, na dimensão em que veio a ser aplicado
pelo acórdão recorrido, por forma a que este lhe pudesse responder.
No seu discurso argumentativo, cujos passos mais significativos para a resposta
a esta questão a decisão reclamada transcreve, não se vê colocado qualquer
problema de validade, por violação de normas ou princípios constitucionais, da
norma constante do art.º 437º, n.º 1, do CPP, enquanto entendido no sentido (que
veio a ser aplicado no acórdão recorrido) de a decisão oposta entre o acórdão
fundamento e o acórdão pretendido recorrer para fixação de jurisprudência dever
respeitar a questão idêntica sob o ponto de vista substantivo-material.
E isto pondo de parte que a reclamante controverte, aqui, o juízo feito em
concreto pelo acórdão ora recorrido relativamente a tal falta de identidade
entre as duas decisões jurisdicionais apresentadas como estando em confronto.
Como quer que seja, sempre as respostas dadas às demais questões, na decisão
reclamada, e que acima se acolheram demandam o indeferimento da reclamação.
C – Decisão
8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir
a reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 Ucs.
Lisboa, 3 de Maio de 2005
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos
[1] Por todos, Ac. STJ de 10.10.2001, processo nº 1070.01, 3ª