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Processo n.º 470/02
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Em 3 de Setembro de 2001, a A. apresentou, no Tribunal Administrativo do
Círculo de Lisboa, requerimento de intimação do Primeiro-Ministro a facultar-lhe
certidões referentes à totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português
e as empresas do grupo B., incluindo os respectivos Anexos e estudos técnicos,
de modo a permitir à requerente avaliar a incidência ambiental e concorrencial
do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende.
Em 15 de Março de 2002, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu
o pedido de intimação formulado por aquela organização ambientalista, a quem
reconheceu, embora, legitimidade para recorrer a tal meio processual acessório
(apenas no que concerne às suas preocupações ambientais). Na fundamentação da
sentença discutiu-se a “constitucionalidade da reserva decorrente do segredo
industrial, pois que a lei constitucional não o refere explicitamente” (no n.º 2
do artigo 268.º), referindo-se expressamente as normas do n.º 1 do artigo 62.º
do Código de Procedimento Administrativo, do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º
65/93, de 26 de Agosto, e do n.º 1 do artigo 13.º Decreto-Lei n.º 321/95, de 28
de Novembro, concluindo-se que “os valores subjacentes à consagração dos
segredos comercial e industrial têm protecção constitucional” pelo que tais
normas não seriam inconstitucionais.
A requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central
Administrativo, adoptando a tese, considerada e afastada na sentença, da
inconstitucionalidade dos artigos 62.º, n.º 1, do Código do Procedimento
Administrativo e 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, quando interpretados no
sentido de imporem reservas ao direito de informação, para além do previsto no
artigo 286.º, n.º 2, da Constituição.
Por acórdão de 23 de Maio de 2002, a 1.ª Secção do Tribunal Central
Administrativo negou provimento ao recurso. Considerando estar em causa a
colisão entre o direito à informação e os direitos à propriedade e iniciativa
privada, com o inerente segredo industrial e comercial, concluiu o acórdão, por
maioria, pela legitimidade da opção feita pelo legislador ordinário no artigo
10.º da Lei n.º 65/93 (na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março) e no artigo
62º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo, «permitindo a
recusa de acesso a documentos “cuja comunicação ponha em causa segredos
industriais”». Mais concluiu que “[s]ó quando não existe lei é legítima a
ponderação dos valores em conflito pelo intérprete”, sendo que, no caso, a
legislação a aplicar seria o “art.º 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto”, e
que também dos termos contratuais – a cláusula 17.ª do contrato de investimento
estrangeiro, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros 34-B/2001, de 30
de Março de 2001 – resultava “a vinculação do Estado Português ao dever de
sigilo”.
2.Recorreu então a referida organização ambientalista para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
pretendendo a apreciação das normas constantes “dos art.ºs 10.º da Lei n.º
65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de
Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e
aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido, isto é, no [sentido] de que fez
prevalecer normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de
liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção em
confronto com o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de
uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso
de colisão, uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de
carácter patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa
de tal protocolo, estaria vinculado contratualmente a uma obrigação de segredo,
pelo que se violaria o princípio da legalidade.”
Admitido o recurso, a recorrente encerrou assim as suas alegações:
«A - Nestes autos está em causa a problemática da protecção do ambiente e,
B - reflexamente a defesa da vida, integridade física e moral das pessoas,
incluindo a segurança,
C - nomeadamente na sua vertente da prevenção perante eventuais violações;
D - o que implica o direito à informação, como instrumento fundamental para o
exercício daqueles direitos,
E – pois a todo o direito compete uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em
juízo.
F – A vinculação das entidades públicas diz respeito ao Estado, tanto enquanto
legislador, como no que se refere à administração,
G – Como vincula entidades privadas.
H – Estamos perante normas em que está em causa a força jurídica dos direitos,
liberdades garantias,
I – que são directamente aplicáveis, mesmo na ausência de lei, contra a lei e em
vez da lei.
J – As eventuais restrições a direitos deste género terão de ter em conta
princípios constitucionais diversos, nomeadamente o da proporcionalidade e a
exigência de respeito do seu núcleo essencial.
K – A defesa do ambiente opera-se fundamentalmente por acção preventiva
(princípios da prevenção e da precaução), na medida em que os danos ambientais
são frequentemente de natureza irremediável e grave;
L - os diferentes procedimentos existentes são o meios formais fundamentais para
exercer o direito à informação, e para a consequente tutela dos mesmos direitos
e interesses.
M – Só em casos limitados, de informações e/ou documentos “classificados” é que
poderá haver restrições ao direito à informação dos particulares: quando estão
em jogo poderosos interesses públicos,
N – ou quando se pretenda, em alguns casos, proteger a intimidade e privacidade
das pessoas.
O – O nosso quadro legal constitucional configura o direito ao “arquivo aberto”,
em nome de uma chamada “democracia administrativa” e de um “direito de saber”.
P – Não há segredos industriais a defender no caso dos autos,
Q – Já que o regime da propriedade industrial não os contempla; de facto,
R – estando nós no domínio da liberdade de iniciativa privada e da concorrência,
assim como da tipicidade dos direitos de propriedade industrial, estes são
defendidos através das normas do registo e da punição da concorrência desleal,
S – sendo certo que, com o registo, deixa de haver segredo, passando a existir
publicidade registral.
T – De resto, nunca o Recorrido informou que tipo de segredo industrial estaria
a ser protegido: quando muito estaremos no segredo do…segredo!
U – O douto Acórdão em apreço veio lesar ilicitamente interesses relacionados
com o ambiente, a vida e segurança das pessoas e o correspondente direito à
informação.
V – Mesmo em caso de eventual colisão de interesses e/ou direitos, os de
carácter não-patrimonial prevalecem sobre os de índole patrimonial, na sequência
de entendimento (quase) unânime da Jurisprudência.
X – O direito ao ambiente é protegido constitucionalmente e insere-se nos
direitos de personalidade.
Y – Com a recusa radical de prestar à Recorrente todas e quaisquer informações,
o Recorrido e o Douto Acórdão em apreço estiveram a violar, pelo menos, o núcleo
fundamental do DIREITO À INFORMAÇÃO em matéria de ambiente.
Z – Foram violadas as disposições dos art.ºs 9.º, 17.º, 18.º, 20.º, 24.º a 26.º,
35.º, 52.º, 66.º, 81.º, 90.º e 268.º da Const. Política, muito especialmente se
verificando a inconstitucionalidade dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de
Agosto, n.º 1 do [artigo 13.º do] D.L. n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da
Lei n.º 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo
Douto Acórdão recorrido, isto é, no sentido de fazer prevalecer normas
protectoras de “segredo industrial”, de propriedade privada, de liberdade de
iniciativa e da propriedade privada, dos meios de produção, em confronto com o
direito à informação para a protecção do ambiente por parte de uma associação
ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão uma
prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter
patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa de tal
protocolo, estaria vinculado a uma obrigação de segredo, pelo que se violaria o
princípio da legalidade.
Tais normas, na dimensão interpretativa que lhes foi conferida pelo Douto
Acórdão recorrido, violam os princípios e normas constitucionais do direito à
vida (art.º 24.º), à integridade moral e física das pessoas, incluindo a
segurança (art.º 25.º), ao ambiente e qualidade de vida (art.º 66.º),
nomeadamente a faculdade de prevenção de tais violações (art.ºs 266.º e 268.º),
traduzindo-se tal dimensão interpretativa na efectiva denegação de justiça.»
Por seu turno, o Primeiro Ministro concluiu assim as suas alegações:
«I. Apesar das flutuações reconhecíveis nas alegações da recorrente, parece
seguro que o objecto do presente recurso só poderá ser a questão da
constitucionalidade do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, e do n.º 1
do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, por confronto com o
n.º 2 do artigo 268.º da Constituição. Na verdade, das diversas disposições
legais indicadas nas alegações, apenas essas foram aplicadas no acórdão
recorrido.
II. A disposição do art.º 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, tem vindo
reiteradamente a ser julgada não inconstitucional, por aplicação do raciocínio
dispositivo expresso no acórdão n.º 254/99 do Tribunal Constitucional, tirado em
Plenário. A mesma doutrina aplica-se ao n.º 1 do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º
321/95, de 28 de Novembro.
III. Constata-se ainda que o acórdão recorrido procedeu a uma valoração
circunstanciada dos bens constitucionalmente protegidos eventualmente
conflituantes no caso concreto, não se justificando qualquer censura.
IV. Em consequência, resulta incontornável a carência de razão da recorrente.»
Cumpre agora apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Como se nota nas contra-alegações de recurso, as normas em causa no presente
processo só podem ser as do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na
redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e a do n.º 1 do artigo 13.º do
Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, que foi deficientemente identificado
na decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e assim permaneceu.
Sendo esta uma norma especial em relação àquela primeira, poder-se-ia até
centrar nela a análise, não fora o facto de a decisão recorrida a não ter
mencionado – ao contrário da do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei
n.º 8/95 -, e de a estatuição de uma e outra normas irem no mesmo sentido: “A
Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa
segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”, diz a
referida Lei; “As informações relacionadas com operações de investimento
estrangeiro não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus
intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público”, diz a
norma do citado Decreto-Lei.
Serão, assim consideradas ambas as normas – por ambas virem impugnadas e ambas
terem sido aplicadas durante o processo –, mas já não outras normas relevantes
do Código de Procedimento Administrativo – designadamente a do seu artigo 64.º -
por não terem sido referidas no requerimento de interposição do recurso.
4.Importa, por outro lado, salientar que no presente processo não está em causa
a norma que prevê limitações ao direito à informação enquanto aplicável aos
elementos que eventualmente tenham servido para instruir os procedimentos
administrativos de licenciamento da unidade industrial a que se reporta o
contrato de investimento estrangeiro em questão – mas apenas os elementos
constantes dos anexos a este contrato, que não foram publicados.
A requerente solicitou “certidões referentes à totalidade do contrato outorgado
com as empresas do grupo B., incluindo os anexos e estudos técnicos que permitam
a exacta compreensão do projecto em apreciação”. Mas, em relação a tais estudos
técnicos ou outros elementos – designadamente, o parecer favorável à instalação
da unidade industrial – a fundamentação (desde logo, do Primeiro-Ministro) para
a sua não entrega à requerente não reside na prevalência do dever de
confidencialidade, nos termos do contrato de investimento estrangeiro celebrado,
sobre o direito à informação da requerente, mas antes (cfr. fls. 86 e seg. dos
autos) na diversa origem dos documentos em causa: terem emanado de uma entidade
administrativa (a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território
do Norte), não tendo o requerido domínio ou conhecimento sobre tais elementos (o
que se invoca logo no parecer do Ministério Público na 1ª instância, dado por
reproduzido na decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e para
que remete também a decisão recorrida, do Tribunal Central Administrativo).
5.Quanto à norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, e
quanto à sua conformidade com o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, invocou o
Primeiro-Ministro, nas contra-alegações, que este Tribunal já se pronunciou “por
diversas vezes, sendo que a doutrina que tem feito prevalência se encontra
fixada no Acórdão n.º 254/99”, podendo o raciocínio “estender-se, sem esforço,
ao n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro”.
Apesar de em tal acórdão se ter excluído a apreciação da constitucionalidade da
norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (na redacção da Lei n.º
8/95, de 29 de Março) do objecto do processo – por tal norma não ter sido
aplicada na decisão recorrida, por não se terem seguido os trâmites relevantes
para a sua invocação (os artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 65/93 impõem que “o
requerente, antes de interpor o recurso contencioso, te[nha] de reclamar
primeiro para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o que não
fez”), e por o requerente não ter invocado, nesse caso, como fundamento da sua
pretensão, “o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos,
consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição” –, a discussão da
conformidade constitucional de tal norma foi, efectivamente, considerada
necessária “para a fundamentação da decisão”.
Tal impostação do problema foi, depois, seguida nos acórdãos 335/99, 384/99,
385/99 e 386/99 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) – o
primeiro e o último excluindo também expressamente a apreciação da norma do
artigo 10.º da Lei n.º 65/93 do objecto do recurso, e os restantes referentes a
um conjunto de normas que não incluía esta norma, mas todos remetendo para a
decisão do Plenário (no referido acórdão n.º 254/99) onde, como se disse, tal
norma foi incluída na fundamentação, nos seguintes termos:
«Poderá, assim, discutir-se se o direito do acesso aos arquivos e registos
administrativos não exclui à partida o direito de revelação de segredos
comerciais e industriais que deles constam. Nesta perspectiva, a recusa de
acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais e industriais, por
parte da Administração, e a proibição da utilização por esta de informações que
possam desrespeitar direitos de autor ou de propriedade industrial ou configurar
práticas de concorrência desleal, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 65/93,
estariam desde logo autorizadas constitucionalmente à partida pela própria
expressão constitucional do conteúdo do direito. O principal argumento contra
esta interpretação é o de o n.º 2 do artigo 268.º ter considerado necessária uma
reserva de lei restritiva em matérias de segredos de Estado, de segredos de
instrução criminal e de intimidade das pessoas, que na referida interpretação
estariam igualmente excluídas do sentido imediato do direito de acesso. Haveria
que dizer que no n.º 2 não se tem uma verdadeira reserva de lei, mas a simples
remissão para a lei da definição de certos limites.
De qualquer modo, a exacta delimitação dos documentos que podem ser comunicados
e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre exige uma
cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente
protegidos e uma demonstração da necessidade e proporcionalidade da recusa de
acesso à informação. Tal ponderação e, portanto, o recurso aos critérios do
artigo 18º sempre seriam adicionalmente necessários.
Bastará, para tanto, observar que o direito de informação instrumental do
direito à tutela jurisdicional expresso nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 268.º e que
a recorrente considera justamente apenas implícito nestes números, não tem
qualquer conteúdo imediatamente expresso na Constituição, pelo que não tem
sentido falar de limites imanentes desse conteúdo como limites à partida.
Relativamente a tal direito, que, como vimos, é o único em causa neste processo,
não valem as anteriores considerações acerca do n.º 2 do artigo 268º.
Em geral, sempre que a solução de um conflito de direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito
em certas circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por
remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis
restritivas. Ora na hipótese em crise trata-se de justificar constitucionalmente
uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à
tutela jurisdicional para este mesmo efeito. Têm todo o cabimento as cautelas
constitucionais.
11. Demonstrada a possibilidade em abstracto de restrições aos direitos de
informação previstos, quer no n.º 2 do artigo 268.º - que não está directamente
em causa -, quer no n.º 1 do artigo 268.º, ou derivados dos n.ºs 4 e 5 do mesmo
artigo, em situações de conflitos entre direitos fundamentais (ou interesses
constitucionalmente protegidos), quer em matérias relativas à segurança interna
e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, quer em outras
matérias, falta demonstrar a necessidade e a proporcionalidade de restrições
determinadas por situações de conflito em matéria de segredo comercial ou
industrial, de direitos de autor ou de direitos de propriedade industrial, e de
concorrência desleal, tendo em vista os critérios dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º.
Como se disse no acórdão n.º 282/86 ( [Acórdãos do Tribunal Constitucional], 8,
p.223), o princípio da necessidade e da proporcionalidade - esta não é mais do
que a necessidade não apenas da existência de restrição, mas de certa medida ou
modo de restrição - enunciado no artigo 18.º, n.º 2 vale directamente para todas
as medidas restritivas dos direitos fundamentais. A sua aplicação exige a
definição genérica (“tem de revestir carácter geral e abstracto”: n.º 3 do
artigo 18º) das situações de conflito entre direitos fundamentais ou interesses
constitucionalmente protegidos, o que equivale à enunciação das circunstâncias
ou dos pressupostos de facto em que o direito prevalece e das circunstâncias ou
dos pressupostos de facto em que o direito é restringido. As longas
demonstrações da existência ou inexistência de necessidade e de
proporcionalidade da restrição em determinados pressupostos constituem a
substância quer das opiniões que fizeram vencimento como das vencidas no
referido Acórdão n.º 282/86 (sobre a suspensão e o cancelamento dos direitos
emergentes dos técnicos de contas), assim como, também por exemplo, no Acórdão
n.º 103/87 (sobre restrições aos direitos fundamentais dos agentes da Polícia de
Segurança Pública).
Por outro lado, a proibição de “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo
essencial dos preceitos constitucionais” do n.º 3 do artigo 18.º não se refere
ao seu conteúdo à partida (prima facie ou a priori), mas ao seu conteúdo
“essencial”, como resulta afinal do processo de interpretação e aplicação dos
preceitos constitucionais, incluindo a solução dos conflitos entre direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos. Quer isto dizer que a final sempre
haverá circunstâncias ou pressupostos de facto em que o direito fundamental é
reconhecido e que constituem o seu conteúdo essencial. Nesta medida, a proibição
da parte final do n.º 3 é uma consequência do princípio da harmonização ou
concordância prática dos direitos ou interesses em conflito que o Tribunal tem
aplicado (cfr., por exemplo, os citados acórdãos n.ºs 177/92 [p.404], 113/97
[4481] e o Acórdão n.º 288/98 [Diário da República, I Série-A, de 18-4-1998, pp.
1714-20, 25). Trata-se, portanto, como se diz no Acórdão n.º 177/92 (ibidem) de
harmonizar “os direitos em confronto, para se ser levado, se tal se mostre
necessário, à prevalência (ou razão de prevalência) de um direito ou bem em
relação a outro”, ou, como se diz no Acórdão n.º 288/98 (p.1714-25) “a
harmonização, a concordância prática, se faz entre bens jurídicos, implicando
normalmente que, em cada caso, haja um interesse que acaba por prevalecer e
outro por ser sacrificado”. Nas várias hipóteses de conflito há que determinar
“em cada caso” genericamente “as razões de prevalência”. É uma “ponderação
casuística” (Acórdão n.º 177/92) e ao mesmo tempo generalizadora.»
Quanto à “ponderação casuística” referida neste aresto, entendeu a recorrente
que haveria um conflito entre “as normas protectoras de segredo industrial, de
propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos
meios de produção”, por um lado, e “o direito à informação para protecção do
ambiente, por parte de uma associação ambientalista”, por outro.
Verifica-se, porém, que se não detecta para o “direito à informação para
protecção do ambiente”, especificamente invocado pela recorrente - como também
não tinha o “direito de informação instrumental do direito de tutela
jurisdicional” referido naquele acórdão –, “qualquer conteúdo imediatamente
expresso na Constituição”, o que logo poderia constituir argumento para
desqualificar uma solução do caso baseada necessariamente numa “concordância
prática” entre um direito de acesso aos arquivos e registos administrativos
reconhecido aos cidadãos e o direito à reserva e ao segredo que a lei institui
como forma de tutela dos direitos de propriedade privada e livre iniciativa.
Tal entendimento não foi, no entanto, adoptado no referido acórdão n.º 254/99,
onde, embora a propósito de uma situação em que se reconheceu a existência de um
“interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação” (interesse pessoal
que não está agora em causa, sendo o interesse na tutela do ambiente, como se
sabe um “interesse difuso”), se escreveu o seguinte:
«6. Em causa está o direito de acesso, na forma de direito de consulta e de
direito de obter certidão, do detentor de interesse legítimo no conhecimento dos
elementos que lhe permitam usar de meios administrativos ou contenciosos a
documentos de um processo administrativo que possam ser relevantes para tal fim.
Esse direito não está consagrado especificamente na Constituição. A recorrente
pretende que está implícito no direito dos administrados, consagrado nos n.ºs 4
e 5 do artigo 268.º da Constituição, a tutela jurisdicional efectiva dos seus
direitos ou interesses legalmente protegidos, e nessa medida tem razão. A tutela
jurisdicional seria muitas vezes ineficaz sem um direito instrumental de
quaisquer pessoas que tenham interesse legítimo à informação dos elementos que
possam ser relevantes e que constem de processo administrativo.
A recorrente pretende também que esse direito está implícito no direito de
acesso consagrado no n.º 2 do mesmo artigo 268.º, como direito geral de todos os
cidadãos mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga
directamente respeito, nem tenham em vista obter elementos que lhe permitam,
iniciar um tal procedimento, de acesso aos arquivos e registos administrativos,
sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e
externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. Também aqui tem o
recorrente razão, pois seria incompreensível que o direito de quem tem um
interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação tivesse menor âmbito
do que o direito, de qualquer cidadão, de acesso aos arquivos e registos
administrativos (conferir, no mesmo sentido, por exemplo, os acórdãos deste
tribunal n.ºs 176/92 e 177/92, ambos de 7 de Maio, 234/92 e 237/92, ambos de 30
de Junho, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1992, pp. 377 ss., 397 ss., 599
ss., 609 ss.). O direito de acesso do interessado nunca pode ser menor que o do
cidadão em geral, até porque o interesse público na transparência da actividade
administrativa, ou numa “administração aberta”, como forma de garantia do
respeito pelos princípios constitucionais, norteadores dessa actividade, da
igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, só
pode ser favorecido pela acção dos directamente interessados e está na prática
dependente dessa acção. Acresce que o administrado interessado, mesmo que não
seja cidadão, não tendo nesse caso os direitos de participação na vida pública,
nomeadamente através do esclarecimento sobre actos do Estado e demais entidades
públicas (artigo 48.º da Constituição), que caracterizam a posição do cidadão no
Estado democrático (artigo 2.º), tem frequentemente direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos que implicam, como no caso do direito à tutela
jurisdicional, direitos de acesso à informação. Há, pois, que entender que a
introdução do n.º 2 do artigo 268.º na revisão constitucional de 1989 veio
alargar o conteúdo do direito de informação procedimental reconhecido no n.º 1,
pelo que os limites, que caracterizavam esse direito na redacção originária de
1976 - nomeadamente, a restrição ao direito de ser informado sobre o andamento
do processo e ao de conhecer a resolução definitiva sobre ele -, não tornam
inconstitucionais as formulações mais amplas desse direito (abstraindo das
referências à confidencialidade) nos artigos 62.º e 64.º do LPA e 82.º da LPTA
(cfr. o n.º 1 do artigo 16.º da Constituição).
7. A recorrente pretende, porém, que os limites do direito de acesso do n.º 2 do
artigo 268.º são apenas os que resultam da reserva de lei em matérias relativas
à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das
pessoas e que esses limites valem para todos os direitos de informação
consagrados explícita ou implicitamente no mesmo artigo. Não tem razão em nenhum
destes pontos.
Em primeiro lugar, a Constituição claramente diz o contrário, ao dispor apenas
no caso do direito de acesso do n.º 2 que limites podem ser estabelecidos por
uma reserva de lei, o que representa uma degradação ou uma hipoteca (usando a
terminologia de Gomes Canotilho, Revista de Legislação e Jurisprudência, 125,
1992, p.254), relativamente ao regime do direito à informação procedimental do
n.º 1 e do direito instrumental à informação derivado do direito do administrado
à tutela jurisdicional dos n.ºs 4 e 5 do artigo 268.º. Estes direitos são
reconhecidos sem limites explícitos. A formulação da reserva de lei, ao dizer
que o direito de acesso é reconhecido “sem prejuízo do disposto na lei em
matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à
intimidade das pessoas”, implica até uma prevalência de princípio dos interesses
na confidencialidade regulados nessas matérias sobre o direito ao acesso que
podem, porventura em nome do critério do melhor equilíbrio possível entre os
direitos em conflito (invocado no acórdão recorrido), justificar nas
circunstâncias dadas o sacrifício da confidencialidade (cfr. também as cautelas
do Acórdão n.º 177/92, lug cit., p.405). Nada disto se aplica aos outros
direitos à informação consagrados no artigo 268.º.
Em segundo lugar, sem exceptuar o do n.º 2, todos os direitos de informação
frente à Administração Pública consagrados no artigo 268.º estão limitados por
outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam
(assim Gomes Canotilho, ibidem). Tais limites, ditos a posteriori, por se
determinarem depois da determinação do conteúdo do direito por via de
interpretação (a qual poderá determinar limites desse conteúdo), sempre seriam
admissíveis, quer no direito de informação procedimental do n.º 1, quer no
direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdicional. Os dois
direitos estão, aliás, estreitamente ligados na sua regulação legal, na medida
em que o CPA e a LPTA integram o último no regime do direito de informação
procedimental do artigo 62.º do CPA e do artigo 82.º do LPTA, e ainda na medida
em que se considera, como o acórdão aqui recorrido, que o interesse na
informação pretendida para uso administrativo ou procedimental é um interesse
legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos a que se refere o 64.º do CPA
para o efeito de considerar o direito de informação procedimental reconhecido no
artigo 62.º extensivo às pessoas que provem ter tal interesse. Ora não há
nenhuma razão para que limites do mesmo género não existam no caso do direito de
acesso do n.º 2. É que se trata de um género de limites que existe qualquer que
seja o modo de definição de um direito na Constituição, porque resultam
simplesmente da existência de outros direitos ou bens, igualmente reconhecidos
na Constituição e que em certas circunstâncias com eles conflituam, bem como da
possibilidade de conflitos em certas circunstâncias entre direitos idênticos na
titularidade de diferentes pessoas. Os conflitos não podem ser evitados a não
ser pela previsão na Constituição dessas circunstâncias e pela consequente
transformação dos elementos do conflito em elementos da definição dos direitos
ou bens constitucionais em jogo. Ora a previsão exaustiva das circunstâncias que
podem dar lugar a conflitos deste tipo é praticamente impossível pela
imprevisibilidade das situações de vida e pelos limites da linguagem que procura
prevê-las em normas jurídicas, além de que a Constituição nunca pretendeu
regular pormenorizadamente, ou tão exaustivamente quanto possível, os direitos
que consagra. Estas considerações aplicam-se a todos os direitos fundamentais
reconhecidos na Constituição. Todos esses direitos podem ser limitados ou
comprimidos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, sem
excluir a possibilidade de conflitos entre direitos idênticos na titularidade de
diferentes pessoas (pense-se, quanto ao direito à vida, no regime legal de
legítima defesa e do conflito de deveres, e no dever fundamental de defesa da
Pátria - artigo 276.º n.º 1 da Constituição), sendo sempre necessário
fundamentar a necessidade da limitação ou compressão quando ela não se obtém por
interpretação das normas constitucionais que regulam esses direitos.
8. Não vale dizer, em contrário, que quando a Constituição consagra um limite
expresso, seja ele uma reserva de lei, implica que nenhum outro limite foi
desejado. Este argumento obviamente não procede. Ele subentende que o limite
expresso, ou a reserva de lei, é uma excepção e que existe uma regra que proíbe
a existência de outras excepções além das expressas. A primeira premissa não é
verdadeira. A reserva de lei do n.º 2 é uma remissão da Constituição para a lei
e não uma excepção constitucional a normas constitucionais. É certo que da
existência de uma remissão explícita não se deduz qualquer outra remissão e pode
deduzir-se o carácter excepcional da remissão. Assim o n.º 2 do artigo 268.º
implica que em matérias que não sejam relativas à segurança interna e externa, à
investigação criminal e à intimidade das pessoas, o direito de acesso aos
arquivos e registos administrativos não tem à partida (prima facie, a priori) os
limites que resultam da lei nestas matérias. Nessas outras matérias apenas pode
ter a posteriori os limites que resultam da solução constitucional das situações
de conflito com outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos, que
são os únicos que valem para os direitos de informação procedimental ou
instrumental do direito de tutela jurisdicional dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo
268.º.
Assim, em relação a direitos que formula à partida sem qualquer limite, para
além do que resulta imediatamente da definição constitucional do seu objecto
como a liberdade de expressão e informação (artigo 37.º, n.º 1), a própria
Constituição admite que o seu exercício pode constituir infracção criminal,
ilícito de mera ordenação social e ilícito civil (n.ºs 3 e 4 do artigo 37.º) e o
Tribunal Constitucional entendeu que o seu exercício poderia ainda constituir
ilícito disciplinar (Acórdão n.º 81/84, Acórdãos cit., 4, pp. 225 ss.,
especialmente 233-234; cfr. sobre conflitos com o mesmo direito, o Acórdão n.º
113/97, Diário da República, II série de 15-4- 1997, pp.4478,4481). Temos aqui
um direito fundamental sem explícitos limites a priori, que a Constituição
reconhece ter limites a posteriori em certas áreas e em que a lei criou limites
a posteriori em outras áreas. Também o direito à reserva da intimidade da vida
privada e familiar é consagrado à partida no n.º 1 do artigo 25.º da
Constituição sem qualquer limite e, no entanto, o Tribunal Constitucional
admitiu que em hipóteses de grande interesse para a descoberta da verdade ou
para a prova (e, portanto, de conflito com o interesse na prossecução penal e
com o princípio da verdade material) pode haver intercepção e gravação de
comunicações telefónicas (Acórdão n.º 7/87, Acórdãos cit., 9, pp. 7 ss., 35;
cfr., de modo semelhante, quanto ao uso, não consentido pelo visado, de
fotografia como prova em processo de divórcio, o Acórdão n.º 263/97, Diário da
República, II série, de 1-7-1997, pp. 7567, 7569). É certo que no acórdão n.º
7/87 o Tribunal invocou a reserva de lei em matéria de processo criminal que
limita à partida o direito ao sigilo da correspondência e dos outros meios de
comunicação privada (art.ºs 34.º, n.ºs 1 e 4), mas estava em causa apenas a
hipótese em que o sigilo diz respeito a matéria de reserva da intimidade, em que
não há reserva de lei. Também o direito de acesso a cargos públicos electivos
(artigo 50.º, n.º 1 da Constituição) era, antes da revisão de 1989, consagrado
sem limites à partida além dos que resultavam de outros preceitos
constitucionais directamente para os magistrados judiciais (artigo 221.º, n.º 3,
hoje 216.º, n.º 3) ou através de reservas de lei para os militares e agentes
militarizados (artigo 270.º) e para as eleições para a Assembleia da República
(artigo 153.º, hoje 150.º). Mas nos acórdãos n.ºs 225/85 e 244/85 (Acórdãos
cit., 6, pp.793 ss., 798-801 e pp. 211 ss., 217-228) o Tribunal admitiu
restrições legais para os funcionários judiciais (em vista do interesse na
separação e independência das funções autárquica e judicial) e para os
funcionários e agentes da administração autárquica directa da mesma autarquia
(em vista do interesse na independência e imparcialidade do poder local). Em
ambos os casos as restrições expressas na Constituição ou resultantes das
reservas de lei em certas matérias fundaram argumentos no sentido da
admissibilidade de outras restrições, em hipóteses de conflito de direitos ou
interesses constitucionalmente reconhecidos.»
Conclui-se, pois, que é possível ao legislador prever excepções ao direito geral
de informação, quer no âmbito das restrições expressamente autorizadas pela
Constituição, quer em hipóteses de conflito de direitos ou interesses
constitucionalmente reconhecidos.
Ora, não será, desde logo, de excluir a possibilidade de inclusão, no presente
caso, dos elementos de informação pedidos (ou pelo menos de parte deles) no
âmbito de informação relativa à “intimidade das pessoas”, se se entender que tal
cláusula justificativa de restrições ao direito à informação, prevista na parte
final do artigo 268.º, n.º 2, da Constituição, é igualmente aplicável a pessoas
colectivas – e, no caso, à vida interna (ao “segredo dos negócios” e dos
processos de laboração) da empresa que celebrou com o Estado o contrato de
investimento estrangeiro em que se previu logo o dever de confidencialidade das
partes, e em cujos anexos se encontram os elementos em questão.
Mesmo, porém, que, num caso como o presente, se entenda não poder subsumir o
fundamento da limitação ao direito de informação sob a “intimidade das pessoas”,
prevista do artigo 268.º, n.º 2, in fine, da Constituição, não se conclui no
sentido da inconstitucionalidade da solução normativa do conflito de valores ou
interesses que foi adoptada pela decisão recorrida.
6.Na verdade, acresce que, a ter de operar-se uma ponderação de interesses
contrapostos constitucionalmente reconhecidos, há que tomar em consideração que
os contratos de investimento assinados pelo Estado Português e pelas empresas
que se propõem realizar um investimento industrial visam satisfazer interesses e
valores também constitucionalmente relevantes – cfr. as “tarefas fundamentais do
Estado” elencadas no artigo 9.º da Constituição, entre as quais se conta, na
alínea d), “[p]romover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade
real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos,
sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das
estruturas económicas e sociais”. Designadamente, trata-se de instrumentos
importantes (designadamente, numa economia com as características da economia
portuguesa) para possibilitar as condições para o desenvolvimento económico e,
consequentemente, para a obtenção dos meios, pelos particulares e pelo Estado,
para a obtenção de bens e para a satisfação das necessidades individuais e
colectivas, e inclusive de bens e necessidades protegidas por direitos
fundamentais – parecendo desnecessário recordar aqui considerações bem
conhecidas sobre o efectivo “custo dos direitos” proclamados no texto da
Constituição, a que este Tribunal não tem deixado de (explicita ou
implicitamente) aludir, pelo menos fora do âmbito dos “direitos, liberdades e
garantias”, quando se refere à cláusula de “reserva do possível”
(designadamente, do económica e financeiramente possível).
Importa também atentar em que os contratos de investimento celebrados entre o
Estado Português e empresas ou investidores, podendo implicar, como no presente
caso, um compromisso de sigilo quanto às informações fornecidas por essas
empresas, envolvem um conjunto de contrapartidas – para ambas as partes e com
incidência em terceiros, concorrentes ou não – que têm de ser ponderadas, no
momento da celebração do contrato, sendo, evidentemente, ao Governo, ao celebrar
esses contratos, que compete realizar essa ponderação.
Por outro lado, o projecto em causa foi previamente objecto de aprovação pelas
entidades competentes – a quem cabe, designadamente, avaliar também o impacte
ambiental e estabelecer as condições de funcionamento da unidade fabril – e,
quer na pendência da sua construção, quer no decurso do seu funcionamento,
continuará sujeito às regras de funcionamento e à vigilância e fiscalização das
entidades oficiais. A tutela do direito ao ambiente que a recorrente invoca como
fundamento para o seu direito à informação está igualmente prevista como objecto
de salvaguarda pela actividade da Administração Pública, no quadro das funções
do Estado, não sendo, pois, de considerar a “vigilância” pela recorrente como
via única – ou, sequer, principal ou privilegiada – de acautelar esse direito.
Estamos, pois, perante a contraposição entre um interesse dos investidores (por
isso, umas vezes manifestado, e outras não, mas no presente caso elevado pelas
partes a dever contratual) em manter reserva sobre as condições de realização de
um investimento, e o interesse de organizações ambientalistas em terem acesso a
tais informações que o Estado Português se comprometeu, legal e contratualmente,
a manter reservadas. Ambos os interesses assumem, naturalmente, relevância
pública.
Ora, num contexto em que o Governo entendeu aceitar vincular-se no próprio
contrato a uma cláusula de confidencialidade (sendo de presumir que tal
vinculação constituiu, para ambas as partes, um elemento essencial para a
celebração do contrato) e em que, portanto, o confronto entre, por um lado, uma
informação geral sobre todos os aspectos do contrato (no caso, sobre os anexos,
não publicados no Diário da República) e, por outro lado, o interesse no
investimento estrangeiro foi já realizado pelo Governo, a ponderação imposta aos
Tribunais, em caso de conflito entre, por um lado, o direito geral à informação,
invocado pela recorrente, e, por outro lado, o interesse na concretização do
investimento estrangeiro, pode resultar aligeirada. Neste sentido, o tribunal
recorrido entendeu remeter, não só para as normas agora em causa, como para o
referido dever contratual de confidencialidade, e, implicitamente, para a
avaliação realizada na sua celebração. E acrescente-se ainda que a recorrente
nada de mais específico ou concreto adiantou sobre ameaças ao ambiente, para
além do seu interesse ou legitimidade geral, como associação que tem como
finalidades a defesa do ambiente, ou de desconfianças gerais que o projecto ou a
empresa em questão lhe suscitava.
Entende-se, assim, que a contraposição a realizar pelo tribunal recorrido podia
bastar-se, nestas condições, com uma implícita ponderação, ou confronto (sem
dúvida menos desenvolvido do que o que se verificou no caso decidido pelo
acórdão n.º 254/99), com o resultado daquele que foi efectuado. Atendendo às
tarefas fundamentais do Estado fixadas no artigo 9.º da Constituição e aos
princípios cometidos pelo seu artigo 266.º à Administração Pública, a conclusão
do tribunal recorrido podia pender, ainda que por via de um tal confronto
abreviado, a favor da possibilidade de limitações ao direito à informação com
fundamento no citado conflito, concluindo-se, portanto, no sentido da
conformidade constitucional da norma do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
321/95, no que concerne à divulgação e acesso de documentos inerentes à
celebração dos contratos de investimento estrangeiro, quando susceptíveis de
conhecimento público – e, portanto, também, nesta medida, da norma do artigo
10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, da qual a
norma do artigo 13.º, n.º 1, do referido decreto-lei constitui, como se disse,
um caso especial.
7.Diga-se, ainda, que a afirmação de uma geral “prevalência do direito ao
ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial”, também invocada
pela recorrente, é, por si só, insusceptível de ser ponderada, por não se poder
estabelecer o aludido confronto.
Não há, de facto, em tese geral, nenhum conflito entre direitos de carácter
patrimonial das empresas signatárias do contrato de investimento com o Estado
Português e o direito ao ambiente, nem parece ele resultar simplesmente das
circunstâncias referidas nos autos. Aliás, mesmo que, em termos meramente
potenciais, tal conflito pudesse vir a ocorrer no futuro, ele seria também
completamente alheio às normas que vêm impugnadas – as quais, como se deixou
referido, se limitam a permitir à Administração, no quadro de operações de
investimento estrangeiro, e com fundamento em compromissos assumidos num
contrato de investimento, a recusa de acesso a documentos que ponham em causa
segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas, e sem o
consentimento destas (ausência de consentimento, no caso, previamente acautelada
pela inclusão no próprio contrato de investimento de uma cláusula de sigilo).
Caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos
ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das
quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre
direitos da propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua
constitucionalidade, se se entender que essa normas não asseguram cabalmente os
valores constitucionalmente protegidos.
Conclui-se, pois, pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade
dirigida às normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei
n.º 8/95, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional:
a) Não julgar inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º
65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e do n.º 1
do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão
recorrida, no que diz respeito às questões de constitucionalidade suscitadas.
Lisboa, 15 de Março de
2005
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta)
Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Rui Manuel Moura Ramos
Declaração de voto
Votei vencida o presente Acórdão por entender que a interpretação normativa
constante da decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade na
restrição ao direito à informação, que se retira dos artigos 18º, nº 2, e 268º,
nº 2, da Constituição. Remeto, no essencial, para as razões invocadas pelo
Senhor Conselheiro Mário Torres na sua declaração de voto.
Maria Fernanda Palma
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, por entender que a interpretação
normativa acolhida na decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade
na restrição ao direito à informação, resultante das disposições conjugadas dos
artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa
(CRP).
Reconheço, em consonância com reiterada jurisprudência
do Tribunal Constitucional, que o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e
registos administrativos pode sofrer restrições – para além das expressamente
previstas no n.º 2 do citado artigo 268.º da CRP: matérias relativas à
segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas
– impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos, entre os quais os destinados a proteger
segredos industriais e comerciais, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, da
Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março (“A
Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa
segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”). Já se
afigura mais ampla, e não meramente especial em relação à anterior, a norma do
artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, segundo a
qual: “As informações relacionadas com operações de investimento estrangeiro
não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes,
excepto quando susceptíveis de conhecimento público”.
Mas se não se pode dizer, a meu ver, que é
constitucionalmente ilegítima toda e qualquer restrição ao acesso a documentação
detida pela Administração estranha às matérias referidas expressamente no n.º 2
do artigo 268.º da CRP, também tenho por seguro que, quer quando estejam em
causa essas matérias quer outras relativas a direitos ou interesses
constitucionalmente tutelados, sempre a restrição ao direito à informação há-de
respeitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da
proporcionalidade e reclamará uma ponderação em concreto dos direitos em
conflito a efectuar pelo tribunal.
Foi essa a orientação que o Tribunal Constitucional
traçou quando por diversas vezes se pronunciou sobre o direito de acesso a
documentos inseridos em processos de autorização da introdução de medicamentos
no mercado (cfr. Acórdãos n.ºs 254/99, 335/99, 384/99, 385/99 e 386/99),
orientação que, aliás, já havia sido a adoptada nos acórdãos do Supremo
Tribunal Administrativo então recorridos e que, em cada caso concreto,
especificaram, dentre as diversas espécies de documentos que integravam aqueles
processos de autorização, quais podiam e quais não podiam ser facultados aos
requerentes de acesso. Por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo, de 10 de Julho de 1997, confirmado pelo Acórdão n.º 254/99 do
Tribunal Constitucional, consignou-se:
“[...] o direito à informação é configurado como um direito fundamental do
administrado e, de acordo com a doutrina, de natureza análoga aos «direitos,
liberdades e garantias» enunciados na Constituição e sujeito ao respectivo
regime (artigos 17.º e 18.º da CRP).
Como tal, está sujeito às limitações e restrições estabelecidas nos termos da
lei.
Tal direito, embora seja, prima facie, um direito sem restrições
constitucionalmente explícitas – ressalvadas as que constam do n.º 2 do artigo
268.º da CRP (...) – não é um direito absoluto e, assim, quando se encontra em
colisão com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, não está
impedida a legitimação da sua restrição, desde logo, no âmbito do próprio
sistema constitucional e da harmonização das respectivas normas.
Ora, no artigo 17.º do Decreto Lei n.º 72/91, subjacente à classificação como
confidenciais dos elementos de instrução dos processos de autorização a que se
refere aquele diploma, nomeadamente nos seus artigos 5.º e 14.º, desencadeados
no INFARMED – tal como no artigo 62.º do CPA e artigo 10.º da Lei n.º 65/93 e
ainda nos artigos 1.º e 47.º do Código da Propriedade Industrial – está a
ponderação de razões relacionadas com a protecção de direitos (de propriedade
intelectual e respectivos segredos comerciais e industriais) integrados no
direito de propriedade privada, também constitucionalmente assumido como direito
fundamental (artigo 62.º da CRP).
A prevalência que, porventura, dermos a um destes direitos em confronto
(direito à informação e direito de propriedade intelectual e industrial e
atinentes segredos), implica a postergação do conteúdo essencial do outro; isto
é, a aplicação das normas atinentes ao direito à informação exclui as de
protecção ao direito de propriedade e vice-versa.
Estaríamos, assim, na presença de uma colisão de direitos consagrados
constitucionalmente cujas características não apontam para a existência de uma
relação de hierarquia (uma vez que pertencem à mesma categoria de direitos
fundamentais) nem de generalidade e especialidade.
Só através de uma casuística ponderação, com vista a uma possível harmonização
dos referidos direitos em causa, nomeadamente através do critério metódico do
melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes poderá ser solucionada a
questão, dando a possível satisfação ao interesse invocado pelo requerente, sem
desvendar ou violar a confidencialidade dos documentos que porventura contenham
segredos comerciais ou industriais e se mostrem incorporados no processo em
causa.
Tal ponderação não pode deixar também de levar em conta que, no processo de
intimação, tratando-se de um processo expedito, o titular dos direitos de
propriedade a proteger e dos eventuais segredos comerciais e industriais
constantes do processo não foi chamado a intervir para defender direitos seus
que pode ver postergados.
A aferição da confidencialidade dos documentos a que o particular pretende
aceder deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto e não, em
geral, a todos os documentos que acompanham o processo de autorização de
introdução do medicamento no mercado.
Assim sendo, entendemos que a situação de equilíbrio entre os dois
direitos colidentes passa pela passagem das certidões atrás referidas relativas
à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I
da Portaria n.º 161/96), documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A
a Q, do Anexo I da Portaria n.º 161/96) e ensaios clínicos (Parte IV, B-1 do
Anexo à Portaria n.º 161/91) e pela consulta dos documentos relativos às
matérias assim delimitadas e ainda às certidões das decisões proferidas no
processo administrativo, bem como dos relatórios de inspecção a que se refere o
artigo 91.º do Decreto-Lei n.º 72/91 e do pedido a que se referem os artigos
13.º e 14.º do mesmo diploma e a respectiva decisão fundamentada, estando o mais
abrangido pela confidencialidade a que é obrigada a autoridade requerida.”
Impunha-se, assim, para ser constitucionalmente
admissível a restrição ao direito de acesso aos arquivos administrativos, uma
“casuística ponderação”, “que deve ser feita em relação a cada tipo de documento
em concreto, e não em geral, a todos os documentos que acompanham o processo de
autorização de introdução do medicamento no mercado”.
Este entendimento foi sufragado pelo citado Acórdão n.º
254/99, tirado em Plenário do Tribunal Constitucional, cuja doutrina foi seguida
nos demais acórdãos atrás referidos.
No Acórdão n.º 254/99, o Tribunal Constitucional, após
haver reafirmado o pressuposto de que “os direitos de acesso à informação
administrativa consagrados no artigo 268.º são direitos fundamentais de
natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados no Título II da
Constituição (artigo 17.º da Constituição), para os efeitos da aplicação do
regime do artigo 18.º”, pressuposto que o Tribunal já afirmara nos Acórdãos n.ºs
177/92 e 234/92, reconheceu que “a exacta delimitação dos documentos que podem
ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre
exige uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses
constitucionalmente protegidos e uma demonstração da necessidade e
proporcionalidade da recusa de acesso à informação”. É que “em geral, sempre
que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas
circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão,
têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas”; ora,
“na hipótese em crise trata-se de justificar constitucionalmente uma proibição
de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela
jurisdicional para este mesmo efeito”; logo, “tem todo o cabimento as cautelas
constitucionais”.
E, no seguimento do ponto 11, transcrito no precedente
acórdão, o Acórdão n.º 254/99 prossegue:
“12. Ora, há que reconhecer que na hipótese dos autos há um conflito
entre o direito à informação instrumental do direito de tutela jurisdicional,
invocado pela recorrente, por um lado, e os direitos ao segredo comercial ou
industrial, de autor ou de propriedade industrial e o interesse no respeito das
regras de leal concorrência, por outro lado, que o director do INFARMED
considera eventualmente na titularidade da pessoa detentora da autorização de
introdução no mercado de certo medicamento. A decisão do Supremo Tribunal
Administrativo aqui recorrida considerou que os direitos por último referidos se
reconduzem ao direito de propriedade (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição).
Poderá invocar-se ainda em concurso, pelo menos quanto aos direitos de autor e
de propriedade industrial, o direito à invenção científica, integrado na
liberdade de criação cultural do Título II da Constituição (artigo 42.º), o
interesse de livre iniciativa económica privada (artigos 61.º, n.º 1, e 80.º,
alínea c)), o interesse no funcionamento eficiente dos mercados, de modo a
garantir a equilibrada concorrência entre empresas (artigo 81.º, alínea e)) e o
interesse numa política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do
país (artigo 81.º, alínea j)). Quanto à relevância dos interesses económicos por
último referidos é bem claro que o desrespeito sistemático dos direitos de
sigilo comercial e industrial dos produtores de produtos farmacêuticos poderia
conduzir não só a uma grave perturbação das regras da concorrência neste sector
de economia privada, como também uma redução drástica do acesso dos consumidores
às inovações dos mercado internacional de produtos farmacêuticos, com prejuízo
da qualidade dos bens e serviços consumidos (artigo 60.º, n.º 1), senão do
direito à protecção da saúde (artigo 64.º, n.º 1). Do outro lado da situação de
conflito, o lado da recorrente, há que ponderar em concurso, os direitos de
autor ou de propriedade industrial a fazer eventualmente valer em juízo, que
chamam também à colação as mesmas regras de leal concorrência em economia de
mercado, mas também os interesses dos consumidores e da saúde na fiscalização
da qualidade dos produtos farmacêuticos, dos seus perigos tóxicos e da sua
aptidão clínica.
Só tendo em consideração todos os referidos critérios de ponderação
com relevância constitucional se pode compreender e justificar a determinação
feita no acórdão recorrido dos casos em que se reconhece o direito à informação
e dos casos em que ele é restringido nos processos administrativos de
autorização no mercado, de renovação da autorização e de alteração de
medicamento. Por um lado, reconheceu-se prevalência ao direito de informação
quanto:
1. aos elementos essenciais para a instrução de processos de defesa
de direitos de autor e industriais, nomeadamente quanto às certidões das
decisões proferidas no processo administrativo de autorização de introdução no
mercado de um medicamento, bem como nos processos do pedido a que se referem os
artigos 13.º (renovação de autorização) e 14.º (alteração de medicamentos
autorizados) do Decreto-Lei n.º 72/91, bem como às certidões dos respectivos
pedidos, e ainda quanto aos elementos destes processos relativos à composição
qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I da Portaria
n.º 161/96, de 16 de Maio);
2. aos elementos relacionados com o interesse colectivo na
fiscalização da qualidade, da aptidão clínica e do perigo tóxico do medicamento,
nomeadamente quanto à documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A a
Q, do Anexo I), aos ensaios clínicos (Parte IV, B-1, do Anexo I da Portaria n.º
161/96) e aos relatórios de inspecção a que se refere o artigo 91.º do
Decreto-Lei n.º 72/91.
Por outro lado, são na parte restante justificadas as restrições que
à consulta de elementos dos processos de autorização no mercado, de renovação,
de autorização e de alteração de medicamento e à obtenção de certidões dos
documentos correspondentes resultam da confidencialidade decretada pelo artigo
17.º do Decreto-Lei n.º 72/91. Os artigos 62.º do CPA e 82.º da LPTA devem
interpretar-se de acordo com a restrição constitucionalmente exigida do âmbito
da confidencialidade decretada para o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 72/91. Fica
assim abrangida pela proibição de consulta e passagem de certidão contida nestes
artigos toda a restante documentação entregue para instrução dos processos em
questão, referida no Anexo I da Portaria n.º 161/96, nomeadamente a relativa ao
modo de preparação, ao controlo das matérias primas, ao controlo efectuado nas
fases intermédias de fabrico, ao controlo do produto acabado, aos ensaios de
estabilidade, de biodisponibilidade/bioequivalência e a de farmacologia
clínica. Remete-se para o Anexo da Portaria n.º 321/92, de 8 de Abril, com as
«Normas a que devem obedecer os ensaios analíticos, tóxico-farmacológicos e
clínicos dos medicamentos de uso humano», para melhor compreensão e
justificação das opções feitas.
Não se diga que o segredo comercial ou industrial, bem como o
segredo relativo à propriedade científica se protege através do sistema da
publicidade e controlo da utilização por terceiros que caracteriza o regime das
patentes e dos direitos de autor. O que se protege através das patentes e dos
direitos de autor não é o segredo, mas a exclusividade de fruição das vantagens
dos produtos de propriedade industrial e intelectual, nomeadamente científica. O
proprietário tem o direito de optar pela protecção do segredo ou pela protecção
da patente ou do direito de autor.
Poderá, assim, entender-se que o acórdão recorrido bem decidiu,
quando se pronunciou no sentido de que o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 72/91
não respeita o direito de informação consagrado no artigo 268.º, n.ºs 1, 4 e 5,
da Constituição, na medida em que classifica como confidenciais os seguintes
elementos apresentados à DGAF para a instrução dos processos a que se refere o
Decreto-Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro: documentação relativa à composição
qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I da Portaria
n.º 161/96, de 16 de Maio), documentação toxicológica e farmacológica (Parte
III, A a Q, do Anexo I da Portaria n.º 161/96) e ensaios clínicos (Parte IV,
B-1, do Anexo I da Portaria n.º 161/96), documentação correspondente às mesmas
matérias dos processos de renovação de autorização (artigo 13.º do Decreto-Lei
n.º 72/91) e de alterações dos medicamentos autorizados (artigo 14.º do
Decreto-Lei n.º 72/91). Nesta parte já teve a recorrente satisfação da sua
pretensão, pelo que deixou de ser objecto do processo. Quanto à parte restante
dos elementos pretendidos, em que a recorrente não obteve provimento do
tribunal a quo, há que confirmar o juízo de constitucionalidade do acórdão
recorrido, quanto à confidencialidade decretada pelo artigo 17.º do Decreto-Lei
n.º 72/91 no que respeita aos elementos apresentados à DGAF para a instrução dos
processos a que se refere o mesmo Decreto-Lei além dos anteriormente enunciados,
e que resulta também quanto aos mesmos elementos do artigo 62.º do CPA, do
artigo 82.º da LPTA e do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, embora este último não
seja objecto do processo.”
Foi extensa a transcrição, mas ela evidencia bem a
minúcia da “ponderação casuística” constitucionalmente exigida e então
efectuada pelo tribunal recorrido e pelo Tribunal Constitucional, em contraste
com a ausência de ponderação autónoma que as decisões das instância no presente
caso revelam.
O acórdão recorrido, embora tenha chegado a reconhecer
que, perante a inexistência de hierarquia entre os direitos em confronto, havia
que proceder a uma ponderação, logo abandonou essa via – que era a única
constitucionalmente admissível – com a seguinte argumentação:
“(...) Só quando não existe lei é legítima a ponderação dos valores em conflito
pelo intérprete. No caso dos autos, o Estado Português acordou (cláusula 17.ª
do contrato de investimento estrangeiro, aprovado pela Resolução do Conselho de
Ministros n.º 34-B/2001) que «Toda a informação relativa ao projecto, à
sociedade, aos sócios e à B.., a que o Estado Português tenha acesso, no âmbito
do presente contrato, está abrangida pelo dever de sigilo nos termos da
legislação aplicável». A legislação aplicável é o artigo 10.º da Lei n.º 65/93,
de 26 de Agosto. Portanto, da lei e do contrato aplicáveis ao caso resulta a
vinculação do Estado Português ao dever de sigilo. A sujeição da Administração
ao princípio da legalidade impõe-lhe de forma vinculada, neste caso, a recusa de
fornecer a documentação pedida.”
Este entendimento é constitucionalmente inadmissível. O
tribunal não pode demitir-se de efectuar a “ponderação casuística” exigida pelo
princípio da proporcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos
direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário – e muito
menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já
teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia
ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio. E
saliente-se que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso
aos documentos e não o contrário (a inexistência de prejuízo relevante por
causa da facultação desse acesso).
Recorde-se que a recorrente requereu, além do acesso ao
contrato de investimento e seus anexos, igualmente o acesso aos “estudos
técnicos” relativos ao projecto de estabelecimento industrial em causa (cfr.
fls. 80), que envolvem projectos de diversa natureza técnica relativos à unidade
industrial de fabrico de tubos de cobre, ligas de cobre e outros tubos técnicos,
que se pretendia implantar (cfr. fls. 96 e 97), designadamente projectos de
tratamento de resíduos de vários tipos (cfr. fls. 87 e 88).
Não se pode ignorar a importância decisiva que o acesso
à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a
todos incumbe de defender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente
equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo
da poluição e na correcta localização das actividades (artigo 66.º, n.ºs 1 e 2,
alíneas a) e b), da CRP), com expresso reconhecimento constitucional da
legitimidade de intervenção, designadamente pela via da acção popular, das
associações de defesa dos interesses em causa (qualidade e vida e preservação do
ambiente), sendo avesso a toda a filosofia da defesa dos “interesses difusos” a
consideração de que, no caso, bastaria a intervenção da Administração para
assegurar a salvaguarda do interesse público.
Por outro lado, é incompatível com a eficiente defesa
dos valores ambientais, em que prevalecem os princípios da prevenção e da
precaução, a consideração de que “caso a laboração da empresa venha a provocar
(ou a ameaçar provocar) danos ambientais”, então, sim, poder-se-á discutir a
prevalência do direito ambiente.
Em suma: considero inconstitucional, por violação do
princípio da proporcionalidade das restrições ao direito à informação (artigos
18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da CRP), a interpretação normativa acolhida no
acórdão recorrido, que dispensa a ponderação judicial concreta dos interesses em
confronto quando o legislador ordinário ou a Administração, através da
celebração de um contrato de investimento, terão optado por atribuir prevalência
absoluta ao interesse do particular contraente ao sigilo das informações
relacionadas com essa operação de investimento estrangeiro.
Mário José de Araújo Torres