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Processo n.º 1109/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo (STA), de 24 de Junho de 2004, que negou provimento ao recurso
interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo do Círculo de
Coimbra, sentença esta que julgou improcedente a acção com processo comum
ordinário instaurada pela recorrente contra o B., emergente de contrato de
empreitada para execução de obras públicas de “reabilitação entre --------- e
--------- da E.N. ---”, na qual pedia a condenação do Réu no pagamento dos danos
sofridos.
2 – A recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a
constitucionalidade da norma extraída do n.º 3 do artigo 166º do Decreto-Lei n.º
405/93, de 10 de Dezembro, na interpretação segundo a qual “a suspensão dos
trabalhos decidida pelo empreiteiro sem prévia comunicação ao dono da obra, nos
termos aí estabelecidos, não constitui na esfera jurídica do empreiteiro o
direito de ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes dessa mesma suspensão”.
3 - O acórdão recorrido, na esteira do já sustentado na sentença por
ele sindicada, considerou que, não obstante “durante o período que mediou entre
27.7.97 [período compreendido pelo prazo de execução da empreitada] e a data da
conclusão das obras – Junho de 1998 – a A. esteve parada com o seu pessoal e
equipamento totalmente imobilizado na obra adjudicada por motivo imputável ao
R.”, a circunstância de a recorrente não ter procedido à comunicação prevista no
n.º 3 do art.º 166º com relação à situação descrita na alínea a) do n.º 2 do
mesmo artigo do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, determinou que “não
chegou a constituir-se na esfera jurídica da recorrente o invocado direito a ser
indemnizada por tais prejuízos” e que não se mostravam violados os princípios
anti-formalista e pro actione e o direito constitucional a uma tutela efectiva.
No seu essencial é a seguinte a fundamentação do acórdão recorrido:
«Sob a epígrafe 'suspensão dos trabalhos pelo empreiteiro', estabelece o
referenciado art.º 166º, que «2 - O empreiteiro poderá suspender, no todo ou em
parte, a execução dos trabalhos por mais de 8 dias seguidos ou 15 dias
«interpolados,...», verificada que seja alguma das circunstâncias contempladas
na previsão das diferentes alíneas desse mesmo n.º 2, designadamente a
ocorrência de facto que seja imputável ao dono da obra ou seus agentes.
Mas, conforme o n.º 3 desse mesmo art.º 166º, «O exercício da faculdade prevista
no número anterior deverá ser antecedido de comunicação ao dono da obra,
mediante notificação judicial ou carta registada, com menção expressa da alínea
indicada».
Trata-se, pois, de uma comunicação prévia e formal, a que, por isso, não poderá
fazer-se equivaler uma mera tomada de conhecimento ocasional. Sendo que, para
além disso, a lei exige também que, nessa comunicação prévia, se faça menção
expressa da alínea do referido n.º 2 cuja previsão é invocada, de modo a que o
dono da obra fique a saber, inequivocamente, que os trabalhos foram suspensos e
quais as concretas razões que motivaram essa suspensão. É que tal comunicação
visa, justamente, conceder ao dono da obra a possibilidade de optar pela
rescisão do contrato, nos termos do art.º 170º, n.º 1[1] do mesmo DL 405/93.
Neste sentido, decidiu o recente acórdão desta Secção, de 18.3.04, proferido no
processo n.º 641/41/03.
Assim, como bem entendeu a sentença recorrida, a suspensão dos trabalhos
decidida pela ora recorrente, sem prévia comunicação ao R. dono da obra,
conforme o formalismo exigido no questionado n.º 3 do art.º 166º do DL 405/93,
não produziu o pretendido efeito jurídico de responsabilização do R. pelos
prejuízos decorrentes dessa mesma suspensão. Pelo que não chegou a constituir-se
na esfera jurídica da recorrente o invocado direito a ser indemnizada por tais
prejuízos.
O que, desde logo, retira fundamento à alegação da recorrente de que a decisão
impugnada teria violado um tal direito à reparação ou indemnização dos danos
sofridos e seguido, por isso, interpretação inconstitucional daquele preceito
legal.
Pela mesma razão não colhe também a alegação da recorrente de que a
interpretação seguida na sentença sob impugnação violou os princípios
anti-formalistas e pro actione, bem como o direito constitucionalmente garantido
a uma tutela judicial efectiva.
Com efeito, o princípio pro actione postula que, ao nível dos pressupostos
processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a mais
favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e que se
pode traduzir na fórmula in dubio pro habilitate instantiae. Todavia, importa
notar que o princípio pro actione não corresponde a um princípio pro
administrado, pois que não releva no plano material, antes opera no âmbito do
direito processual, limitando-se ao mero direito de acção jurisdicional. Neste
sentido, veja-se o acórdão de 9.5.02 (Rº 701/02), bem como a doutrina aí citada.
Ora, no caso, a decisão recorrida em nada obstaculizou o acesso ao direito, por
parte da recorrente, de cuja pretensão indemnizatória efectivamente conheceu o
órgão jurisdicional competente. Com o que, independentemente de se ter julgado
infundada tal pretensão, se respeitou o princípio da tutela judicial efectiva,
que, no essencial, se traduz justamente no direito à protecção pela via
judicial[2].».
4 – Alegando neste Tribunal Constitucional, a recorrente condensou
nas seguintes conclusões o discurso argumentativo antes desenvolvido:
«1ª - Vem o presente recurso interposto para este Venerando Tribunal ao abrigo
do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei nº
13-A/98, de 26 de Fevereiro, pretendendo a recorrente ver apreciada a
inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 166º, nº 3 do Decreto-Lei nº
405/93, de 10 de Dezembro, com a interpretação com que foi aplicada no acórdão
do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.06.2004.
2ª - O acórdão recorrido, ao considerar que da omissão do formalismo previsto no
artigo 166º, nº 3 do DL 405/93 decorre a impossibilidade de a recorrente
(empreiteira) vir a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos com a suspensão dos
trabalhos, refugiou-se num formalismo positivista de todo desajustado aos dias
de hoje, violando com tal decisão quer as garantias constitucionais da tutela
jurídica efectiva dos direitos da recorrente quer os princípios anti-formalistas
pro actione e in dubio pro favoritate instantiae.
3ª - Entende a recorrente que, ao utilizar a expressão deverá ser antecedido de
comunicação, o legislador terá querido assegurar ao dono da obra o pleno
conhecimento da suspensão dos trabalhos por parte do empreiteiro.
4ª- Este conhecimento e a prova do mesmo podem ser assegurados por quaisquer
outros meios, informais, que não os expressamente referidos na norma.
5ª - Não existe norma legal que determine que da omissão do formalismo previsto
no artigo 166º, nº 3 do Decreto-Lei nº 405/93 decorre a perda do direito à
indemnização previsto no artigo 171º do mesmo diploma legal.
6ª - A exigência dos formalismos em causa tem uma finalidade meramente
probatória e não quaisquer fins cominatórios, contrariamente à interpretação
dada no acórdão recorrido ao sentido e alcance da norma.
7ª - Os fins visados pelo legislador são alcançados no momento em que o dono da
obra tem efectivo conhecimento da suspensão dos trabalhos.
8ª - Não questionou nem questiona a recorrente o facto de não ter usado o
formalismo referido no dito artigo 166º, nº 3.
9ª - No entanto, o recorrido teve conhecimento da situação desde o seu início,
tendo tal situação evoluído sempre sob o seu conhecimento.
10ª - A norma ínsita no artigo 166º, nº 3 do DL 405/93, quando interpretada no
sentido em que o foi pelo acórdão recorrido, é inconstitucional, pois limita o
direito à reparação de danos decorrente do artigo 483º do Código Civil, direito
este análogo aos direitos, liberdades e garantias.
11ª - Ao interpretar a norma do artigo 166º, nº 3 do Decreto-Lei nº 405/93, no
sentido em que o fez, o acórdão recorrido violou ainda os princípios
anti-formalistas 'pro actione' e 'in dubio pro favoritate instanciae', que a
jurisprudência administrativa tem defendido e que impõem uma interpretação da
norma que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela
jurisdicional efectiva.
12ª - Tais princípios postulam que, na densificação da indeterminação
conceptual, se privilegie a interpretação mais favorável ao acesso ao direito e
à tutela judicial efectiva, tendo como objectivo o alcance da verdade material.
13ª - A ideia basilar do princípio processual pro actione é, pois, a de
favorecimento da tomada de decisões de mérito, contrariando o excessivo relevo
que possam apresentar as questões de outra índole.
14ª- Pelo que se deve privilegiar a interpretação que melhor garanta a tutela
efectiva do direito e a concretização da justiça material.
15ª - A interpretação das normas respeitantes aos direitos dos cidadãos deve
efectuar-se, sempre que tal seja possível, através de um critério que seja
favorável ao conhecimento das questões de fundo, visando possibilitar o exame de
mérito das pretensões deduzidas em juízo.
16ª- Assim, em consonância com as garantias contenciosas consagradas na
Constituição, a interpretação que em concreto foi dada à norma do artigo 166º,
nº 3 do Decreto-Lei nº 405/93 viola o direito constitucional à tutela judicial
efectiva, consagrado na norma constitucional do nº 4 do artigo 268º da C.R.P. -
a qual se traduz numa concretização do direito de acesso aos tribunais ou à
tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20º da C.R.P. e que implica a
garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial
efectiva - norma que é de aplicação directa, nos termos do artigo 18º, nº 1 da
Constituição.
17ª - Pelo exposto, o acórdão recorrido, ao interpretar a norma do artigo 166º,
nº 3 do Decreto-Lei nº 405/93, no sentido em que o fez, não respeitou os
princípios fundamentais do contencioso administrativo anti-formalistas, pro
actione e in dubio pro habilitate instantiae, e pôs em causa o acesso ao direito
e a uma tutela jurisdicional efectiva, violando os artigos 20º e 268º, nº 4 da
C.R.P..
18ª - Deve a norma contida no artigo 166º, nº 3 do Decreto-Lei nº 405/93 ser
interpretada da forma mais favorável à tutela jurisdicional efectiva, o que deve
necessariamente conduzir à postergação de interpretações meramente ritualistas e
formais, uma vez que estas não contribuem para a realização da justiça
material.».
5 – O recorrido contra-alegou, batendo-se pela manutenção do
julgado, concluindo com esse sentido que:
«a) Não se chegou a constituir na esfera jurídica da recorrente, em
consequência da inobservância do disposto no art. 166º, nº 3 do Dec. Lei nº
405/93, qualquer direito de indemnização, donde, a decisão impugnada não viola
qualquer direito à reparação ou indemnização dos danos por ela eventualmente
sofridos, ao interpretar naquele sentido o referido preceito legal.
b) A decisão recorrida em nada obstaculizou o acesso ao direito por
parte da recorrente, dado que o Tribunal recorrido conheceu efectivamente da sua
pretensão indemnizatória, pelo que, a recorrente beneficiou de tutela judicial
efectiva, contrariamente ao que invoca.
c) A interpretação seguida pelo Tribunal “a quo” não violou quaisquer
princípios anti-formalistas e pro actione, desde logo porque, estes operam no
âmbito do direito processual onde nenhum obstáculo foi levantado á recorrente, e
não no plano do direito material como pretende erradamente esta última.».
Tudo visto cumpre decidir.
B – Fundamentação
6.1 – Antes de se avançar importa deixar registado que não cabe nos
poderes do Tribunal Constitucional, que, no tipo de recurso em causa, conhece
apenas de questões de (in)constitucionalidade normativa, aferir da correcção da
interpretação levada a cabo pelo acórdão recorrido do preceito do n.º 3 do art.º
166º do Decreto-Lei n.º 505/93, de 10 de Dezembro, sem embargo de se reconhecer
que esse preceito foi aplicado de forma conjugada com o disposto nas alíneas a)
e d) do mesmo artigo cuja constitucionalidade não se questiona. Não lhe compete
assim apurar se o critério normativo que foi extraído do referido preceito
corresponde ao melhor direito que o preceito consente mas apenas decidir se o
critério de decisão que foi determinado e aplicado no caso concreto é não
direito ou direito inválido perante a Lei fundamental.
Nesta perspectiva não há que saber se, como defende a recorrente,
“não existe norma legal que determine que da omissão do formalismo previsto no
artigo 166º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 405/93 decorre a perda do direito à
indemnização previsto no artigo 171º do mesmo diploma legal”.
6.2 - A recorrente sustenta que a interpretação de tal preceito,
segundo a qual a suspensão dos trabalhos decidida pelo empreiteiro, sem prévia
comunicação ao dono da obra obsta a que se constitua na esfera jurídica daquele
o direito a ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes de tal suspensão devida
a facto imputável a este, é “inconstitucional pois limita o direito à reparação
de danos decorrente do art.º 483º do Código Civil, direito este análogo aos
direitos, liberdades e garantias”, “os princípios fundamentais do contencioso
administrativo anti-formalista pro actione e in dúbio pro habilitate instantiae,
e a garantia constitucional do “acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional
efectiva consagrada nos artigos 20º e 268º, n.º 4, da Constituição da República
Portuguesa”.
Poderá admitir-se que a Constituição consagra, para além dos casos
em que especificamente admite o direito de indemnização por danos, como acontece
nos artigos 22º, 60º, n.º 1, 62º, n.º 2, e 271º, n.º 1, um direito geral à
reparação de danos. A existência de um tal direito impor-se-á como um postulado
intrínseco da efectividade da tutela jurídica condensada no direito do
respectivo titular naqueles casos, pelo menos, em que se verifica a violação de
um direito absoluto constitucionalmente reconhecido. O dever de indemnizar,
nestas hipóteses, surge como elemento necessário do conteúdo da tutela
constitucionalmente dispensada ao direito.
O art.º 483º do Código Civil poderá ser, assim, visto, pelo menos em
parte, como uma norma densificadora da tutela constitucional dispensada aos
direitos absolutos. E diz-se em parte porque a obrigação de indemnizar a que se
refere, independentemente de não abranger a responsabilidade de fonte negocial e
contratual (situada fora do domínio dos direitos absolutos), pode ter por fonte
não só a violação de direitos dessa natureza mas também a simples violação de
“disposição legal destinada a proteger interesses alheios”.
O direito à indemnização, no caso sub judice, não surge, todavia,
como concretização da efectividade da tutela dispensada a um direito absoluto,
integrando-se, antes, na regulação de relações jurídicas contratuais.
Assim sendo, não tem sentido apelar à existência do direito
constitucional à indemnização por danos na medida em que o mesmo haja sido
densificado em tal norma, ao contrário do que a recorrente defende.
De resto, a entender-se que a situação seria esta, o direito de
indemnização teria, então, assento directamente no art.º 22º da Constituição,
dado o R. ter a natureza de entidade pública.
Na situação em apreço, o dever de indemnizar é antes imputado à
violação de deveres contratuais a que as partes contratantes estão adstritas no
desenvolvimento da execução de um contrato de direito administrativo, de
empreitada de obras públicas, regulado pelo Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de
Dezembro (cf. sobre o conceito de contrato administrativo e a qualificação como
tal do contrato de empreitada de obras públicas, entre outros, josé manuel
sérvulo correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos
Administrativos, 1987, pp. 343 e segs.).
Note-se que o próprio legislador qualifica o contrato de empreitada
de obras públicas como contrato administrativo (cf. art.º 1º, n.º 4, do DL. n.º
405/93, norma cujo sentido foi repetido no diploma que lhe sucedeu – art.º 2º do
Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março).
Nesta perspectiva, o direito de indemnização por danos, a admitir-se
neste domínio a sua relevância constitucional, poderá ser tido antes, mais
adequadamente, como uma refracção da tutela constitucional dispensada aos
princípios da autonomia, da liberdade contratual e da iniciativa privada cujos
“fundamentos mais explícitos se encontram nos artigos 26º, n.º 1, e 61º da
Constituição” (cf. carlos alberto da mota pinto, Teoria geral do Direito Civil,
4ª edição por antónio pinto monteiro e paulo mota pinto, pp. 102).
Ademais, como se diz no Acórdão n.º 153/90, publicado nos Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 16º vol., pp. 237, tendo o Código Civil sediado a
fonte da obrigação de indemnizar em diversos factos jurídicos, como sejam o
negócio jurídico unilateral, o contrato, o facto ilícito, a responsabilidade
pelo risco e, em alguns casos, o próprio facto lícito, não obstante a sua opção
pela regulação da obrigação nos seus pontos comuns (art. 562º e segs.), não
poderia uma tal concepção e opção do legislador ser esquecida pela Constituição
de 1976.
E numa tal visão das coisas não é de desconhecer que o dever de
indemnizar decorrente da violação de deveres contratuais pode ser moldado em
termos diferentes, quer pelas próprias partes, ao ajustarem as cláusulas segundo
as quais se autovinculam, quer pelo legislador, ao regular a disciplina jurídica
imperativa e supletiva do contrato, sem embargo de nesta tarefa haver de
respeitar os parâmetros constitucionais, entre os quais releva, sem dúvida
alguma, o princípio da proporcionalidade.
Na acepção que vem sindicada, a norma em causa (n.º 3 do art.º 166º
do Decreto-Lei n.º 405/93) estabelece que o direito a ser indemnizado pelos
prejuízos decorrentes da suspensão da empreitada devida a facto imputável ao
dono da obra apenas se constitui na esfera jurídica do empreiteiro se este
proceder à comunicação ao dono da obra, mediante notificação judicial ou carta
registada, com menção expressa da alínea constante do n.º 2 do mesmo artigo ao
abrigo do qual procedeu à suspensão.
No caso, segundo a alegação do recorrente, verificar-se-ia uma
situação subsumível às hipóteses descritas nas alíneas a) e d) do preceito. De
acordo com a decisão recorrida essa exigência legal visa “que o dono da obra
fique a saber, inequivocamente, que trabalhos foram suspensos e quais as
concretas razões que motivaram essa suspensão” e “que tal comunicação visa,
justamente, conceder ao dono da obra a possibilidade de optar pela rescisão do
contrato, nos termos do art.º 170º, n.º 1, do mesmo DL. n.º 405/93”.
Tendo em conta a funcionalidade jurídica que foi atribuída à
referida comunicação, pode dizer-se que a sua natureza se mostra ajustada à de
uma condição legal não de constituição do direito de indemnização contratual,
que decorrerá simplesmente do incumprimento das regras relativas à execução do
contrato, mas do seu exercício em concreto, efeito este que o acórdão recorrido
designa por constituição do direito na esfera jurídica do empreiteiro (sendo,
porém, certo que este Tribunal não se mostra refém da qualificação feita pela
decisão recorrida mas apenas da definição dos efeitos jurídicos condensados na
norma; no plano do juízo de constitucionalidade, “o Tribunal Constitucional não
está vinculado à determinação feita pela decisão recorrida dos elementos
jurídicos a relevar e a ponderar nesse juízo de constitucionalidade,
designadamente à interpretação da lei feita pelo tribunal recorrido” – Acórdão
n.º 682/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt): de um verdadeiro
pressuposto jurídico para que o direito à indemnização por perdas e danos
emergentes do não cumprimento do contrato de empreitada possa ser invocado em
juízo e fora dele e cuja conformação a coberto dos princípios da autonomia e da
liberdade contratual, no plano do próprio contrato, não se vê que estivesse
vedada às partes contratantes.
Esta circunstância desvela só por si que a sua previsão legislativa
não contende com o núcleo do respectivo direito. O conteúdo do direito de
indemnização decorrente do incumprimento contratual em nada se altera, cumprido
que seja esse pressuposto de exercício do respectivo direito. Consequentemente,
não poderá falar-se de uma limitação ao direito de indemnização, mas
simplesmente de um condicionamento ao seu exercício.
Nesta perspectiva, mesmo pressuposta a natureza de direito análogo
aos direitos e garantias individuais do direito à reparação de danos advindos de
incumprimento contratual, haveria que concluir-se estar-se perante uma norma de
direito ordinário simplesmente estabelecedora de um mero procedimento de
exercício, fundado em valores comunitários, do direito análogo aos direitos
fundamentais que em nada restringe o seu conteúdo e, muito menos, o seu núcleo
(cf. josé carlos vieira de andrade, Os direitos fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976, 2ª edição, pp. 146-148).
Por outro lado, trata-se de um requisito cujo estabelecimento não se
antolha que seja desadequado e desproporcionado. Na verdade, estamos perante um
contrato de direito administrativo que é celebrado para satisfação de
necessidades e interesses públicos e que, por natureza, atenta essa sua
funcionalidade, pode ser sujeito a cláusulas exorbitantes de direito privado,
tendentes a acautelar a realização desse fim contratual (cf. josé manuel sérvulo
correia, op. cit., pp. 375).
Ao dispor-se a celebrar um contrato desse tipo, o particular deve
saber estar sujeito a um específico regime contratual enformado segundo um
princípio legislativo de predominância dos interesses públicos sobre os
interesses privados que se expressa na previsão de “cláusulas exorbitantes” do
direito privado ou de cláusulas que fogem à regra da equivalência dos interesses
a prosseguir ou a realizar através do contrato.
Acresce que a imposição que lhe é feita se mostra racionalmente
fundada quer na circunstância de o dono da obra ser uma entidade pública sujeita
a regras de procedimento formal na sua actuação com as outras partes
contratuais, decorrentes do princípio da legalidade administrativa, quer no
facto de, por via da organização administrativa da entidade pública contratante,
poderem ser diferentes os agentes que intervêm no acompanhamento da execução do
contrato e os agentes com competência de disposição contratual e,
consequentemente, para a avaliação do que corresponde, no caso, ser a satisfação
dos interesses públicos, nesta se compreendendo a decisão sobre a rescisão ou
não do contrato, de que fala a decisão recorrida, em caso de não cumprimento
pelo empreiteiro do regime estabelecido no art.º 166º para a suspensão da
empreitada.
Por último, a imposição de procedimento adoptando pelo empreiteiro
estabelecida na norma questionada traduz-se em um comportamento cuja prática não
se afigura demasiado ou sequer sensivelmente onerosa, do ponto de vista das
tarefas que demanda para a sua concretização: a comunicação por carta registada
ou notificação judicial de qual das razões constantes das várias alíneas do n.º
2 do art.º 166º do DL. n.º 405/93 em que se apoia para determinar a suspensão da
execução da empreitada.
Não se vê, portanto, que a norma em causa afronte o pressuposto
direito geral à indemnização por danos.
6.3 – Alega ainda a recorrente que a dimensão normativa
constitucionalmente sindicada afronta os “princípios fundamentais do contencioso
administrativo anti-formalistas pro actione e in dúbio pro habilitate
instantiae”, bem como o direito constitucional de “acesso ao direito e a uma
tutela jurisdicional efectiva, violando os artigos 20º e 268º, n.º 4, da CRP”.
Ora, independentemente da questão de saber se os designados
“princípios fundamentais do contencioso administrativo anti-formalistas”
correspondem a qualquer dimensão do conteúdo do direito constitucional do acesso
aos tribunais reconhecido no artigo 20º da Constituição, pelo menos na medida em
que respeitem a condicionamentos impostos pelo legislador ordinário que se
mostrem funcionalmente desadequados e desproporcionados ao exercício do direito
em juízo e na tramitação do respectivo processo judicial, é seguro que, na
situação em causa, uma tal violação não acontece [cf., a propósito, Carlos Lopes
do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da
proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo
civil”, em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa,
Coimbra Editora, Coimbra, 2003, págs. 835-859, onde este A. fala de um
“princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e
preclusões impostas pela lei de processo às partes”, o qual, no seu entender,
“pode fundar-se cumulativamente no princípio da proporcionalidade das
restrições (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição) ao direito de acesso à
justiça, quer na própria regra do processo equitativo”].
Na verdade, tendo em conta a referida natureza e funcionalidade do
condicionamento de procedimento imposto ao empreiteiro, há que concluir, desde
logo, que não estamos perante qualquer imposição que diga respeito ao processo a
seguir em juízo para a defesa, aí, dos direitos e interesses legalmente
protegidos.
A designada formalidade não é um procedimento processual cuja
observância seja imposta pela lei às partes ou ao tribunal na sua actuação em
juízo, mas exterior a ele.
O condicionamento ocorre ainda em sede, como se diz no acórdão
recorrido, da constituição, na esfera jurídica do empreiteiro, do direito à
reparação de danos emergentes do contrato de empreitada.
E sendo assim, trata-se igualmente de um pressuposto do direito
subjectivo que é estranho completamente ao conteúdo do direito de acesso aos
tribunais e à sua dimensão de exigência de um processo equitativo.
Desde que o empreiteiro seja titular do direito subjectivo que se
arroga nenhum entrave específico, no acesso ao tribunal ou dentro dele, lhe
acarreta a defesa desse direito.
Temos, pois, de concluir pela improcedência do recurso.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 13 de Julho de 2005
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
[1] Artigo 170º (Rescisão em caso de suspensão):
1 - O dono da obra tem direito de rescindir o contrato se a suspensão pelo
empreiteiro não houver respeitado o disposto no artigo 166º;
2- ...
[2] vd., entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 444/96, de
20.11, nº 451/97, de 25.6 e nº 960/96, de 10.7 e, na doutrina, J. C. Vieira de
Andrade, A Justiça Administrativa, (Lições), 4ª ed. Almedina, 159, ss..