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Processo n.º 800/05
Plenário
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Francisco Manuel de Almeida, na qualidade de mandatário no concelho de Viseu,
para as eleições autárquicas realizadas no dia 9 de Outubro de 2005, da CDU –
Coligação Democrática Unitária, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional
“das decisões proferidas pelas Mesas das Assembleias de Voto do concelho de
Viseu e pela respectiva Assembleia de Apuramento Geral relativas às reclamações
e requerimentos apresentados com referência aos boletins de voto que foram
utilizados na área do concelho de Viseu”, dizendo o seguinte:
«1. Contrariando o n.º 4 do art.º 8.°, o art.º 17.º e o n.º 5 do art.º 23.° da
Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), os boletins de voto
usados no concelho de Viseu utilizam uma designação e sigla erradas para a
Coligação que represento;
2. De facto, violando o n.º 2 do art.º 91.º da LEOAL, no boletim de voto consta
“Coligação Democrática Unitária, PCP/PEV” quando a própria certidão do Tribunal
Constitucional entregue com o processo de candidatura refere “CDU – Coligação
Democrática Unitária, PCP-PEV” (anexo B – certidão);
3. O símbolo que consta nos boletins de voto também não é o que se encontra
registado no Tribunal Constitucional, uma vez que foi trocada a ordem e a
orientação dos símbolos do PCP e do PEV, em clara violação do n.º 3 do art.º
91.° da LEOAL;
4. Ora, tais erros impediram os cidadãos de menor instrução de identificar a
Coligação quando se encontravam na câmara de voto;
5. De facto, e no cumprimento do art.º 51.° da LEOAL, a expressão “CDU –
Coligação Democrática Unitária, PCP-PEV” e o símbolo da Coligação são amplamente
divulgados nos materiais de informação eleitoral e nos órgãos de comunicação
social e, em consequência, apreendidos pelos eleitores (juntamos alguns exemplos
em anexos de C1 a C18);
6. Ora, no boletim de voto falta a expressão “CDU” (parte integrante da
designação da Coligação) e o símbolo foi impresso de forma errada dificultando
ou mesmo impedindo a identificação em boletim de voto da CDU – Coligação
Democrática Unitária, PCP-PEV;
7. É exactamente a expressão “CDU” que é mais frequentemente utilizada pelos
órgãos de comunicação social e nos materiais de informação eleitoral (aqui em
simultâneo com a designação completa). Nos materiais de informação eleitoral não
é utilizada apenas a expressão “Coligação Democrática Unitária PCP-PEV” (anexos
C1 a C18);
8. O n.º 2 do art.º 102.° da LEOAL, impede os eleitores de revelar na Assembleia
de Voto e até uma distância de 50 metros o sentido da sua opção eleitoral, pelo
que qualquer pergunta em plena Assembleia de Voto sobre a localização desta ou
daquela força política no boletim de voto é manifestamente uma violação das
disposições legais pelo facto de constituir a revelação pública da força
política em “que votou ou vai votar”;
9. Aliás, colocar os cidadãos eleitores perante a necessidade de questionar a
Mesa da Assembleia Eleitoral ou um dos seus membros sobre a localização, no
boletim de voto, da força política onde pretendem votar, colide com o n.º 1 do
art.º 10.° da Constituição da República Portuguesa, porquanto o sufrágio
deixaria de ser secreto;
10. Esta disposição legal, já apreendida pelos cidadãos em sucessivos actos
eleitorais, impossibilitou muitos eleitores de identificar a CDU – Coligação
Democrática Unitária, PCP-PEV, por falta da expressão “CDU” nos boletins de voto
e pelo facto de o símbolo do PCP e do PEV estarem trocados e com errada
orientação – os cidadãos estão impedidos de perguntar na Assembleia Eleitoral
“onde aqui está a CDU?”;
11. Tal situação acarreta óbvios e irreparáveis prejuízos eleitorais para a CDU
– Coligação Democrática Unitária, PCP-PEV;
12. Estes prejuízos são agravados pelo facto de, no concelho de Viseu, a CDU –
Coligação Democrática Unitária, PCP-PEV eleger ou não candidatos por margens
pequenas de votos;
13. No uso dos poderes conferidos pelo art.º 88.° e 22.° da LEOAL, nas Mesas das
Assembleias de Voto das freguesias de Abraveses, Bodiosa, Calde, Campo,
Cavernães, Coração de Jesus, Couto de Baixo, Couto de Cima, Fail, Lordosa,
Silgueiros, Mundão, Orgens, Ranhados, Ribafeita, Rio de Loba, Santa Maria, São
Cipriano, São João de Lourosa, São José, São Salvador, Torredeita, Vil de Souto,
Vila Chã de Sá e Repeses, foram apresentadas reclamações pelos delegados e
mandatário da Coligação, relativas aos boletins de voto que estavam a ser
usados. Os originais das reclamações encontram-se na posse da Assembleia de
Apuramento Geral (modelo usado na reclamação em anexo D);
14. Sobre estas reclamações (texto em anexo D) as Mesas das Assembleias de Voto
não se pronunciaram remetendo a questão para a Assembleia de Apuramento Geral;
15. O mandatário apresentou em 10 de Outubro requerimento sobre a mesma matéria
à Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de Viseu (anexos E1 a E3);
16. A decisão relativa ao requerimento referido em 15. foi de indeferimento;
17. Porque “estava em causa a mesma questão”, a Assembleia de Apuramento Geral
decidiu aplicar a todas as reclamações sobre os boletins de voto, efectuadas
pelos delegados da Coligação nas Assembleias de Voto, a decisão que havia tomado
relativamente ao requerimento apresentado em 10 de Outubro de 2005 pelo
mandatário – portanto, todas as reclamações foram indeferidas;
18. Presente na Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de Viseu, nos dias 11
e 12 de Outubro de 2005, no uso dos direitos consagrados no art.º 143.° da
LEOAL, e tendo presente o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 322/85, o
mandatário reclamou por escrito das decisões de indeferimento proferidas sobre
as reclamações apresentadas nas Mesas das Assembleias Eleitorais, no dia 9 de
Outubro de 2005, por cidadãos eleitores que desempenhavam funções de delegados
(anexos F1 a F3, e folhas 5 e 8 da Acta da Assembleia de Apuramento Geral);
19. De igual forma, o mandatário reclamou da decisão de indeferimento proferida
sobre o requerimento apresentado, no dia 10 de Outubro de 2005, ao Presidente da
Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de Viseu (anexos G1 a G2, e folha 5
da Acta da Assembleia de Apuramento Geral);
20. Todas as reclamações apresentadas nas Mesas das Assembleias Eleitorais e na
Assembleia de Apuramento Geral foram indeferidas (cf. acta da reunião em anexo a
folhas 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12) e é dessas decisões de indeferimento [que]
agora se interpõe Recurso;
21. As decisões de indeferimento, fixando-se em matéria processual e de prazos,
não atenderam a uma questão essencial – os erros existentes nos boletins de voto
colocam em causa o direito constitucional à livre expressão da vontade eleitoral
dos cidadãos;
22. Em face da reclamação apresentada a 12 de Outubro (anexos F2 e F3) a
Assembleia de Apuramento Geral, na fundamentação de indeferimento, argumenta
(folha 8 da acta) que os cidadãos, incluindo os de menor instrução, tiveram
facilidade em identificar a CDU – Coligação Democrática Unitária, PCP-PEV,
porque o boletim de voto continha “a foice e o martelo”. Ora, trata‑se de uma
interpretação abusiva, porquanto a designação mais divulgada, inclusive na
comunicação social, é CDU (exactamente a expressão em falta nos boletins de
voto) e os próprios símbolos (a “foice e o martelo” e o girassol) se encontram
completamente invertidos nos boletins de voto – a “foice e o martelo” impressos
assemelham-se ao símbolo árabe do “crescente vermelho”;
23. Acresce que tal fundamentação ignora as disposições dos art.ºs 8.°, 17.°,
23.° e 51.°, da LEOAL;
24. A LEOAL não impede que, após o prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 94.°,
sejam apresentadas reclamações dos boletins de voto facultados aos eleitores
para exercerem o seu direito de voto – como é natural os delegados das
candidaturas e os eleitores só tomam contacto com o boletim de voto no momento
de exercerem o seu direito de voto, não podendo, portanto, reclamar no período
estabelecido no n.º 1 do art.º 94.º − a própria nomeação dos delegados é
posterior à afixação das provas tipográficas dos boletins de voto (cf. art.º
87.º e 94.° da LEOAL);
25. Este grave erro nos boletins de voto do concelho de Viseu, manifestamente,
distorceu a vontade dos eleitores na sua livre escolha, violando, desta forma,
regras legais e princípios constitucionais;
26. Nomeadamente, os cidadãos eleitores com menor instrução foram prejudicados
no livre exercício do direito de sufrágio, violando-se, desta forma o art.º
13.°, 1.° e 10.º da Constituição da República Portuguesa;
27. A expressão livre da vontade dos cidadãos eleitores, tal como a Constituição
da República a define, está colocada em causa com os boletins de voto que foram
utilizados no concelho de Viseu, devendo, portanto as reclamações e o
requerimento apresentados ter sido atendidos;
28. O recorrente possui legitimidade bastante para interpor o presente recurso
(art.º 157.° da LEOAL) uma vez que é o mandatário designado pela CDU – Coligação
Democrática Unitária, PCP-PEV para a área do concelho de Viseu, conforme
certidão anexa.
29. O presente recurso é tempestivo (art.º 150.º e 158.º da LEOAL) uma vez que o
edital relativo aos trabalhos e decisões da Assembleia de Apuramento Geral foi
afixado no dia 13 de Outubro de 2005, já depois das 17.30 h (hora de
encerramento da Câmara Municipal de Viseu). Assim, só foi possível obter
certidão da acta da Assembleia de Apuramento Geral na manhã de hoje, 14 de
Outubro;
Em anexo, requeremos ao Tribunal Constitucional que solicite à Câmara Municipal
de Viseu um exemplar de cada um dos boletins de voto usado para a eleição da
Câmara Municipal, Assembleia Municipal e trinta e quatro Assembleias de
Freguesia.
De igual forma requeremos também, em anexo, que seja solicitado à Assembleia de
Apuramento Geral do Concelho de Viseu cópia das reclamações recebidas peles
mesas das Assembleias de Voto.
Assim, nestes termos e face à gravidade das irregularidades descritas, vimos, ao
abrigo do art.º 223.º da Constituição da República Portuguesa e do ano 160.º da
LEOAL requerer a V. Ex.ci.ª se digne anular e, em consequência, mandar repetir o
escrutínio das eleições para os Órgãos das Autarquias Locais (Câmara Municipal,
Assembleia Municipal e trinta e quatro Assembleias de Freguesia), no concelho de
Viseu.»
O requerimento deu entrada no Tribunal Constitucional no dia 14 de Outubro de
2005, e inclui, em anexo, os dois requerimentos referidos a final pelo
requerente, certidão da acta da reunião da assembleia de apuramento geral das
eleições para os órgãos das autarquias locais do concelho de Viseu, uma certidão
emitida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, em 29 de Agosto de 2004
(anexo A), uma certidão emitida pelo Tribunal Constitucional, em 25 de Julho de
2005 (anexo B), cópias de diverso material de informação eleitoral (anexo C), um
modelo das reclamações apresentadas em 9 de Outubro de 2005 (anexo D),
requerimento apresentado à assembleia de apuramento geral do concelho de Viseu,
em 10 de Outubro de 2005 (anexo E), reclamações apresentadas em 10, 11 e 12 de
Outubro de 2005, ao Juiz Presidente da assembleia de apuramento geral do
concelho de Viseu (anexos F e G).
2.Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 159.º da Lei Eleitoral dos Órgãos
das Autarquias Locais, aprovada pelo artigo 1.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de
14 de Agosto, foram notificados os representantes dos partidos políticos
concorrentes à mesma eleição.
Respondeu o mandatário do Partido Social Democrata (PPD/PSD) para o concelho de
Viseu, dizendo:
«Na qualidade de Mandatário do Partido Social-Democrata para o Concelho de
Viseu, no que concerne às Eleições Autárquicas de 9.10.2005, e relativamente à
supra mencionada petição de recurso, vistos os termos e os fundamentos da mesma,
vimos junto de Vossa Excelência dizer apenas o que, respeitosamente, nos parece
ser essencial, para a matéria em apreço.
Com efeito, e sempre salvo o devido respeito, não nos parece que ao eleitor, em
geral, se tenha levantado qualquer dúvida sobre a identificação de qualquer das
lista concorrentes, fossem Partidos, Coligações (bem como as Forças Políticas
que as integravam), ou Listas de Independentes, nomeadamente a “Coligação
Democrática Unitária PCP-PEV”, não nos parecendo crível que a votação da, e na,
“CDU – Coligação Democrática Unitária PCP-PEV”, tenha sido prejudicada.
Circunstâncias em que, em nosso entender, não haverá justificação para a
repetição do acto eleitoral.
Porém, o Tribunal presidido por Vossa Excelência decidirá e fará Justiça.»
Respondeu o mandatário do Movimento de Cidadãos Independentes “Freguesia do
Campo Rumo ao Futuro”, dizendo:
“Em resposta ao que nos foi solicitado, vimos comunicar que estamos de acordo
com a reclamação apresentada, pelos seguintes factos:
- A coligação recorrente não foi correctamente identificada no boletim de voto;
- Constataram-se dificuldades de alguns eleitores para exercerem o seu direito
de voto em face do erro apresentado.”
Por parte das restantes entidades recorridas não foi apresentada qualquer
resposta.
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
3.A Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica
n.º 1/2001, de 14 de Agosto, prevê expressamente, no seu artigo 94.º, n.º 1, que
as reclamações relativas às provas tipográficas dos boletins de voto a utilizar
nas eleições tenham lugar, no prazo de 24 horas, para o juiz de comarca, só
podendo o Tribunal Constitucional intervir em recurso da decisão por aquele
tomada (como aconteceu nos dois recursos objecto do recente acórdão n.º 433/05,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt, não apreciados por falta de outros
requisitos).
Por isso mesmo se escreveu, no Acórdão n.º 600/01, publicado no Diário da
República, II Série, de 21 de Fevereiro de 2001, a propósito de caso idêntico:
“3. Sendo manifesto que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto
deste recurso, não se procedeu à solicitação de quaisquer outros meios de prova.
E também se não considerou necessário determinar se foi interposto dentro do
prazo legal, ou seja, no dia seguinte àquele em que foram afixados os resultados
do apuramento geral – artigo 158.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias
Locais.
Com efeito, esta mesma Lei regula o modo de reacção contra eventuais
deficiências ou incorrecções dos boletins de voto no seu artigo 94.º:
reclamação, no prazo ali previsto, para o tribunal da comarca e recurso da
correspondente decisão para o Tribunal Constitucional. Pretende-se,
naturalmente, que eventuais questões relativas à correcção gráfica dos boletins
estejam resolvidas antes de se proceder à respectiva impressão.
Não pode, pois, o Tribunal Constitucional apreciar a questão suscitada pelos
recorrentes.”
Afirma-se, aliás, na acta da reunião da assembleia de apuramento geral, que
acompanhava o recurso, que as provas tipográficas dos boletins de voto, que
estiveram expostas nos termos do artigo 94.º, n.º 1, da referida Lei Eleitoral,
correspondiam aos boletins cujas irregularidades foram impugnadas, não vindo
esta afirmação impugnada pela recorrente.
Assim, está precludida a possibilidade de, depois de esgotado e prazo legalmente
previsto, e até já tendo sido realizada a eleição, em sede de recurso das
operações de apuramento – como antes, em sede de reclamação das operações de
votação –, obter decisão sobre uma irregularidade que a lei prevê seja resolvida
antes de ocorrer o acto eleitoral. Pelo que não pode tomar-se conhecimento do
recurso.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do presente recurso.
Lisboa, 18 de Outubro de 2005
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Artur Maurício