Imprimir acórdão
Processo n.º 765/05
Plenário
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
1. O “mandatário concelhio” do “Partido Socialista,
concorrente às eleições autárquicas de 2005, no concelho de Vila Nova de
Cerveira e na freguesia de Nogueira”, interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional contra o despacho da Juíza do Tribunal Judicial de Vila Nova de
Cerveira, de 3 de Outubro de 2005, que, deferindo reclamação apresentada pelo
“mandatário concelhio” do “Partido Social Democrata, concorrente às eleições
autárquicas no concelho de Vila Nova de Cerveira e na freguesia de Nogueira”
contra “o acto de sorteio dos eleitores membros da mesa da Assembleia de Voto
da Freguesia de Nogueira”, realizado em 26 de Setembro de 2005, na Câmara
Municipal de Vila Nova de Cerveira, procedeu a nova escolha dos membros dessa
mesa.
Dos elementos constantes dos autos resulta que,
frustrada a reunião realizada na Junta de Freguesia de Nogueira destinada à
designação dos membros da mesa de assembleia de voto, por falta de acordo entre
as listas concorrentes, foi o processo remetido ao Presidente da Câmara
Municipal de Vila Nova de Cerveira, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, da Lei que
regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela
Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (doravante designada por LEOAL).
Em 26 de Setembro de 2005, na Câmara Municipal de Vila
Nova de Cerveira, efectuou‑se uma reunião, a que estiveram presentes o
Vice‑Presidente da Câmara, o Chefe da Divisão Administrativa e Financeira e uma
Assistente Administrativa Especialista da referida Câmara, bem como os
mandatários das listas do Partido Socialista e do Partido Social Democrata,
para realização do sorteio para designação dos membros da mesa da assembleia de
voto da freguesia de Nogueira. Consta da respectiva acta que, tendo‑se procedido
à análise das listas apresentadas para a realização do referido sorteio, se
verificou que a lista apresentada pelo Partido Social Democrata não cumpria com
o estipulado no artigo 77.º, n.º 2, da LEOAL, “nomeadamente no que diz respeito
à falta de indicação de dois eleitores por lugar, pelo que a mesma não foi
considerada”, e, assim, procedeu‑se ao sorteio dos nomes indicados na única
lista admitida (a do Partido Socialista).
Expedido por fax às 17h05 de 28 de Setembro de 2005 e
com data de entrada na secretaria do Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira
de 29 de Setembro de 2005, o mandatário concelhio do Partido Social Democrata
apresentou requerimento em que, além do mais (incompetência dos membros da
Câmara Municipal que efectuaram o sorteio), sustenta que a exigência de as
propostas conterem dois eleitores por cada lugar, formulada no artigo 77.º, n.º
2, da LEOAL, não impõe que se especifique a que lugares concretos (Presidente,
Vice‑Presidente, Secretário, 1.º Escrutinador, 2.º Escrutinador) se propõem cada
um dos eleitores indicados, sendo, assim, de considerar regular a lista
apresentada, contendo dez nomes para o conjunto desses cinco lugares, terminando
por pedir que se declare nulo o sorteio realizado e admitida a lista por ele
proposta.
Por despacho de 29 de Setembro de 2005, a Juíza do
Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira determinou a notificação do referido
reclamante para esclarecer ao abrigo de que norma da LEOAL pretendia ver
declarado nulo o sorteio e para informar se o que pretendia era deduzir
reclamação, nos termos previstos no artigo 78.º da referida Lei.
Em 30 de Setembro de 2005, o mandatário concelhio do
Partido Social Democrata veio esclarecer que assentava o pedido no artigo 77.º,
n.º 2, da LEOAL e que intentou apresentar a reclamação prevista no subsequente
artigo 78.º.
Por despacho de 30 de Setembro de 2005, a Juíza do
Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira determinou que se oficiasse à Câmara
Municipal pedindo a remessa do processo do sorteio dos membros da mesa da
assembleia de voto de Nogueira.
Por fax expedido entre as 18h59 e as 19h01 de 30 de
Setembro de 2005, a Câmara Municipal remeteu ao Tribunal Judicial o referido
expediente, a que foi dada entrada na respectiva Secretaria Judicial em 3 de
Outubro de 2005 (2.º‑feira).
Em 3 de Outubro de 2005, a Juíza do Tribunal Judicial de
Vila Nova de Cerveira, entendendo que devia ser considerada válida a lista
apresentada pelo Partido Social Democrata, por conter 10 nomes de eleitores e
serem 5 os lugares a preencher, deu atendimento à reclamação apresentada e
procedeu de imediato, nos termos do artigo 78.º, n.º 2, da LEOAL, à escolha dos
membros da assembleia de voto da freguesia de Nogueira.
Este despacho foi notificado ao mandatário concelhio do
Partido Socialista em 4 de Outubro de 2005. Nesse mesmo dia, por fax expedido às
14h42 para o Tribunal Constitucional, esse mandatário interpôs recurso do
referido despacho, aduzindo a extemporaneidade da sua prolação, devendo
considerar‑se tacitamente indeferida a reclamação do Partido Social Democrata
por sobre ela não ter sido proferida decisão no prazo de um dia, e, sem
prescindir, sustentando que a apresentação de lista com dez nomes sem
especificação dos lugares a que eram propostos era irregular e que a escolha,
feita nesse despacho, de quatro nomes indicados pelo Partido Social Democrata e
apenas um indicado pelo Partido Socialista revela falta de equidade e
desequilíbrio.
O Tribunal Constitucional reexpediu por fax a petição de
recurso para o Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira, onde, por despacho
judicial proferido em 6 de Outubro de 2005, foi o recurso admitido, “nos termos
dos n.ºs 1, 2 e 7 do artigo 102.º‑B da Lei do Tribunal Constitucional”.
2. Como é sabido, a decisão de admissão de recurso não
vincula o Tribunal Constitucional.
A possibilidade de recurso para o juiz da comarca da
decisão do presidente da câmara municipal quanto à composição das mesas das
assembleias de voto constitui uma inovação da LEOAL aprovada pela Lei Orgânica
n.º 1/2001. Efectivamente, nem a anterior lei eleitoral das autarquias locais
(cf. artigo 27.º), nem, por exemplo, a lei eleitoral da Assembleia da República
(cf. artigo 47.º), previam ou prevêem essa intervenção, cabendo recurso para o
Tribunal Constitucional das referidas decisões dos presidentes das câmaras
municipais, enquanto “órgãos da administração eleitoral” (artigo 102.º‑B, n.º
7, da Lei do Tribunal Constitucional). Foi nesse contexto que foi proferido o
Acórdão n.º 606/89.
A introdução, pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de uma
específica instância judicial de controlo dos actos do órgão da administração
eleitoral não pode deixar de ter querido atribuir a essa intervenção um carácter
de definitividade. Na verdade, neste tipo de casos, não se vislumbra especial
justificação para a duplicação da intervenção de órgãos jurisdicionais, como
sucederia se se admitisse recurso da decisão do juiz de comarca para o Tribunal
Constitucional. Tal acréscimo de complexidade do processo é incongruente com a
redução de prazos, quer da realização das reuniões nas juntas de freguesia
(entre os 22.º e o 20.º dia anterior à data das eleições, segundo o artigo 37.º,
n.º 1, da anterior lei; no 18.º dia anterior a essa data, segundo o artigo 77.º,
n.º 1, da actual LEOAL), quer da apresentação das propostas de nomes no caso de
falta de acordo naquelas reuniões (nos 19.º ou 18.º dias segundo a antiga lei
[artigo 37.º, n.º 2], no 15.º dia segundo a nova lei [artigo 77.º, n.º 2]).
Refira‑se ainda que quando o legislador pretendeu consagrar recurso para o
Tribunal Constitucional de decisões judiciais preferidas neste âmbito do
processo eleitoral o disse expressamente: cf. artigo 94.º, n.º 2, da LEOAL. Isto
para além das dúvidas que poderia suscitar a caracterização do juiz de comarca
como “órgão da administração eleitoral”. Este entendimento em nada briga com o
decidido no Acórdão n.º 567/2001, onde, num caso em que era clara a
extemporaneidade do recurso, se ressalvou que a decisão aí tomada o era
“independentemente da questão de saber se o despacho proferido [despacho do
juiz de nomeação de membros das mesas] é recorrível”. É esta questão, que então
se deixou em aberto, que agora se decide no sentido da irrecorribilidade de tal
decisão.
3. Em face do exposto, acordam em rejeitar o presente
recurso, por irrecorribilidade da decisão impugnada.
Lisboa, 6 de Outubro de 2005
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Maria João Antunes
Artur Maurício