Imprimir acórdão
Processo n.º 38/2005
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 31 de Janeiro de 2005 o relator lavrou decisão com o seguinte teor:-
“1. Não se conformando com a sentença proferida em 16 de Junho de 2003 pelo Juiz do 2º Juízo Cível do Tribunal de comarca de Vila Nova de Famalicão nos autos de expropriação por utilidade pública em que figuram, como expropriados, A., B. e mulher, C., D. e marido, E., F. e marido, G., e H. e, como expropriante, o Instituto para a Construção Rodoviária - Icor, sentença essa rectificada por despacho de 14 de Julho seguinte, apelaram os expropriados para o Tribunal da Relação do Porto.
Nessa sentença, foi considerado que a parcela de terreno em causa não poderia ser considerada com aptidão edificativa e, tendo em conta a sua inserção num espaço-canal da Variante Nascente de Famalicão e integração na Reserva Agrícola Nacional, e já que na sua envolvência existiam, num perímetro de trezentos metros, habitações e moradias unifamiliares e, num perímetro de trezentos e cinquenta metros, moradias em banda e construção de loteamentos habitacionais, analisou-se se era caso de aplicação da regra inserida no nº 12 do artº 26º do Código das Expropriações de 1999, tendo-se concluído pela negativa, dado que o registo da parcela a favor dos expropriados teria ocorrido depois da entrada em vigor do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão que ditou tais inserção e integração.
Na alegação adrede produzida, o Icor, a dado passo, disse, no que ora releva:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Na douta sentença em crise, considerou-se que o solo da parcela em causa não podia ser classificado como solo apto para construção, por não se integrar em nenhuma das alíneas do nº 2 do art. 25º do Código das Expropriações.
Salvo melhor opinião, decidiu-se bem.
Mas a solução não seria diferente, no caso concreto, se esse solo preenchesse alguns dos requisitos estabelecidos nesse normativo.
Na verdade, seriam inconstitucionais, por violação do princípio da justa indemnização por expropriação, as normas do nº 1 do art. 23º e nº 1 do art. 26º do CE/99, quando interpretadas por forma a incluir na classificação de
‘solo apto para a construção’ solos em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração em RAN) não é permitida a construção ou esta não constitua o seu aproveitamento económico normal, quando expropriad [o]s para a construção de vias de comunicação.
Tal violação daquele princípio constitucional, condensado no art.
62º/2 da CRP, resulta do facto de essa interpretação conduzir a que seja atribuído ao expropriado uma indemnização que ultrapassa o valor real e corrente, ou valor de mercado, distorcendo, deste modo, em benefício do expropriado, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.
A questão a decidir pode reconduzir-se à seguinte pergunta: como devem classificar-se os solos cujo destino efectivo ou possível - numa utilização económica normal e tendo em conta as suas circunstâncias e condições de facto - não pode ser a construção, de acordo com as leis e regulamentos em vigor?
..............................................................................................................................................................................................................................................
II. INAPLICABILIDADE DO Nº 12 do ART. 26º DO CE
Conforme ficou provado (ponto 5. da matéria assente) a parcela em causa encontra-se classificada, face ao PDM, como espaço-canal e integra zona de RAN.
Ao contrário do que os expropriados sustentam, a aplicação da regra avaliatória constante do nº 12 do art. 26º do CE, não é automática.
Ou seja, não basta que o terreno se integre em espaço-canal para que deva ser avaliado em função da construção existente ou possível na envolvente.
Se a parcela não reúne (como se viu supra) as características necessárias para ser classificada como solo apto para construção, não é pelo facto de se encontrar em espaço-canal que as adquire, para efeitos de avaliação.
Na verdade, tal interpretação contrariaria o sentido profundo da norma em causa.
A razão de ser dessa norma facilmente se intui: o legislador pretendeu colocar em situação de igualdade os particulares que, por força dos instrumentos de gestão territorial, tinham sido alvo de sacrifícios relativamente aos quais não tinham sido compensados.
O âmbito de aplicação da norma restringe-se aos casos em que os terrenos tinham, abstractamente, aptidão construtiva, e deixaram de tê-la em consequência da prossecução do interesse público.
Pressupõe tal normativo, assim, que a classificação do solo como «zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território» resulta - única [e] exclusivamente - de uma opção do PDM, com prejuízo do interesse dos proprietários.
Através dessa norma se promove o princípio da igualdade quando estão em causa restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo - preexistentes e juridicamente consolidadas - que determinem uma limitação significativa na sua utilização.
Ou seja, se o terreno, antes da sua classificação pelo PDM como zona verde, de lazer ou espaço-canal, tinha aptidão edificativa, deve tomar-se em conta essa circunstância na sua avaliação.
Porém, a aplicação da regra do nº 12 do art. 26º, a terrenos sem aptidão construtiva, além de absurda, redundaria numa clara violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 2 de Dezembro de 2004, concedeu provimento ao recurso.
Pode ler-se nesse aresto, em determinadas passagens:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
AS QUESTÕES A RESOLVER
1 - A parcela expropriada pode ser classificada como solo apto para construção?
2 - A reserva do terreno a Espaço Canal e posterior integração em RAN - efeitos sobre o método de valorização.
[3] - Terá aplicação ao caso o art. 26 nº 12 do CE?
Quanto ao primeiro aspecto, desde já diremos, estamos em total sintonia com a douta sentença recorrida, que procedeu a uma análise exaustiva da factualidade pertinente, subsumindo-a ao preceituado no art. 25º nº 1 e 2 do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 166/99 de 18 de Setembro, diploma aplicável ao caso sub judice, concluindo pela inverificação do estabelecido em qualquer das alíneas do nº 2 de tal preceito, pelo que nos dispensamos de aqui repetir tal ponderação, o que seria inútil para além de fastidioso, limitando-nos a reiterar a nossa inteira concordância.
..............................................................................................................................................................................................................................................
Posteriormente o TC pronunciou-se mais nove vezes sobre a citada norma
[referia-se ao nº 5 do artº 24º do Código das Expropriações de 1991], sempre a favor da sua não inconstitucionalidade, quando interpretada com o sentido de excluir da classificação de ‘solo apto para construção’ solos integrados na RAN expropriados para fins diversos, quer de utilidade pública agrícola, quer de edificação de construções urbanas.
Nesses Ac[ó]rdãos, o TC defendeu que os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade são afectados apenas quando se exclui da classificação de ‘solo para construção’ um terreno integrado na RAN e que dela seja afectado com vista à implantação de edificação, mas já não quando a expropriação não visar a construção de prédios urbanos, mas sim a construção de uma via de comunicação.
A inserção de um terreno da RAN revela uma falta de aptidão edificativa em resultado das suas características intrínsecas.
..............................................................................................................................................................................................................................................
Na senda das considerações produzidas pelo TC, entendemos que a valorização de um solo integrado na RAN com base no seu destino possível, não constitui uma violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização. Estes princípios serão violados se se atribuir ao proprietário de um solo expropriado um montante indemnizatório superior ao preço que outros proprietários de prédio em idênticas situações, mas não abrangidos por uma expropriação, obteriam com a sua venda no mercado livre.
Trata-se de restrições constitucionalmente legítimas que não violam o princípio da justa indemnização, dada a sua ‘vinculação social ou vinculação situacional’, mostrando-se necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, que[r] em concreto, quer em abstracto, dent[r]o da mesma situação jurídica.
Na carta de ordenamento do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão (PDMVNF), publicado em 16 de Setembro de 1994 (DR nº 215, I Série-B), a área do terreno da parcela em causa está assinalada como RAN (Reserva Agrícola Nacional).
Situação diversa se passa quando um Plano Municipal de Ordenamento do Território classifica certos solos como zona verde ou de lazer ou o insere em espaços-canais (corredores para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos).
A afectação de terrenos a esses fins, ao contrário da RAN, não demonstra, por si só, a ausência de aptidão edificativa.
Tal como resultou apurado, na carta de ordenamento do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão (PDMVNF) a área do terreno da parcela está assinalada como Espaço Canal da Variante de Famalicão, sendo que à data da aprovação do PDM, e como tal antes de assinalado como RAN, já estava reservado o Espaço Canal para a construção da Variante Nascente de Famalicão.
De facto, estando a área de terreno da parcela expropriada, já antes da aprovação do PDMVNF, assinalada como reservada a Espaço Canal para a Construção da Variante Nascente de Famalicão, situação que salvaguarda os interesses patrimoniais dos expropriados, que viam salvaguardada a sua indemnização nos termos do art. 26º nº 2 do CE então em vigor (e vêem actualmente nos termos do art. 26º nº 12), não podem os mesmos ser defraudados na sua expectativa indemnizatória pelo facto de o PDMVNF, ulteriormente aprovado e entrado em vigor em 16.9.114, ter integrado essa parcela de terreno em RAN.
Isso seria descorar a protecção que os aludidos normativos tiveram em vista salvaguardar, seria permitir a manipulação das regras urbanísticas por parte da Administração.
Ora se a valorização do terreno era realizada à luz da aptidão construtiva, não pode deixar de o ser pelo facto de o PDM o integrar posteriormente em RAN.
Isso seria claramente violador do princípio da igualdade, bastando para tanto admitirmos que um proprietário detentor de um prédio em idênticas condições, vizinho, tinha sido indemnizado nos termos do art. 26º nº 2 do CE de
1991 em momento imediatamente anterior à entrada em vigor do dito PDM.
Daí que não tenha sentido defender-se, como faz a expropriante, a insusceptibilidade de indemnização à luz da óptica construtiva deste preceito
(26º nº 12 do CE).
Regressemos agora [à] análise da douta decisão sob recurso, face ao que dispõe o art. 26º nº 12 do CE, cuja redacção acima registámos, para a qual dirigimos de novo a nossa atenção.
............................................................................................................................................................................................................................................’
E, enfrentando a análise que se propôs, foi entendido no acórdão que a propriedade da parcela fora adquirida pelos expropriados antes da entrada em vigor do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão, pelo que, vindo ela, por tal Plano, a ser integrada no espaço-canal da Variante Nascente de Vila Nova de Famalicão e na Reserva Agrícola Nacional posteriormente à aquisição da propriedade pelos expropriados, cobraria aplicação a norma constante do nº 12 do artº 26º do Código das Expropriações de 1999.
Do acórdão de que parte se encontra extractada recorreu o Icor para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
No requerimento consubstanciador da interposição do recurso, escreveu-se:-
‘.................................................................................................................................................................................................................................................
2. No acórdão recorrido manifestou-se inteira concordância com o decidido na 1ª Instância, «que procedeu a uma análise exaustiva da factualidade pertinente, subsumindo-a ao preceituado no art. 25º nº 1 e 2 do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 166/99 de 18 de Setembro, diploma aplicável ao caso sub judice, concluindo pela inverificação do estabelecido em qualquer das alíneas do nº 2 de tal preceito (...)»
3. Dito de outra forma, considerou-se que a parcela expropriada não podia ser classificada como solo apto para a construção «nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 25º, uma vez que a situação de facto da parcela de terreno em causa parece não preencher nenhum dos requisitos do nº 2 do mesmo artigo, para que o solo em causa seja tido como apto para construção» - formulação constante dessa sentença, a fls. 624, para a qual o douto aresto expressamente remete.
4. Por outro lado, decidiu-se no acórdão em crise que «a inserção de um terreno da RAN revela uma falta de aptidão edificativa em resultado das suas características intrínsecas»;
5. E que «situação diversa se passa quando um Plano Municipal de Ordenamento do Território classifica certos solos como zona verde ou de lazer ou o insere em espaços-canais (corredores para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos)», acrescentando que «a afectação de terrenos a esses fins, ao contrário da RAN, não demonstra, por si só, a ausência de aptidão edificativa».
6. Porém, considerando que
«De facto, estando a área de terreno da parcela expropriada, já antes da aprovação do PDMVNF, assinalada como reservada a Espaço Canal para a Construção da Variante Nascente de Famalicão, situação que salvaguarda os interesses patrimoniais dos expropriados, que viam salvaguardada a sua indemnização nos termos do art. 26º nº 2 do CE então em vigor (e vêem actualmente nos termos do art. 26º nº 12), não podem os mesmos ser defraudados na sua expectativa indemnizatória pelo facto de o PDMVNF, ulteriormente aprovado e entrado em vigor em 16.9.114, ter integrado essa parcela de terreno em RAN»,
o aresto acabou por concluir que o terreno devia ser classificado como solo apto para a construção, entendendo ser aplicável aos autos o critério de valorização do nº 12 do art. 26º do CE (subordinado à epígrafe, precisamente,
‘Cálculo do valor do solo apto para a construção’).
7. Ao decidir dessa forma, aplicou a norma do nº 12 do art. 26º do actual Código das Expropriações (1999) no sentido de incluir na classificação de ‘solo apto para a construção’ e, consequentemente, de como tal indemnizar, solo que - independentemente da sua integração na RAN - não reunia nenhum dos requisitos impostos no nº 2 do art. 25º.
8. O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma do nº 12 do art. 26º do CE, nessa interpretação, quer no requerimento de recurso da decisão arbitral, quer nas contra-alegações de apelação, onde deixou escrito:
«Ao contrário do que os expropriados sustentam, a aplicação da regra avaliatória constante do nº 12 do art. 26º do CE, não é automática.
Ou seja, não basta que o terreno se integre em espaço-canal para que deva ser avaliado em função da construção existente ou possível na envolvente.
Se a parcela não reúne (como se viu supra) as características necessárias para ser classificada como solo apto para construção, não é pelo facto de se encontrar em espaço-canal que as adquire, para efeitos de avaliação.
Na verdade, tal interpretação contrariaria o sentido profundo da norma em causa.
A razão de ser dessa norma facilmente se intui: o legislador pretendeu colocar em situação de igualdade os particulares que, por força dos instrumentos de gestão territorial, tinham sido alvo de sacrifícios relativamente aos quais não tinham sido compensados.
(...)
Ou seja, se o terreno, antes da sua classificação pelo PDM como zona verde, de lazer ou espaço-canal, tinha aptidão edificativa, deve tomar-se em conta essa circunstância na sua avaliação.
Porém, a aplicação da regra do nº 12 do art. 26º, a terrenos sem aptidão construtiva, além de absurda, redundaria numa clara violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado».
9. Tal interpretação viola frontalmente o princípio constitucional da igualdade plasmado no art. 13º da CRP.
10. Pretende-se, assim, que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma contida no nº 12 do art. 26º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de incluir na classificação do
‘solo apto para a construção’ solos relativamente aos quais não se verifique nenhum dos requisitos impostos no seu nº 2 do art. 25º, apesar de se encontrarem inseridos em zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano director municipal de ordenamento do território.
11. Para lá de não reunir nenhum dos requisitos de que o nº 2 do art. 25º do CE faz depender a classificação de determinado terreno como solo apto para construção, a parcela encontrava-se integrada na RAN, à data da declaração de utilidade pública;
12. E assim, decidindo como decidiu, o douto aresto também aplicou as normas contidas nos nºs. 1 do artigo 23º e nº 1 do artigo 25º do CE, interpretadas no sentido de incluir na classificação de ‘solo apto para a construção’ e, consequentemente, de como tal indemnizar, solo integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado para implantação da vias de comunicação.
13. Tal interpretação viola frontalmente o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no art. 62º/2 da CRP, bem como o princípio da igualdade plasmado no seu art. 13º
14. O recorrente também suscitou a questão da inconstitucionalidade de tais normas, nessa interpretação, quer no requerimento do recurso da decisão arbitral quer nas contra-alegações de apelação, onde deixou escrito:
«Na douta sentença em crise, considerou-se que o solo da parcela em causa não podia ser classificado como solo apto para construção, por não se integrar em nenhuma das alíneas do nº 2 do art. 25º do Código das Expropriações.
Salvo melhor opinião, decidiu-se bem.
Mas a solução não seria diferente, no caso concreto, se esse solo preenchesse alguns dos requisitos estabelecidos nesse normativo.
Na verdade, seriam inconstitucionais, por violação do princípio da justa indemnização por expropriação, as normas do nº 1 do art. 23º e nº 1 do art. 26º do CE/99, quando interpretadas por forma a incluir na classificação de ‘solo apto para a construção’ solos em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração em RAN) não é permitida a construção ou esta não constitua o seu aproveitamento económico normal, quando expropriad [o]s para a construção de vias de comunicação.
Tal violação daquele princípio constitucional, condensado no art. 62º/2 da CRP, resulta do facto de essa interpretação conduzir a que seja atribuído ao expropriado uma indemnização que ultrapassa o valor real e corrente, ou valor de mercado, distorcendo, deste modo, em benefício do expropriado, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.»
15. Desta forma, pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie, igualmente, a inconstitucionalidade das normas contidas nos nºs. 1 do artigo 23º e nº 1 do artigo 26º do actual Código das Expropriações, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de ‘solo apto para a construção’ e, consequentemente de como tal indemnizar, solo integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de comunicação
.................................................................................................................................................................................................................................................’
O recurso foi admitido por despacho lavrado em 6 de Janeiro de 2005 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Na verdade, como resulta do relato supra efectuado, o recorrente, na alegação que produziu na apelação, brandiu com o argumento segundo o qual seriam desconformes à Lei Fundamental os normativos ínsitos no nº1 do artº 23º e no nº
1 do artº 26º, ambos do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de
18 de Setembro, numa dimensão interpretativa de harmonia com a qual eram incluídos na classificação de solo apto para construção, ou seja, um solo que obedeça aos requisitos constantes do nº 2 do artº 25º do mesmo Código, solos em que, de acordo com as vigentes leis e regulamentos, não era permitida a construção.
E, por intermédio do recurso intentado interpor para este Tribunal, pretende justamente a análise dessa questão, já que, sustenta, foi dessa arte que aqueles normativos foram interpretados e aplicados no acórdão que pretende impugnar.
Sucede, como deflui do assinalado relato, que o Tribunal da Relação do Porto, no aresto em crise, não veio, de todo, a considerar que, muito embora a parcela expropriada estivesse, pelo Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão, integrada num espaço-canal da Variante Nascente de Famalicão e na Reserva Agrícola Nacional, a mesma haveria de ser perspectivada como terreno apto para construção.
Antes, e pelo contrário, atendendo a essas características, afirmou que a parcela não podia ser incluída no âmbito do nº 2 do citado artº 25º.
É certo que, na valorização da parcela, não deixou de atender ao cálculo de um valor médio das construções existentes ou que fossem possíveis edificar em parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situava a trezentos metros do limite daquela parcela.
Fê-lo, porém, não porque considerasse que a parcela expropriada tinha aptidão edificativa, mas sim porque concluiu que ela já era propriedade dos expropriados ao tempo da entrada em vigor do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão, Plano esse de onde, afinal, veio a decorrer a sua inserção num espaço-canal e a sua integração na Reserva Agrícola Nacional, inserção e integração essas que, antes da vigência de tal Plano, não se verificava e que, por isso, conferiria, no tempo anterior à entrada em vigor daquele instrumento regulamentar, aptidão construtiva à aludida parcela, característica que, assim, conferiria igualmente aos expropriados, já figurando como proprietários dessa parcela àquele tempo, a potencialidade de, então, desfrutar, relativamente a ela, de um valor de mercado semelhante àquele que era calculado por referência aos terrenos que - agora não inseridos ou integrados, pelo posteriormente aprovado Plano Director Municipal, no espaço-canal ou na Reserva Agrícola Nacional - envolviam a parcela expropriada.
É que, na óptica do acórdão impugnado, como a própria integração na Reserva Agrícola Nacional decorreu do indicado Plano Director Municipal (e não compete a este Tribunal curar de saber se era ou não possível a esse instrumento regulamentar, do mesmo passo, integrar um mesmo terreno num espaço-canal destinado à instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos visando a construção de vias rodoviárias e inseri-lo na Reserva Agrícola Nacional), e como, antes da sua vigência, os expropriados já eram seus proprietários, na situação em análise, à avaliação da parcela era aplicável o nº 12 do artº 26º.
Não resulta, desta sorte, que o aresto sub specie, referentemente às normas vertidas no nº 12 do artº 26º, e ao conjunto normativo formado pelo nº 1 do artº 23º e pelo nº 1 do artº 26º, todos do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, as tivesse aplicado com uma dimensão interpretativa segundo a qual seria de incluir na classificação de solo apto para a construção terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, pois que não foi pela circunstância de se ter entendido que a parcela deveria assim ser classificada que a mesma foi objecto da valoração a que chegou o acórdão.
Tal valoração resultou, antes, da aplicação de um critério - justamente o consagrado no nº 12 do artº 26º - que não é precisamente idêntico aos que são, nos antecedentes números daquele artigo, utilizados em relação aos solos aptos para a construção (o que, aliás, se compreende pois que, dada sua destinação, que naquele nº 12 se enuncia, nos solos desse modo classificados não é possível a construção), embora o preceito esteja subordinado globalmente à epígrafe Cálculo do valor do solo apto para a construção.
Neste contexto, porque não foram aplicadas, na decisão desejada recorrer, os preceitos referidos com o sentido interpretativo acerca dos quais, antecedentemente à sua prolação, foi questionada a sua desarmonia constitucional, falece, in casu, um dos pressupostos do recurso a que alude a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, pelo que se não conhece do respectivo objecto”.
Da transcrita decisão reclamou a EP - Estradas de Portugal, E.P.E., (entidade que sucedeu ao IEP - Instituto das Estradas de Portugal e este ao Icor), o que fez nos seguintes termos:-
“1 Na douta decisão ora em crise sustentou-se que não poderia conhecer-se do objecto do recurso, por falta de um dos pressupostos do recurso a que alude a alínea b) do n° 1 do art. 70º da lei 28/82, uma vez que, afirma-se, «não foram aplicadas, na decisão desejada recorrer, os preceitos com o sentido interpretativo acerca dos quais, antecedentemente à sua prolacção, foi questionada a sua desarmonia de constitucional».
2. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a reclamante conformar-se com tal decisão.
3. Ao contrário do que parece defender-se na douta decisão de que se reclama a reclamante não invocou, apenas, que o douto aresto tinha aplicado as normas contidas nos nºs. 1 do artigo 23° e nº1 do artigo 26° do CE, interpretadas no sentido de incluir na classificação de ‘solo apto para a construção’ e, consequentemente, de como tal indemnizar, solo integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de comunicação.
4. Na verdade, deixou-se escrito no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal:
«10. Pretende-se, assim, que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma contida no n° 12. do art. 26° do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de incluir na classificação de solo apto para a construção” solos relativamente aos quais se não verifique nenhum dos requisitos impostos no seu n° 2 do art. 25°, apesar de se encontrarem inseridos em zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território».
5. Ora, no aresto em causa concluiu-se que o terreno devia ser classificado como solo apto para a construção, por se considerar ser aplicável aos autos o critério de valorização do n° 12 do art. 26° do CE (subordinado à epígrafe, precisamente, ‘Cálculo do valor do solo apto para a construção’).
6. Tal como se escreveu no requerimento de recurso:
«7. Ao decidir dessa forma, aplicou a norma do nº 12 do art. 26° do actual Código das Expropriações (1999} no sentido de incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, de como tal indemnizar, solo que - Independentemente da sua Integração na RAN - não reunia nenhum dos requisitos impostos no n° 2 do art. 25º».
7. Sucede que a reclamante entende que a aplicação da regra avaliatória constante no nº 12 do art. 26° do CE, não é automática, no sentido em que não basta que o terreno se integre em espaço-canal para que deva ser avaliado em função da construção existente ou possível na envolvente.
8. Se a parcela não reúne (como o próprio acórdão reconhece) as características necessárias para ser classificada como solo apto para a construção, não é pelo facto de se encontrar em espaço-canal que as adquire, para efeitos de avaliação.
9. Na verdade, tal interpretação contrariaria o sentido profundo da norma em causa.
10. A razão de ser dessa norma facilmente se intui: o legislador pretendeu colocar em situação de igualdade os particulares que, por força dos instrumentos de gestão territorial, tinham sido alvo de sacrifícios relativamente aos quais não tinham sido compensados.
11. Assim, se o terreno, antes da sua classificação pelo PDM como zona verde, de lazer ou espaço-canal, tinha aptidão edificativa, deve tomar-se em conta essa circunstância na sua avaliação.
12. Porém, a aplicação da regra do nº 12, do art. 26°, a terrenos sem aptidão construtiva, além de absurda, redundaria numa clara violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado».
13. Tal como se alegou, a reclamante suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma do n° 12 do art. 26° do CE, nessa interpretação, quer no requerimento de recurso da decisão arbitral, quer nas contra-alegações de apelação.
14. Que o recurso ao critério de valorização do nº 12 do art. 26° do CE viola o princípio da igualdade nos casos em que o terreno não tem aptidão construtiva, foi o que já se decidiu no douto Acórdão n° 219/01, proferido no Proc. nº
730/00, da 1ª Secção deste mesmo Tribunal, de que foi Relator o Venerando Juiz Conselheiro Artur Maurício;
15. Embora esse douto aresto se tenha pronunciado quanto à norma (idêntica, mas com um âmbito de aplicação mais restrito) constante do n° 2 do art. 26° do anterior Código das Expropriações:
«Nesse recurso, o Ministério Público recorrente sustentou que, classificado um solo como “apto para outros fins”, não se poderia recorrer a uma outra classificação para efeitos de determinar o critério da indemnização (no caso, a ponderação da sua aptidão edificativa) – a avaliação deveria ser feita de acordo com o critério estabelecido no artigo 26° n° 1 do CExp91 e não o com o previsto no nº 2 do mesmo preceito legal.
(...)
Quer isto dizer que, em bom rigor, o acórdão recorrido começa por afastar a norma do artigo 24 n° 5, E, depois supondo-se vinculado à classificação prevista naquele preceito aplica, “por analogia” a norma do artigo 26° nº 2.
Quer num quer noutro dos juízos a razão ,profunda assenta na consideração de que violaria os princípios da justa indemnização e da igualdade a avaliação de um terreno, integrado na RAN e na REN, expropriado para fins não agrícolas (no caso, a construção de uma via de comunicação) sem a ponderação da sua aptidão edificativa.
16.E, mais adiante:
«Impondo o princípio da Justa Indemnização que as indemnizações devidas por expropriação constituam uma compensação da desigualdade entre os cidadãos
(perante os encargos públicos) determinada pela expropriação e assegurem uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado - o que se obtém pelo critério do valor de mercado do bem expropriado - nenhuma destas exigências constitucionais é posta em causa quando o terreno expropriado integrado numa zona em que, por lei, não é licita a construção, é avaliado de acordo com a sua aptidão (agrícola) conforme à norma do nº 1 do ;artigo 26° do CExp91. Ponderar-se a sua aptidão edificativa (?), com ou sem classificação do solo como apto para outros fins, como se faz no acórdão recorrido, por pretensos ditames da Lei Fundamental, lançando mão da norma do n° 2 do mesmo artigo 26° - que rege para uma. situação muito específica, alheia à que se verifica com os solos integrados na RAN - é, pois, recusar, sem fundamento constitucional, a aplicação daquela primeira norma.
Em suma, pois, não enfermam de inconstitucionalidade as normas contidas nos artigos 24ºnº 5 e 26º n° 1 do Código das Expropriações aprovado .pelo DL nº
438/91, de 29 de Novembro, quando interpretadas no sentido de excluírem da avaliação segundo a sua. potencialidade edificativa nos termos do nº 2 do artigo
26° do mesmo Código os solos, integrados na RAN e na REN, expropriado para implantação de via de comunicação». TERMOS EM QUE, deverá deferir-se a presente reclamação conhecendo-se do objecto do recurso interposto, assim se fazendo Justiça”.
Ouvidos sobre a reclamação vieram os expropriados sustentar a improcedência da mesma, dizendo, em síntese:
- que o reclamante, na alegação que produziu na apelação, sustentou que seriam inconstitucionais as normas dos artigos 23º, nº
1, e 26º, nº 1, do Código das Expropriações, quando interpretadas no sentido de incluir no solo apto para construção solos nos quais, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, não é permitida a construção;
- o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, porém, não interpretou aqueles preceitos nesse sentido, já que jamais considerou o prédio expropriado como solo apto para construção;
- antes, pelo contrário, entendeu ser o terreno expropriado de considerado como solo não apto para construção mas, porque o mesmo fora adquirido pelos expropriados antes da entrada em vigor do plano municipal de ordenamento do território que veio a reger para a zona, haveria que aplicar o critério constante do nº 12 do citado artº 26º.
Cumpre decidir.
2. A reclamação em apreço esgrime, essencialmente, por um lado, com o argumento segundo o qual o acórdão de que foi interposto recurso para este Tribunal entendeu que a parcela de terreno em causa devia ser classificado como solo apto para construção - por isso que considerou aplicável ao caso o disposto no nº 12 do artº 26º do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro - e, por outro, que, na perspectiva do reclamante, ainda que se conclua que o terreno expropriado não reúne as características para ser classificado como solo apto para construção, a aplicação daquele normativo não opera automaticamente, ou seja, no sentido de bastar a integração de uma parcela num espaço canal para que na sua avaliação se tome em conta a construção existente ou passível de o ser na área envolvente.
Simplesmente, como se assinalou na decisão em crise, o aresto tirado no Tribunal da Relação do Porto não concluiu que, não obstante a parcela expropriada se encontrar integrada num espaço canal, ela teria de ser classificada como solo apto para construção, sendo que foi justamente a questão da inconstitucionalidade desta interpretação reportada aos preceitos ínsitos no nº 1 do artº 23º e no nº 1 do artº 26º que, precedentemente à prolação daquele acórdão, o Icor tinha equacionado.
De outra banda, também a decisão vertida no acórdão proferido em 2 de Dezembro de 2004 pelo Tribunal da Relação do Porto não partiu do princípio de que bastava a integração de um terreno num espaço canal para que, para efeitos da sua avaliação, se tivesse de atender à construção existente ou passível de construir na zona envolvente.
Antes, pelo contrário, começou por sublinhar que a integração de um terreno, antes da expropriação, numa área em que não era permitida a construção e a sua avaliação em termos de se atender ao factor de não possibilidade de construção, não violava o princípio da justa indemnização.
Porém, entendendo que a concreta parcela, foi integrada, ulteriormente, na Reserva Agrícola Nacional pelo Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão, haveria que cobrar aplicação o citado nº 12 do artº 26º, cuja prescrição, na perspectiva do acórdão, se dirigia precisamente a situações como a deparada, ou seja, resultar a proibição de construção da posterior inclusão do terreno numa zona em que a construção era vedada, sendo certo que, relativamente à circunstância de aquela parcela, antes da aprovação do indicado Plano Director Municipal, estar incluída num espaço canal, resultava já do nº 2 do artº 26º do anterior Código das Expropriações que na sua avaliação haveriam de tomar-se em conta os factores ali consagrados.
Porém, não foi, com esse recorte, que o Icor suscitou a questão da inconstitucionalidade referente ao indicado normativo.
Em face do exposto, indefere-se a reclamação.
Lisboa, 7 de Março de 2005
Bravo Serra Gil Galvão Artur Maurício