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Processo n.º 1106/04
Plenário
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. Nos presentes autos, o Tribunal Constitucional proferiu o acórdão n.º
379/2004, de 1 de Junho, no qual se decidiu o seguinte (cfr. fls. 396 e
seguintes):
“[...]
b) Julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos
32º, nº 8, 43º, nºs 1 e 4 e 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, a
norma constante do artigo 188º, nº 1 do Código de Processo Penal, quer na
redacção anterior quer na posterior à que foi dada pelo Decreto-Lei nº
320-C/2000, de 15.12, quando interpretada no sentido de uma intercepção
telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar-se,
sendo prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração, sem que
previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das conversações;
c) Julgar inconstitucional por violação dos mesmos preceitos da Constituição da
República Portuguesa a citada norma, na interpretação segundo a qual, a primeira
audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer
mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações
telefónicas.
Consequentemente, concede-se provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido
ser reformulado de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
É a seguinte a fundamentação dos dois juízos de
inconstitucionalidade (cfr. fls. 422 e seguintes):
“[...]
3 - As questões de constitucionalidade suscitadas não são novas para o Tribunal
Constitucional que já teve ocasião para sobre elas se pronunciar nos acórdãos
n.ºs 407/97, de 21/05/97, 347/01, de 10/07/01, e, mais recentemente, no acórdão
n.º 528/03, de 31/10/03, que para aqueles dois primeiros remeteu (cfr.
www.tribunalconstitucional.pt).
No acórdão nº 407/97, este Tribunal decidiu «julgar inconstitucional, por
violação do disposto no nº 6 do artigo 32º da Constituição, a norma do nº 1 do
artigo 188º do Código de Processo Penal quando interpretado em termos de não
impôr que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações
telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo
a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição
dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente,
a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a
manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas».
No acórdão nº 347/01, em que se trouxe também à colação a jurisprudência do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a problemática das escutas
telefónicas, escreveu-se que «‘cobrir’ situações como a de o auto de transcrição
ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e gravação das
comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do crime investigado
e a necessidade daquele meio de obtenção de prova, restringe despropositadamente
o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação privada e faculta uma
ingerência neste meio para além do que se considera ser constitucionalmente
admissível.
Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor das
comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o controlo
judiciais do modo como a escuta se desenvolve.
(...)
Por outro lado, autorizar novos períodos de escuta, a mero requerimento do
Ministério Público, sem que a autorização seja precedida do conhecimento
judicial do resultado da intercepção anterior, continua a significar a mesma
ausência de acompanhamento e de controlo por parte do juiz».
No acórdão nº 528/03, salientando a evolução da jurisprudência mais recente do
TEDH, o Tribunal Constitucional considerou «inconstitucional a interpretação do
n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que lhe
foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, que foi acolhida
pela decisão recorrida. Com efeito, entender que situações como as que ocorreram
no presente processo – em que os autos de intercepção e gravação de conversações
telefónicas que tinham sido entretanto autorizadas só foram levados ao
conhecimento do juiz que as ordenou 38 dias depois de elas terem tido início –
são ainda abrangidas pela expressão imediatamente, colide frontalmente com os
interesses que se pretendem acautelar com aquela exigência, na medida em que
impede o seu acompanhamento próximo pelo juiz».
Ora, verifica-se que esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, para cuja
fundamentação se remete e se dá aqui por reproduzida, mantém inteira validade
para o caso em apreço, o que leva a que se considere inconstitucional a norma
constante do artigo 188º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretada no
sentido de a intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder
continuar a processar-se, sendo prorrogada por dois novos períodos (de 30 dias
cada um), sem que previamente o juiz de instrução controle e tome conhecimento
do conteúdo das conversações, por violação dos artigos 32º, nº 8, 34º, nºs 1 e
4, e 18º, nº 2, da Constituição, bem como a mesma norma, na interpretação
segundo a qual a primeira audição da gravação das escutas telefónicas pelo juiz
de instrução pode ocorrer durante o aludido segundo período de prorrogação.
[...].”.
2. Na sequência do referido acórdão do Tribunal Constitucional, foram os
autos remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra, que proferiu, em 3 de
Novembro de 2004 o acórdão que segue (fls. 437 e seguintes):
“[...]
Daí que haja, por mera obediência, de reformular o já decidido, pois se continua
a manter a posição anteriormente defendida.
[...]
Sendo as conclusões que delimitam o objecto do recurso e tomando-se em
consideração o decidido pelo TC, vemos que o despacho que ordenou as escutas foi
proferido em 23/10/2000, deferindo tal diligência pelo prazo de 60 dias.
Ainda de acordo com as conclusões que o recorrente formula, o M.mº JIC ouviu em
30/01/01, todo o material interceptado e gravado (concl. 3ª), ordenando a
transcrição do que lhe pareceu relevante em 18/02/01.
Todavia, anteriormente, em 21/12/2000 (fls. 53), o M.mº Juiz prorrogou as
escutas telefónicas por 30 dias.
Ou seja, fê-lo sem que antes tivesse tomado conhecimento do conteúdo das
anteriormente efectuadas.
Daí que as escutas efectuadas ao abrigo de tal despacho tenham que ser
declaradas nulas.
Mas, na parte restante, afigura-se que nada é afectado pelo acórdão a que se
obedece.
Acresce que se não descortina pelo exame dos autos quando se iniciou a
intercepção e gravação das comunicações telefónicas, ordenada a 23/10/2000 e
cujo resultado foi constatado a 30/01/01.
Termos em que acordam em declarar nulas as intercepções telefónicas efectuadas
com base no despacho de fls. 53.
[...].”.
3. Deste acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra recorreu A. para o
Tribunal Constitucional (fls. 449 e seguintes), pretendendo, em síntese, o
seguinte:
“[...]
Nestes termos, o ora recorrente pretende interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, com vista à apreciação de violação de caso julgado
constitucional, violação essa efectuada pelo Acórdão da Relação de Coimbra de
3.11.04 em relação aos juízos de inconstitucionalidade (e subsequente ordem de
reformulação) formulados pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 379/04, de
1.06.04, com referência à interpretação concreta que aquele primeiro Acórdão
havia dado à norma do art. 188°, n.° 1, do CPP, juízos esses que implicavam a
obrigatoriedade de serem declaradas nulas todas as escutas efectuadas entre a
data da autorização (23.10.00) e a data em que o seu conteúdo foi apresentado ao
juiz (30.01.01), e não apenas aquelas que o Acórdão da Relação de Coimbra de
03.11.04 decidiu anular.
Na verdade, o Acórdão da Relação de Coimbra de 3.11.04, cuja reformulação foi
determinada por aquele Acórdão n.° 379/04 do Tribunal Constitucional, ao
desobedecer a tal determinação, violou o caso julgado constitucional e,
consequentemente, interpretou e aplicou os arts. 2° e 80°, n.ºs 1 a 3, da Lei do
Tribunal Constitucional (Lei n° 28/82 de 15 de Novembro, com as alterações
subsequentes) e também o art. 188°, n.° 1, do CPP de modo inconstitucional,
fazendo com que, nessa interpretação, tais preceitos padecessem de
inconstitucionalidade material por violação dos princípios da legalidade, da
proporcionalidade, da subsidariedade e do controlo material, previstos nos arts.
210°, n.° 1, 212°, n.° 1, 221°, 32°, n.ºs 2 e 8, 34°, n.ºs 1 e 3, 18°, n.° 2,
205°, n.ºs 2 e 3, e 282°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa.
Com o presente recurso, visa o recorrente obter decisão que decida sobre a
violação de caso julgado constitucional alegada (na esteira da jurisprudência
firmada pelo Acórdão do TC n.° 340/00, tirado pelo Plenário daquele Tribunal) e,
consequentemente, ordene ao Tribunal da Relação de Coimbra o cumprimento da sua
decisão mediante reformulação adequada do Acórdão daquela Relação de 3.11.04 ou,
se assim se não entender, conheça das inconstitucionalidades atrás arguidas ao
abrigo do disposto no art. 70°, n.° 1, alíneas b) e g), da Lei do Tribunal
Constitucional, com as mesmas consequências legais.
[...].”.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 461.
4. Notificado para produzir alegações, assim o fez o recorrente A. (fls.
468 e seguintes), tendo-as concluído do seguinte modo:
“1ª. O douto Acórdão n.° 379/04 deste Tribunal Constitucional, proferido em
1.06.04, que ordenou a reformulação do Acórdão da Relação de Coimbra de 7.01.04
de acordo com o(s) juízo(s) de constitucionalidade proferidos, implica que a
Relação declarasse a nulidade de todas as escutas telefónicas que, recolhidas ao
abrigo do despacho de 23.10.00, por um período inicial de sessenta dias, foram
prorrogadas por duas vezes, em 23.12.00 e 17.01.01, respectivamente por novos
períodos de trinta dias cada, sendo que todo o material assim recolhido só foi
ouvido pelo JIC em 30.01.01, isto é, mais de três meses após o seu início;
2ª. Tal douto Acórdão transitou em julgado e passou a constituir caso julgado no
processo (art. 80°, n.° 1, da LTC), de cumprimento obrigatório para o Tribunal
da Relação (arts. 2° e 80°, n.ºs 1 a 3, do mesmo Diploma Legal e arts. 205°,
n.ºs 2 e 3, e 221° da CRP), mas aquele Tribunal, declarando que por dever de
obediência iria reformular a decisão, mas que continuava «na sua», acabou de
facto por continuar nela, pois, ao contrário do que a decisão do Tribunal
Constitucional implicava, recusou-se a declarar a nulidade de todas as escutas
recolhidas nos termos constantes dos autos ao abrigo de interpretação
inconstitucional censurada no Acórdão 379/04, e escolheu, de modo arbitrário e
incompreensível, as escutas recolhidas ao abrigo do despacho de fls. 53 para as
declarar – a essas e só a essas – nulas;
3ª. Violou assim a Relação, no seu Acórdão «reformulado» de 3.11.04, a exigência
de submissão à decisão do TC determinada pelo art. 2° da LTC e também o disposto
no art. 80°, n.ºs 1 a 3, da mesma Lei, pois se recusa a adoptar a interpretação
da norma do art. 188°, n.° 1, do CPP, tal como ela foi feita e exigida pelo
Acórdão 379/04 do TC e outrossim, continua a interpretá-la e a aplicá-la contra
a Constituição e os princípios nela consagrados, designadamente os da
legalidade, da proporcionalidade, da subsidariedade e do controlo material,
previstos nos arts. 18°, n.° 2, 32°, n.ºs 2 e 8, 34°, n.ºs 1 e 3, 205°, n.ºs 2 e
3, 210°, n.° 1, 212°, n.° 1, 221° e 282°, n.° 3, da Constituição da República
Portuguesa.
4ª. Nos termos da orientação fixada pelo Acórdão 340/2000 de 4.07.00 tirado pelo
Plenário do Tribunal Constitucional (DR de 9.11.00, II série, pág. 18.221 e
segs.), este Venerando Tribunal pode conhecer directamente do objecto do
presente recurso, por via do carácter oficioso do conhecimento da violação do
caso julgado (art. 494°, n.° 1, alínea i), e 495° do CPC) e do carácter
definitivo da competência constitucional atribuída a este Tribunal pelos arts.
210°, n.° 1, 212°, n.° 1, e 221º, todos da CRP, independentemente de apurar se
se verificaram ou não quaisquer dos pressupostos específicos previstos no art.
70° da Lei do Tribunal Constitucional, pois que, conforme naquele douto aresto
se frisou, é ele o tribunal competente para «decidir definitivamente sobre a sua
competência: desde logo é ele que diz (e di-lo definitivamente) se as questões
que sobem até ele para serem julgadas são ou não questões de constitucionalidade
ou de ilegalidade que se inscrevam no seu poder jurisdicional»;
5ª. É pois esta faculdade que, com base nos preceitos legais atrás citados e no
disposto nos arts. 2° e 80°, n.ºs 1 a 3, da LTC, se pede a este Venerando
Tribunal seja exercida, ou seja, se declare que o Acórdão da Relação de Coimbra
de 3.11.04 não procedeu à reformulação do seu Acórdão de 7.01.04 em conformidade
com o juízo de constitucionalidade formulado no Acórdão n.° 379/04 do Tribunal
Constitucional, o qual implicava, em reformulação adequada, que o Tribunal a quo
viesse a declarar a nulidade de todas as escutas impugnadas, ou seja, as que
tiveram o seu início por despacho judicial de 23.10.00 e o seu término em
30.01.01, data em que pela primeira vez foram ouvidas pelo JIC;
6ª. Mas, se porventura se entendesse apenas poder conhecer-se do presente
recurso no caso de se encontrarem verificados os pressupostos do art. 280°, n.°
1, alínea b), e n.° 5, da CRP e art. 70°, n.° 1, alíneas b) e g), da LTC, então
deve este Tribunal declarar a inconstitucionalidade material dos arts. 2° e 80º,
n.ºs 1 a 3, daquela Lei 28/82 de 15.11 por referência aos arts. 494°, alínea i),
495° e 498°, n.ºs 1 a 4, e 677° do CPC, por violação dos mesmos princípios e
preceitos constitucionais invocados na conclusão 3ª, na interpretação que
daqueles preceitos é feita pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 3.11.04,
segundo o qual a interpretação da norma do art. 188°, n.° 1, do CPP efectuada
pelo TC no seu Acórdão n.° 379/04 é compatível com a declaração de nulidade
apenas das escutas recolhidas ao abrigo do despacho de fls. 53 e já não de todas
as outras recolhidas antes e posteriormente à data da prolação de tal despacho
(e) ou seja declarada a inconstitucionalidade material do art. 188°, n.° 1, do
CPP, por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da
proporcionalidade e da subsidariedade, consagrados nos arts. 32°, n.° 8, 34°,
n.ºs 1 e 4, e 18°, n.° 2, todos da CRP, na interpretação concreta que dela faz
agora o Acórdão da Relação de 3.11.04, ou seja, de que tal norma possa permitir
fundamentar a validade das escutas telefónicas recolhidas com base no despacho
de 23.10.00 e ouvidas pelo JIC em 30.01.01, com excepção das que foram ordenadas
pelo despacho daquela Magistrada de fls. 53.
[...].”.
5. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional produziu as contra-alegações de fls. 480 e seguintes, que
concluiu assim:
“[...]
1º - Face ao anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional, a decisão
recorrida deve ser reformulada no sentido da nulidade das escutas abranger as
que foram realizadas ao abrigo do despacho judicial de 23/10/200[0], por 60
dias, sendo prorrogadas por novos períodos ainda que de menor duração, sem que
previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das conversações
e, bem assim, as que entre o seu início e a primeira audição das gravações
registem um intervalo temporal superior a três meses.
2º - Termos em que apenas parcialmente deverá o recurso proceder.
[...].”.
Tendo sido determinada pelo Presidente do Tribunal Constitucional a
intervenção do plenário, nos termos do artigo 79º-A, n.ºs 1 e 2, primeira parte,
da LTC, cumpre apreciar e decidir.
II
6. O presente recurso foi interposto ao abrigo dos artigos 2º e 80º, n.º
s 1 a 3, da Lei do Tribunal Constitucional, na parte em que o respectivo
fundamento consiste na violação de caso julgado constitucional (aqui constituído
pelo acórdão n.º 379/2004, proferido nestes autos).
Subsidiariamente, o recorrente interpôs o recurso ao abrigo das
alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pois
que, em seu entender, o tribunal recorrido teria perfilhado uma interpretação
inconstitucional do artigo 188º, n.º 1, do Código de Processo Penal, já
censurada pelo Tribunal Constitucional (precisamente, no seu acórdão n.º
379/2004).
Não se vê obstáculo a que, na esteira do decidido no acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 340/00, de 4 de Julho (publicado no Diário da
República, II Série, n.º 259, de 9 de Setembro de 2000, p. 18221 ss), o Tribunal
Constitucional conheça do eventual incumprimento do seu acórdão n.º 379/2004,
independentemente do preenchimento dos pressupostos específicos das invocadas
alíneas b) ou g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional: na
verdade, não só o Tribunal Constitucional é o tribunal competente para decidir
definitivamente sobre a sua própria competência, como é de conhecimento oficioso
a violação de caso julgado.
7. Relativamente ao primeiro juízo de inconstitucionalidade formulado no
acórdão do Tribunal Constitucional n.º 379/2004, verifica-se que o tribunal
recorrido lhe deu acolhimento, pois que declarou nulas as escutas efectuadas ao
abrigo do despacho de fls. 53, isto é, ao abrigo do despacho que prorrogou as
escutas telefónicas por 30 dias, sem que o juiz tivesse tomado conhecimento
prévio do conteúdo das escutas anteriormente efectuadas.
Recorde-se que o Tribunal Constitucional censurara a norma constante
do artigo 188º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no
sentido de “uma intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias,
poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que
de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do
conteúdo das conversações”.
Neste particular, portanto, nenhuma violação de caso julgado
constitucional se regista.
Nem o recorrente, aliás, parece invocar a violação de caso julgado
em relação a tal juízo de inconstitucionalidade, pois que se insurge apenas em
relação à não declaração de nulidade “de todas as escutas impugnadas, ou seja,
as que tiveram o seu início por despacho judicial de 23.10.00 e o seu término em
30.01.01” (cfr. conclusão 5ª das alegações, supra, 4.).
8. Já quanto ao segundo juízo de inconstitucionalidade, a conclusão terá
de ser diferente.
No acórdão n.º 379/2004, o Tribunal Constitucional censurou a norma
constante do artigo 188º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação
segundo a qual “a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal, das
gravações efectuadas pode ocorrer mais de três meses após o início da
intercepção e gravação das comunicações telefónicas”.
A execução de qualquer acórdão proferido pelo Tribunal
Constitucional implica o reexercício do poder jurisdicional pelo tribunal a quo
em conformidade com o que, sobre a compatibilidade constitucional da norma
aplicável, tenha sido definido no processo pelo próprio Tribunal Constitucional.
No caso concreto dos autos, a reformulação da decisão então
recorrida, determinada pelo juízo de inconstitucionalidade constante do acórdão
n.º 379/2004, exigiria antes de mais que o Tribunal da Relação de Coimbra
verificasse se existem no processo escutas telefónicas abrangidas pela
interpretação normativa censurada por este Tribunal, isto é, escutas telefónicas
relativamente às quais a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal,
tivesse ocorrido mais de três meses após o início da respectiva intercepção e
gravação (ordenada pelo despacho de 23/10/2000, que consta de fls. 48 e seguinte
destes autos). E exigiria depois, quanto às eventuais escutas que
correspondessem a tais circunstâncias, que a Relação de Coimbra definisse se, e
em que termos, poderiam ser consideradas como meio de obtenção de prova no
presente processo, tendo em conta o julgamento de inconstitucionalidade
proferido pelo Tribunal Constitucional.
Ora, não decorre dos próprios termos do acórdão recorrido que o
Tribunal da Relação de Coimbra tenha dado cumprimento, nesta parte, ao acórdão
do Tribunal Constitucional.
Saber se existem ou não no processo escutas telefónicas que
correspondam às circunstâncias censuradas nesse acórdão é algo – repete-se – que
só ao tribunal recorrido compete decidir e que obviamente não cabe ao Tribunal
Constitucional apurar.
O que não pode é o tribunal recorrido invocar a circunstância de não
ser possível descortinar, “pelo exame dos autos, quando se iniciou a intercepção
e gravação das comunicações telefónicas, ordenada a 23/10/2000 e cujo resultado
foi constatado a 30/01/01”, para, sem quaisquer outras considerações, concluir
que a sua anterior decisão em nada é afectada pelo julgamento do Tribunal
Constitucional.
Não resultando do acórdão recorrido que o Tribunal da Relação de
Coimbra tenha cumprido integralmente o julgamento constante do acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 379/2004, tem de proceder o presente recurso.
9. Atingida esta conclusão, torna-se desnecessário apreciar o recurso
interposto a título subsidiário pelo recorrente.
III
10. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao
presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, na parte impugnada.
Lisboa, 27 de Abril de 2005
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme declaração que junto.
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Discordo, em primeiro lugar, da decisão que fez vencimento por entender que é
taxativa a enumeração (constante do n.1 do artigo 70º da LTC) dos casos em que,
nos processos de fiscalização concreta, é possível o recurso para o Tribunal
Constitucional. É, portanto, totalmente inadmissível o recurso especial que, com
fundamento nos artigos 2º e 80º ns. 1 a 3 da mesma Lei, foi apreciado pelo
Tribunal. Aliás, os recursos previstos no aludido n.º 1 do artigo 70º da LTC,
designadamente os constantes nas alíneas b) e g) permitem ao Tribunal, na medida
do desejável, apurar da conformidade da decisão reformada com o anterior
julgamento de inconstitucionalidade.
Discordo, ainda, quanto ao mérito da decisão. Na verdade, a reforma da decisão
recorrida não obriga, no presente caso – em meu entender não poderá mesmo
obrigar em qualquer circunstância –, a Relação de Coimbra a verificar 'se
existem no processo escutas telefónicas [...] relativamente às quais a primeira
audição pelo juiz de instrução criminal tivesse ocorrido mais de três meses após
o início da respectiva intercepção e gravação.' O que, também em meu entender, o
julgamento do Tribunal Constitucional exige é, apenas, que se reforme a decisão
recorrida na parte em que, com fundamento na norma julgada inconstitucional,
validou provas obtidas daquelas escutas. O que é bem diferente.
Pamplona de Oliveira