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Proc. nº 14/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A. requereu, na Repartição de Finanças do 6º Bairro Fiscal do Porto, 2ª avaliação fiscal extraordinária da renda relativa ao prédio urbano sito na rua ........., ......, freguesia ..........., Porto, do qual é proprietário.
Nesse requerimento referiu:
7º A renda ora praticada, não obstante já terem decorrido mais de 58 anos, para além da alteração que conheceu em 1985, e das correcções anuais posteriores, nunca conheceu qualquer outra alteração, encontrando-se assim totalmente desfazada do seu justo valor.
8º E isto porque, a elevação então conhecida, por força dos limites impostos pela legislação em vigor à data do 1º pedido de avaliação fiscal extraordinária, hoje inexistentes - mais propriamente os decorrentes do disposto no nº 3 do artº 5º do Decreto-Lei 436/83, disposição hoje declarada na parte inconstitucional - não logrou tão pouco aproximar o valor locativo dos normais preços do mercado.
Por parecer de 3 de Maio de 1995 da Comissão de Avaliação, foi atribuída ao prédio identificado a renda anual de
600.000$00.
Inconformado com esta decisão, o requerente veio da mesma interpor recurso para o Tribunal de Comarca do Porto. Aí alude à já declarada inconstitucionalidade dos artigos 10º, nº 1, e 5º, nº 3 do Decreto-Lei nº 436/83, de 19 de Dezembro, normas em função das quais havia sido revista a renda anual, quando da avaliação fiscal extraordinária já anteriormente efectuada em 1984.
Da mesma decisão interpuseram recurso os inquilinos, sustentando não ser possível a presente avaliação fiscal extraordinária, por já ter ocorrido outra, em 1984, e não ser possível uma segunda avaliação, «nos termos do disposto no artº 4º, nº 1, do DL 330/81, de
4/2, Despacho Normativo 75/82, de 11/5, e DL 189/92, de 17/5, que interpretou autenticamente o artº 4º do DL 330/81, disposições ainda em vigor, para os casos aplicáveis, por força do artº 9º do DL 321-B/90, de 15/10».
2. Por decisão de 16 de Outubro de 1996, o Mmo Juiz a quo revogou a decisão da Comissão de Avaliação, por considerar que o senhorio não podia requerer 2ª avaliação fiscal extraordinária do arrendado, dada a limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 77/88.
Novamente inconformado, o senhorio veio interpor recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional.
3. Admitido o recurso, e distribuídos os autos neste Tribunal, foi o recorrente notificado para dar integral cumprimento ao disposto no artigo 75º-A da LTC.
Em cumprimento desse despacho, veio o recorrente indicar:
1. Que o recurso foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) -
(alínea f) do artigo 70º da Lei 28/82 de 15.11.) - do nº 1 do artº 70º da Lei
85/89 de 07.09.;
2. Pretender que esse Venerando Tribunal aprecie a inconstitucionalidade da sentença recorrida e do Decreto-Lei 436/83 de 19.12;
3. Considerar ter a douta sentença recorrida violado o Acórdão desse Venerando Tribunal nº 77/88, proferido no Processo nº 24/84, e publicado no D.R. nº 98 de 28.04.1988;
4. Que suscitou a questão da ilegalidade e inconstitucionalidade da pretensão corporizada no recurso interposto pela recorrente do resultado da 2ª Avaliação Fiscal Extraordinária, e que veio a ser colhida pela douta sentença recorrida, nas suas alegações de fls. 101 e seguintes.
4. Pelo relator do processo foi então elaborada exposição prévia, nos termos do artigo 78º-A da LTC, do seguinte teor:
Nos termos do preceituado nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo
70º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo' ou 'que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Consti-tucional'. Em qualquer dos casos, o requerimento de interposição do recurso há-de identificar a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (artº 75º-A, nº
1).
Ora, no caso vertente, o recorrente não identifica qualquer norma a que assaque o vício de inconstitucionalidade, apesar de convidado para o efeito. Com efeito, na resposta que antecede, o recorrente aponta uma decisão judicial - «a douta sentença recorrida» - que não pode ser tida como norma, para efeitos de fiscalização da constitucionalidade, e todo um diploma legal - o Decreto-Lei nº 436/83 -, sem que auto-nomize, como devia, qual das suas normas pretenderia ver apreciada.
Aliás, e no que ao recurso da alínea b) do nº 1 do artº 70º respeita, não se lobriga em qualquer das peças processuais referidas pelo recorrente, que ele tivesse suscitado, perante o tribunal a quo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Na sua resposta, o recorrente mantém a sua posição, afirmando que pretende que o Tribunal aprecie «a inconstitucionalidade da sentença recorrida e do Decreto-Lei 436/83 de 19.12.». E refere, também, que «foi, assim, não só a inconstitucionalidade de norma - Dec.Lei nº 436/83 - suficientemente suscitada durante o processo, como se vê da douta sentença recorrida ter a mesma aplicado norma - Dec. Lei 436/83 - já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional».
Sem vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
5. Na sua resposta, o recorrente nada de novo aduziu que abale minimamente a exposição do relator.
A Constituição da República e a Lei do Tribunal Constitucional assacam a este um controlo da constitucionalidade de normas jurídicas, e não das decisões judiciais em si mesmas. Como flui do disposto nos artigos 280º, nº 1, alíneas a) e b), e nº 5, da Constituição, e dos artigos 70º, nº 1, e 75º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso de constitucionalidade há-de interpôr-se de decisões judiciais que apliquem norma jurídica cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo, ou que desapliquem determinada norma jurídica com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Não competindo a este Tribunal o conhecimento de questões de inconstitucionalidade de decisões judiciais, manifestamente faltam os pressupostos processuais para que se possa conhecer do recurso.
6. Quanto à pretendida questão da inconstitucionalidade de todo um diploma - o indicado Decreto-Lei nº 436/83 -, tem este Tribunal entendido que a indicação ou «mera referência de que um diploma legal [...] é inconstitucional, [...] não preenche, pelo menos na hipótese de inconstitucionalidade material, o requisito de indicação da norma
(ou normas), cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie»
(Acórdão nº 442/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 20º vol, pág. 472).
Tanto mais quando o diploma em causa possui vários artigos (e normas), pelo que, não se identificando aquelas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, manifestamente falta a especificação da norma ou normas requerida no nº 1 do artigo 75º-A da LTC. (cfr. Acórdão nº 21/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., pág. 125, e Acórdão nº 170/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 22º vol., pág. 319).
É bem verdade que, in casu, a quase totalidade das normas do Decreto-Lei nº 436/83 já haviam anteriormente sido declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo Acórdão nº
77/88. E que, portanto, o recorrente sempre poderia vir recorrer da aplicação de qualquer dessas normas com fundamento naquela declaração, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC; como poderia, aliás, vir fazê-lo com fundamento na própria contradição com o alcance da limitação de efeitos produzidos pela mesma declaração nos termos do estabelecido no referido acórdão.
Só que, nem o recorrente invoca esta
última situação - contradição com o alcance da limitação de efeitos -, nem estava dispensado, ao utilizar o primeiro fundamento, de especificar as concretas normas do Decreto-Lei nº 436/83 aplicadas na decisão recorrida, mas já anteriormente declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral - requisito que não cumpriu, como se teve ocasião de mencionar.
III - DECISÃO
7. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 19 de Março de 1997 Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa