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Processo n.º 536/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto, nos artigos 76º, n.º 3, e 77º da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, na
sua actual versão (LTC), do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça, de 24 de Maio de 2005, que não conheceu do requerimento de interposição
de recurso interposto, para o Tribunal Constitucional, dos despachos proferidos
por aquele órgão judicial, de 31 de Março de 2005 e de 6 de Maio de 2005,
despachos estes que, respectivamente, lhe indeferiram a reclamação apresentada
contra a decisão do Desembargador relator que não lhe admitiu o recurso de
acórdão da Relação de Lisboa e o pedido de reforma da decisão de indeferimento
da mesma reclamação.
2 – Fundamentando a sua reclamação, a reclamante argumenta do
seguinte jeito:
«Como se vê do Douto Despacho reclamado, o mesmo labora em erros de natureza
processual, e viola a norma do art. 70º, nº 3, da LTC.
1- Constituem erros de natureza processual:
a) A identificação dos recorrentes para o Tribunal Constitucional.
Efectivamente, apenas a primeira Reclamante interpôs recurso para esse Alto
Tribunal.
b) A identificação do objecto do recurso.
Efectivamente, objecto do recurso não é apenas o Despacho que indeferiu o pedido
de reforma do que lhes indeferiu a reclamação de 10.2.2005, a fls. 2-9: é,
também, a do Despacho não reformado, de 31.3.2005, a fls. 164-161, proferido
sobre a dita Reclamação.
c) Ao negar o direito ao recurso dos Despachos do Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça, mediante invocação do facto de subsistir o direito ao recurso para o
Tribunal Constitucional do acórdão da Relação de fls. 566-574.
2- Constitui violação da norma do art. 70º, nº 3 da Lei do LTC, o ter-se
decidido que o Despacho de 6.5.2005, é irrecorrível para o Tribunal
Constitucional Com efeito, a lei é expressa a tal respeito na redacção que lhe
foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26.2. Porém, já antes esse Alto Tribunal
entendia que as decisões dos Presidentes dos Tribunais Superiores, constituem,
para efeito do recurso de constitucionalidade, 'decisões que não admitem recurso
ordinário'. Nesse sentido, o Acórdão desse Alto Tribunal, nº 100/99, publicado
no DR II Série, de 1.4.1999.
A ora Reclamante foi bem explícita quanto ao objecto do recurso interposto por
seu requerimento de 23 de Maio de 2005, cujo teor pede, com a devida vénia, seja
aqui havido por reproduzido.
3. Atento o exposto, e a simplicidade da questão, pede-se seja proferida decisão
sumária ordenando a admissão do recurso interposto nos termos do dito
requerimento de 23.5.2005, conforme previsto no art. 77º, nº 3, da LTC.».
3 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional,
pronunciou-se pela improcedência da reclamação com base na seguinte
argumentação:
«A primeira questão suscitada neste processo tem que ver com o âmbito do
procedimento da reclamação na fiscalização concreta, face ao preceituado no art.
76º, nº 4, da Lei nº 28/82: na verdade, tal norma apenas admite o uso desse
mecanismo processual nas hipóteses de não admissão ou de retenção do recurso
interposto para o Tribunal Constitucional, sendo certo que, no caso dos autos, o
autor da decisão impugnada entendeu que não deveria conhecer do requerimento de
interposição do recurso para o TC, por considerar, face ao respectivo objecto,
que incumbiria tal decisão ao tribunal “a quo”.
Consideramos, porém, que – numa visão ampliativa do mecanismo da reclamação,
prevista no nº 4 do referido art. 76º, segundo a qual poderá fundar-se em
qualquer motivo “atípico” que inviabilize a subida imediata do recurso ao T.C. –
a situação dos autos ainda poderá enquadrar-se no âmbito do citado art. 76º, nº
4, e 77º da Lei nº 28/82, perspectivando-se o despacho de fls. 35/36 como uma
espécie de implícita rejeição do recurso de fiscalização concreta interposto.
Afigura-se, porém, que o recorrente não suscitou, em termos processualmente
adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para
servir de base ao recurso que interpôs: para tal seria essencial que tivesse
especificado, em termos claros e inteligíveis, qual a concreta dimensão
normativa que considerava aplicada na decisão recorrida, como “ratio decidendi”,
em vez de se limitar a descrever e enumerar as vicissitudes processuais
ocorridas. Ora, tal decisão, por um lado não aplicou a norma constante do art.
259º do CPC, já que entendeu que lhe não cumpria dirimira questão colocada em
torno da indispensabilidade da notificação mediante escrito dactilografado do
teor da decisão precedentemente impugnada; e, por outro lado, assentou, como
“ratio decidendi”, na invocação do regime contido no art. 668º, nº 3, do CPC,
norma que o recorrente nem sequer tratou de incluir no requerimento de
interposição do recurso, de fls. 34.».
4 – Os despachos judicialmente reclamados dizem o seguinte:
– despacho que indeferiu a reclamação deduzida nos termos do art.
688º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC):
«I. Os requerentes A. e outros, fundados em ofensa de caso julgado e em oposição
de acórdãos, recorreram para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa, confirmativo da decisão da 1ª instância, que julgara
improcedente a providência cautelar por eles requerida.
Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido, por
entender que os ora reclamantes, ao terem arguido a nulidade do acórdão em vez
de recorrerem directamente para o S.T.J., esgotaram esse direito. Acrescenta que
o recurso também não podia ser admitido por ser extemporâneo.
Desse despacho reclamam os recorrentes, sustentando que o recurso é admissível
nos termos do art. 678º, nºs 2 e 4 do CPC, porquanto existe ofensa de caso
julgado e oposição de acórdãos e ainda que o recurso foi tempestivamente
interposto, uma vez que o prazo para a sua interposição se conta a partir da
notificação da cópia dactilografada do acórdão de que se pretende recorrer.
Invocam também a inconstitucionalidade dos arts. 259º, 685º, nº 1 e 689º, do
CPC.
A parte contrária pugna pelo improvimento da reclamação.
II Cumpre apreciar e decidir.
Os ora reclamantes, após a prolação do acórdão da Relação de Lisboa proferido em
09.12.03, vieram arguir em 05.01.2004 a nulidade do mesmo, a qual foi indeferida
pelo despacho de 01-02-05.
Em 26.01.2005, apoiados na notificação em 21.01.2005 de cópia dactilografada do
referido acórdão, vieram dele interpor recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça.
Sendo assim as coisas, impõe-se averiguar se o acórdão em crise já transitou ou
não em julgado.
Liminarmente refere-se que, tendo sido arguida a nulidade do acórdão após a
notificação da sua cópia manuscrita, não procede a alegação de que o prazo para
a interposição do recurso se começa a contar do momento em que ocorreu a
notificação da sua cópia dactilografada.
Da arguição de nulidade resulta que a cópia manuscrita foi inteiramente
compreendida sem qualquer tipo de ambiguidade.
Mais: o pedido de cópia dactilografada solicitada pelos ora reclamantes
tinha-lhes, sido indeferido por despacho de fls. 664, apoiado no facto de já
terem reagido contra o referido acórdão de 09.12.03.
Com efeito, os reclamantes só foram notificados da referida cópia, como se diz
no despacho reclamado, por mero lapso do funcionário, uma vez que o mesmo pedido
tinha sido deferido no respeitante a um dos intervenientes no processo.
Posto isto vejamos.
No Código de 1939, as partes não podiam servir-se do recurso para suprir
directamente as nulidades de sentença; tinham que argui-las perante o tribunal
que as cometera por meio de reclamação e só depois a decisão aí proferida era
passível de recurso.
O Código actual abandonou esse regime, dispondo hoje o art. 668º, nº 3 do CPC
que 'as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) só podem ser arguidas perante
o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no
caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades…'.
Pretendeu-se assim evitar o retardamento do trânsito em julgado; daí, se a parte
tiver arguido a nulidade do acórdão perante o tribunal que o proferiu, já não
pode depois impugná-lo pela via do recurso.
Donde, a impugnação por esta via dever efectuar-se no prazo de 10 dias a contar
da notificação do acórdão a que se assaca uma nulidade.
Atendendo que os ora reclamantes se consideram notificados do aludido acórdão em
22 de Dezembro de 2003 e o recurso em causa foi apresentado no dia 26 de Janeiro
de 2005, decorre que o referido prazo legal foi excedido, pelo que a
interposição do referido recurso foi claramente intempestiva.
Isto, sem prejuízo de se reconhecer que, em conformidade com o atrás exposto, o
recurso ficou inviabilizado no momento em que os ora reclamantes arguíram a
nulidade do acórdão perante o tribunal que o proferiu.
Por último, os arts. 685º, nº 1 e 689º do CPC, não são inconstitucionais quando
interpretados, o primeiro, no sentido de que o recurso interposto para este
Supremo Tribunal foi extemporâneo, por o prazo para a sua interposição se contar
a partir da notificação da cópia manuscrita do acórdão, por a mesma ser
perfeitamente legível, e, o segundo, no sentido de que a extemporaneidade da
apresentação do requerimento de interposição de recurso conduz à improcedência
da reclamação deduzida, contra o despacho que não admitiu esse recurso.
No respeitante à inconstitucionalidade imputada ao art. 259º, do CPC refere-se
que não podemos dela conhecer, uma vez que não foi aplicada no despacho que não
admitiu o recurso.
III. Nestes termos, com prejuízo do conhecimento das demais questões suscitadas,
indefere-se a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes.
Notifique.».
– despacho que indeferiu o pedido de reforma do anterior despacho:
«I Os requerentes A. e outros vieram requerer a reforma da decisão que indeferiu
a sua reclamação, onde além de repetirem tudo o que já tinham dito na
reclamação, dizem também que a referida decisão foi omissa sobre diversas
questões surgidas neste processo.
II. Cumpre decidir.
A reforma da sentença ou da decisão de mérito, ora permitida pelo nº 2 do art.
669º do CPC, tem como pressuposto a existência de manifesto lapso do julgador
(como claramente referem as duas alíneas desse número).
Ora, não há qualquer lapso, que, aliás, nunca seria manifesto.
A competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça quando aprecia as
reclamações, nos termos do arts. 688º e 689º do CPC, apenas se cinge às questões
da admissibilidade e da retenção do recurso.
Assim, não faz assim sentido suscitar-se e pretender-se que se decidam no âmbito
da reclamação outras questões para além daquelas.
E nesse âmbito tomámos em consideração todos os elementos necessários para a
decisão da reclamação.
Com efeito, não nos cabe conhecer de todas as vicissitudes acontecidas no
processo, como pretendem os requerentes.
Neste contexto iremos apenas precisar algumas das afirmações feitas no
requerimento onde se solicita a reforma.
O despacho do tribunal a quo que indeferiu a arguição de nulidades foi
proferido, como se diz no despacho que conheceu da reclamação, em 1.2.2005, fls.
122 verso (manuscrito) e 124 (dactilografado), onde se lê na parte final 'assim
indefere-se o requerimento de fls. 584 - arguição de nulidades'. Se tal
indeferimento foi por despacho e não por acórdão é algo que como acima se disse,
não cabe cuidar em sede de reclamação.
No que concerne à notificação do acórdão proferido em 9.12.2003, ela ocorreu de
facto em 18.12.2003, conforme documento junto a fls. 43; daí considerar-se a
parte dele notificado em 22.12.2003
E, ainda, no respeitante à alegação de que o despacho de não admissão do recurso
aplicou a norma constante do art. 259º do CPC, é algo que não corresponde à
verdade, como se pode ler a fls. 123 (manuscrito) e 125 (dactilografado).
III. Pelo exposto indefere-se a requerida reforma.
Custas pelos requerentes, com a taxa de justiça de 3 UC.
Notifique.».
5 – Destes despachos, o ora reclamante interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional, através de requerimento do seguinte teor:
«Com efeito, em ambos os referenciados Despachos foram aplicadas normas
previamente arguidas de inconstitucionalidade.
Tais normas foram identificadas logo no Requerimento inicial, como extraídas dos
arts. 259º, 685º, nº 1, e 689º, na 1, do CPC. As duas primeiras já aplicadas
pelo Relator no seu Despacho de fls. 752 dos autos principais, ora a fls. 123, a
última prevenindo a hipótese da sua aplicação nos Doutos Despachos ora
impugnados.
Para efeito do disposto no art. 75º-A da LTC, impõe-se dizer o seguinte:
1. Sobre a questão geral do objecto do recurso de constitucionalidade
1.1. No dizer do Prof. Gomes Canotilho, objecto do recurso é a 'norma,
interpretativamente mediatizada pela decisão recorrida, porque a norma deve ser
apreciada no recurso segundo a interpretação que lhe foi dada na decisão'
(Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª ed. Coimbra, 2002, p. 981).
Sublinhado da ora Recorrente.
1.2. No dizer do Conselheiro Mota Pinto, as normas não existem na prática a não
ser na interpretação com que foram aplicadas (Ac. Tc. Nº 196/2003, DR II Série,
de 16.10.2003).
1.3. No dizer da Conselheira Maria Fernanda Palma, a distinção entre norma e
decisão não é material, mas lógica, e depende, sobretudo, da perspectiva em que
se entende e descreve uma concreta interpretação jurídica (cf. citado Ac do TC).
1.4. No dizer do Conselheiro Mário Torres, quando das disposições legais em
causa se podem extrair diferentes proposições normativas ou diferentes
interpretações, devem ser tomadas como objecto de verificação de
constitucionalidade as normas aplicadas de acordo com o sentido normativo
decisivamente aceite e aplicado pelo tribunal recorrido (cf. citado Ac. do TC).
1.5. Segundo o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 612/94 (DR II Série, de
11.1.1995, o Tribunal Constitucional vem entendendo, numa jurisprudência
longamente firmada, que invocar a inconstitucionalidade de uma dada
interpretação de certa norma jurídica é invocar a inconstitucionalidade da
própria norma, nessa interpretação.
1.6. Na interpretação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, feita pelo
Prof. Vital Moreira, a questão de constitucionalidade tanto pode respeitar a uma
norma (ou parte dela) como também à interpretação ou sentido com que foi tomada
no caso concreto e aplicada (ou desaplicada) na decisão recorrida, ou mesmo a
norma “construída” pelo juiz recorrido, a partir da interpretação ou integração
de várias normas textuais (desde que estas sejam devidamente identificadas).
Para o efeito o Ilustre Professor apoia-se em vários acórdãos do TC, citando,
entre vários outros, os nºs 106/92, 151/94, 507/94, 612/94, 243/95, 829/96,
205/99, 655/99 e 383/2000 (cf. BFDUC, Vol. Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 846).
2. No caso dos autos, escreveu o Relator no Despacho reclamado (se bem se
decifra a respectiva caligrafia), confirmado pelos Doutos Despachos dessa
Veneranda Presidência: NÃO SE ORDENANDO A REPETIÇÃO DA NOTIFICAÇÃO ÀS
AGRAVANTES, NÃO PODERIAM INTERPOR RECURSO POIS ELAS SABIAM QUE TAL REPETIÇÃO DA
NOTIFICAÇÃO LHES HAVIA SIDO INDEFERIDA.
Este entendimento dos factos processuais ocorridos nos autos, resulta da
aplicação do art. 259º do CPC, conjugado com o disposto no art. 685º, nº 1, do
mesmo Código, em dimensão normativa inconstitucional já anteriormente arguida.
Vejamos os momentos em que tal dimensão normativa foi aplicada nos autos:
2.1. Por cópia dactilografada do Despacho de fls. 664, deferida por Despacho de
20.12.2004, notificada por ofício de 10.1.2005, ficou a ora Recorrente a saber
ter sido decidido o seguinte:
a) Deferir o requerimento da Agravada B. a fls. 583, em que esta alega
dificuldades na leitura do acórdão de 9.12.2003, a fls. 566-574, e pede se digne
o Relator ordenar a repetição da notificação através de cópia dactilografada;
b) Indeferir o requerimento da ora Recorrente, com o mesmo fundamento e no mesmo
sentido, sob pretexto de não ter fundamento legal pois tomara conhecimento dele
pois só assim podia ter reagido contra ele.
c) Porém, se passarem pela Secção de processos, poderão obter cópia dactilografa
que pretendem como requerido (este requerido é de 6.1.2004, a fls. 593).
A decisão referida em b) consubstancia aplicação da norma do art. 259º do CPC,
com dimensão normativa inconstitucional, conforme suscitado já a fIs. 668/9.
2.2. No dia 21 de Janeiro de 2005, o mandatário da ora recorrente, compareceu na
dita Secção, e aí foi notificado do acórdão de 9.12.2003 como requerido, mas por
termo nos autos em vez de registo postal.
2.3. Entretanto, por requerimento de fls. 668/9, fora arguida a
inconstitucionalidade do art. 259º do CPC, ao pedir-se cópia legível do Despacho
de fls. 664. Tendo este requerimento sido deferido por Despacho de 20.12.2004, a
fls. 695.
2.4. O Despacho de não admissão do recurso, a fls. 752, fundamenta-se no facto
de o Despacho de fls. 664 ser de indeferimento do requerimento de 6.1.2004, a
fls. 593, e de a notificação feita por termo nos autos, ser devida a lapso do
funcionário (cf. linhas 4 e 5 de fls. 752, reproduzida a fls. 125 dos presentes
autos).
Este Despacho aplica, pois, salvo o devido respeito por opinião em contrário, o
art. 259º do CPC quer quando considera prevalecente a decisão referida na alínea
b) supra, quer quando considera que a notificação de 21.1.2005, feita por termo
nos autos, se deveu a lapso do funcionário.
2.5. O Despacho de fls. 752, ao declarar extemporâneo o requerimento de
interposição de recurso junto aos autos 5 dias após a notificação por termo nos
mesmos, do acórdão de fIs. 566-574, volta a fazer aplicação do art. 259º do CPC,
em dimensão normativa inconstitucional, na medida em que conta o prazo de 10
dias consignados na lei para interposição de recurso, de uma 'notificação' de
fotocópia não legível do acórdão recorrido.
2.6. Assim, também a dimensão normativa com que foi aplicado o art. 685º, nº 1,
do CPC, é inconstitucional na medida em que a 'notificação' nele referida, sendo
a do art. 259º em dimensão normativa inconstitucional, padece do mesmo vício.
2.7. Também os Despachos ora impugnados fazem aplicação da norma do art. 259º do
CPC, com a mesma dimensão normativa inconstitucional.
O de 31.3.2005, ao assumir o julgamento de que a cópia manuscrita do acórdão de
9.12.2003, é 'perfeitamente legível' (cf. fls. 167).
O de 6.5.2005, ao exarar: No que concerne à notificação do acórdão proferido em
9.12.2003, ela ocorreu de facto em 18.12.2003, conforme documento junto a fls.
43; daí considerar-se a parte dele notificado em 22.12.2003.
3. As normas, no sentido referido em 1, cuja inconstitucionalidade se pretende
que o Tribunal Constitucional aprecie, são pois, as dos arts. 259º e 685º, nº 1,
conjugadamente interpretadas, e a do art. 689º, nº 1, 1ª parte, todas do CPC.
Tais normas violam as normas e os princípios dos arts. 2º, 20º, nºs 1 e 4, da
Constituição, conforme arguido a fls. 668/9, reproduzido a fIs. 54/5, a fls. 4 e
8/9 da Reclamação do art. 688º do CPC, e na Reclamação do Despacho proferido
sobre aquela.».
6 – Tal requerimento mereceu o seguinte despacho, ora reclamado, de
não conhecimento do “requerimento da interposição dos recurso para o Tribunal
Constitucional”:
«Recorrem os reclamantes A. e outros para o Tribunal Constitucional do despacho
que indeferiu o pedido de reforma do que lhes indeferiu a reclamação contra a
não admissão do recurso do acórdão da Relação de Lisboa que confirmara uma
decisão da 1ª instância que julgara improcedente uma providência cautelar.
Conforme decisões anteriores (reclamações 4670-04-6 e 580-A/05-4), temos
entendido que a competência do presidente do tribunal ad quem conferida pelo
art. 688º do CPC, tal como decorre desse dispositivo legal e dos princípios
gerais que enformam o nosso processo civil, limita-se, e a isso se cinge
rigorosamente, às questões da admissibilidade dos recursos do seu momento de
subida.
Exercendo tal competência - por alguns considerada inconstitucional por se não
tratar, em rigor, de actividade jurisdicional - não deve o presidente
observância a rígidos critérios legais, mas antes, em atitude prudencial,
avaliar, casuisticamente, sobre se a questão da admissibilidade ou da subida
imediata dos recursos, deve ser apresentada perante e decidida pelo tribunal
superior.
É que as decisões do Presidente, quando favoráveis ao reclamante, nunca são
definitivas cabendo, sempre, a última palavra à conferência no tribunal superior
(art. 689º nº 2 do CPC).
Não tem, pois, cabimento suscitar-se e pretender que se decidam, pelo presidente
do tribunal ad quem, no âmbito da competência que lhe confere o referido o art.
688º, outras questões para além das a admissibilidade ou do momento de subida
dos recursos.
Daí que, uma vez que foram já proferidas decisões de indeferimento da reclamação
contra o despacho que não admitiu o recurso do acórdão da Relação que confirmou
a sentença que julgou improcedente um procedimento cautelar, e do requerimento
para reforma deste despacho, nenhuma outra questão poderá, neste âmbito
suscitar-se, nomeadamente, e sem embargo do disposto na al. b) do art. 70º da
Lei 28/82 de 15/11, a da admissibilidade de recurso para o Tribunal
Constitucional
Na verdade, a resposta positiva à questão da admissibilidade ou da subida
imediata só se consolida após a conferência, no tribunal superior que, de forma
explícita ou implícita, a confirmar.
A resposta negativa tem, por sua vez, o efeito de consolidar a decisão proferida
no tribunal a quo que não admitiu (ou reteve) o recurso
Assim, a admissibilidade dos recursos agora interpostos para o Tribunal
Constitucional, terá que ser apreciada no tribunal a quo e terá de sê-lo da
decisão aí proferida de inadmissibilidade pois, só a partir do nosso despacho de
indeferimento da reclamação, aquela se consolidou.
Nestes termos, não se conhece do requerimento da interposição dos recursos para
o Tribunal Constitucional.
Custas pelos requerentes.».
B – Fundamentação
7 – Objecto da reclamação, para o Tribunal Constitucional, é o
despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu “não conhecer
do requerimento de interposição dos recursos para o Tribunal Constitucional”,
acabado de transcrever (n.º 6), com base nos fundamentos nele aduzidos,
traduzidos, em síntese, no entendimento de que, face ao respectivo objecto, tal
decisão incumbiria ao tribunal a quo.
E a primeira questão que aqui se coloca é a de saber se, não tendo
esse despacho indeferido o requerimento de interposição de recurso dos despachos
que indeferiram a reclamação deduzida nos termos do art. 688º, n.º 1, do CPC, ou
retido a sua subida, mas apenas declarado não conhecer daquele requerimento de
interposição do recurso, poderá o mesmo ser impugnado por via da reclamação
prevista no n.º 4 do art. 76º da LTC.
Ora, a resposta não pode deixar de ser afirmativa. Ao definir o
âmbito das hipóteses dos despachos de que cabe reclamação para o Tribunal
Constitucional, o n.º 4 do art. 76º da LTC refere-se apenas ao “despacho que
indefira o requerimento de interposição do recurso ou retenha a sua subida”. O
despacho em causa não estatuiu explicitamente qualquer destes efeitos: não
admissão do recurso interposto ou retenção da sua subida.
Certo é, todavia, que o efeito jurídico-prático decorrente do
entendimento em que se apoia o despacho reclamado – e construído sobre o
equívoco de que objecto de recurso, para o Tribunal Constitucional, é o despacho
proferido pelo tribunal a quo para ele reclamado e não os referidos despachos
por ele proferidos – acaba por se equivaler a uma não admissão do recurso até
que o pudesse ser, e pressupondo que o mesmo o viesse a ser pelo tribunal a quo
ou, pelo menos, a uma retenção do recurso.
Assim sendo, não pode uma tal situação fáctica deixar de integrar a
hipótese recortada no referido n.º 4 do art. 76º da LTC.
Deste modo, impõe-se decidir da reclamação.
8 – Decorre dos nºs 1, alínea b), 2 e 3, todos do art. 70º da LTC,
que cabe recurso, para o Tribunal Constitucional, das decisões dos tribunais
“que não admitam recurso ordinário por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados à fixação de
jurisprudência” que “apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo”, sendo equiparadas a recursos ordinários as
reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não
admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos
juízes relatores para a conferência”.
Assim sendo, e tratando-se, seguramente, o despacho que decidiu a
reclamação deduzida para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça nos termos
do art. 688º, n.º 1, do CPC, bem como o despacho que indeferiu o pedido da sua
reforma, de decisões dos tribunais, conquanto proferidas por um órgão
jurisdicional unipessoal, elas são objectivamente recorríveis para o Tribunal
Constitucional.
Nada obsta, no campo da admissibilidade objectiva geral dos recursos
para o Tribunal Constitucional, que um tal recurso fosse admitido.
9 – Verifica-se, todavia, a falta de outros pressupostos específicos
do recurso que impedem a sua admissibilidade e cujo conhecimento, atentos os
poderes de reexame da questão da não admissão do recurso, este Tribunal
Constitucional poderá conhecer.
Segundo a jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, constituem
pressupostos específicos do recurso interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do art. 70º da LTC, que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie tenha constituído a ratio decidendi da decisão
ou o fundamento normativo do seu próprio conteúdo, nisso se traduzindo a
aplicação em concreto da norma, e que a questão de inconstitucionalidade tenha
sido suscitada, em tempo e por modo funcionalmente adequado, para que o tribunal
recorrido pudesse conhecer dela.
Cabe, por outro lado, acentuar, que o objecto desse recurso constitucional só
pode ser constituído por normas jurídicas que tenham constituído ratio decidendi
da decisão (cf., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96,
publicado no Diário da República II Série, de 15 de Maio de 1996, e J. J. Gomes
Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p.
821). O recurso de constitucionalidade, tal como foi gizado pelo legislador
constitucional – com natureza instrumental e relativamente a normas jurídicas -
tem em vista o controlo da conformidade com a Constituição (as normas e
princípios constitucionais) das normas jurídicas que tenham sido convocadas como
suporte normativo da concreta decisão proferida.
Sendo assim, estão arredados do objecto do recurso os outros actos admitidos na
ordem jurídica, embora estes façam aplicação directa das normas e princípios
constitucionais, como acontece com as decisões judiciais (sentenças e
despachos), os actos administrativos e os actos políticos.
Deste modo, não pode, no recurso de constitucionalidade, sindicar-se a correcção
jurídica da sentença, no que concerne à aplicação que a mesma faça directamente
das normas de direito infraconstitucional e das normas e princípios
constitucionais. A violação directa das normas e princípios constitucionais pela
decisão judicial, atenta a circunstância de não vigorar entre nós o meio
constitucional do recurso de amparo, apenas pode ser conhecida no plano dos
recursos de instância previstos na respectiva ordem de tribunais.
Já relativamente ao ónus de suscitação, a questão tem que ver com o sistema de
fiscalização concreta de constitucionalidade das normas que a nossa Lei
Fundamental adoptou, de controlo difuso por via do recurso (cf. Cardoso da
Costa, “A jurisdição constitucional em Portugal”, in Estudos em homenagem ao
Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de
Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss.).
Torna-se, pois, necessário que a questão de inconstitucionalidade tenha sido
suscitada durante o processo. A suscitação durante o processo tem sido
entendida, de forma reiterada pelo Tribunal, como sendo a efectuada em momento
funcionalmente adequado, ou seja, em que o tribunal recorrido pudesse dela
conhecer por não estar esgotado o seu poder jurisdicional (cfr., entre outros,
os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário da República II Série, de 17 de
Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pp. 663; n.º
374/00, publicado no Diário da República II Série, de 13 de Julho de 2000,
Boletim do Ministério da Justiça – BMJ – 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 47º vol., p.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II
Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 45º vol., p.559; n.º 155/00, publicado no Diário da República II
Série, de 9 de Outubro de 2000).
Mas, por outro lado, o ónus de suscitação da constitucionalidade, durante o
processo, tem ainda uma outra vertente. É que a questão de constitucionalidade
da norma, cuja apreciação se requer ao Tribunal Constitucional por via do
recurso tem de ser colocada ao tribunal recorrido, em termos de este saber que
tem que apreciar e decidir essa concreta questão de constitucionalidade, o que
implica, que a questão seja colocada ao tribunal recorrido em termos
perceptíveis (cfr., acórdão n.º 178/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 30º vol., p. 1118). A este respeito, escreveu-se no acórdão n.º
560/94 (publicado no Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995) que
«a exigência de um cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e
processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é [...] “uma
mera questão de forma secundária”.
É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva
pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal
Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da questão (e
não a um primeiro julgamento de tal questão».
Deste modo, a questão de constitucionalidade tem de ser colocada, ao tribunal
recorrido, em termos de este saber que tem essa concreta questão de
constitucionalidade para resolver. Donde resulta que o questionante tenha de
colocar, em termos perceptíveis, qual a concreta questão de normatividade
jurídica cuja validade constitucional controverte.
Nesta linha, importa reconhecer que não basta, pois, que se indique a norma que
se tem por inconstitucional, antes é necessário que se problematize a questão de
validade constitucional da norma (dimensão normativa) mediante a alegação de um
juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa/critérios normativos
aplicados e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais) tidos por pertinentes,
indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma
sindicanda viola ou afronta, de modo a possibilitar (e obrigar) o tribunal a quo
a conhecer da questão de constitucionalidade.
E note-se que os termos em que essa questão é colocada se tornam verdadeiramente
essenciais na perspectiva do recurso de constitucionalidade para o Tribunal
Constitucional. É que se é certo que este pode conhecer da questão de
inconstitucionalidade normativa, já não tem competência para conhecer da
inconstitucionalidade da decisão judicial em si própria. A violação directa das
normas e princípios constitucionais pela decisão judicial apenas pode ser
conhecida no plano dos recursos previstos na respectiva ordem de tribunais.
10 – Ora, no caso em apreço, verifica-se que os despachos recorridos
não aplicaram a norma constante do art. 259º do CPC, cuja inconstitucionalidade
o reclamante pretende ver apreciada no recurso, “já que entendeu que não lhe
cumpria decidir a questão colocada em torno da indispensabilidade da notificação
mediante escrito dactilografado do teor da decisão precedentemente impugnada”.
Tal norma não constituiu, pois, ratio decidendi ou fundamento normativo da
decisão e, como tal, não pode constituir objecto idóneo do recurso de
constitucionalidade. A ratio decidendi assentou na invocação do regime contido
no art. 668º, n.º 3, do CPC, sendo que essa norma não se acha incluída no
objecto do recurso de constitucionalidade delineado pelo recorrente.
Por outro lado constata-se que o reclamante não suscitou, em termos
processualmente adequados, como acima se precisou, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa relativa às normas, que ora pretende impugnar
constitucionalmente, nos seus requerimentos de dedução da reclamação dirigida,
ao abrigo do disposto no art. 688º, n.º 1, do CPC, ao Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça e de formulação do pedido de reforma da decisão que recaiu
sobre essa reclamação.
Como bem nota o Ministério Público, “para tal seria essencial que
tivesse especificado, em termos claros e inteligíveis, qual a concreta dimensão
normativa que considerava aplicada na decisão recorrida (ou sua ratio
decidendi), em vez de se limitar a descrever e enumerar as vicissitudes
processuais ocorridas”.
Deste modo, pese embora a admissibilidade, em termos objectivos, de
interposição de recurso das decisões pretendidas recorrer (decisão que indeferiu
a reclamação formulada ao abrigo do disposto no art. 688º, n.º 1, do CPP, e da
que decidiu, indeferindo-o o pedido de reforma da mesma decisão), o recurso não
poderá ser admitido por falta dos referidos pressupostos específicos.
C – Decisão
11 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 4 de Outubro de 2005
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos