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Processo n.º 149/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por decisão datada de 18 de Março de 2003, o Capitão do Porto da Figueira da Foz condenou A. na coima de €600 e na sanção acessória de perda a favor do Estado de equipamento de mergulho apreendido, por, no dia 23 de Julho de 2002, estar a exercer actividade de mergulho, com equipamento de respiração autónoma, no braço sul do Rio Mondego, local onde tal actividade é interditada pelo n.º 1 do artigo 40º do Edital n.º 1/2001, revisto em 12 de Novembro de 2001, da Capitania do Porto da Figueira da Foz, infracção punível nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 45/2002, de 2 de Março. Inconformado com esta decisão, o arguido interpôs recurso de impugnação judicial para o Tribunal Marítimo de Lisboa, alegando, em síntese, a ilegalidade e a inexistência da referida norma do artigo 40º do Edital n.º 1/2001, da Capitania do Porto da Figueira da Foz, “por emanar de órgão incompetente para a sua criação”, bem como a sua inconstitucionalidade, “por ter sido criada por órgão sem competência legislativa para tal fim”. Alegou, ainda, que tal norma
“caducou, por força da revogação do Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de Julho, ao abrigo da qual foi criada”. E defendeu que “o montante da coima fixado é excessivo” e que “não se verificam os pressupostos de aplicação da sanção acessória constantes da decisão recorrida”, que tem por “excessiva e desproporcionada”. Por sentença datada de 6 de Outubro de 2003, decidiu aquele Tribunal manter
“integralmente a decisão recorrida quanto à coima e sanção acessória aplicadas ao arguido”, desatendendo todos os fundamentos invocados por aquele.
2.O recorrente interpôs então novo recurso, agora para o Tribunal da Relação de Lisboa, reforçando os argumentos avançados no anterior recurso de impugnação. Este recurso não foi, porém, admitido, por extemporâneo, com os seguintes fundamentos:
«1. A audiência de julgamento do presente recurso de contra-ordenação foi realizada no passado dia 29 de Setembro de 2003. O arguido renunciou expressamente a estar presente na referida audiência e fez-se representar pelo Ilustre Mandatário constituído nos autos. Nesta audiência foi designado o dia 6 de Outubro de 2003 para efeito de leitura de sentença, disso tendo ficado ciente o Ilustre Mandatário do arguido. A sentença foi lida no passado dia 6 de Outubro de 2003 na ausência do arguido e do seu Ilustre Mandatário que não compareceram. O arguido veio interpor recurso da referida sentença no dia 30 de Outubro de
2003 (data do carimbo de entrada).
2. O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste – art. 74.º/1 do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro. A ausência (não presença) do arguido referida nesta norma tem de entender-se como a ausência decorrente do desconhecimento da realização da audiência e do momento da decisão final. A referida ausência não pode decorrer de um acto de vontade de não presença ou de não representação na data expressamente designada para o acto de leitura de sentença.
“Assim, em processo de contra-ordenação, no caso de o arguido ou o seu Advogado não comparecerem à leitura da sentença, ainda que devidamente notificados para tal, o prazo para recorrer inicia-se na data da respectiva leitura. O arguido, representado pelo seu Ilustre Advogado, sabia perfeitamente a data da leitura da decisão e podia (teve tempo) para se informar do resultado para reagir contra a sentença” – cfr. despacho do Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 29 de Abril de 2003, in CJ, 2003, tomo II. A interpretação concedida ao art.º 74.º/1 do DL n.º 433/82 é a única que atribui algum efeito útil ao acto processual de leitura de sentença em sede de processo de contra-ordenação quando a respectiva data é previamente comunicada ao arguido ou seu advogado.
3. No caso concreto, o arguido apenas poderia interpor recurso até ao dia 21 de Outubro de 2003 (3.º dia útil subsequente ao termo do prazo) e acabou por o apresentar para além desta data. A notificação da sentença realizada pela Secção nesta data não apresenta qualquer relevância na medida em que não pode fazer nascer um novo prazo para recorrer.» Notificado do teor deste despacho, o recorrente apresentou reclamação junto do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, dizendo:
«1 – Salvo o maior respeito por diferente entendimento, crê o recorrente que a norma do artigo 74°, n.° 1, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, impõe que ao arguido em processo contra-ordenacional seja dado conhecimento por notificação da sentença proferida no processo;
2 – Tal conhecimento tem de ser efectivo, ou seja, ao arguido, pessoalmente ou na pessoa do seu mandatário, tem de chegar o conhecimento quer d[a] decisão, quer dos seus fundamentos, só aí se podendo ter por efectuada a notificação;
3 – Faltando quer o arguido, quer o seu mandatário à leitura da sentença, deve a mesma ser notificada ao arguido e ao seu mandatário, apenas se contando o prazo para interposição do recurso desta notificação.
4 – Ao arguido deve ser dado conhecimento da sentença, não lhe devendo ser imposta a obrigação processual de procurar tal conhecimento, tanto mais que se prevê que deva ser notificado desta caso não esteja presente ou representado no acto da leitura (só esta interpretação permite concluir pela tutela do mais amplo direito de defesa que lhe assiste como arguido).
5 – Diferente é a solução por vezes tem sido adoptada no âmbito do processo penal. E com razão.
É que aí, faltando o arguido ou o seu mandatário, os interesses do primeiro estão sempre salvaguardados por defensor nomeado para o acto, pelo que, pelo menos formalmente, é dado conhecimento do teor da sentença a alguém que representa os interesses do arguido e que sobre eles se pode pronunciar, por um lado, e por outro, assegurar que o acto cumpre os requisitos necessários à salvaguarda dos direitos do arguido. Por falta desta obrigatoriedade de defensor, tal solução não pode ser transportada para o processo contra-ordenacional, sob pena de violação dos mais elementares direitos de defesa do arguido e do seu direito de acesso à Justiça.
[6] – No caso dos autos - processo de contra-ordenação - o arguido não esteve presente na leitura da sentença, nem estava notificado para tal acto;
[7] – Também ali não compareceu o seu mandatário.
[8] – Por tal razão, deveria a secretaria ter notificado de imediato a decisão ao arguido e ao mandatário, apenas se contando o prazo para interposição do recurso desde a data da notificação, por só então dispor o arguido dos elementos necessários à ponderação acerca da melhor ou pior bondade da decisão e, logo, da decisão de com ela se conformar ou dela recorrer.
[9] – A leitura da decisão na ausência do recorrente ou do seu mandatário, contrariamente ao que [é] entendimento manifestado no douto despacho reclamado, tem, pelo menos, o efeito útil de comunicação ao Ministério Público (que ali parece ser olvidado como sujeito processual).
[10] – Acresce que, pelas razões aduzidas na motivação do recurso, a douta sentença recorrida deve ter-se por inexistente, por proferida por órgão incompetente para a proferir, maculando todo o seu ulterior processado.
[11] – Com o maior respeito pela posição antes adoptada por Vossa Excelência e manifestada como fundamento no douto despacho reclamado, crê o recorrente que é inconstitucional a norma do art.º 74°, n.° 1, do DL 433/82 referida, se interpretada no sentido adoptada no douto despacho recorrido, por violar a norma do art.º 20°, n.° 1, e 32°, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.
[12] – Ao arguido é limitado de forma intolerável o seu direito de defesa se pelo tribunal não lhe é dado efectivo conhecimento da sentença - a si ou a quem o represente - por forma a permitir-lhe conhecer a decisão e respectiva fundamentação, sendo indiferente se o arguido podia ou não ter conhecido a sentença. O arguido tem o direito a ser notificado da sentença e não a obrigação de ir conhecer a sentença, enquanto facto limitativo do seu direito de recurso.
[13] – Por isso, o prazo de que dispõe para recorrer apenas pode ter-se por iniciado a partir da data em que lhe tenha sido dado o conhecimento efectivo da decisão, por si ou pelo menos por intermédio do seu mandatário, contando-se tal prazo a partir da notificação de tal decisão. Assim sendo, o recurso foi interposto dentro dos dez dias seguintes à data da notificação da decisão efectuada via postal pelo Tribunal Marítimo de Lisboa, pelo que não é extemporânea a sua interposição.» O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu a reclamação apresentada, concluindo, como no despacho recorrido, pela manifesta extemporaneidade do recurso interposto para aquele Tribunal, com as seguintes considerações:
«A audiência de julgamento realizou-se sem a presença do arguido, uma vez que, conforme dispõe o artigo 67° do Decreto Lei n.º 432/82, de 27 de Outubro, o arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos. Nos casos em que o juiz não ordene a presença do arguido este poderá fazer-se representar por advogado com procuração escrita (n.º 2 do mesmo artigo). Dispõe o n.º 1 do artigo 74° do mesmo diploma, com a redacção dada pelo artigo
1° do Decreto Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, que o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste. Na interpretação deste artigo devemos observar o disposto no n.º 1 do artigo
411° do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do disposto no artigo 41°, n.º
1, do Decreto-Lei n.º 433/82, com a excepção dos prazos, cujo texto é o seguinte:
“1. O prazo para interposição do recurso (...) conta-se a partir da notificação da decisão ou tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria. No caso de decisão oral reproduzida em acta, o prazo conta-se da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever-se considerar presente”. Ora, é precisamente a situação inicial prevista na norma que ocorre no caso dos autos, o arguido foi regularmente notificado da data da audiência, requerendo a sua dispensa, embora não fosse obrigatória a sua presença, fez-se representar por advogado constituído. Do despacho que designou o dia 6 de Outubro de 2003, para a leitura de sentença, foi devidamente notificado o ilustre mandatário do arguido. O facto de nem o arguido nem o seu ilustre mandatário constituído se encontrarem presentes na leitura de sentença é irrelevante uma vez que a notificação a que se refere a última parte do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82 apenas releva para a hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/04/2002, com acesso ao sumário via Internet, alojado no endereço http:/ /www.dgsi.pt/jtrp). Com efeito, devendo o interessado considerar-se presente, o prazo para interposição da sentença conta-se da data em que tiver sido proferida, pois, a notificação da sentença apenas é relevante para os casos em que o arguido não tem qualquer hipótese de saber a data em que foi proferida. Assim, tendo sido proferida sentença em 06/10/2003, e tendo o recurso sido interposto em 30/11/2003, é forçoso concluir pela sua manifesta extemporaneidade.»
3.Inconformado com esta decisão, veio o recorrente dela interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo
70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, quando interpretada no sentido de que
“se notificado [o arguido] na pessoa do seu mandatário do dia designado para leitura da sentença, o prazo para interposição de recurso conta-se a partir da data em que seja feita a sua leitura em sede de audiência, esteja ou não presente o arguido ou alguém que o represente, independentemente de o arguido ter ou não o efectivo conhecimento dos fundamentos e decisão proferidos”. O recorrente entende que tal entendimento viola as normas dos artigos 20º, n.º 1, e 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa. Notificado para produzir alegações, o recorrente concluiu dizendo:
«1.º Relativamente à norma do art.º 74°, n.° 1, do DL n.º 433/82, o Tribunal recorrido adoptou o entendimento de que, se notificado [o arguido] na pessoa do seu mandatário do dia designado para leitura da sentença, o prazo para interposição de recurso conta-se a partir da data em que seja feita a sua leitura em sede de audiência, esteja ou não presente o arguido ou alguém que o represente, independentemente de o arguido ter ou não o efectivo conhecimento dos fundamentos e decisão proferidos.
2.° Para o exercício do direito ao recurso é imprescindível que o arguido tenha o efectivo conhecimento dos fundamentos e decisão da sentença.
3.° Para o exercício do acesso ao Direito e aos Tribunais é imprescindível que o arguido conheça as razões de facto e de direito da decisão que o condene, para assim poder livre e esclarecidamente optar pela via judiciária que melhor acautele os seus direitos de defesa.
4.° Em processo contra-ordenacional, o conhecimento efectivo das razões de facto e de direito da sentença judicial e da sua decisão são um Direito do arguido, que se sobrepõem ao Dever do seu conhecimento pelo arguido.
5.° A norma do art.º 74°, n.° 1, referida, se interpretada no sentido adoptado pelo tribunal recorrido, comprime de forma injustificada e desproporcionada o direito do arguido à Defesa e ao acesso ao Direito e aos Tribunais e é inconstitucional por violar as normas dos art.ºs 20º, n.° 1, e 32°, n.° 10, da Constituição da República Portuguesa.
6.° A norma do art.º 74º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, deve ser interpretada no sentido de que o prazo para interposição de recurso se conta a partir da notificação da decisão ao arguido: ou pessoalmente, se ele está presente ou se faz representar em sede de audiência de julgamento e leitura da sentença, ou por notificação postal, caso não esteja presente nem representado na leitura da sentença
7.º Declarada que seja a inconstitucionalidade da norma em causa, deverá o processo descer ao Tribunal da Relação de Lisboa para aí ser proferida decisão em conformidade com o que seja doutamente decidido neste Subido Tribunal Constitucional.» Nas suas contra-alegações, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional suscitou a questão prévia da inutilidade do recurso interposto, e, consequentemente, do seu não conhecimento, por entender que,
“tendo a decisão recorrida alcançado certo resultado interpretativo através da invocação e aplicação de um complexo normativo, integrado simultaneamente pelos artigos 74º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82 e 411º, n.º 1, do Código de Processo Penal – expressamente invocados como integradores da ‘ratio decidendi’ do despacho reclamado – e circunscrevendo o arguido-recorrente o objecto do recurso apenas à primeira daquelas normas – esquecendo, pura e simplesmente, a relevância decisiva da segunda no resultado interpretativo alcançado –, carece de utilidade o recurso com o objecto que o recorrente lhe atribui.” Notificado o recorrente para se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, veio sustentar que deve ser conhecido o objecto do presente recurso de constitucionalidade, uma vez que o fundamento do despacho recorrido está na norma do artigo 74º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82 e não na norma do artigo 411º do Código de Processo, sendo que o regime daquele Decreto-Lei “surge numa relação de especialidade perante o processo penal, sendo a aplicação deste meramente subsidiária àquele, apenas se justificando por analogia ou integração se e só se o regime geral das contra-ordenações não previr norma directamente aplicável”. E disse ainda o recorrente:
«- Ora, tal regime geral das contra-ordenações prevê na norma do art.º 74° norma específica para solução da questão controvertida e o douto despacho proferido pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa socorreu-se de tal norma para fundamentar o sentido da sua decisão.
- A referência à norma do art.º 411° do Código do Processo Penal é ai apenas referida como elemento interpretativo do sentido concedido à norma do art.º 74°, n.° 1, do DL n.º 433/82. Ou seja, o douto despacho do Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa não fez aplicação da norma do art.º 411° do Processo Penal, apenas dela se tendo socorrido para fixar o sentido interpretativo da norma aplicada – a do art.º
74°, n.° 1, referida. Não tendo feito aplicação de tal norma, nem tendo aí fundamentado a decisão, naturalmente não tinha sentido colocar em causa a conformidade de tal norma com o normativo constitucional português - até porque não vislumbra qualquer desconformidade, uma vez que o regime do processo penal e tal norma do art.º
411º prevêem que se o arguido estiver ausente, estando ausente também o defensor que o representa, sempre será nomeado Advogado ou pessoa idónea que o represente em Tribunal, assim se assegurando minimamente a defesa do arguido (o que não sucedeu no autos em apreço).
- Ora, o que o recorrente critica e entende ser desconforme ao direito de defesa que lhe é constitucionalmente consagrado, é a aplicação feita da norma do art.º
74°, n.° 1, do DL n.º 433/82, quando interpretada no sentido adoptado pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação. Tal interpretação que se censura resulta, nomeadamente, do sentido que o Senhor Presidente do Tribunal da Relação retirou do que entende ser a norma do art.º
411º do Código do Processo Penal: mas (dessa) norma não fez aplicação directa, antes se tendo servido dela tão-só para fixar o sentido interpretativo da norma do art.º 74°, n.º 1, em causa, sentido esse que é o exactamente colocado em causa no presente recurso.
- Assim, em contrário ao que o Senhor Procurador-Geral Adjunto preconiza, o douto despacho proferido pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa não se funda na norma do art.º 411° do Código do Processo Penal, mas tão-só na do art.º 74°, n.º 1, do DL n.º 433/82.
- Não tendo aplicação directa, não podia nem devia ter sido colocada em causa a sua desconformidade com a Constituição da República Portuguesa.» Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4.O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, constituindo requisitos específicos para que dele se possa tomar conhecimento que hajam sido esgotados todos os recursos ordinários, que a inconstitucionalidade da norma ou dimensão normativa impugnada tenha sido suscitada durante o processo e que tal norma impugnada tenha sido aplicada pela decisão recorrida. Nos termos do respectivo requerimento, o recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo
74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, interpretada no sentido de que, tendo sido notificado o mandatário do dia designado para leitura da decisão da impugnação judicial em processo contra-ordenacional, o prazo para interposição de recurso se conta a partir da data dessa leitura em audiência, esteja ou não presente o arguido ou alguém que o represente. O recorrente entende que tal entendimento – do n.º 1 do artigo 74º, pois só esse poderia estar em causa, e apesar de no requerimento o recorrente não circunscrever o recurso e esse n.º – viola as normas dos artigos 20º, n.º 1, e 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa. Importa, porém, começar por apreciar a questão prévia da utilidade do recurso, suscitada pelo Ministério Público nas suas contra-alegações. Ora, se bem que na decisão recorrida se refira o artigo 411º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável por força do artigo 41°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, e apesar de o artigo 74º, n.º 1, deste diploma, se não referir expressamente ao caso de o interessado dever considerar-se presente, em que, segundo essa decisão, o prazo para interposição da sentença se conta da data em que tiver sido proferida
(pois, ainda segundo tal decisão, “a notificação da sentença apenas é relevante para os casos em que o arguido não tem qualquer hipótese de saber a data em que foi proferida”), entende-se que este artigo 411º, n.º 1, do Código de Processo Penal não constituiu, para o tribunal a quo, uma ratio decidendi autónoma, bastante só por si para se chegar à decisão, mas antes um elemento para a interpretação da norma do art.º 74°, n.° 1, do Decreto-Lei n.º 433/82: o tribunal recorrido não aplicou autonomamente a norma do art.º 411° do Código de Processo Penal, mas antes socorreu-se dela para fixar o sentido interpretativo deste artigo 74°, n.° 1, a qual foi, assim, aplicada com o sentido impugnado. Entende-se, portanto, que o recurso mantém utilidade, improcedendo a questão prévia suscitada. Pelo que se toma conhecimento do presente recurso tendo por objecto o julgamento da constitucionalidade do artigo 74º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, interpretada no sentido de que, sendo notificado o mandatário do dia designado para leitura da decisão de impugnação judicial em processo contra-ordenacional, o prazo para recorrer se conta a partir da data da leitura da decisão em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário – isto, sendo certo que o arguido fora notificado da audiência de julgamento, tendo requerido a dispensa da sua presença.
5.Entende o recorrente que a norma em causa viola os artigos 20º, n.º 1, e 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa. Importa começar por notar que, estando em causa na decisão recorrida um recurso de uma sentença que decidira a impugnação judicial de uma decisão de aplicação de uma coima, não se discute já a audiência do arguido em processo contra-ordenacional, e que, mesmo o direito de defesa apenas pode estar em causa na medida em que se entende que ele compreende, não só o direito de impugnação judicial das decisões de aplicação de coimas em processo contra-ordenacional, como, ainda, o direito de recorrer das decisões desta impugnação judicial (isto
é, a garantia de uma segunda instância judicial para apreciação da impugnação da decisão administrativa). Pode bem duvidar-se de um alcance tão amplo da garantia constitucional contida no artigo 32º, n.º 10, da Constituição da República, que se refere apenas aos processos de contra-ordenação.
6.Ainda, porém, que se queira fundar nesse artigo 32, n.º 10, ou noutro normativo constitucional, um direito de recorrer das decisões sobre a impugnação judicial de decisões de aplicação de coima – seja no artigo 20º, n.º 1, seja no artigo 268º, n.º 4, da Constituição – é certo que a dimensão normativa impugnada não violaria tal garantia.
É verdade que, no Acórdão n.º 59/99 (publicado no Diário da República (DR), II série, n.º 75, de 30 de Março de 1999), o Tribunal julgou inconstitucional a norma do artigo 113º, n.º 5, do Código de Processo Penal (a que corresponde o artigo 113º, n.º 7, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e o artigo
113º, n.º 9, na redacção do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro),
“quando interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado”. E que, no presente caso, na audiência em que foi lida a decisão em causa não esteve presente, nem o arguido, nem o mandatário que para ela fora notificado. Logo no Acórdão n.º 109/99 (in DR, II série, n.º 137, de 15 de Junho de 1999, e disponível, tal como o anterior, em www.tribunalconstitucional.pt), porém, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma que se extrai da leitura conjugada dos artigos 411º, n.º 1, e 113º, n.º 5, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que “com o depósito da sentença na secretaria do tribunal, o arguido que, justificadamente, não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma, deve considerar-se notificado do seu teor, para o efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença, se, nessa audiência, esteve presente o seu mandatário”. Disse-se então que esta norma não importava um “encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido” (palavras do Acórdão n.º 61/88), pois,
“estando o defensor do arguido presente na audiência, em que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E, de posse de uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato – pode, nos dias que se seguirem, relê-la, repensá-la, reflectir, ponderar e decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se, interpondo, se quiser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respectivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência. O processo continua, pois, a ser a due process of law, a fair process.” No presente recurso não está em causa matéria de processo penal, mas antes, em processo contra-ordenacional, uma decisão sobre o recurso de impugnação judicial de uma decisão de aplicação de uma coima (no valor de €600). E, decisivamente, o mandatário do arguido, constituído para o representar em julgamento, foi notificado do despacho que marcou o dia 6 de Outubro de 2003 como dia da audiência em que seria lida a decisão do recurso de impugnação judicial, tendo, porém, estado ausente. E o arguido fora notificado da audiência de julgamento, tendo requerido a dispensa da sua presença nessa audiência. Nestas circunstâncias, tendo o arguido em processo contra-ordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de, ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, reflectir sobre ela, ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. O que não merece tutela, nem é tocado pela garantia de defesa do arguido em processo de contra-ordenação, é o absentismo simultâneo do arguido – que viu a sua presença logo no julgamento dispensada – e do seu mandatário constituído, que foi notificado da data para leitura da decisão, ou, muito menos, a falta de interesse ou diligência deste último, no sentido de, notificado do dia da leitura da decisão, ainda que a esta não possa assistir, concretizar a possibilidade de tomar conhecimento da decisão e a comunicar ao arguido. Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do acto judicial de leitura da decisão, e, em processo de contra-ordenação, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse acto faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional o artigo 74º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, interpretado no sentido de que, sendo notificado o mandatário do dia designado para leitura da decisão de impugnação judicial em processo contra-ordenacional, o prazo para recorrer se conta a partir da data da leitura da decisão em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário; b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e condenar o recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça
Lisboa, 15 de Fevereiro de
2004 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos