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Processo n.º 962/03
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. intentou no Tribunal de Trabalho de Lisboa acção com processo comum
contra o banco B., pedindo a condenação do réu a reconhecer-lhe o direito à
pensão de reforma desde 04/08/1986, correspondente ao valor ilíquido da
retribuição do nível mínimo de admissão do Grupo I, calculada em conformidade
com o disposto na cláusula 137ª do Acordo Colectivo de Trabalho (ACT), de 1990,
correspondente à cláusula 138ª do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical
(CCTV), de 1982, e, subsidiariamente, o direito à pensão de reforma determinada
em conformidade com o disposto na cláusula 140ª do ACT, de 1990, e juros de
mora, à taxa legal, sobre as pensões em dívida.
A acção foi julgada parcialmente procedente em 1ª instância,
declarando-se prescritas, em consequência de defesa por excepção, as pensões
vencidas até 19 de Janeiro de 1998, e condenando-se o réu a pagar ao autor, a
partir de Janeiro de 1998, pensões de reforma calculadas com base na Cláusula
142ª do ACTV para o Sector Bancário, de 1986, a que corresponde a Cláusula 140ª
do ACT, de 1990, a liquidar em execução de sentença, bem como juros de mora,
absolvendo-se o mesmo réu da parte restante do pedido.
2 – Dizendo-se inconformados, autor e réu recorreram para o Tribunal da Relação
de Lisboa, tendo esta instância concedido parcial provimento à apelação do réu,
alterando a sentença recorrida no sentido de o réu ficar “condenado a pagar ao
autor, a partir de Janeiro de 1998, a pensão de reforma calculada com base na
cláusula 142ª do ACTV para o Sector Bancário de 1986, a que corresponde a
cláusula 140ª do ACT de 1990, na proporção do tempo de serviço prestado (não se
contando como tempo de serviço o período em que o Autor esteve de licença sem
retribuição, de 17 de Setembro de 1962 a 16 de Outubro de 1962, e de 15 de
Setembro de 1966 a 14 de Setembro de 1967), a liquidar em execução de sentença,
acrescida de juros de mora legais”.
Para alcançar esta solução, o acórdão recorrido considerou, em síntese, que, não
obstante a segurança social dos trabalhadores do sector bancário ser assegurada
pelas instituições bancárias, a cláusula 139º do ACT para o Sector Bancário, de
1986, vigente ao tempo em que o autor se reformou (a que corresponde a cláusula
137º do ACT de 1990 e 138º do ACT de 1982), não era aplicável ao caso dos autos
por a mesma pressupor que o “autor se encontrasse ainda a trabalhar ao serviço
do réu ou de uma instituição bancária quando se reformou em 04.09.86”, sendo a
sua situação regida, antes, pelo n.º 1 da cláusula 142ª do ACT, para o mesmo
sector, de 1986, publicado no B.T.E., 1ª Série, de 17 de Julho de 1986 [a que
correspondem as normas constantes do n.º 1 da cláusula 141ª do ACT, para o mesmo
sector, de 1982, publicado no B.T.E., 1ª Série, de 17 de Julho de 1982 e n.º 1
da cláusula 140º do ACT, de 1990], recusando a aplicação, com fundamento em
inconstitucionalidade, consubstanciada na violação dos artigos 63º, n.º 1, 12º e
13º, da CRP, da norma constante do n.º 6 daquela cláusula que determinava que
“o regime estabelecido no n.º 3 desta cláusula só se aplica aos trabalhadores
que abandonarem o sector bancário nas condições aí referidas a partir de 15 de
Julho de 1982”.
O teor deste acórdão é, quanto a esta questão, o seguinte:
«[...]
B) A questão do direito à pensão de reforma
Esta questão foi decidida de acordo com a jurisprudência quase pacífica do STJ,
em casos similares - vejam-se os últimos acórdãos publicados na CJ - Acs. do
STJ - 2001, I, pág. 292 (ac. de 14/02/2001), 2001, III, pág. 283 (ac.
28/11/2001) e 2002, III, pág. 286 (ac. de 11/12/2002).
Também essa tem sido a orientação por nós seguida, em vários acórdãos por nós
relatados e assinados.
Desta forma, quanto a esta questão, limitamo-nos a reproduzir a sentença
recorrida, com a qual se concorda com excepção do que refere ao tempo de serviço
que deve ser contado e dos juros de mora, questões essas que serão tratadas mais
à frente.
Diz a sentença recorrida:
«A questão que se coloca nos autos consiste em saber se ao autor, que, por sua
iniciativa, deixou de trabalhar para o réu a partir de 31 de Dezembro de 1967 e
que se reformou por invalidez pela Segurança Social, em 4 de Setembro de 1986,
deve ser reconhecido o direito à pensão de reforma correspondente ao valor
ilíquido da retribuição do nível mínimo de admissão do Grupo I, calculada em
conformidade com o disposto na cláusula 137ª do ACT de 1990, correspondente à
cláusula 138ª do CCTV de 1982, ou, subsidiariamente, o direito a uma pensão de
reforma desde 04.09.86 calculada na proporção do tempo de serviço prestado ao
réu, em conformidade com o disposto na cláusula 140ª do ACT de 1990 e, no caso,
afirmativo, em que termos deve a mesma ser calculada.
Nesta matéria há que atender ao subsistema de segurança social estabelecido para
o sector bancário, em sede de instrumentos de regulamentação colectiva,
admitido, em termos transitórios, pelo art. 69° da Lei de Bases da Segurança
Social, Lei n° 28/84, de 14 de Agosto e segundo o qual incumbe à entidade
patronal, a título de seguro social, assumir os encargos da segurança social
(Ac. STJ de 26.09.90, AD, 349 págs. 138 e seguintes).
Esse regime decorre das cláusulas 59ª e 60ª do CCT de 1944, para o sector
bancário, publicado no BINTP, n.º 3, de 15.02.44 e, desde esta data as
instituições de crédito, como o réu, garantem aos seus empregados as prestações
no caso de doença ou invalidez, garantia esta que se manteve e mantém pois, como
sabemos, ainda hoje não foi criada a Caixa de Previdência para o sector
bancário.
Conforme se vem entendendo o direito à pensão de reforma é conferido pelo
instrumento de regulamentação colectiva em vigor na data da rescisão do contrato
de trabalho, mas o conteúdo e medida desse direito mede-se pelo texto
correspondente do instrumento de regulamentação colectiva em vigor no momento em
que ocorre o pressuposto da atribuição da pensão de reforma.
Dispunha a cláusula 59ª do referido CCT publicado no BINTP, n° 3, de 15.02.44
que:
“Os outorgantes obrigam-se a, quando as circunstâncias o permitirem, concluírem
o regulamento para a constituição da Caixa Sindical de Previdência dos
Empregados Bancários.
Esta Caixa deverá começar a funcionar dentro do prazo que, mediante proposta da
Comissão Corporativa, seja fixado pelo Ministro das Corporações e Previdência
Social”.
Por seu turno a cláusula 60ª estipulava que:
“Enquanto não funcionar a Caixa prevista na cláusula anterior, os
estabelecimentos bancários garantem aos seus empregados em caso de doença ou
invalidez ......”
Seguia-se a explicitação das mensalidades a pagar conforme o tempo de serviço,
sendo tais mensalidades vitalícias quando a antiguidade fosse de pelo menos dez
anos de serviço e variando a quantificação pecuniária das prestações conforme os
quatro escalões previstos.
A partir de 1964, conforme alteração ao CCT publicada no DG, 2ª Série, de
12.03.64, o n° 1 daquela cláusula 60ª passou a ter a seguinte redacção:
“Em caso de doença ou de invalidez do empregado ou quando tenha atingido 70 anos
de idade (invalidez presumível), tem direito às mensalidades que lhe competirem
de harmonia com o mapa 6”.
Em 1980 o CCT publicado no BTE veio reduzir a idade da invalidez presumível para
os 65 anos - cláusula 134ª n.º 1, alínea a) -, continuando as instituições de
crédito a garantir tais benefícios - cláusula 133ª, n.º 1, primeira parte.
Estes benefícios aplicavam-se a todos os trabalhadores na situação de doença,
invalidez ou invalidez presumível, quer tivessem sido colocados nessas situações
antes ou depois da entrada em vigor do CCT - cláusula 134ª, n.º 6.
A referida regulamentação foi sofrendo sucessivas alterações ditadas,
designadamente, pelo próprio texto constitucional.
Assim, a cláusula 138ª do ACTV de 1982 publicado no BTE, Iª Série, n.º 26, de
15.06.82, que entrou em vigor em 15.07.82, veio nos seus n.ºs 1 a 7 concretizar
as novas mensalidade, devidas aos trabalhadores nos casos de doença, invalidez
ou quando atingissem 65 anos de idade e o n.º 8 estabeleceu que direitos
referidos nessa cláusula se aplicavam a todos os trabalhadores na situação de
doença, invalidez presumível, “quer tenham sido colocados nessas situações antes
ou depois da entrada em vigor deste contrato”.
O n.º 1 da cláusula 141ª do mesmo ACTV criou uma comissão destinada a elaborar
os estudos e projectos necessários à integração dos trabalhadores bancários no
sistema de segurança social constitucionalmente vigentes, dispondo os nºs 3 e 6
que enquanto não for concretizada essa integração, os trabalhadores que, a
partir de 15 de Julho de 1982 - data em que entrou em vigor o ACTV -,
abandonarem o sector bancário, por razões que não sejam da sua iniciativa, terão
direito, quando colocados na situação de reforma por invalidez ou velhice
prevista no regime de Segurança Social que lhe for aplicável, ao pagamento pela
respectiva Instituição de Crédito da importância necessária a complementar a sua
pensão de reforma, até ao montante que lhe corresponderia se o tempo de serviço
prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição na
Segurança Social.
O ACTV publicado no BTE, 1ª Série, n.º 28, de 29.07.84, transpôs para as
cláusulas 139ª e 142ª as referidas cláusulas 138ª e 141ª e o ACTV de 29.07.86,
publicado no BTE, 1ª Série, n° 28, de 29.07.86 manteve o teor destas cláusulas.
O ACTV publicado no BTE, 1ª Série, n.º 28, de 29.07.88, veio alterar a cláusula
142ª e passou a abranger os trabalhadores ao serviço de instituição de crédito
ou parabancária que não estivessem inscritos no regime de segurança social e que
por qualquer razão deixassem de estar abrangidos pelo regime de segurança social
garantido por esse ACTV - n° 1.
Por seu turno o ACTV publicado no BTE, 1ª Série, n° 31, de 22.08.92, que
estipulava na cláusula 137ª o seguinte:
“1. No caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade
(invalidez presumível) os trabalhadores em tempo completo têm direito:
a) Às mensalidades que lhes competirem, de harmonia com a aplicação das
percentagens do Anexo V, aos valores fixados do Anexo VI.
b) A um subsídio de Natal de valor igual ao das mensalidades referidas na alínea
a), a satisfazer no mês de Novembro;
c) A um 14º mês de valor igual ao das mensalidades referidas na alínea a) a
satisfazer no mês de Abril, sendo-lhe aplicável o princípio estabelecido no n° 3
da cláusula 102ª.
2. Cada uma das prestações a que os trabalhadores têm direito, nos termos do
número anterior, não poderá ser de montante inferior ao do valor ilíquido da
retribuição do nível mínimo do respectivo Grupo em que estavam colocados à data
da sua passagem a qualquer das situações no n° 1 desta cláusula.
(... )
4. As mensalidades fixadas, para cada nível, no Anexo VI, serão sempre
actualizadas na mesma data e pela aplicação da mesma percentagem em que o forem
os correspondentes níveis do Anexo II
(...)
8. Todos os trabalhadores abrangidos por esta cláusula têm direito à
actualização das mensalidades recebidas, sempre que seja actualizado o Anexo II,
quer tenham sido colocados nas situações de doença, invalidez ou invalidez
presumível, antes ou depois de cada actualização.
9. Os direitos previstos nesta cláusula aplicam-se a todos os trabalhadores na
situação de doença, invalidez presumível, quer tenham sido colocados nessas
situações antes ou depois da entrada em vigor deste Acordo”.
A cláusula 140ª manteve o teor da anterior cláusula 142ª mas substitui a
expressão “O trabalhador ao serviço de instituição de crédito ou parabancária”
pela expressão “O trabalhador de instituição de crédito ou parabancária”
estabelecendo o seguinte:
“1. O trabalhador de instituição de crédito ou parabancária não inscrito no
Regime de Segurança Social e que por qualquer razão deixe de estar abrangido
pelo regime de segurança social garantido pelo presente Acordo, tem direito,
quando for colocado na situação de reforma por invalidez ou invalidez presumível
ao pagamento pelas instituições de crédito ou parabancárias na proporção do
tempo de serviço prestado a cada uma delas, da importância necessária para que
venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de
serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no
Regime Geral de Segurança Social ou no Regime Nacional mais favorável que lhe
for aplicável.
2. Para efeitos do cálculo das mensalidades previstas no n.º 1, a parte da
pensão de reforma a pagar pelas instituições correspondente ao tempo de serviço
prestado no Sector Bancário, será calculada com base na retribuição,
correspondente ao nível em que o trabalhador se encontrar colocado à data da
saída do Sector, actualizada segundo as regras do presente ACTV ou outra se for
mais favorável”.
As cláusulas transcritas mantiveram o mesmo teor nos ACTV’s subsequentes.
Para inviabilizar a pretensão do autor o réu alega que:
– a invalidez do autor, para efeito de reforma, não foi a invalidez presumida,
de modo que ela só seria oponível ao Banco se tivesse obedecido aos requisitos
estabelecidos na cláusula 143ª do ACTV publicado no BTE, 1ª Série, de 29 de
Julho de 1986, o que não sucedeu, pois não houve qualquer Junta Médica com
intervenção do contestante, que tivesse reconhecido ao autor a situação de
invalide invocada;
– o autor não tem o direito que pretende, visto que na data em que o autor fez
cessar o contrato de trabalho que o ligava ao Banco, por iniciativa sua, não
existia ainda a Caixa Sindical de Previdência para o Sector Bancário e não era,
então, obrigatória a inscrição em qualquer sistema de Previdência Social;
– e também não existia nos instrumentos de regulação colectiva vigentes para o
Sector Bancário qualquer norma que concedesse aos trabalhadores o direito à
pensão de reforma ou de invalidez - no n° 6 da cláusula 141ª no ACT de 1982 para
o Sector Bancário, publicado no BTE de 17 de Julho 82 estipulou-se um limite
temporal na sua aplicação, ao dispor-se ali que o regime estabelecido no n° 3
desta cláusula só se aplica aos trabalhadores que abandonarem o Sector Bancário
nas condições ai referidas, a partir de 15 de Julho de 1982;
– assim, no caso do autor, não chegou sequer a ocorrer qualquer enquadramento
num sistema de Segurança Social ou da Previdência Social, respeitante ao período
em que esteve ao serviço do réu, enquadramento em que não era obrigatório nos
termos da Lei e não se encontrava previsto na Contratação Colectiva e não pode
também neste caso falar-se de direitos adquiridos ou de expectativas jurídicas,
pelo simples facto de que no tempo em que o autor trabalhou para o réu, ainda,
não existia sequer o direito que agora pretende que lhe seja atribuído;
– a norma contida no n.º 6 da cláusula 141ª do CCT referido não viola o n.º 5
do art. 63º da Constituição.
Argumentação do réu não colhe, como vamos ver.
Desde logo porque a cláusula 143ª do ACTV publicado no BTE, 1ª Série, de 29 de
Julho de 1986, só se aplica às Juntas Médicas previstas nesse ACT, como decorre
da sua mera leitura e não é isso que está aqui em causa, como o réu bem sabe de
modo que a invocação da dita cláusula só pode servir para confundir. Por outro
lado, e contrariamente ao que o réu afirma, de harmonia com o preceituado na
Base VII da Lei n.º 2125, de 18 de Junho de 1962, e art.º 17º, n.º 1, e
Regulamento Geral das Caixas Sindicais de Previdência vigorava, desde 1962, o
princípio da obrigatoriedade de inscrição nas Caixas Sindicais de Previdência
aplicável a trabalhadores por conta de outrem e respectivas entidades patronais
que conferia àqueles direito às respectivas prestações, designadamente, reformas
por invalidez e velhice, contando-se todo o tempo correspondente a entrada de
contribuição qualquer que fosse a entidade patronal que tivessem, não tendo
qualquer influência as mudanças de entidades patronais.
A Lei de Bases da Segurança Social, Lei n.º 24/84, de 14 de Agosto, consagrou o
princípio da igualdade, como um dos princípios basilares da Segurança Social,
entre outros, segundo o qual teriam de ser eliminadas quaisquer discriminações -
art. 5º, n.º 4 - “O sistema de Segurança Social obedece aos princípios da
universalidade, da unidade, da igualdade...” - e manteve a obrigatoriedade de
inscrição dos trabalhadores e das respectivas entidades empregadoras - art. 20º
- que já constava da Lei n° 2115, de 18 de Junho de 1962 que aquela Lei de Bases
veio revogar, mantendo, contudo, os preceitos que a não contrariassem.
O autor está reformado desde 04.09.86 e o facto de ainda não ter sido instituída
a Caixa Sindical de Previdência dos Bancários não pode, de modo algum prejudicar
o direito do autor a uma pensão de reforma correspondente ao tempo de trabalho
no réu.
Se tivesse sido criada a Caixa Sindical de Previdência dos Bancários o autor
teria feito para esta os seus descontos e contribuições bem como o réu e podia
requerer e obter a sua pensão de reforma correspondente ao seu tempo de serviço.
Como tal instituição de previdência não foi criada, as instituições de crédito,
como o réu, suportam os encargos com as respectivas pensões, remunerando os seus
trabalhadores de acordo com os encargos, que lhes advêm do facto de serem para
estes, também, Instituições de Segurança Social.
As instituições de crédito não procedem, é certo, aos descontos como se fossem
uma Instituição de Segurança Social, mas também não pagam a contribuição que
seria devida pelo empregador e pagam o ordenado ao trabalhador naturalmente já
tendo em consideração que este nada desembolsa para a Segurança Social e daí que
lhes possam pagar um ordenado inferior ao que teriam de pagar se o trabalhador
fizesse os descontos para a Segurança Social.
Nestes casos, como se ponderou no Ac. da RL de 05.02.98 (CJ, Ano XXIII, T. 1,
pág. 71), “tudo se passará mais ou menos como se houvesse uma retenção na fonte,
não expressados os respectivos descontos e contribuições efectuados pelo
trabalhador e entidade empregadora, ficando tal numerário em poder da respectiva
Instituição de Crédito, que o gere e rentabiliza ao longo do tempo, como o fazem
as Instituições de Previdência ou Segurança Social”.
A inexistência de Caixa de Previdência dos Bancários que há mais de meio século
deveria ter entrado em funcionamento é situação vantajosa para as instituições
de crédito visto que lhes permite usufruírem de mais uma fonte lucrativa mas o
que não se lhes pode é permitir que enriqueçam à custa das contribuições
correspondentes dos respectivos trabalhadores nem que essa situação redunde em
discriminação ou desvantagem para os trabalhadores bancários.
Na verdade, os trabalhadores bancários, pelo facto de não terem em
funcionamento, no seu sector de actividade, a respectiva Caixa de Previdência,
não podem ser discriminados, em relação aos demais trabalhadores dos outros
sectores de actividade, sendo penalizados, não lhes contando para efeitos de
pensões de invalidez e velhice, o tempo que trabalharam naquele sector, caso o
abandonem antes de atingir a reforma, não lhes contando, para nada, o tempo que
trabalharam no sector, mesmo que apenas lhes faltasse um só dia para terem os
necessários anos de serviço bancário e obterem a respectiva reforma.
E, pelo menos, desde a revisão constitucional de 1989 em que foi acrescentado ao
art. 63º da Constituição da República o n.º 5 – este estabelece que “Todo o
tempo de trabalho contribuirá nos termos da lei para o cálculo das pensões de
velhice e invalidez independentemente do sector de actividade em que tiver sido
prestado” -, que não é defensável, a qualquer título, a restrição
discriminatória que o réu pretende estabelecer, vedando ao autor o direito ao
pagamento de pensão de invalidez correspondente ao tempo de serviço prestado no
sector bancário, caso o tenha abandonado, em determinada data.
A restrição discriminatória contida no n.º 6 de cláusula 141ª do ACT de 1982 –
publicado no BTE, 1ª Série, de 17 de Julho de 1982, e também no n.º 1 do art.º
142º do ACT de 1986, incluída num instrumento de regulamentação colectiva já que
tal é ilegal e proibido pela alínea c) do n.º 1 do art. 6º do Decreto-Lei n°
519-C/79, de 29 de Dezembro, que impede os instrumentos da regulamentação
colectiva de “incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores
tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei” .
Com efeito, no âmbito dos designados “Direitos e deveres sociais”, o art.º 63º
da Constituição da República consagra o direito à segurança social, que caberá
ao Estado organizar, e que deve obedecer a determinados requisitos, nomeadamente
deve constituir um sistema universal, abrangendo todos os cidadãos,
independentemente da sua situação profissional e, como já se viu, deve ser
aproveitado todo o tempo total de trabalho para efeitos de pensão de velhice e
invalidez, cumulando-se os tempos de trabalho em várias actividades, com os
respectivos descontos para diversos esquemas de segurança social.
E, no âmbito dos “Direitos e deveres fundamentais”, o princípio da
universalidade contido no art.º 12º da Constituição da República, atribui a cada
cidadão pelo facto de o ser a qualidade de sujeito constitucional e o princípio
da igualdade, contido no art.º 13º do mesmo diploma fundamental, afasta as
discriminações ilegítimas, nomeadamente as que possam afastar um fim legítimo e
como tal consagrado no ordenamento constitucional e estes dois últimos preceitos
são normas preceptivas, que não carecem de concretização ou mediação legislativa
e que se aplicam contra a lei, em vez da lei, e mesmo na sua ausência (Gomes
Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Anotada”, 3ª edição, págs.
140 e seguintes).
Portanto, a dimensão restritiva contida quer no n.º 6 da cláusula 141ª do ACT de
1982 quer no n.º 1 da cláusula 142ª do ACT de (...] tem de ser rejeitado por
incompatível com as referidas disposições constitucionais (Gomes Canotilho,
“Direito Constitucional”, 5ª edição, pág. 235).
Na verdade, essa limitação temporal contraria abertamente a norma constitucional
que impõe que deve ser contado todo o tempo de trabalho prestado para efeitos de
atribuição da pensão de reforma por velhice ou invalidez e viola também o
princípio constitucional da igualdade, porque relativamente a trabalhadores que
desempenharam funções para uma instituição de crédito, pretende-se discriminar
aqueles que passaram à reforma antes da entrada em vigor de determinado
instrumento de regulamentação colectiva, não contando nestes casos o tempo de
trabalho prestado, discriminação essa não assente em qualquer critério válido
visto que o regime de segurança social para o sector bancário não se reporta,
como já referimos, ao contrato de trabalho, antes é um verdadeiro seguro social
e as prestações a título de reforma atribuídas quer por subregimes de segurança
social, como o existente para o sector bancário, quer em termos de regime geral
de Segurança Social, estão exclusivamente dependentes do trabalho prestado em
termos quantitativos e das contribuições prestadas (no caso dos regimes
contributivos).
E embora por imperativo constitucional – art.º 57º da Constituição da Republica
- seja reconhecido o direito à contratação colectiva, a verdade é que às normas
das convenções colectivas é atribuído um carácter normativo, o que as torna
consequentemente sujeitas a fiscalização de constitucionalidade, no que se
traduz na desconformidade ou incompatibilidade entre uma norma ou princípio
constitucional e outra hierarquicamente inferior.
A propósito de um caso que, no que concerne ao aspecto que ora nos ocupa, é
semelhante, o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 02.07.97 (CJ/STJ, Ano V,
T. 2, pág. 300), decidiu que:
“Se um trabalhador bancário é despedido e, depois, se emprega noutra instituição
que não aderiu à matéria relativa à Segurança Social e Assistência Médica,
reformando-se o trabalhador, aquele primeiro banco tem a obrigação de lhe pagar
a pensão de reforma correspondente ao tempo de serviço aí prestado e descontos
feitos”.
De todo o exposto resulta que as prestações que seriam devidas ao autor caso
tivesse estado a efectuar os descontos para uma Instituição de Segurança Social
enquanto esteve ao serviço do réu, deverão ser pagas pelo réu que, perante o
autor se assumiu sempre como se fosse também a sua Instituição de Previdência.
Tem, por conseguinte, o autor direito a beneficiar na sua pensão total de
reforma do tempo de serviço que trabalhou para o réu, suportando o réu o encargo
da reforma do autor, por esse tempo pois que foi o réu que beneficiou o trabalho
do autor nesse período, nos mesmos termos em que a suportar para os demais
trabalhadores que estiverem na situação profissional do autor, levando-se em
conta tão-somente esse serviço no cômputo do quantitativo da pensão a pagar.
A responsabilidade do réu é de fixar como se o autor não houvesse trabalhado
para outra entidade patronal, pois que só está em causa agora o tempo em que ele
trabalhou para o réu.
Conclui-se, pois, que o autor, que se reformou em 4 de Setembro de 1986, tem
direito à pensão de reforma a pagar pelo réu, a partir de Janeiro de 1998 - as
prestações vencidas até 19 de Janeiro de 1998 estão prescritas, como já se
declarou -, correspondente ao tempo de serviço que lhe prestou ou seja doze anos
- os períodos de licença sem retribuição contam-se para efeitos de antiguidade –
art.º 16°, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro - a calcular nos
termos da cláusula 142ª do ACTV para o Sector Bancário de 1986, a que
corresponde a cláusula 140ª do ACT de 1990.
Como resulta da respectiva leitura a cláusula 139ª do ACT de 1986, a que
corresponde a cláusula 137ª do ACT de 1990, só seria, de facto, aplicável se o
autor se encontrasse ainda a trabalhar ao serviço do réu ou de uma instituição
bancária quando se reformou em 04.09.86, o que, como se viu, não acontecia visto
que o autor deixou o Banco - e o sector - em 31 de Dezembro de 1967.».
3 - O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa interpôs
recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70º, n.º 1,
alínea a), 72º, n.º 1, alínea a), e 74º, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, do acórdão daquele Tribunal, de 26 de Novembro de 2003, que
recusou a aplicação por inconstitucionalidade da norma constante do n.º 6 da
cláusula 141ª do Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, de 1982,
publicado no B.T.E., 1ª Série, de 17 de Julho de 1982 (com referência ao n.º 3,
da mesma cláusula 141ª), e do n.º 1 do artigo 142º do Acordo Colectivo de
Trabalho para o Sector Bancário, de 1986, publicado no B.T.E., 1ª Série, de 17
de Julho de 1986 (a que corresponde a cláusula 140ª do Acordo Colectivo de
Trabalho, de 1990), por violar o disposto nos artigos 63º, n.º 5, 12º e 13º da
Constituição da República Portuguesa (CRP).
4 - Nas suas alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, o recorrente
conclui que não é de tomar conhecimento do recurso face ao entendimento
maioritário do Tribunal no sentido de que os preceitos que constam de acordos e
convenções colectivas de trabalho não integram o conceito de “norma” a que
aludem os artigos 280º da CRP e 70º da LTC, mas que, caso se adira ao
entendimento oposto, se deverá confirmar o juízo de inconstitucionalidade
material formulado pela decisão recorrida.
O recorrido não contra-alegou.
B - Fundamentação
5 - Questão prévia
O Ministério Público junto do Tribunal Constitucional suscita a questão prévia
do não conhecimento do recurso por, em síntese, os preceitos que constituem o
objecto do recurso de constitucionalidade, traduzidos nas referidas cláusulas do
ACT para o Sector Bancário, nas versões de 1982 e 1986, não integrarem o
conceito de “norma” para tal efeito.
A questão tem sido repetidamente apreciada pela jusrisprudência deste Tribunal.
Ainda que com arestos divergentes, o Tribunal Constitucional já considerou que
as normas de convenções colectivas constituem objecto idóneo de um recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade. Com efeito, no Acórdão n.º 368/97,
disse-se o seguinte:
«[...]
10. Estando em causa a apreciação da conformidade à Constituição de normas
constantes de convenções colectivas, terá de se tomar em consideração a noção de
norma, para efeito de delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade.
É claro que o n.º 4 do artigo 56º da Constituição designa como normas jurídicas
as normas constantes de convenções colectivas de trabalho, quando dispõe que 'A
lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das
convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas'.
Assim, a juridicidade de tais normas é indiscutível por estar fundamentada na
lei.
Por outro lado, as normas das convenções colectivas de trabalho não só são
normas jurídicas, por determinação da lei, como se adequam a um conceito
funcional de norma jurídica, para efeitos do controlo de constitucionalidade. Na
realidade, regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e das
entidades patronais reconhecidos por contrato individual de trabalho. Deste
modo, estas normas têm um objecto especificamente jurídico e, quando estabelecem
limites mínimos (condições mais favoráveis aos trabalhadores) até prevalecem
sobre as normas estatais, sendo absolutamente imperativas (artigos 5º e 6º e
14º, n.º 1, da Lei da Regulamentação Colectiva de Trabalho).
11. A tudo isto acresce que convenções colectivas e portarias de regulamentação
regulam idênticas matérias, o que significa que existe identidade de objecto
entre normas estatais e normas convencionais.
Refira-se ainda que, contendo as portarias de extensão (necessárias por força do
princípio da igualdade - artigo 13º da Constituição) normas jurídicas sujeitas
ao controlo de constitucionalidade do Tribunal Constitucional, haveria ofensa do
princípio da igualdade se as normas das convenções colectivas não estivessem
sujeitas aos mesmos critérios de validade, e se os sujeitos por estas abrangidos
não tivessem os mesmos direitos e garantias, inclusivamente do ponto de vista da
fiscalização concreta da constitucionalidade, que têm os trabalhadores
abrangidos pelo regime da convenção colectiva por força da portaria de extensão.
Assim, um trabalhador nesta situação poderia interpor recurso de
constitucionalidade, ao passo que um outro trabalhador, numa situação
absolutamente paritária, não o poderia, apenas por estar directamente abrangido
pela convenção colectiva.
12. Por último, importa ter presente que o Código de Processo do Trabalho prevê
acções de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de
trabalho (artigos 177º e ss.), estatuindo-se que o acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça sobre tais questões tem ou tinha o valor de assento e como tal é
designado (sendo publicado na I Série do Diário da República e no Boletim do
Trabalho e Emprego).
Ora, sendo certo que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional,
os assentos contêm normas susceptíveis de controlo específico da
constitucionalidade (cf. Acórdão n.º 359/91, D.R., I Série-A, de 15 de Outubro
de 1991), seria incorrecto que a norma interpretativa de uma cláusula de
convenção colectiva de trabalho fosse uma norma jurídica objecto possível do
processo de fiscalização de constitucionalidade, e que a norma que constituía
todo o conteúdo da norma interpretativa não o fosse.
13. Conclui-se, assim, que as normas constantes de convenções colectivas de
trabalho se devem ter como normas para efeitos do controlo de
constitucionalidade cometido a este Tribunal. Assim se entendeu também no
Acórdão n.º 214/94 (D.R., II Série, de 19 de Julho de 1994), da 1ª Secção,
embora exista jurisprudência em sentido contrário da 2ª Secção (cf. Acórdão n.º
172/93, de 10 de Fevereiro, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 24).».
Para além deste aresto, o Tribunal Constitucional apreciou, também, a
conformidade à Constituição de normas contidas em convenções colectivas de
trabalho nos Acórdãos n.ºs 47/98, 229/98 (inéditos), 276/99, 277/99 (ambos
publicados no D.R., II Série, de 1 de Março de 2000), e 58/02 (inédito), entre
outros.
É este o entendimento que agora se acolherá.
Nessa medida, proceder-se-á à apreciação do objecto do recurso.
6 - A questão de constitucionalidade
O n.º 4 da cláusula 142ª do ACT, para o Sector Bancário, de 1986 [a que
corresponde o n.º 6 da cláusula 141ª do ACT, de 1982, e a cláusula 140º do ACT,
de 1990], cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, tem a seguinte
redacção:
“4 - O regime estabelecido no n.º 1 desta cláusula só se aplica aos
trabalhadores que abandonarem o sector bancário nas condições aí referidas a
partir de 15 de Julho de 1982”.
Por seu lado, o n.º 1 da mesma cláusula a que este n.º 4 se refere dispõe do
seguinte modo:
“1 – O trabalhador que abandonar o sector bancário por razões que não sejam da
sua iniciativa, nomeadamente o despedimento, terá direito, quando for colocado
na situação de reforma por invalidez ou velhice prevista no regime de segurança
social que lhe for aplicável, ao pagamento pela respectiva instituição de
crédito da importância necessária a complementar a sua pensão de reforma, até ao
montante que lhe corresponderia se o tempo de serviço prestado no sector
bancário fosse considerado como tempo de inscrição na segurança social. “
Antes de se avançar no conhecimento da questão de
inconstitucionalidade convém deixar precisado que, muito embora se esteja
perante um recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público ao
abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), na sua actual versão (recusa de aplicação de norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade), o Tribunal Constitucional se encontra vinculado, na
perspectiva da averiguação da sua conformidade com a Lei Fundamental, à
definição da norma que foi feita pelo acórdão recorrido ou, dito de outro jeito,
ao critério normativo que o acórdão recorrido extraiu, pela via interpretativa,
da cláusula colectiva de trabalho e de cuja aplicação fez derivar a decisão do
pleito.
Na verdade, como se escreveu no Acórdão n.º 44/85 (publicado em
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., pp. 408):
“Ao Tribunal Constitucional só cabe saber se a norma que o Tribunal recorrido
desaplicou é ou não inconstitucional. Já não lhe pertence apreciar se essa norma
era ou não chamada a aplicar-se ao caso. Para o Tribunal Constitucional a norma
de direito infra-constitucional que vem questionada no recurso é um dado;
cabe-lhe apenas verificar se essa norma é ou não inconstitucional. Saber se essa
norma era ou não aplicável ao caso, se foi ou não bem aplicada -, isso é da
competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal Constitucional. Em
princípio, o Tribunal Constitucional não pode censurar o modo como os restantes
tribunais aplicam o direito infra-constitucional; apenas lhe compete controlar o
modo como eles aplicam (ou não) o direito constitucional.”
E, por seu lado, como se disse no acórdão n.º 354/97, publicado no Diário da
República II Série, de 18 de Junho de 1997, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 36º vol., pp. 931, precisamente a respeito de pedido de
julgamento de inconstitucionalidade de norma referente a pensão de aposentação:
“[...] este Tribunal só julgará inconstitucional a norma do artigo 1º do
Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro (na interpretação que dela fez o
aresto sub iudicio), se a mesma for incompatível com alguma norma ou princípio
da Lei Fundamental (ou seja, se se apresentar como não direito, ratione
constitutionis), e não também se for mau direito ou se aquela interpretação não
for a melhor.
O que o Tribunal vai fazer é, pois, confrontar a interpretação adoptada pela
decisão recorrida com a Constituição, para decidir se sim ou não é conforme com
ela”.
E é assim porque, atenta a natureza instrumental do recurso de
constitucionalidade no domínio da fiscalização concreta de normas, a decisão do
Tribunal Constitucional há-de implicar, em caso de provimento, a reforma da
decisão recorrida fundada na aplicação da norma sindicada.
Deste modo, não tem o Tribunal de questionar se a norma constante de convenção
colectiva de trabalho em causa no presente recurso foi correctamente apreendida
no seu significado prescritivo, sendo certo que ele corresponde a uma corrente
jurisprudencial formada sobre a questão, embora haja outra de diferente sentido
(cf., a título de simples exemplo, relativamente à outra corrente, os acórdãos
do STJ, de 20/1/2000, proc. n.º 243/99, e de 27/09/2000, proc. n.º 90/00, e,
relativamente à tese seguida no acórdão recorrido, de 13/12/2000, proc. n.º
2861/00, todos disponíveis em www.ITIJ.pt, e, ainda, quanto a esta, de
06/02/2002, publicado nos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal
Administrativo, n.º 488/489, pp. 1218 e ss. e de 07/03/2001, proferido no proc.
n.º 10380/00, este disponível em www.ITIJ.pt).
Anote-se que existe, também, doutrina que defende que o direito de reforma dos
trabalhadores bancários que se reformem ao serviço das entidades bancárias e dos
que, tendo saído do sector bancário até 15 de Julho de 1982, se reformem depois
desta data, não estando à data da reforma ao serviço das entidades bancárias, se
deverá determinar pela cláusula 137ª do ACT de 1990, e que o n.º 6 da cláusula
140ª se aplica apenas aos trabalhadores que saiam do sector bancário depois de
15 de Julho de 1982 [cf. Menezes Cordeiro, “Convenções Colectivas de Trabalho e
Direito Transitório: Com exemplo no regime da reforma no sector bancário”, in
Revista da Ordem dos Advogados, ano 64, I/II, Novembro 2004, pp. 65-95; Catarina
Pires e João da Costa Andrade, “O regime jurídico relativo à atribuição e
cálculo da reforma de certos trabalhadores do sector bancário: tentativa de
superação de um (falso) problema de aplicação da lei no tempo”, in O Direito,
136º, (2004), I, 157-176].
O acórdão recorrido entendeu-a enquanto negando ao trabalhador do sector
bancário, a quando da sua colocação na situação de reforma por invalidez
prevista no regime de segurança social que lhe for aplicável, e que tenha
abandonado aquele sector bancário antes de 15 de Julho de 1982, o direito a uma
pensão complementar de reforma definida segundo os termos aí enunciados:
pagamento pela respectiva instituição de crédito da importância necessária a
complementar a sua pensão de reforma, até ao montante que lhe corresponder se o
tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de
inscrição na segurança social.
Mas, por outro lado, o acórdão recorrido também entendeu – resumindo - que as
instituições bancárias assumiram, através de diversas cláusulas constantes de
convenções colectivas sucessivamente celebradas com os sindicatos de
trabalhadores desse sector de actividade desde 1944, e segundo era permitido
pela Lei n.º 2115 (por lapso escreveu-se 2125), de 18 de Junho de 1962, pelo
Regulamento Geral das Caixas Sindicais de Previdência (Decreto-Lei n.º 45 266,
de 23 de Setembro de 1963) e pela Lei n.º 24/84, de 14 de Agosto, o dever de
assegurar a segurança social aos seus trabalhadores, de natureza obrigatória, na
situação de doença, invalidez e invalidez presumível (limite de idade),
constando essa obrigação, relativamente aos trabalhadores que se reformassem ao
serviço de tais instituições, ao tempo em que o autor se reformou por invalidez,
da cláusula 139ª do ACT de 1986 (correspondente à cláusula 137ª, do ACT de 1990,
e à cláusula 138ª do ACT de 1982).
Segundo um tal entendimento, as instituições bancárias estavam, legalmente e por
via de normas constantes de convenções colectivas celebradas ao longo do tempo,
obrigadas a assegurar a assistência na doença e a reforma em caso de invalidez e
em caso de invalidez presumida (limite de idade, fixado antes em 70 anos e
depois em 65 anos), gozando, porém, deste direito apenas os trabalhadores que se
reformassem ao serviço de tais instituições. Na tese da decisão recorrida, só
através da norma constante do n.º 6 da cláusula 141ª do Acordo Colectivo de
Trabalho para o Sector Bancário, de 1982 a que se sucedeu, com o mesmo sentido,
a constitucionalmente sindicada (o referido n.º 4 da cláusula 142ª do ACTV, para
o Sector Bancário, de 1986 e a que corresponde a cláusula 140º do ACTV, de
1990), é que foi instituído, ex novo, o direito dos trabalhadores que
abandonaram o sector bancário a uma pensão complementar de reforma, definida nos
termos já referidos, tendo, porém, as partes contratantes de tal convenção
colectiva, atribuído esse direito apenas aos trabalhadores que abandonassem
aquele sector de actividade depois de 15 de Julho de 1982.
Ora, dentro de um quadro normativo assim definido, não poderá, de facto, deixar
de concluir-se, como concluiu a decisão recorrida, pela inconstitucionalidade da
norma sindicada no recurso, se bem que com base numa fundamentação algo diversa,
ou seja, com base em pilares assentes, essencialmente, ao tempo de emissão da
norma sindicada (1986), no direito à segurança social como direito de carácter
universal consagrado, então, no n.º 1 do art.º 63º da CRP, e no princípio da
igualdade, na sua dimensão negativa, de proibição de discriminação (aqui em
matéria de direitos sociais fundamentais) sem fundamento material bastante.
Tratando-se de princípio introduzido apenas pela revisão constitucional de 1989
e tendo-se o trabalhador reformado em 1986, não poderá, porém, convocar-se como
parâmetro de constitucionalidade para ajuizar da conformidade de norma
anteriormente editada o princípio de que “todo o tempo contribuirá, nos termos
da lei, para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, independentemente
do sector onde for prestado”, constante do n.º 5 do art.º 63º da CRP.
Segundo o regime de segurança social dos trabalhadores bancários – na acepção
assumida pelo acórdão recorrido – estes tinham assegurado o direito de segurança
social na doença, na invalidez e na invalidez presumida (limite de idade),
enquanto trabalhassem em tal sector de actividade e no caso de se reformarem
quando este facto ocorresse ao serviço das instituições bancárias (cláusula 139ª
do ACT de 1986, a que corresponde a cláusula 137ª do ACT de 1990, e a cláusula
138ª do ACT de 1988).
Quer isto dizer que essas instituições supriam, nesse sector de actividade e nos
moldes acordados colectivamente, o regime de segurança social instituído, no que
importa aqui considerar, já anteriormente à Constituição de 1976 com carácter
obrigatório em relação aos trabalhadores por conta de outrem que exercessem
profissões interessadas em convenções colectivas ou definidas nos diplomas que
criassem as caixas de previdência (cf. bases VIII e XIII da Lei n.º 2115, de
18/06/1962, e 17º e ss. do referido Regulamento Geral das Caixas de
Previdência).
De acentuar que a base XIII da Lei n.º 2115 previa a “manutenção de caixas
privativas de uma empresa ou grupo de empresas, ou de certo ramo de actividade
económica, quando, mediante parecer do Conselho Superior da Previdência e da
Habitação Económica, se reconheça haver vantagens sociais em tal enquadramento”.
De acordo com esse regime, vindo já de 1944, as instituições bancárias
organizavam a prestação da segurança social nos termos já referidos, suportando
os respectivos custos quando os mesmos sobreviessem, sem necessidade de terem de
efectuar descontos nos salários dos trabalhadores e sem terem de libertar os
fundos correspondentes às sua próprias contribuições, para a constituição do
fundo de segurança social.
Os Bancos e instituições financeiras geriam o dinheiro que de outro modo teriam
de libertar para as caixas de previdência, tirando daí as respectivas vantagens,
entre as quais se incluía a contabilização como custos das próprias provisões
que constituíam para assegurar o cumprimento de tais acontecimentos incertos ou
relativamente incertos quanto ao momento de ocorrência.
Por seu lado, os trabalhadores bancários não viam diminuído o seu salário com
os descontos e, constituindo uma classe profissional restrita, poderiam gozar de
condições especiais de assistência na doença e de reforma.
Tal sistema tinha, de resto, alguma vantagem ao nível da sua gestão que não
podia deixar de considerar-se relevante no que se refere aos seus custos, pois
dispensava a conformação de uma organização de pessoal adstrita a tal fim, bem
como a aquisição de bens necessários ao desempenho de tal actividade
(instalações, bens de equipamento e de consumo gastos pelo quadro de pessoal).
Tendo passado, segundo a interpretação aplicada pelo acórdão
recorrido, a ser garantido por convenção colectiva, através do n.º 3 da cláusula
141ª do Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário de 1982 [a que
corresponde o n.º 3 da cláusula 142ª do ACTV para o Sector Bancário de 1986,
aqui questionado e o n.º 3 da cláusula 140º do ACTV de 1990], o direito, nas
condições aí previstas, a uma pensão complementar de reforma àqueles
trabalhadores que abandonassem o sector bancário, trabalhadores esses
obrigatoriamente integrados nesse regime especial de segurança social de acordo
com o regime legal decorrente da Lei n.º 2115 e do Regulamento Geral das Caixas
de Previdência e os ACT antes vigentes entre as partes colectivas, não poderiam
estas partes contratantes discriminar, para o efeito de conceder a uns e denegar
aos outros, dentro dos trabalhadores que estavam integrados já nesse regime
especial de segurança social, aqueles trabalhadores que abandonassem o sector
antes de 15 de Julho de 1982 dos que o fizessem depois desta data.
Não há dúvida que, estando todos esses trabalhadores sujeitos ao
mesmo regime obrigatório de segurança social decorrente de normas anteriores à
própria Constituição de 1976, uma tal norma, de 1982, que conduzisse à
desconsideração superveniente, dentro do regime específico de segurança social
do tempo durante o qual esses trabalhadores prestaram serviço para as
instituições bancárias para efeitos de segurança social em caso de abandono do
sector bancário equivaleria a privá-los do direito à segurança social
constitucionalmente reconhecido no art.º 63º, n.º 1, da CRP pelo tempo
correspondente em que anteriormente tivessem estado ao serviço das instituições
bancárias.
Mesmo na perspectiva do princípio de justiça material imanente no
princípio do Estado de direito democrático, consagrado no art.º 2º da CRP,
haveria de ter-se uma tal solução por repudiada.
Na verdade, não se vislumbram razões pelas quais as entidades bancárias haveriam
de sair beneficiadas com o abandono do trabalhador do sector bancário –
quaisquer que fossem as circunstâncias que o motivassem – quando no regime geral
de previdência, mesmo do tempo anterior à Constituição de 1976, se dispunha que
“quando o beneficiário depender sucessivamente de diversas caixas de previdência
e abono de família, ser-lhe-á reconhecida na última caixa a que estiver sujeito
a continuação dos direitos resultantes da sua situação perante as caixas
anteriores, desde o início da inscrição” (art.º 26º, n.º 1, do referido
Regulamento Geral das Caixas de Previdência); que “os direitos a reconhecer aos
beneficiários inscritos em mais do que uma caixa de pensões serão determinados
em separado por cada instituição, nos termos do respectivo estatuto” e que
“quando o beneficiário requerer em mais de uma caixa de pensões a concessão de
benefícios relativos à mesma eventualidade, cada uma das caixas tomará em conta
o tempo de contribuição do beneficiário na outra ou nas demais caixas
interessadas, na parte em que se não sobreponha com o referente à respectiva
inscrição, para o efeito de se dar como vencido o prazo de garantia previsto no
seu estatuto” (art.º 27º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Regulamento Geral).
Acresce, ainda, que uma opção normativa nos termos da qual releva
apenas o trabalho prestado anteriormente às instituições bancárias e,
consequentemente, o tempo de inscrição no respectivo regime específico de
segurança social para o efeito de lhes atribuir uma pensão complementar de
reforma aos trabalhadores que abandonaram o sector bancário depois de 15 de
Julho de 1982, atenta, também, manifestamente contra o princípio constitucional
da igualdade, consagrado no art.º 13º da CRP, porquanto efectua uma
discriminação sem fundamento racional bastante dos trabalhadores inseridos no
mesmo regime de segurança mas que o abandonaram antes dessa data (Sobre a
compreensão do princípio constitucional da igualdade, nas suas diversas
acepções, e com uma recensão da doutrina, pode ver-se o Acórdão n.º 232/2003,
publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Julho de 2003).
De tudo resulta, assim, que é de acolher o juízo de
inconstitucionalidade firmado pelo acórdão recorrido.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide:
a) Confirmar o juízo de inconstitucionalidade feito pelo acórdão recorrido.
b) Negar provimento ao recurso.
Lisboa, 4 de Maio de 2005
Benjamim Rodrigues (com declaração anexa)
Paulo Mota Pinto (vencido quanto à questão prévia, nos termos da declaração de
voto aposta ao acórdão nº 580/2004)
Maria Fernanda Palma (votaria também a inconstitucionalidade por violação do
artigo 63º, nº 5, da Constituição).
Mário José de Araújo Torres (votei no sentido de se considerar igualmente
violado a artigo 63º da Constituição, por entender que a alteração introduzida
na revisão constitucional de 1989 se aplica a relações jurídicas de reforma que
perdurem após, a entrada em vigor daquela alteração)
Rui Manuel Moura Ramos
Declaração de Voto
Votei vencido quanto à decisão da questão prévia pelas razões constantes da
minha declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 580/04, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt.
Votei ainda vencido em parte quanto ao mérito do recurso, pois entendo que o
Tribunal deveria ir mais além e efectuar uma interpretação conforme à
Constituição.
Na verdade, “no caso de polissemia de sentidos de um acto normativo - escreve
J.J.Gomes Canotilho - a norma não deve considerar-se inconstitucional enquanto
puder ser interpretada de acordo com a constituição. A interpretação das leis em
conformidade com a Constituição é um meio de o TC (e os outros tribunais)
neutralizarem violações constitucionais, escolhendo a alternativa interpretativa
conducente a um juízo de compatibilidade do acto normativo com a Constituição”
(Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª edição, pp. 950).
É que o sentido da norma aqui impugnada não é o de uma instituição,
ex novo, de um direito de reforma a quem dele, embora numa diferente expressão,
não pudesse beneficiar antes nos termos da cláusula 139º do ACT, de 1986.
O que ela operou foi uma alteração da relevância, na perspectiva de um regime
unitário de segurança social, do tempo de serviço prestado anteriormente pelos
trabalhadores nas instituições bancárias e de inscrição no respectivo regime
específico de segurança social relativamente - mas apenas – relativamente aos
trabalhadores que abandonassem o sector bancário depois de 15 de Julho de 1982.
Na verdade, o direito de reforma - proporcional, evidentemente, ao tempo de
serviço prestado no sector bancário - emerge de outras normas vigentes nos
diversos ACT do sector bancário (cf. Prof. Doutor António Menezes Cordeiro,
“Convenções Colectivas de Trabalho e Direito Transitório: Com exemplo no regime
da reforma no sector bancário”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 64, I/II,
Novembro 2004, pp. 65-95), sendo, no caso dos autos, precisamente a norma tida
por não aplicável pelo acórdão recorrido à situação do autor, com base em um
entendimento desfocado da teleologia das normas constantes do n.º 3 e 6 da
cláusula 141ª do ATC de 1982, renovadas nos ACT posteriores - a cláusula 139ª
do ACT, de 1986.
De acordo com esta cláusula, o trabalhador bancário tem direito a uma pensão de
reforma pelo tempo de serviço prestado no sector bancário que abandonou antes de
15 de Julho de 1982, mas determinada com obediência às regras próprias de tal
cláusula, de modo totalmente independente da atribuída pelo trabalho prestado
sob outro regime de inscrição na segurança social.
Um tal sentido é, desde logo, aquele que é postulado pelas regras de aplicação
no tempo das normas constantes de convenções colectivas.
Depois, esse sentido é o que se posta exactamente na linha da razão de ser
histórica desta norma e das que a antecederam e sucederam com o mesmo sentido
prescritivo, bem como, ainda, na teleologia determinante da norma constante do
n.º 3 da claúsula 141ª do ACT de 1982, e da norma de direito transitório
constante do n.º 6 da mesma cláusula, normas estas mantidas nos ACTs de 1984,
1986 e 1988 (aqui com eliminação da norma de direito transitório).
Por fim há que notar que esse sentido encontra na letra de todos esses
preceitos adequada correspondência verbal (art.º 9º, n.º 2, do Código Civil).
Conforme já se referiu, os trabalhadores bancários gozam, desde 1944, de um
regime específico de previdência ou segurança social constante dos diversos ACTs
que se sucederam desde então, abrangendo as eventualidades de assistência na
doença, prestações de abono de família e prestações de reforma em caso de
invalidez ou de invalidez presumida (limite de idade) (Para uma resenha
histórica dos diversos ACTs veja-se o referido trabalho do Prof. Doutor António
Menezes Cordeiro),
A partir da Lei n.º 2115 e do Regulamento Geral das Caixas de Previdência esse
regime correspondeu a um modo de assegurar a previdência social relativamente a
tais eventualidades tornada obrigatória para os “trabalhadores das profissões
interessadas nas convenções colectivas de trabalho” (base VIII, da Lei n.º
2115), considerando-se obrigatoriamente como inscritos tais trabalhadores como
beneficiários e como contribuintes as entidades patronais abrangidas por tais
convenções, não obstante funcionar em regime de “caixa privativa de certo ramo
de actividade económica (Base XIII, da Lei n.º 2115, e art.ºs 17º e ss. do
referido Regulamento Geral), incumbindo, porém, o pagamento das pensões à Caixa
Nacional de Pensões (base XV da mesma Lei).
Ao tempo em que ocorreu a invalidez do autor, o direito à reforma constava da
cláusula 139ª do ACT, de 1986, que assim dispunha, na parte útil à decisão:
“1 - No caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade
(invalidez presumível), os trabalhadores em tempo completo têm direito:
a) às mensalidades que lhes competirem de harmonia com a aplicação das
percentagens do anexo VI às retribuições fixadas no anexo II, líquidas do valor
da contribuição para o Fundo de Desemprego e do imposto profissional
correspondente a 13 vezes o montante de cada uma dessas retribuições;
b)...
2 - ...
3 – Os trabalhadores em regime de tempo parcial terão direito às prestações
referidas nos n.ºs 1º e 2º calculadas proporcionalmente ao período normal de
trabalho.
...
8 – Os direitos previstos nesta cláusula aplicam-se a todos os trabalhadores na
situação de doença, invalidez presumível, quer tenham sido colocados nessas
situações antes ou depois da entrada em vigor deste contrato”.
Não derivando de qualquer preceito então vigente, nem sendo isso
constitucionalmente admissível por mor do disposto no n.º 1 do art.º 63º da CRP,
a perda do direito à segurança social, na sua dimensão de direito a uma pensão
de reforma que lhe era reconhecido pela cláusula em análise e pelas anteriores
do mesmo conteúdo a quando da verificação futura das condições estabelecidas, o
termo “trabalhadores” só poderá ser interpretado como referindo-se às pessoas em
relação às quais se verificam as condições que conferem o direito de reforma nos
termos aí estabelecidos quer elas tenham abandonado o sector bancário quer se
encontrem ainda a trabalhar nele a quando dessa eventualidade.
Na verdade, tem-se entendido que a interpretação e a integração das convenções
colectivas seguem as regras próprias da interpretação e de integração da lei,
“com cessões subjectivistas quando estejam em causa considerações que apenas
atendam às partes que as hajam celebrado” (cf. J. Caupers/P.Magalhães, Relações
Colectivas de Trabalho, Porto, 1979, p.p. 6; António Menezes Cordeiro, Manual de
Direito de Trabalho, 1994, pp. 307; Catarina Pires e João da Costa Andrade, “O
regime jurídico relativo à atribuição e cálculo da reforma de certos
trabalhadores do sector bancário: tentativa de superação de um (falso) problema
de aplicação da lei no tempo”, in O Direito, 136º, (2004), I, 157-176).
Sendo assim, não poderão desconhecer-se, no domínio das convenções colectivas,
as regras constantes do art.º 12º do Código Civil para resolver algumas das
questões advindas da conexão temporal da situação de facto com os vários regimes
que se sucederam.
Ora, de acordo com essas regras, o novo regime instituído em 1982 para os
trabalhadores que abandonem o sector bancário só poderá aplicar-se em relação a
quem esse facto se verifique a partir daí.
Primeiro, porque a lei apenas dispõe para o futuro (art.º 12º, n.º 1, do C: C.).
Depois, porque, mesmo admitindo-se que o novo regime tivesse aptidão para
abarcar situações de facto pendentes, ou que tivesse uma certa aptidão
retroactiva, sempre será de presumir que “ficam ressalvados os efeitos já
produzidos pelos factos que a lei se destina a regular (2ª parte do n.º 1 do
art.º 12º do C. C.).
A ressalva do direito dos trabalhadores que tenham abandonado o sector bancário
antes da data de entrada em vigor do novo regime corresponde, em tal caso, ao
simples respeito, no domínio do direito à segurança social, pelos efeitos que
decorrem do contrato de trabalho celebrado mas que já se encontra então extinto,
efeitos esses cuja eficácia jurídica estava, então, apenas dependente da
verificação futura de um elemento ou condição inteiramente prevista nele – a
verificação da invalidez ou a invalidez presumida.
Os trabalhadores tinham uma verdadeira expectativa jurídica, e não só uma
simples expectativa, a ver respeitados os efeitos restantes e sobrantes do
contrato de trabalho já extinto.
Por outro lado, “ainda que a convenção em que se insere a cláusula 140ª
[referem-se os AA. ao ACT de 1992, equivalente à 142ª do ACT de 1986] tivesse
uma pretensão de aplicação retroactiva, o que é lícito, à luz do artigo 12º do
Código Civil, (...) sempre seria de considerar que a reforma do trabalhador é
uma situação que se insere numa relação jurídica – a relação jurídica laboral –
mas que não é independente, não pode coerentemente abstrair do facto que a
origina”, “pelo que, mesmo que o caso em apreço envolvesse um problema de
retroactividade, sempre a pertinência do mencionado cânone do artigo 12º, n.º 2,
in fine, do Código Civil, arredaria qualquer pretensão de aplicação da lei nova
a situações pretéritas” e donde “não podemos deixar de concluir pela aplicação
da claúsula 137ª” [ do ACT de 1992, correspondente à cláusula 139ª do ACT de
1986] (Catarina Pires e João da Costa Andrade, op. cit. pp169 e 176).
A interpretação adoptada pelo acórdão recorrido, e pela corrente
jurisprudencial em que o mesmo se integra, assenta numa leitura restritiva do
conceito de “trabalhador”, só possível porque despreza o elemento histórico e a
natureza obrigatória do regime de segurança social em causa, não levando em
conta que este há-de necessariamente projectar-se para o futuro, a quando da
verificação em concreto dos eventos abrangidos pela protecção social.
Por outro lado, é outro o sentido imanente aos n.ºs 3 e 6 da cláusula 142ª do
ACT, para o Sector Bancário, de 1986 [a que corresponde o n.º 6 da cláusula 141ª
do ACT, de 1982, e a cláusula 140º do ACT, de 1990].
A conformação do direito e seu conteúdo segundo os termos constantes da cláusula
sindicada constitucionalmente e a estatuição normativa de um dies a quo a partir
do qual esse regime se aplica, com derrogação do anterior em relação às pessoas
naquele abrangidas, encontra a sua razão de ser no facto de as partes
contratantes não quererem que as instituições bancárias houvessem de fazer
contribuições para a segurança social, pelo período anterior a 15 de Julho de
1982, de modo a poder ser contabilizado, de modo unitário, no regime de
segurança social pelo qual o trabalhador se reformasse, o trabalho prestado às
instituições bancárias.
Tratou-se de pôr uma barreira a um possível grande fluxo de capitais das
instituições bancárias para a segurança social por abranger todo o tempo passado
desde 1944, dado que as instituições bancárias teriam de abdicar de provisões
antes constituídas e integradas no seu património e das quais fruíam a fim de
assegurar a reforma do ex-trabalhador do sector no regime de segurança social
pelo qual se viesse a reformar, ao mesmo tempo que não se frustravam as
expectativas construídas pelos trabalhadores bancários que haviam abandonado o
sector até então (cf. Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, op. cit.).
Por outro lado, daí em diante já as instituições bancárias poderiam passar a
considerar esses eventos de transferência dos fundos correspondentes às
contribuições devidas pelo tempo de serviço no sector bancário, do mesmo passo
que os trabalhadores que o abandonassem ficavam também a saber que os termos em
que a sua pensão de reforma seria calculada seriam os equivalentes à situação
que deteriam se tivessem sido sempre beneficiários do regime pelo qual se
reformassem.
A uma tal opção não obstam os n.ºs 1 e 5 do art.º 63º da CRP,
porquanto o novo regime adoptado assenta precisamente no reconhecimento do
direito à segurança social, na dimensão de direito a uma pensão de reforma,
dentro do regime onde ela acabe por ocorrer, e numa total consideração como
tempo de trabalho prestado no regime pelo qual o ex-trabalhador bancário se
reforme do tempo de trabalho prestado no sector bancário, respeitando
integralmente os princípios da universalidade, da unidade e da igualdade do
direito à segurança social consagrados em tais normas constitucionais.
Deste modo entendemos que seria de fixar, ao abrigo do disposto do
n.º 3 do art.º 80º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro – por ser a única
compatível com a Constituição – como interpretação das disposições conjugadas
das cláusulas 139ª e 142ª, n.ºs 3 e 6, todas do Acordo Colectivo de Trabalho
Vertical, do Sector Bancário de 1986, na parte que concerne aos trabalhadores
bancários que hajam abandonado o sector bancário antes de 15 de Julho de 1982, a
ser aplicada já no processo, a de que a pensão de reforma proporcional ao tempo
de trabalho prestado nesse sector se determina nos termos da cláusula 139ª e
ordenar a reforma da decisão recorrida.
Benjamim Rodrigues