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Processo nº 1068/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
reclamante A. e reclamado o Ministério Público, reclamou o primeiro da decisão
do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 2006.
2. Por acórdão de 28 de Setembro de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu
rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, oposto pelo
ora reclamante, com fundamento em “ausência de interesse em agir por parte do
recorrente”.
Em 31 de Outubro de 2006, o ora reclamante interpôs recurso desta decisão para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) – fl. 14
e ss. dos presentes autos.
Em 2 de Novembro de 2006, foi proferida decisão do seguinte teor:
“Requerimento avulso de 31Out06:
Devolva-o ao requerente.
Desde logo porque o processo já desceu, após trânsito (em 160ut06), às
instâncias.
Com efeito, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é
de 10 dias (art. 75.1 do CPP), tendo o ora requerente sido notificado do acórdão
de que tardiamente pretende recorrer em 060ut06 (por c/r de 2).
Acresce não ser aplicável, ao caso, o n.º 2 do art. 75.º da LTC. Desde logo,
porque o recurso (penal) inadmitido se tratava de um recurso «extraordinário»
(Livro IX, Título II Capítulo I, art.s 437.º e ss., do CPP), referindo-se aquela
disposição ao recurso (civil) «ordinário, ainda que para uniformização de
jurisprudência» (cfr. n.º 1 do art. 732.º -A do CPC). E, depois, porque a sua
inadmissão não se fundamentou em «irrecorribilidade» mas, simplesmente, na falta
do pressuposto processual «interesse em agir»”.
3. Em 22 de Novembro de 2006, o então recorrente deduziu reclamação, que disse
fazer nos termos do artigo 405º, nº 1, do Código de Processo Penal, dirigindo-se
ao Meritíssimo Senhor Doutor Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, com o
seguinte conteúdo:
«I – Razões que justificam a admissão do recurso.
Por douto Acórdão proferido, em 28 (vinte e oito) de Setembro de 2006, patente
de fls. 1 a 5 dos autos, o Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, após
receber a dedução de «requerimento de recurso extraordinário para fixação de
jurisprudência», propondo «a consagração defendida no aresto fundamento»,
decidiu que, o ora Reclamante, da eventual fixação de jurisprudência, no sentido
propugnado, não retiraria o recorrente qualquer benefício prático, nos seguintes
termos:
«[...],
não só porque a sua prisão preventiva, à data do pedido, se fundava já em
despacho ulterior não impugnado, como porque ele, a partir de 31 de Julho de
2006, se encontra em cumprimento de pena (com desconto por inteiro da respectiva
prisão preventiva).
Donde que, por manifesta falta (original e/ou superveniente) de interesse de
agir do recorrente, o recurso seja, liminarmente, de rejeitar (art.s 401.2,
420.1, 438.2, 441.1 e 448.° do CPP).
Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, na ausência de interesse em agir por
parte do recorrente, rejeita o recurso extraordinário para fixação de
jurisprudência oposto em 23 de Março de 2006, pelo cidadão A., ao acórdão da
Relação de Lisboa que, em 31 de Janeiro de 2006, lhe negou, no âmbito do recurso
10383/06 - 5, a anulação do despacho da 1.ª secção da 6.ª Vara Criminal de
Lisboa que, em 7 de Setembro de 2005, lhe mantivera a medida de coacção de
prisão preventiva... » (negrito e sublinhado nosso).
Desta decisão, em devido tempo, deduziu, o ora Reclamante, requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, alegando, em suma:
«[...],
julgar inconstitucional, por violação do direito ao recurso consagrado no artigo
32°., n°. 1, da Constituição, a norma do artigo 287°., alínea e), do Código de
Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4°., do Código
de Processo Penal, se interpretada no sentido de se considerar
supervenientemente inútil o recurso de decisão que aplicou ao arguido a medida
de coacção de prisão preventiva, quando esta decisão já foi substituída por
outra que determinou a cessação daquela medida de coacção... ».
Em face da motivação supra transcrita, foi proferido, pelo Meritíssimo Sr°. Dr°.
Juiz Conselheiro - Relator - da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça,
douto Despacho de rejeição da interposição do recurso, exarado e consubstanciado
a fls. 6 dos autos, que se dá por, integralmente, reproduzido e para o qual se
remete.
É do supra aludido Despacho de não admissibilidade da dedução do requerimento de
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, deduzido no dia 30 de
Outubro de 2006, que, o Recorrente, vem, ora Reclamar.
Com efeito, e ao contrário do que se alega, o prazo de interposição de recurso
para o Tribunal Constitucional não é, salvo melhor opinião, de 10 dias.
Vejamos,
O arguido deduziu, no dia 23 de Março de 2006, «requerimento de recurso
extraordinário para fixação de jurisprudência», propondo «a consagração
defendida no aresto fundamento».
Acontece que, esse recurso lhe foi rejeitado por Acórdão de 28 de Setembro de
2006 do Supremo Tribunal de Justiça, que lhe foi notificado por carta registada
no dia 2 de Outubro de 2006.
Por conseguinte, sendo certo que a carta foi registada em 2 de Outubro de 2006,
presumindo-se que a notificação foi feita no terceiro dia útil posterior ao do
registo (artigo 113°, n.° 2, do C.P.P.), temos por exacto que o arguido se
considera notificado daquela recusa em 6 de Outubro de 2006. Não valendo esse
dia em termos de contagem do prazo subsequente - artigo 279.° do C.C..
No entanto, daquele Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que rejeitou o
recurso, caberia reclamação nos termos do artigo 405°., n°. 1, do C.P.P.
Essa reclamação, dirigida ao tribunal ao qual se pretendia recorrer, haveria de
ser efectuada no prazo de dez dias - artigo 405°, n.º 2, do C.P.P.
Logo,
Estando o arguido notificado no dia 6 de Outubro de 2006, aquele prazo de 10
dias começaria a correr no dia 7 de Outubro de 2006, dando-se por findo em 16 de
Outubro de2006.
Isto se não se usasse o expediente previsto no artigo 145.°, n.º 5, do C.C., que
prevê a entrega das peças processuais até três dias úteis após o terminus do
prazo, mediante o pagamento de multa.
Sendo certo que, por via dessa regra, o prazo para reclamar do Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça só acabaria em 19 de Outubro de 2006.
Não obstante,
O arguido decidiu não a fazer.
O que é um direito que lhe assiste; o de escolher quais as atitudes processuais
a tomar, de entre as que a lei lhe disponibiliza.
Portanto, ele poderia ou não reclamar daquele Acórdão, cabendo-lhe fazer essa
escolha no prazo de 10 dias que a lei prevê para a entrega da reclamação.
O arguido decidiu não a fazer, como poderia, por hipótese, ter decidido fazê-la.
Sem prescindir,
Findo o prazo para reclamar, isto no dia 16 de Outubro de 2006 (ou 19 de Outubro
de 2006, com multa), o arguido decidiu apresentar recurso para o Tribunal
Constitucional.
O que veio efectivamente a fazer no dia 20 de Outubro de 2006.
Dia em que entregou no Supremo Tribunal de Justiça o seu requerimento de
recurso.
Ora,
Entre os recursos previstos na legislação aplicável, o arguido decidiu-se por um
recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, referido nos artigos
69°. e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional.
Cujo prazo de interposição nos é indicado no artigo 75°., n°. 1, da mesma Lei -
10 dias.
Havendo que os contar a partir da data em que terminam todos os recursos
ordinários ou, como nos ensina o nº. 2, daquele artigo 75°., “do momento em que
se torna definitiva a decisão que não admite o recurso”.
Esse dia, esse momento, só pode ser o dia 30 de Outubro, nunca o dia 24 de
Outubro de 2006.
Tão - só, porque do dia 7 de Outubro de 2006 ao dia 19 de Outubro de 2006, o
arguido poderia ter reclamado do Acórdão que não admitiu o recurso.
Direito que poderia ou não usar, conforme entendesse útil ou não à defesa dos
seus interesses.
Portanto,
Iniciado o prazo para recurso para o Tribunal Constitucional naquele dia 19 de
Outubro, o seu terminus só ocorreria no dia 30 de Outubro de 2006.
Data em que o arguido entregou o seu requerimento de recurso junto do Tribunal
recorrido.
Pelo que é forçoso concluir que não foi extemporânea aquela entrega.
Aliás,
Não parece haver outro entendimento plausível da situação descrita.
Senão vejamos,
O arguido recorreu ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo
70°., n°. 1, alínea g), da Lei do Tribunal Constitucional.
Atente-se, no n°. 2 desse artigo: “Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do
número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por
a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam,
salvo os destinados a uniformização de jurisprudência.”
Ou seja, nos casos daquelas alíneas, só cabe recurso para o Tribunal
Constitucional quando estejam esgotados os recursos ordinários.
O que, in casu, é o mesmo que dizer que só se poderia recorrer para o Tribunal
Constitucional quando o Acórdão que não admitiu recurso se consolidasse, ou
seja, se tornasse definitivo.
E não se diga que, uma reclamação para o tribunal superior, neste caso, uma
reclamação para o Tribunal Constitucional, não equivale a um recurso ordinário,
nomeadamente para os efeitos aqui pretendidos.
Situação prevista no n°. 3, do mesmo artigo 70°.: “São equiparadas a recursos
ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos
casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos
despachos dos juízes relatores para a conferência.”
Bem entendido,
Se o arguido tivesse reclamado para o Tribunal Constitucional, enquanto essa
reclamação não estivesse decidida, o arguido não poderia sequer recorrer para o
Tribunal Constitucional.
Os recursos, nos termos da alínea g), do nº. 1, do artigo 70.º, da Lei do
Tribunal Constitucional, só podem ser feitos quando essa for a única/última via
processual.
O que nos é concretizado pelo n°. 4 desse artigo: “Entende-se que se acham
esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do nº. 2, quando tenha havido
renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os
recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual”.
Em conclusão,
Notificado, no dia 6 de Outubro de 2006, da não admissão do recurso, o arguido
tinha 10 dias para reclamar daquele Acórdão.
Embora, não tenha usado esse instituto da reclamação, a verdade é que o poderia
ter feito até ao dia 19 de Outubro de 2006.
Não o tendo feito, após aquele dia, o dia em que se esgotam todos os recursos
ordinários, a lei prevê: o prazo de 10 dias para recorrer para o Tribunal
Constitucional.
Prazo que terminou no dia 30 de Outubro de 2006, ou seja, exactamente no dia em
que o arguido entregou o recurso.
Donde se conclui que, o recurso foi apresentado dentro do prazo.
De modo que,
Não se justifica o despacho exarado pelo Meritíssimo Sr°. Dr°. Juiz Conselheiro
- Relator - da 5ª. Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, que recusou o
recurso com base na sua extemporaneidade.
Porque, conforme se explicou, o recurso foi entregue no último dia do prazo, e
portanto dentro dele.
Razão pela qual aqui se reclama».
4. Em 24 de Novembro de 2006, foi proferido despacho a remeter a “reclamação” ao
Tribunal Constitucional.
5. Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou nos seguintes termos:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente, assentando em evidente
equívoco do reclamante sobre o âmbito da “prorrogação” do prazo de interposição
de recurso de constitucionalidade, previsto no n.º 2 do art. 75.º da Lei n.º
28/82: sendo, na verdade, inquestionável que tal “prorrogação” apenas tem
cabimento a propósito da irrecorribilidade das decisões impugnadas mediante
“recurso ordinário”, é manifesta a sua inaplicabilidade à situação do
reclamante, que se viu confrontado com a rejeição, no STJ, do recurso
extraordinário para uniformização de jurisprudência, com fundamento em falta de
interesse em agir”.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
A presente reclamação tem como objecto o despacho que concluiu pela
extemporaneidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC (cf. nºs 1, 2 e 4 do artigo 76º da
LTC), com fundamento no disposto no nº 1 do artigo 75º da LTC.
Dispondo este artigo que o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional é de 10 dias é de acompanhar a decisão reclamada: a decisão da
qual pretendeu interpor recurso de constitucionalidade foi notificada ao ora
reclamante no dia 6 de Outubro de 2006; e o requerimento respectivo tem data de
entrada no Supremo Tribunal de Justiça em 31 de Outubro de 2006 (fl. 14 dos
presentes autos).
Face à argumentação do ora reclamante diga-se, ainda, que tendo sido interposto
recurso ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC, não lhe é aplicável
o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 70º da mesma lei, já que estes preceitos
se referem aos recursos interpostos ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do
referido artigo 70º
Por outro lado, também não é aplicável o estabelecido no nº 2 do artigo 75º da
LTC: está em causa um recurso extraordinário; o acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça rejeitou este recurso, com fundamento na ausência de interesse em agir
por parte do recorrente; e o ora reclamante pretendia recorrer desta decisão e
não de uma outra cujo prazo de interposição de recurso se contaria a partir do
momento em que se tornasse definitiva decisão de não admissão do recurso com
fundamento em irrecorribilidade.
Assim, importa concluir, como bem se decidiu no despacho reclamado, que o
recurso de constitucionalidade foi interposto fora do prazo.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício