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Processo n.º 563/2003
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
(Conselheiro Benjamim Rodrigues)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A. promoveu a expropriação por utilidade pública, necessária
para a construção da A11/IP9, Braga-Guimarães, A4/IP4, Sublanço Celeirós,
Guimarães Oeste, do terreno correspondente à parcela nº --- do respectivo mapa
de expropriações, pertença dos expropriados B. e marido C., identificada por
“uma parcela de terreno com a área de 1. 297 m2, a confrontar actualmente, do
Norte com D., do Sul com D., do Nascente com E. e do Poente com F., sita no
lugar de ---------------, na freguesia de ----------------, a destacar do prédio
inscrito na matriz sob o artigo ------º e descrito na Conservatória do Registo
Predial de Braga sob o nº --------”.
Por não ter havido acordo entre o expropriante e os expropriados
sobre o preço da parcela a expropriar, procedeu-se à arbitragem.
Notificado o resultado da arbitragem, o expropriante e os expropriados
recorreram para o Tribunal da Comarca de Braga.
Por sentença de 10 de Julho de 2002, o Tribunal de 1ª instância
decidiu fixar “o montante da indemnização a pagar pelo expropriante aos
expropriados em 31.987,36 Euros, actualizada à data da decisão final do processo
nos termos do disposto no artigo 24º do Código das Expropriações de acordo com
os índices de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo
INE”.
Para alcançar este valor indemnizatório, a sentença considerou, em
síntese, que a parcela de terreno, não obstante estar integrada pelo PDM de
Braga na RAN, “deveria ser avaliada como solo apto para construção”, dada a
circunstância de “a parcela se situar numa zona onde na área envolvente se
situam construções de vivendas familiares de 2 pisos em média, tendo a
propriedade acesso por via pública” e que “a nascente do prédio e da parcela
situam-se diversos loteamentos já construídos, devidamente estruturados e que
distam cerca de 150 metros da parcela”, “tomando como critério o previsto no nº
12 do artigo 26º do Código das Expropriações conforme consta do relatório dos
senhores peritos”.
2. O expropriante e os expropriados recorreram da decisão da 1ª
instância para o Tribunal da Relação de Guimarães (o recurso dos expropriados
foi interposto a título subordinado).
A entidade expropriante concluiu as respectivas alegações do
seguinte modo:
[...]
I. Por duas diferentes razões, deveria o solo da parcela
expropriada ser classificado como “para outros fins”.
II. Por um lado devido à classificação dada pelo PDM, que é
extremamente importante na classificação e valorização do terreno pois ao
condicionar o tipo de aproveitamento económico que o proprietário pode dar ao
terreno, vai influir directamente no valor de mercado do mesmo.
III. Encontra-se o solo expropriado incluído em área classificada
como RAN, sendo de aplicar o DL 196/89 que menciona no seu artigo 8º/1 que os
solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura.
IV. Em vários acórdãos o Tribunal Constitucional considerou que
parcela que faça parte integrante da RAN, deve ser avaliada como solo apto para
outros fins, visto que jamais os expropriados poderiam nela construir e que não
é inconstitucional, nem viola os princípios da justiça e da proporcionalidade, a
interpretação do artigo 24º/5 do CE/91 no sentido de excluir da classificação de
solos aptos para construção os solos integrados na RAN e expropriados para a
implementação de vias de comunicação.
V. Neles o TC defendeu que os princípios constitucionais da justa
indemnização e da igualdade são afectados apenas quando se exclui da
classificação de “solo apto para construção” parcela de terreno integrado na RAN
e que, com vista à satisfação do fim determinante da expropriação, é dela
desafectado e que é destinado pela expropriante à implantação de edificação mas
já não quando a expropriação (com indemnização como “solo para outros fins”) não
visa a construção de prédios urbanos mas sim a construção de via de comunicação.
VI. Por outro lado, o terreno em causa não preenche nenhuma das
alíneas do artigo 25º do Código das Expropriações.
VII. Não confrontava com via pública pavimentada susceptível de servir
edificações, sendo, um terreno interiorizado.
VIII. Não possuía as infra-estruturas urbanísticas necessárias para
servir edificações, nomeadamente rede de abastecimento de água, rede de energia
eléctrica e de saneamento.
IX. Não existia qualquer viabilidade de construção para o prédio objecto
de expropriação à data da DUP, sendo de referir que o expropriado não possuía
alvará de loteamento nem licença de construção.
X. Pelos argumentos aduzidos constata-se claramente que falta
aptidão construtiva ao solo em causa.
XI. Se assim não se entendesse, chegaríamos ao absurdo de concluir
que em Portugal não existe qualquer terreno sem aptidão construtiva, já que
mesmo os terrenos interiorizados, inseridos em áreas reservadas para a
agricultura e nos quais é proibido construir, seriam classificados como “aptos
para construção”.
XII. Então como é que chegou o tribunal a quo a tal conclusão? Pelo
facto de na envolvente existirem construções, fundamentando-se no disposto no nº
12 do artigo 26º do Código das Expropriações.
XIII. Tal argumento não procede, já que não tem em conta que a região do
Minho é caracterizada em termos habitacionais, por um povoamento disperso.
XIV. Além do mais, o nº 12 do artigo 26, é uma norma que apenas
estabelece um critério de avaliação para solos que, de acordo com o artigo 25 do
CE, sejam classificados como “aptos para construção”, o que claramente não
sucede no caso concreto.
XV. Não pode esta norma ser usada para conferir aptidão construtiva a
solos, mas sim para avaliar solos que, tendo aptidão construtiva, se encontram
nas situações nela descritas.
XVI. De qualquer modo, o nº 12 do artigo 26º é inconstitucional por
violação do princípio da igualdade na sua vertente externa, princípio este
consagrado constitucionalmente no artigo 13º, nº 1 da Lei Fundamental.
XVII. Não podem os proprietários de prédios expropriados, ser tratados
diferentemente em relação aos proprietários de prédios que não são abrangidos
por uma expropriação.
XVIII. Assim sendo, a entidade expropriante não compreende o critério atendido
na douta sentença “a quo”, não se conformando com a mesma.
XIX. A indemnização a atribuir aos expropriados não deverá exceder o
quantitativo de € 23.769,25 (Vinte e três mil e setecentos e sessenta e nove
Euros e vinte e cinco cêntimos), actualizável nos termos do disposto no Código
das Expropriações.
O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 14 de Maio de 2003, negou
provimento a ambos os recursos.
A decisão recorrida considerou, entre o mais, o seguinte:
[...]
Ao caso dos autos, aplica-se o actual Código das Expropriações (aprovado pela
Lei n° 168/99, de 18.09), lei vigente à data da publicação da declaração de
utilidade pública no D.R.
Alega a expropriante que a parcela expropriada deve ser classificada como solo
“para outros fins” por estar incluída em área classificada com RAN, sendo de
aplicar o nº 1º do artigo 8º da CE.
*
O CE começa por distinguir solo apto para construção e solo para outros fins
(artigo 25º). E no seu nº 2 enumera os casos em que considera o solo apto para
construção, ou seja:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de
energia eléctrica e de saneamento, com as características adequadas para servir
as edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea
anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a
adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui,
todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da
declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha
iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 3° do artigo 10º
Da matéria apurada resulta que, à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam -
realizada em 5/03/2001 - a parcela expropriada era um terreno lavradio de boa
aptidão agrícola, com cultura de regadio da época instalada de forma rectangular
com os lados maiores de tronco esférico, plano, de solo profundo e com vinha
plantada, com ligação directa e interna à casa de habitação dos expropriados.
A parcela situa-se numa zona onde na área envolvente se situam construções de
vivendas familiares de 2 pisos em média, tendo a propriedade acesso por via
pública. A nascente do prédio e da parcela situam-se diversos loteamentos já
construídos, devidamente infra-estruturados e que distam cerca de 150 metros da
parcela.
Considerando apenas os critérios da proximidade da malha urbana referida e a
própria envolvência (sem atender a outros), afigura-se-nos que, face à matéria
provada, se encontram preenchidas as condições previstas na alínea a) do nº 1º
do art. 25º) do CE de modo a parcela em causa ser classificada como solo 'apto
para construção', com aplicação do nº 12º do art. 26º do mesmo diploma legal.
Existindo, portanto, as infra-estruturas adequadas tão próximas da parcela a
expropriar, com acesso à via pública e encontrando-se, para além do mais, em
zona de expansão urbana e atendendo às características do terreno, entendemos
que o mesmo tem potencialidade edificativa, e como tal, é acertada a decisão do
Tribunal “a quo”, aliás de acordo com entendimento unânime dos Senhores Peritos.
*
Alega a expropriante que a parcela expropriada, localizando-se em área
classificada como Reserva Agrícola Nacional (RAN), deve ser exclusivamente
afecta à agricultura e como tal classificada como solo “apto para outros fins”.
O regime jurídico da RAN - regulamentado no DL 196/89 - estabelecendo embora que
os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura (artigo 8º),
enumera situações em que os solos da RAN podem ser utilizados para outros fins
(artigo 9º).
O entendimento mais corrente da doutrina e da jurisprudência vai no sentido de a
integração na RAN “não implicar, de per si, a extinção das potencialidades
edificativas dos respectivos solos, já que a lei prevê várias excepções ao
regime proibitivo de construção e ainda porque as delimitações da RAN podem
sempre ser alteradas pela Administração, como consequente expansão do conteúdo
do direito de propriedade (cf. Osvaldo Gomes – Expropriações, 243; Acs.
RP-CJ-1989-V-205 e CJ-1991-I-246; Ac. RE.CJ-1993-II-261).
A classificação do solo e a sua efectiva utilização para efeitos da construção
são coisas distintas, pelo que tal normativo legal não pode ser objecto de
interpretação literal no sentido da equiparação a solo “para outros fins” àquele
que por lei ou regulamento não possa ser utilizado na construção.
Como bem referem os expropriados, (citando o Ac. da RP, de 12.06.97 - Proc.
221/95), o facto de o terreno expropriado “estar consignado em sede de PM, como
Reserva Agrícola Nacional, nada releva em termos objectivos tanto mais que o
Estado ao proceder à expropriação de um terreno ainda que limitado por imposição
de Planos de Ordenamento e Gestão Territorial com o fim último de construção de
um eixo rodoviário está a atribuir-lhe um destino manifestamente diverso daquele
a que presidiu à sua limitação não se podendo agora aproveitar de uma
desvalorização de que ele próprio é criador, em violação expressa dos artigos
18º, 62º e 266º da Constituição da República.
Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação da expropriante.
*
Quanto ao recurso subordinado:
Ao contrário do alegado pelos expropriados, o laudo dos Srs. Peritos, a fls. 171
dos autos, encontra-se suficientemente fundamentado, garantindo uma boa decisão
da causa.
Todos os Senhores Peritos são pessoas tecnicamente qualificadas, não
apresentando quaisquer razões de divergência entre eles, plasmadas no respectivo
relatório.
A sentença recorrida aderiu à posição dos Senhores Peritos, posição essa que é
de manter.
Termos em que se acorda em negar provimento a ambos os recursos confirmando-se a
sentença recorrida.
3. O expropriante recorreu para o Tribunal Constitucional
apresentando um requerimento com o seguinte teor:
O A., entidade expropriante nos autos à margem referenciados, e neles melhor
identificado, notificado do douto acórdão proferido por V.Ex.as, com o qual não
se conforma, vem, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82
de 15 de Novembro, interpor
Recurso para o Tribunal Constitucional
nos termos do disposto nos artigos 69º e segs. da lei citada, com subida
imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
A norma, cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie, é o nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações aprovado pela lei
nº 168/99 de 18 de Setembro.
Mais se refere, em cumprimento do nº 2 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82 de 15 de
novembro, que os princípios constitucionais que se consideram violados são o
princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da C.R.P. e o princípio da
justa indemnização, consagrado no nº 2 do artigo 62º da C.R.P.
O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma citada nas
alegações aduzidas ao abrigo do artigo 64º do Código das Expropriações citado.
Nas alegações que apresentou no Tribunal Constitucional o recorrente
formulou as seguintes conclusões:
I. O nº 12 do artigo 26º é, no nosso entender, inconstitucional pois estabelece
um critério de valorização que viola o princípios constitucionais da justa
indemnização e da igualdade.
II. Nos termos em que se encontra exposto no nº 2 do artigo 62º
da C.R.P., a justa indemnização, mais do que um pressuposto da legitimidade da
expropriação, é parte integrante do seu conceito.
III. Consideramos que a indemnização não será justa, apesar de adequada
ao bem objecto de expropriação, se não permitir a continuidade da vida do
expropriado em termos dignos.
IV. A indemnização deve, igualmente, ser equitativa não só para o
expropriado como, também, para o interesse público.
V. Não restam dúvidas que a indemnização deve repor a situação
patrimonial do titular dos bens objecto de expropriação, sendo actualmente
doutrinal e jurisprudencialmente pacífico que o valor do mercado terá de ser o
ponto de partida para a determinação do valor que permite aquele ressarcimento.
VI. Para ser justa, a indemnização paga em virtude de expropriação por
utilidade pública necessita ainda de ser contemporânea, ou seja, tem de existir
uma paridade temporal entre a aquisição pela expropriante do bem e o pagamento
da indemnização ao expropriado.
VII. Por fim, é preciso que seja reposto o princípio da igualdade violado.
VIII. A indemnização por expropriação deve repor o princípio da igualdade,
violado pela imposição de um sacrifício especial ao proprietário, reconstituindo
a situação patrimonial que anteriormente detinha.
IX. A indemnização deve compensar plenamente o sacrifício especial
imposto ao expropriado, não podendo este ficar em situação mais gravosa do que a
dos particulares não expropriados, ou seja, não podem ser impostos aos
expropriados maiores sacrifícios que aos proprietários não expropriados.
X. O princípio da igualdade terá, ainda, aplicação na sua vertente
interna, impondo a utilização dos mesmos critérios na determinação das
indemnizações devidas aos expropriados.
XI. Este princípio assume especial relevância na determinação dos
critérios orientadores do cálculo da justa indemnização.
XII. Tendo em conta os argumentos expostos, fica claro que a indemnização
por expropriação só será justa se repor o princípio da igualdade violado,
através da reconstituição da posição de proprietário que o expropriado detinha.
XIII. Ora o nº 12 do artigo 26º do C.E. obsta a que tal suceda, dado que os
solos não serão avaliados segundo as suas potencialidades, nem sequer segundo as
potencialidades de parcelas de terreno com os mesmos condicionalismos materiais
e legais 'situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m
do limite da parcela expropriada'.
XIV. Este critério em primeiro lugar não atende ao facto de na prática não
ser possível realizar no solo expropriado uma construção semelhante às
existentes ou possíveis de edificar na zona envolvente.
XV. É que além das próprias características materiais do solo (declives,
proximidade de rio, etc.) poderem desaconselhar senão mesmo impedir a
construção, não nos podemos esquecer que o direito de edificar, conforme tem
sido maioritariamente entendido, não integra o núcleo do direito de propriedade
sobre um solo.
XVI. A não ser assim, todos os solos expropriados deveriam ser valorizados
como “aptos para construção” devido ao titular do direito de propriedade possuir
igualmente o direito de neles edificar.
XVII. O nº 12 do artigo 26º do C.E. não tem em conta que por vezes os planos
urbanísticos restringem a edificabilidade dos imóveis, com base na falta de
aptidão edificativa, ou devido a apresentarem uma especial apetência ecológica,
agrícola ou arqueológica, não se estando nesses casos perante uma medida
expropriativa.
XVIII. Nestes casos estamos perante uma vinculação situacional do solo, ou
seja, de restrições que residem nas suas características, situação ou em
determinações legais, às quais os planos se encontram subordinados.
XIX. Não respeitando os condicionalismos materiais e legais que impendem
sobre o solo, esta norma leva à determinação de uma indemnização que não repõe a
situação patrimonial do expropriado.
XX. No caso concreto, os Ex.mos desembargadores foram claros quanto ao seu
entendimento quando manifestaram no seu douto acórdão que: a classificação do
solo e a sua efectiva utilização para efeitos da construção são coisas
distintas, pelo que tal normativo legal não pode ser objecto de interpretação
literal, no sentido da equiparação a “solo para outros fins”.
XXI. É nossa opinião que o nº 12 do artigo 26º estabelece um critério de
avaliação que se afasta das potencialidades inerentes ao respectivo solo, as
quais são delimitadas pelas suas características materiais bem como pelos
condicionalismos legais que sobre ele impendem.
XXII. E a sua aplicação no caso concreto levou a que o solo expropriado fosse
avaliado como apto para construção, calculando-se o seu valor em função do valor
médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas
situadas numa área envolvente, quando nele nunca seria possível edificar.
XXIII. Nestes termos, o valor que resulta da sua aplicação é superior ao
necessário para restabelecer a situação patrimonial do expropriado, o que se
revela claramente uma injustiça.
XXIV. Além de que tal situação é claramente violadora do princípio da
igualdade na sua vertente externa já que o expropriado recebe assim um montante
indemnizatório superior ao que receberiam os proprietários de prédios
semelhantes, não expropriados, caso os tentassem transaccionar no mercado
corrente.
XXV. É que nenhum indivíduo vai adquirir e pagar como solo apto para construção,
um terreno onde não é possível construir.
XXVI. Mas justifiquemos então porque no nosso entender, o solo expropriado não
possui aptidão construtiva efectiva.
XXVII. Em primeiro lugar porque é uma parcela de terreno interior, sem acesso
directo a uma via pública.
XXVIII. Conjugando-se o constante na douta sentença proferida em 1ª
instância e no excelso acórdão da Relação, que o terreno em causa tem “ligação
directa e interna à casa de habitação dos expropriados”, com as confrontações do
terreno em causa, facilmente se chega à conclusão que o acesso encontra-se ao
dispor da “propriedade global”, mas não da parcela de terreno expropriada.
XXIX. Sendo um terreno interiorizado, sem infra-estruturas urbanísticas, não
integrado num núcleo urbano (o douto acórdão da Relação expressamente refere que
existe malha urbana próxima o que é uma situação absolutamente distinta),
chega-se à conclusão que faltam ao solo as condições materiais para justificar a
existência de potencialidade construtiva efectiva quer o preenchimento dos
requisitos da alínea nº 2 do artigo 25º do C.E.
XXX. Tendo em conta que, de acordo com o PDM de Braga, o terreno expropriado
situa-se em “espaços agrícolas”, ou seja, RAN - Reserva Agrícola Nacional,
faltam também as condições jurídicas para que o proprietário do solo possa nele
construir uma habitação.
XXXI. A classificação dada pelo PDM é extremamente importante na classificação
e valorização do terreno pois ao condicionar o tipo de aproveitamento económico
que o proprietário pode dar ao terreno, vai influir directamente no valor de
mercado do mesmo.
XXXII. O regime jurídico da RAN - Reserva Agrícola Nacional encontra-se
regulamentado no DL 196/89 que menciona no seu artigo 8º/1 que os solos da RAN
devem ser exclusivamente afectos à agricultura.
XXXIII. O artigo 9 enumera o nº restrito de situações em que os solos da
RAN podem ser utilizados para fins não agrícolas, fazendo-as ainda depender de
parecer prévio favorável das comissões regionais da reserva agrícola.
XXXIV. Só as alíneas b) e c) do artigo 9º/2 prevêem situações em que se
pode construir habitação em solos da RAN, após parecer prévio favorável das
comissões regionais da reserva agrícola, tratando-se claramente de situações
anómalas.
XXXV.Os requisitos que a alínea b) impõe: “residência habitual”; “agricultores”;
“explorações agrícolas viáveis”; “não existam alternativas válidas”; ou os
prescritos na alínea c): “utilização própria e exclusiva”; “situação de extrema
necessidade”; “sem alternativa viável de habitação condigna e não resultem
inconvenientes para os interesses tutelados” mostram-nos claramente que se
tratam de situações excepcionais em que o legislador procurou salvaguardar o
valor da dignidade humana, não pretendendo contudo atribuir aptidão construtiva
a solos em relação aos quais afirma expressamente que devem ser exclusivamente
afectos à agricultura.
XXXVI. No caso em apreço, os expropriados não preenchem os requisitos de
nenhuma das alíneas b) ou c) da referida norma, e assim sendo não iriam ter
parecer prévio favorável das comissões regionais da reserva agrícola.
XXXVII. O referido Dec-Lei, no seu artigo 39º, dispõe, no caso de se
verificarem acções violadoras do regime da RAN, que, “independentemente do
processamento das contra-ordenações e da aplicação das coimas, as comissões
regionais da reserva agrícola podem ordenar a cessação imediata das acções
desenvolvidas em violação do disposto no presente diploma” e que “o
incumprimento da ordem de cessação constitui crime de desobediência, punido nos
termos do artigo 388º do Código Penal”.
XXXVIII. Quanto à classificação do solo de parcelas integradas na RAN, já se
pronunciou o Tribunal Constitucional por várias vezes.
XXXIX. Nesses acórdãos o Tribunal Constitucional considerou que parcela
que faça parte integrante da RAN, deve ser avaliada como solo apto para outros
fins, visto que jamais os expropriados poderiam nela construir e que não é
inconstitucional, nem viola os princípios da justiça e da proporcionalidade, a
interpretação do artigo 24º/5 do CE/91 no sentido de excluir da classificação de
solos aptos para construção os solos integrados na RAN e expropriados para a
implementação de vias de comunicação.
XL. Neles o TC defendeu que os princípios constitucionais da justa
indemnização e da igualdade são afectados apenas quando se exclui da
classificação de “solo apto para construção” parcela de terreno integrado na RAN
e que, com vista à satisfação do fim determinante da expropriação, é dela
desafectado e que é destinado pela expropriante à implantação de edificação mas
já não quando a expropriação (com indemnização como “solo para outros fins”) não
visa a construção de prédios urbanos mas sim a construção de via de comunicação.
XLI. O facto de as áreas a expropriar terem sido desafectadas da RAN para a
construção de via de comunicação, não lhes confere aptidão edificativa, pois
conforme é sabido, o interesse público que está na base do empreendimento em
causa, conjuntamente com os meios técnicos actualmente ao dispor da construção
de grandes obras, permitem que estas se efectuem em quase todos os terrenos
nacionais, se não mesmo em todos.
XLII. Não se deve esquecer, que de acordo com a alínea d) do nº 2 do artigo 9º
do diploma citado, as “vias de comunicação, seus acessos e outros
empreendimentos ou construções de interesse público, desde que não haja
alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou localização”,
serão objecto de pareceres favoráveis das comissões regionais da reserva
agrícola.
XLIII. O referido Dec-Lei, no seu artigo 39º, dispõe, no caso de se
verificarem acções violadoras do regime da RAN, que, “independentemente do
processamento das contra-ordenações e da aplicação das coimas, as comissões
regionais da reserva agrícola podem ordenar a cessação imediata das acções
desenvolvidas em violação do disposto no presente diploma” e que “o
incumprimento da ordem de cessação constitui crime de desobediência, punido nos
termos do artigo 388º do Código Penal”.
XLIV. Note-se ainda que os licenciamentos de construção, alvarás de
loteamentos e todos os actos administrativos que violem os regimes da R.A.N. ou
da R.E.N., são nulos (artigo 34º do Decreto-Lei nº 196/89 e 15º do Decreto-Lei
nº 93/90).
XLV. Pelos argumentos aduzidos constata-se claramente que falta aptidão
construtiva ao solo em causa.
XLVI. A aplicação do nº 12 do artigo 26º do C.E. ao caso sub judice, avaliando
como “apto para construção”, solo que não dispõe da potencialidade material nem
jurídica para edificar é, no nosso entender, inconstitucional.».
Os recorridos não contra-alegaram.
Tendo-se verificado mudança de Relator por vencimento, cumpre apreciar.
II
Fundamentação
4. A apreciação da questão de constitucionalidade foi limitada, no requerimento
de interposição de recurso, à desconformidade com a Constituição da norma
constante do nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei
nº 168/99, de 18 de Setembro. O quadro normativo em que tal norma foi convocada
pela decisão recorrida foi o da conjugação com a norma contida na alínea a) do
nº 2 do artigo 25º do mesmo Código. Note-se que por lapso manifesto o acórdão
recorrido refere-se à “alínea a) do nº 1 do artigo 25º do CE”, mas só naquele
primeiro preceito se indicam “condições” da classificação como “solo apto para
construção” a cuja existência apela a decisão recorrida, sendo que este último
se limita a indicar um dos dois tipos em que o legislador cindiu o solo para
“efeitos do cálculo da indemnização por expropriação” – solo apto para
construção. Mas, segundo a interpretação seguida, determina-se de acordo com a
regra do artigo 26º, nº 12, do CE 1999 o valor do solo incluído na Reserva
Agrícola Nacional expropriado para a implantação de vias de comunicação quando
resultam satisfeitos em relação a ele os critérios enquadráveis na al. a) do nº
2 do artigo 25º, do mesmo código, de proximidade da malha urbana (distância de
cerca de 150 metros), de envolvência (inserção numa área envolvente onde se
situam vivendas familiares) e de acesso por via públicas.
5. A decisão recorrida refutou a tese do ora recorrente de que a parcela
expropriada por se localizar em área classificada como Reserva Agrícola Nacional
tinha de ser classificada como “solo apto para outros fins” e avaliada segundo
essa classificação em caso de expropriação para a implantação de vias de
circulação (mesmo sem que se alegasse que a Administração na definição dos
planos de ordenamento do território teria manipulado as regras urbanísticas com
intuitos de mais tarde adquirir os terrenos em causa por menor valor). Argumenta
o acórdão recorrido que o «regime jurídico da RAN – regulamentado no DL. 196/89
– estabelecendo embora que os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à
agricultura (artigo 8º), enumera situações em que o solos da RAN podem ser
utilizados para outros fins». E depois de sustentar que a integração na RAN não
implica, segundo “o entendimento mais corrente da doutrina e da jurisprudência”,
“a extinção das potencialidades edificativas dos respectivos solos, já que a lei
prevê várias excepções ao regime proibitivo de construção e ainda porque as
delimitações da RAN podem ser sempre alteradas pela Administração”, o acórdão
recorrido afirma que “a classificação do solo e a sua efectiva utilização para
efeitos de construção são coisas distintas” e que «o facto de o terreno
expropriado “estar consignado em sede de PM, como Reserva Agrícola Nacional,
nada releva em termos objectivos tanto mais que o Estado ao proceder à
expropriação de um terreno ainda que limitado por imposição de Planos de
Ordenamento e Gestão Territorial com o fim último de construção de um eixo
rodoviário está a atribuir-lhe um destino manifestamente diverso daquele que
presidiu à sua limitação, não se podendo agora aproveitar de uma desvalorização
de que ele próprio é criador, em violação expressa dos artigos 18º, 62º e 226º
da Constituição”».
É assim a dimensão normativa que subjaz a este entendimento que constitui
objecto do presente recurso, consubstanciado na norma do artigo 26º, nº 12, do
CE de 1991, na medida em que permite a classificação do terreno integrado na RAN
como “solo apto para construção”, fundamentando consequentemente o apuramento da
indemnização devida.
6. O recorrente sustenta a inconstitucionalidade da interpretação adoptada pelo
acórdão recorrido, afirmando, em síntese, que “a aplicação do nº 12 do artigo
26º do CE 1999 ao caso de terreno integrado na RAN, avaliando como apto para
construção, solo que não dispõe de potencialidade material nem jurídica para
edificar, é inconstitucional” por violar o princípio constitucional da justa
indemnização constante do nº 2 do artigo 62º da Constituição porquanto
desrespeita o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP), na sua vertente
externa, “na medida em que não atende ao facto de, na prática, não ser possível
realizar no solo expropriado uma construção semelhante às existentes ou
possíveis de edificar na zona envolvente”.
7. No domínio de vigência do CE 1991, o Tribunal Constitucional pronunciou-se
várias vezes, em casos vindos do Tribunal da Relação do Porto, sobre a questão
da (in)compatibilidade com o parâmetro constitucional da justa indemnização
estabelecido no artigo 62º, nº 2, da CRP de uma norma de tal diploma – o artigo
24º, nº 5 – enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo
apto para construção os solos integrados na RAN expropriados para diversos fins
não agrícolas. E no acórdão nº 267/97 (publicado no Diário da República, II
Série, de 21 de Maio de 1997) o Tribunal concluiu pela sua
inconstitucionalidade, porquanto a integração do terreno na RAN havia funcionado
como simples modo de depreciar o valor do solo, dado que logo pouco tempo depois
foi expropriado com o fim de nele edificar, tendo para este efeito procedido à
sua desafectação da mesma RAN (anote-se que a sua apropriação ocorreu apenas uma
semana antes da publicação da Portaria nº 380/93 que procedeu à desafectação da
RAN de todo o terreno da parcela expropriada). Em outras situações, porém, em
que estava em causa a sua interpretação enquanto excluindo da classificação de
“solo apto para construção” solos integrados na RAN expropriados para a
implantação de vias de comunicação, construção de escolas e de infra-estruturas
de fornecimento de água, o seu juízo foi, embora com votos de vencido, o da não
inconstitucionalidade da norma (cfr. Acórdãos nºs 219/2001, 243/2001, 172/2002,
121/2002,
155/2002, 417/2002, 419/2002, 333/2003 e 557/2003, publicados no Diário da
República, II Série, respectivamente, de 6 e 4 de Julho de 2001, 3 de Junho
de 2002, 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, 17 de Outubro de 2003 e de 23 de
Janeiro de 2004, e nºs 247/2000, 346/2003, 347/2003 e 425/2003, estes
disponíveis na página do Tribunal Constitucional na Internet, no endereço
http://www.tribunalconstitucional.pt). Porém, tais questões não correspondem à
dos presentes autos.
Já o acórdão nº 275/04, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de
Junho de 2004, se debruçou sobre questão mais próxima da dos presentes autos,
referente, todavia, às normas do artigo 23º, nº 1, e 26º, nº 1, do CE 1999. Em
tal aresto, o Tribunal Constitucional considerou que a questão então apreciada,
«representa como que o espelho da anterior, sem que igualmente se questione
qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em “manipulação das
regras urbanísticas”». Na verdade, «quando anteriormente se considerava
inconstitucional a norma contida no nº 5 do artigo 24º do CE (1991),
interpretada com o sentido de excluir da classificação de “solo apto para a
construção” o solo integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado,
nomeadamente, para implantação de vias de comunicação» – juízo esse que não foi
sufragado pelo Tribunal Constitucional – agora entende-se que se determina de
acordo com a regra do artigo 26º, nº 12, do CE 1999 (critério específico de
cálculo do valor de solo apto para a construção) o valor do solo incluído na
Reserva Agrícola Nacional expropriado para a implantação de vias de comunicação
quando saem satisfeitos em relação a ele os critérios enquadráveis na al. a) do
nº 2 do artigo 25º, do mesmo código, de proximidade da malha urbana (distância
de cerca de 150 metros), de envolvência (inserção numa área envolvente onde se
situam vivendas familiares) e de acesso por via públicas. E conclui no sentido
da inconstitucionalidade de tais normas, nos seguintes termos:
Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa,
afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os
encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula. Ora, neste
contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a
saber: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da
relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer
critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos
diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da
relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a
indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento
desigual entre estes dois grupos.
Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a
interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes
autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos
integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para
construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por
força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos
termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente
integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo,
considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser
indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações
legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por
força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização
que não corresponde ao seu “justo valor” – para o determinar há que atender ao
valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores
especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está,
necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado
-, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido
contemplados com a expropriação. Nesse sentido, escreveu-se nos acórdãos n.ºs
333/2003 e 557/2003 já citados:
“[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa
razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia
invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante
indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era
para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma
situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante
fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento
injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser
indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado,
os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na
REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não
alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente
estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre
os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a
propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização,
obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não
expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam
os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não
expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir
ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso,
não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser
desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública.
Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode
ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção.”
Pelo exposto, há que considerar que a interpretação das normas contidas no n° 1
do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999), que
conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e,
consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola
Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio
da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição.
8. O artigo 26º do CE 1999 tem como epíteto “Cálculo do valor do solo apto para
a construção”. O seu nº 12 – norma constitucionalmente impugnada – dispõe o
seguinte:
12 – Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer
ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano
municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja
anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função
do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas
parcelas situadas numa zona envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m
do limite da parcela expropriada.
Por seu lado, o artigo 25º, nº 2, alínea a), do CE 1999, define, assim, solo
apto para construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de
energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as
edificações nele existentes ou a construir;
[...]
9. Importa, então, saber se a norma segundo a qual “é de determinar segundo a
regra do artigo 26º, nº 12, do CE 1999 o solo incluído na RAN quando saiam
satisfeitos em relação a ele os critérios enquadráveis na al. a) do nº 2 do
artigo 25º de proximidade da malha urbana (distância de cerca de 150 metros), de
envolvência (inserção numa área envolvente onde se situam vivendas familiares) e
de acesso por via púbicas, expropriado para fins de implantação de vias de
comunicação” ofende o princípio constitucional da justa indemnização por
desrespeito de alguma norma ou princípio constitucional, nomeadamente o da
igualdade, considerada a sua vertente externa.
O nº 12 do artigo 26º do CE 1999 estabelece o critério específico de cálculo do
valor do solo para os casos em que “seja necessário expropriar solos
classificados como zona verde, de lazer ou para a instalação de infra-estruturas
e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território
plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor”,
determinando que em tais casos “o valor de tais solos será calculado em função
do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas
parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m
do limite da parcela expropriada”.
Será tal norma efectivamente violadora dos princípios da igualdade e da justa
indemnização?
A ofensa ao princípio da igualdade invocada parece, porém, fundar-se num juízo
sobre uma hipotética não indemnização nos mesmos termos de proprietários em
idênticas condições a expropriar futuramente. No entanto, o próprio princípio da
igualdade somente impõe a comparação de realidades existentes, extrapolando da
sua racionalidade uma violação com fundamento na circunstância de outros
proprietários na mesma situação poderem não vir a beneficiar de uma indemnização
nos mesmos termos.
Coisa diferente seria a invocação do princípio da igualdade por quem, nas mesmas
circunstâncias, não viesse efectivamente a beneficiar de uma indemnização
idêntica – veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 194/97, publicado no
Diário da República, II Série, de 27 de Janeiro de 1999, em que se diz:
Ora, num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento,
designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta
pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que
assegure “uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo
expropriado” (cf. o citado Acórdão nº 52/90 e o Acórdão 381/89, publicado no
Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com
efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula.
O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe que se dê tratamento jurídico
desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo
estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material
para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns
expropriados se imponha uma “onerosidade forçada e acrescida” sem que exista
justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado Acórdão nº
131/88); – recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo,
que, “em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e
que nas situações particulares dos n.os 1 e 2 do artigo 30º do Código das
Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e
corrente” (cf. o Acórdão nº 109/88, publicado no Diário da República, II série,
de 1 de Setembro de 1988).
Mas não é esse o caso de que agora se trata. A invocação pela Administração da
violação da igualdade fundamenta-se apenas em que não será possível realizar no
solo expropriado uma construção semelhante às existentes e possíveis de edificar
na zona envolvente e assim na previsão de que outros expropriados não serão
tratados equitativamente, eventualmente pela interpretação subjacente à solução
aplicada ser incorrecta. Contra esta consideração, milita desde logo a
circunstância de o terreno objecto de expropriação no caso concreto satisfazer
as condições do artigo 25º, nº 2, alínea a) do Código das Expopriações de 1999.
Mas, a consideração de que, de acordo com o critério normativo sob análise, não
será exigível a possibilidade de realizar no solo expropriado construção
semelhante às existentes pressupõe que a Constituição concebe a justa
indemnização confinada a limites mínimos, e que não admite que o legislador
possa utilizar critérios de valoração do solo diversos, mas com semelhante
expressão no valor da indemnização.
Por outro lado, o raciocínio hipotético segundo o qual esta solução viola a
igualdade porque outros expropriandos não beneficiarão dela não pode ser
pertinente, não podendo a igualdade aferir-se pelo confronto com situações
hipotéticas. Aliás, a ponderação realizada no caso para alcançar o valor da
indemnização, dada a respectiva especificidade, impede uma comparação automática
com hipotéticas situações de proprietários, eventualmente expropriáveis, de
parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriadas,
quer considerando a indemnização por uma eventual futura expropriação quer o
valor de mercado que os proprietários obterão se porventura decidirem vender os
prédios.
Finalmente, a Constituição, em particular o artigo 62º, não configura deste modo
restritivo o dever de indemnizar, em que está em causa acautelar a compensação
do expropriado pela ablação do seu direito em nome do interesse público. Só
perante uma manifesta desproporção entre o valor fixado e o valor do bem, o que
não está em questão nos presentes autos ou que pelo menos o Tribunal
Constitucional não pode avaliar, por neste caso concreto só poder surgir com uma
dimensão de aplicação de critérios, é que se poderá colocar um problema de
eventual ultrapassagem da justa indemnização por excesso.
Improcede, portanto, o presente recurso de constitucionalidade.
III
Decisão
10. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao
recurso, confirmando consequentemente a decisão recorrida.
Lisboa, 1 de Março de 2005
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração de voto anexa)
Rui Manuel Moura Ramos
Declaração de Voto
1 – Votei vencido por não poder acompanhar a solução do acórdão.
2 – Enquanto primitivo relator sustentei um juízo de
inconstitucionalidade da norma aqui impugnada com base, essencialmente, nas
mesmas razões que conduziram o Acórdão n.º 275/04, publicado no Diário da
República II Série, de 8 de Junho de 2004 – aliás citado na decisão -, a
decretar um juízo de inconstitucionalidade da “interpretação das normas contidas
no n.º 1 do art.º 23º e no n.º 1 do art.º 26º do CE de 1999 que conduz a incluir
na classificação de “solo apto para construção” e, consequentemente, a
indemnizar como tal o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado
para implantação de vias de comunicação”.
3 - Na verdade, considero inteiramente transponível para a norma
aqui sindicada constitucionalmente a fundamentação expendida nesse aresto.
A inclusão no critério de cálculo do valor do solo previsto no n.º 12 do art.º
26º do CE 1999 - ou seja a determinação do seu valor em função do valor médio
das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas
numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da
parcela expropriada, estabelecido para os casos de solos cuja expropriação se
tornou necessária e classificados como zona verde, de lazer ou para instalação
de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento
do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em
vigor - de parcelas de terreno integradas na RAN, expropriadas para a
implantação de vias de comunicação, conduz a colocar os expropriados de tais
parcelas numa situação de desigualdade perante os demais proprietários de
parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriados,
conduzindo a um “ocasional locupletamento injustificado” dos primeiros em
relação aos segundos.
Assim, enquanto os primeiros viriam a ser indemnizados com base em tal critério
específico de cálculo do valor de solo apto para construção, superior ao valor
de mercado, os outros que pretendessem alienar os seus terrenos nunca
alcançariam, no mercado, um tal valor por virtude da limitação edificativa
legalmente estabelecida para os solos integrados na RAN e da falta de previsão,
em relação a eles, do critério de equivalência estabelecido no art.º 26º, n.º
12, do CE 1999.
Não se diga, como se argumenta no acórdão a que esta declaração se
anexa, com o que poderá sugerir-se estar-se perante uma visão diacrónica do
princípio da igualdade, que este princípio apenas “impõe a comparação de
realidades existentes, extrapolando da sua racionalidade uma violação com
fundamento na circunstância de outros proprietários na mesma situação poderem
não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos termos”.
Mas o que se está a comparar são precisamente as realidades no seu
estado actual e não realidades existentes em momentos temporais diferentes, ao
contrário do que se considera naquela argumentação.
A inclusão do terreno na RAN sujeita o terreno a um único estatuto
jurídico sob o ponto de vista da sua não aptidão para a construção em função do
qual o legislador conformou o critério que concretiza o valor da justa
indemnização exigida constitucionalmente como contrapartida da expropriação.
Ora, ao dar-se tratamento jurídico(-económico) diferente sob o ponto
de vista do critério de aferição do valor da indemnização devida em caso de
expropriação a terrenos - que, conquanto estejam todos incluídos na RAN e sem
que essa inclusão ou desanexação decorra de actuação administrativa fraudulenta,
não podem ser, por virtude disso, destinados (ou aptos para) a construção, só
porque em relação a alguns desses terrenos se verificam as circunstâncias que,
para terrenos situados fora da RAN, o art.º 25º, n.º 2, do CE de 1999 releva
como elementos qualificantes de terrenos para construção -, equivale a
introduzir um elemento simplesmente formal ou materialmente irrelevante (do
ponto de vista da aptidão para a construção) para fundar uma destrinça no
aspecto indemnizatório.
Em qualquer dos casos, desde que os terrenos estejam incluídos na RAN, a sua
aptidão efectiva ou conjectural para a construção é exactamente a mesma,
concorram ou não concorram outras circunstâncias que a lei releve para
considerar como terrenos para construção terrenos que estão situados fora da RAN
e como tal sujeitos a outro estatuto jurídico.
Ora, ao admitir-se que os terrenos incluídos na RAN - e em relação aos quais se
verificam certos factores que apenas são relevados pela lei como elementos de
qualificação de terrenos aptos para construção relativamente terrenos situados
fora da RAN, para os ter como aptos a construção - possam ser indemnizados como
se foram terrenos aptos para construção, dentro do regime próprio estabelecido
no n.º 12 do art.º 26º do CE de 1999, só pelo simples facto de serem
expropriados, está a violar-se frontalmente o princípio da igualdade, na sua
vertente externa.
Nesse preciso momento e num mercado em que não entrem factores anómalos e
especulativos jamais será possível aos donos de outros terrenos incluídos na
RAN, mas não expropriados, mesmo que em relação a eles se verifiquem também
aqueles factores, mas em que, efectiva ou conjecturalmente, não se pode
construir por força daquela inclusão na RAN, aspirar, em caso de transmissão
onerosa, a uma valoração correspondente à conseguida através da sua expropriação
e inclusão dentro do critério de cálculo do valor de indemnização constante do
n.º 12 do art.º 26º do CE de 1999, critério este que assenta ainda na
consideração dos terrenos referidos neste preceito como terrenos aptos para
construção enquanto, directa, incindível e inelutavelmente, ligados à obrigação
de realização das infra-estruturas que o planeamento urbanístico impõe e cuja
satisfação visa directamente cumprir.
Benjamim Rodrigues