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Processo n.º 822/02
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. e outros recorrem, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei 28/82,
de 15 de Novembro (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de
Outubro de 2002 invocando a inconstitucionalidade da norma do n. 1 do artigo 68º
do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei 438/91 de 9 de Novembro,
na interpretação dada no acórdão recorrido segundo a qual aquela norma obsta a
que a indemnização judicialmente fixada vença juros moratórios desde a data da
sentença da 1ª instância pendente de recurso de apelação, resultado
materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (CRP,
artº 13/1), na medida em que discrimina negativamente os credores de uma justa
indemnização por expropriação relativamente à generalidade dos credores de
obrigações pecuniárias.
O acórdão recorrido apresenta a seguinte fundamentação:
(...) 3. Segundo o entendimento corrente, o art°68°, CExp91 (tal como o
precedente art°l00°, Cexp76 e o subsequente art°71º, n.ºl, CExp99) introduz, na
área processual das expropriações por utilidade pública, e no que respeita à
decisão sobre o montante indemnizatório, uma limitação ao efeito meramente
devolutivo que o mesmo código, no art°64°, atribui ao recurso para a Relação.
Segundo o dito entendimento, não obstante o n.º2, deste último artigo, atribuir
efeito meramente devolutivo ao recurso da decisão em 1ª instância, está vedado
ao expropriado avançar para a execução, porque, antes do trânsito em julgado, a
dívida de indemnização não é líquida nem é exigível, apenas se tomando líquida e
exigível após o trânsito em julgado da decisão final.
É, de igual modo, corrente uma interpretação do art°68°, n.º1, CExp91, segundo a
qual o expropriante só fica constituído em mora quanto ao pagamento da
indemnização depois de interpelado judicialmente, nos termos daquele preceito, e
depois de decorrido o prazo de dez dias sobre a interpelação.
No que se refere à mora do expropriante, não é, com efeito, aceitável outro
entendimento.
O sistema do CExp91 impõe que o pagamento da indemnização seja efectuado sob
rigorosa tutela do tribunal, à ordem do que é feito o depósito da quantia
definitivamente atribuída e sob cuja orientação são feitos os pagamentos aos
interessados.
Portanto, de mora do expropriante quanto ao pagamento da indemnização fixada em
recurso da arbitragem, só é legítimo falar depois do trânsito em julgado e
depois de decorrido o prazo de dez dias contemplado naquele n.º1, do art°68°.
Esta afirmação em nada é prejudicada pela atribuição de efeito meramente
devolutivo ao recurso da decisão em 1ª instância, tal como dispõe o n.º2, do
art.64°, CExp91, ainda que, desta disposição, se não tenha o entendimento
redutor supra aludido.
É que o efeito meramente devolutivo do recurso, isto é, não suspensivo da
decisão recorrida, tem natureza estritamente processual, nada tem a ver com o
efeito substantivo da constituição em mora.
A exigibilidade, que é pressuposto da execução (art°802°, CPC) não implica a
mora do devedor; significa, apenas, que a dívida se venceu e que, portanto, já é
lícito ao credor exigir o cumprimento (cfr. art°.777°, n.º1, CC); o crédito pode
estar vencido, ser exigível, mas a correspondente dívida pode não estar em mora,
bastando que, ao contrário do que sucede, p. ex., com as obrigações provenientes
de facto ilícito, a lei exija (e fá-lo, aliás, em regra) a interpelação do
devedor (cfr. art. 805º, n.º1, e n.ª2, b), CC).
No caso da justa indemnização por expropriação por utilidade pública, a sua
exigibilidade é imediata, por efeito da tendencial contemporaneidade entre o
respectivo pagamento e a declaração de utilidade pública (cfr. art. l°, CExp91).
Aliás, o efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso da decisão em 1ª
instância será, mesmo, uma inelutável consequência deste princípio da
contemporaneidade; não um meio ou modo de “salvaguardar a adjudicação de
propriedade e posse à expropriante feita pelo Juiz nos termos do artº 50º n.º 4,
do Código das Expropriações”, como se diz, p. ex., no Ac. STJ de 3.2.99, in BMJ
n.º 484. pag.308, pois o recurso da arbitragem (e é deste recurso que se trata
quando, no art°64°, n.º1, se lhe atribui efeito meramente devolutivo) nada tem a
ver com o despacho de adjudicação da propriedade e posse ao expropriante, a que
se reporta o n.º4, do art°50°, CExp91.
Vem a propósito dizer que uma outra solução legal com fonte no mesmo princípio
da contemporaneidade é a do n.º3, do art°51°, CExp91, segundo o qual o juiz deve
atribuir imediatamente aos interessados o montante sobre o qual se verifique
acordo, quando haja recurso da decisão arbitral.
Portanto, nada impede, em princípio, que o expropriado dê à execução, mas nos
termos provisórios que resultam do n.º3, do art°47°, CPC, a sentença recorrida.
Mas isso, como se disse, nada tem que ver com a mora, que, repete-se, deriva de
princípios de natureza substantiva, designadamente, os estabelecidos no
art°805°, CC, em que avulta o de que ela não existe sem interpelação judicial ou
extra judicial (n.º1).
E, no caso da indemnização por expropriação por utilidade pública, a
interpelação está expressamente contemplada no citado art°68°, n.º 1, CExp91.
Por força desta última disposição, o expropriante só fica constituído em mora do
pagamento da indemnização após o decurso do prazo ali prescrito, que se inicia
com a notificação judicial para efectuar o depósito do devido.
E nisto não há qualquer vício de inconstitucionalidade, por violação do
princípio da igualdade, consagrado no art°13°, n.º1, Const92, pois a regra
civilística in iliquidis non fit mora, é precisamente a que dá espírito à regra
geral do n.º3, do art°805º, CC.
Nos casos de abuso, por parte do expropriante, do direito de reclamar, requerer
ou recorrer, não custa a aceitar o entendimento, que é possível tirar da
ressalva contida na primeira parte do mesmo n.º3, do art°805º, CC, de que a
anormal demora do trânsito em julgado da decisão final que resulte directamente
daquele abuso deva penalizar o expropriante, responsabilizando-o por isso, que o
mesmo é dizer, julgando-o devedor em mora desde a data em que, normalmente, se
teria consolidado o julgado.
Os recorrentes dizem isso mesmo da actuação processual da B. após a prolação da
sentença.
E, na verdade, não foi um procedimento muito linear o da expropriante, após a
decisão do recurso em 1ª instância.
O certo, porém, é que se é difícil concretizar as limitações impostas pela boa
fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico, que fazem a fronteira
material entre o uso e o abuso dos direitos (art°334°, CC), mais o é quando se
trata de direitos de raiz puramente processual, como são o direito ao recurso e
à respectiva desistência, direitos de que, à partida, estão excluídas
preocupações éticas ou morais ou finalidades sociais ou económicas. E, com
efeito, ainda que se possa dizer que, actuando como actuou, a expropriante
conseguiu retardar por alguns meses a entrega de uma considerável quantia de
que, entretanto, desfrutou (não sem a involuntária ajuda de alguma morosidade
processual), já se não poderá, com a mesma afoiteza, afirmar que usou
maliciosamente o direito de recorrer e de desistir do recurso, com acentuado e
intencional desvio dos fins, abusando de tais direitos.
Não é fácil escapar ao argumento de que, afinal, usou de um direito (o de
recorrer) e de uma faculdade (a de desistir do recurso) que o sistema legal lhe
confere, e cuja actuação conjugada contém em si, independentemente de qualquer
intenção malévola, o germe do efeito deletério contra o qual os recorrentes se
insurgem.
Numa coisa, porém, os recorrentes estão carregados de razão.
O prazo de 10 dias que o n.º1, do art°68°, CExp concede ao expropriante para
depositar o montante da indemnização ainda em dívida não é um prazo processual,
a que se apliquem as regras de contagem do art°144°, n.2 e 3, CPC, na redacção
então vigente, nomeadamente, a da suspensão durante férias, sábados, domingos e
dias feriados.
Esse prazo, tal como, p. ex., o prescrito na parte final do nº1, do art°1410°,
CC, respeita à prática de um acto relacionado com o processo, mas a ele
estranho.
O depósito a que se reporta o n.º1, do art°68°, CExp, tal como o depósito
imposto no citado n.º1, do art. 1410°, CC, não é um acto processual, e daí que o
prazo em que, segundo a lei, deve ser praticado tenha natureza substantiva e um
regime de contagem (cômputo do termo) retirado do art°279°, CC, designadamente,
das alíneas b) e e).
Trata-se de um acto com implicações processuais, é certo, mas, em todo o caso,
um acto de natureza puramente substantiva ou material, por oposição a formal ou
processual, na justa medida em que satisfaz ou dá cumprimento à obrigação de
indemnização correspectiva do acto expropriativo.
Tendo tudo isso em conta, o prazo para a B. efectuar o depósito iniciou-se no 3°
dia posterior ao do registo da carta de notificação, tendo em conta n.º 3, do
art. l°, DL 121/76, de 11/2, vigente à data.
Essa notificação é, como os recorrentes dizem, a efectuada em 1ª instância,
depois da baixa do processo, em 19.7.94, e, por isso, o prazo terminou, com
efeito, em 1.8.94.
Portanto, quando depositou, em 30.9.94, o resto da indemnização, a B. estava em
mora há 59 dias.
À data, era de 15% a taxa de juro legal (Portaria 339/87, de 24/4), e assim,
considerando, também, que o devido a todos os autores era 123.936.065$00, e o
devido só aos autores João Januário e mulher era 443.545$00, estavam vencidos, à
data do tardio pagamento, 3.005.024$60 relativos à primeira quantia, e
10.754$50, respeitantes à segunda.
É óbvio que, com o depósito, em 30.9.94, a mora terminou e só ficaram por pagar
os juros.
Neste caso, não funcionou a presunção do n.º1, do art°785°, CC (imputação
prioritária do débito de juros), visto que o depósito tem um conteúdo e um
destino bem preciso: a indemnização, tal como foi definitivamente fixada.
Quanto aos juros sobre aquelas quantias, vale o que disseram as instâncias:
existe mora desde a citação, sem que isso implique anatocismo.
É, ao fim e ao cabo, a aplicação do mesmo princípio que justifica a segunda
parte do n.º1 , do art°560°, CC.
4. Pelo exposto, concedem parcialmente a revista, e, em consequência, condenam a
ré pagar, a todos os autores a quantia de 14.989 (catorze mil novecentos e
oitenta e nove) euros, que correspondem, hoje, aos 3.005.024$60 acima ditos, e
só aos autores João Januário e mulher a de 53,64 euros (cinquenta e três euros e
sessenta e quatro cêntimos), correspondentes aos ditos 10.754$50, acrescidas de
juros à taxa legal desde a citação.
Na alegação, concluem os recorrentes:
I. Deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser declarada
a inconstitucionalidade material da norma do art.º 68/1 do Cod. Expropriações
91, na interpretação que lhe foi dada pelo Ac. S.T.J. de 24.10.2002, por
violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13/1 da C.R.P., porque:
1ª. A obrigação de indemnização por expropriação é uma dívida de valor, que fica
liquidada, “ope judicio”, com a prolação da sentença da 1ª instância, sendo que
esta “envolve uma verdadeira ordem ou injunção de pagamento”, ainda que tal
sentença esteja pendente de recurso de apelação, que tem sempre efeito meramente
devolutivo (C. Civil, art.º 566/2, conjugado com o C.P.C., art. 663/1; Cod.
Exp. 91, art. 64/2);
2ª. O sistema jurídico confere à generalidade dos credores de obrigações
pecuniárias o direito a haver juros legais desde (pelo menos) a citação judicial
(C. Civil, 805/1), se porventura esse direito a juros não começou a correr mesmo
em momento anterior, por força da aplicação do disposto nos preceitos do artº
805/2/c) ou 3;
3ª. A norma do artº 68/1 do Cod. Exp. 91 não releva para efeitos de excluir a
Expropriante do pagamento de juros legais relativamente à indemnização em que já
foi condenada e que está liquidada, ainda que provisoriamente, desde a sentença
da 1ª instância;
4ª A sujeição da Expropriante ao pagamento de juros legais desde a data da
prolação da sentença da 1ª instância decorre directamente da aplicação dos
princípios e regras gerais expressos nos art. 566/2 do C. Civil e 663/1 do
C.P.C. e, bem assim, nos art°s 804, 806 e, em especial, 805/1 e 2/c) do C.
Civil;
5ª A norma do art.º 68/1 do Cod. Exp. 91 releva sim para efeitos de vencimento
da obrigação de garantia do pagamento da indemnização aos expropriados, assumida
pelo Estado no art.º 21/1 do Cod. Exp. 91;
6ª. A norma do art.º 68/1 do Cod. Exp. 91, na interpretação feita pelo Supremo,
no douto acórdão recorrido, que foi no sentido de excluir a Expropriante do
pagamento de juros legais a partir da data da sentença da 1ª instância é
materialmente inconstitucional, por contrária ao art.º 13/1 da C.R.P, na medida
em que desfavorece injustificada e desrazoavelmente os credores duma justa
indemnização por expropriação relativamente à generalidade dos credores, que
desde a citação judicial (pelo menos) têm direito àqueles juros.
Cabe decidir.
O artigo 68º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei 438/91 de 9
de Novembro dispõe:
1. Fixado por decisão com trânsito em julgado o valor da indemnização a pagar
pelo expropriante, será este notificado para depositar o montante devido na
Caixa Geral de Depósitos no prazo de 10 dias.
2. A entidade expropriante, relativamente ao depósito a que se refere o n.º 1 do
artigo 50º, depositará a importância complementar em que for condenada ou poderá
levantar a parte da importância judicialmente depositada que se mostre
excessiva.
Ora, a questão de saber se a norma constante do n. 1 do citado preceito é
inconstitucional por ofensa ao princípio da igualdade não é inédita, e o
Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre o assunto.
Por exemplo, no Acórdão n. 263/98 (publicado no DR, II, de 10 de Julho de 1998)
o Tribunal apreciou a norma do n.1 do artigo 100º do Código das Expropriações de
1976 – idêntica à que constitui o objecto do presente recurso – tendo
considerado:
Ao contrário do que supõem os recorrentes, os artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da
Constituição não impõem que, por eles no caso dos autos, ocorresse a
constituição em mora da entidade expropriante com a simples prolação da decisão
da primeira instância. O acórdão recorrido (tal como o Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto de 21 de Abril de 1994) entendeu que, com o recurso interposto
daquela decisão pelo Município de Felgueiras e pelos expropriados, a mesma não
tinha ainda transitado em julgado, acrescentando o mesmo acórdão que a
indemnização apenas se tornou líquida com a prolação do Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto de 25 de Junho de 1991, pelo que antes disso não podia a
entidade expropriante ser constituída em mora.
Fez apelo o acórdão aqui sub judicio à regra constante da primeira parte do nº 3
do artigo 805º do Código Civil, segundo a qual 'se o crédito for ilíquido, não
há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for
imputável ao devedor'. Ou seja: aplicou aquele aresto o princípio 'in
illiquidis non fit mora', temperado embora pela possibilidade de o credor alegar
e provar que a falta de liquidez se deve a comportamento (acção ou omissão)
imputável ao devedor - o que, manifestamente, nestes autos, o recorrente não
curou de fazer.
Aquele preceito da lei civil sempre foi unanimemente entendido na doutrina e
jurisprudência como significando que só existe mora depois de fixado, em
definitivo, pelo tribunal o quantitativo da indemnização: enquanto durar a
acção, não há liquidação da dívida, já que - embora o pedido formulado fosse
eventualmente líquido - não o é a indemnização.
Assim sendo - e em face da regra constante da primeira parte do nº 3 do artigo
805º do Código Civil -, a interpretação dada pelo acórdão recorrido à norma do
nº 1 do artigo 100º do Código das Expropriações de 1976 não traduz a fixação de
qualquer regime excepcional em desfavor do expropriado: tal como qualquer
outro credor, ele só vê o seu devedor constituir--se em mora quando se tornar
certo e líquido, por decisão judicial definitiva, o montante indemnizatório em
litígio.
Eis, pois, as razões pelas quais a norma do artigo 100º, nº 1, do Código das
Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, não viola
os artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da Constituição, nem qualquer outra norma ou
princípio constitucional.
No mesmo sentido, mas agora já a propósito do n. 1 do artigo 68º do Código das
Expropriações de 1991, o Tribunal, através do Acórdão n. 127/00 (DR, II, de 24
de Outubro de 2000), pronunciou-se da seguinte forma:
Trata-se, pois, de dois regimes diferentes: um regime geral, constante do artigo
47º do Código de Processo Civil, válido para as sentenças de condenação em
geral; um regime especial, fixado pelo artigo 68º, nºs 1 e 2, do Código das
Expropriações, aplicável às sentenças que, num processo de expropriação por
utilidade pública, fixem a indemnização a pagar.
À primeira vista, as situações que esses dois regimes disciplinam parecem
idênticas, pois, em ambos os casos, o credor está munido de uma sentença de
condenação, de que foi interposto recurso com efeito meramente devolutivo.
Contudo, as semelhanças ficam-se por aí.
De facto, uma vez fixada a indemnização pelos árbitros, o expropriante tem que
depositar o respectivo montante (cf. artigo 50º, n.º 1, do Código das
Expropriações). Depois, sendo interposto recurso da decisão arbitral, o juiz
atribui ao expropriado 'imediatamente o montante sobre o qual se verifique
acordo, retendo, porém, se necessário, a quantia provável das custas do processo
no caso de o expropriado ou de os demais interessados decaírem no recurso' (cf.
o artigo 51º, n.º 3, do mesmo Código). E, uma vez fixado o montante da
indemnização com força de caso julgado, o expropriado não tem necessidade de
lançar mão do processo executivo, caso o devedor não satisfaça voluntariamente a
dívida: é o próprio tribunal que o notifica para, em 10 dias, proceder ao
depósito do que ainda for devido (cf. o artigo 6º, nºs 1 e 2). Por último, o
credor não corre o risco de não receber a indemnização, pois o Estado ou a
entidade pública expropriante tem sempre património para cobrir as suas
responsabilidades.
Ora, nada disto acontece com a generalidade das sentenças de condenação: os
devedores podem não ter património suficiente para pagar; podem não cumprir
voluntariamente a condenação, forçando o credor a suportar os incómodos e os
gastos de uma execução; proferida a condenação, nenhuma quantia é o devedor
obrigado a depositar; e, instaurada a execução, se a sentença estiver pendente
de recurso, o credor só pode receber o seu crédito, prestando caução - para além
de que pode ver a execução suspensa a pedido do devedor que, nesse caso, tem que
prestar caução.
As diferenças entre as duas situações (designadamente, as diferenças de regime)
são suficientes para justificar que - contrariamente ao que sucede com a
generalidade das sentenças condenatórias - a sentença que fixa o montante da
indemnização a pagar pelo expropriante ao expropriado, que estiver pendente de
recurso, não possa ser dada à execução, apesar de esse recurso ter efeito
meramente devolutivo. Suficientes, por isso, para concluir que se não verifica
qualquer violação do princípio da igualdade.
É que, como este Tribunal tem sublinhado, o princípio da igualdade, enquanto
cânone reitor das várias funções do Estado, maxime da função legislativa, apenas
reclama que o legislador trate por igual o que for essencialmente igual e que dê
tratamento diferente ao que na sua essência for dissemelhante. Mas como, dizer
igualdade, não é o mesmo que dizer igualitarismo, a ideia de igualdade não se
opõe à existência de regimes jurídicos diferenciados, pois o que a igualdade
recusa é o arbítrio legislativo, ou seja, as soluções legais carecidas de
fundamento racional ou material bastante.
Ora, no caso, a solução da inexequibilidade da sentença proferida no processo de
expropriação por utilidade pública não é arbitrária: existe, como se referiu,
toda uma soma de razões que lhe conferem racionalidade.
A norma sub iudicio não é, pois, inconstitucional.
Ora, não se descortinam razões para alterar a jurisprudência do Tribunal sobre
esta matéria.
Assim, por ser inteiramente transponível para o presente caso, cabe aqui
reafirmar o entendimento perfilhado nos citados arestos no sentido da não
inconstitucionalidade da norma em questão, pelo que se decide negar provimento
ao recurso.
Custas pelos recorrentes; taxa de Justiça: 20 UC.
Lisboa, 20 de Abril de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Artur Maurício