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Processo n.º 1064/04
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Reclama a entidade recorrente do acórdão proferido em 8 de Março de 2005 pedindo
a sua aclaração nos seguintes termos:
[...]
3. Aquando da interposição da reclamação para a Conferência, o
fundamento para a inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade que estava
em discussão era apenas o fundamento atinente à alegada impugnação da decisão
proferida pelo STA, ao invés de um recurso dirigido ao conhecimento da
constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma aplicada pelo mesmo.
4. Face a essa questão – e porque a Requerente não concordava nem
concorda, com a decisão sumária proferida – a Requerente apresentou os seus
fundamentos, os quais estão vertidos a págs. 4 a 6 da Decisão de Reclamação.
5. Aí se clarificou, sem se deixar margem para dúvidas, que se pretendia
que o Tribunal Constitucional se debruçasse sobre a interpretação normativa dos
art. 62.º, n.º 1 e 64 do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março e sobre a
interpretação dos arts. 5.º e 13.º do regulamento administrativo que compunha o
Caderno de Encargos do procedimento pré-contratual subjacente.
6. Ficara fixado anteriormente e não fora matéria discutida, sequer,
muito menos vertida em Decisão Sumária, a oportunidade de invocação da
inconstitucionalidade desses preceitos, na interpretação jurisdicional dada aos
mesmos.
7. Porém, ao observarem-se os fundamentos da decisão da Reclamação,
verificamos que, ao nível dos fundamentos da decisão de Reclamação, não fica
muito claro qual o fundamento ou fundamentos ao abrigo dos quais o Tribunal
Constitucional entendeu que a Reclamação não deveria proceder.
8. É que, por um lado, repete-se o que já se dissera na Decisão Sumária,
num sentido de se afirmar que “a determinação jurídica que a recorrente visa
submeter ao julgamento do Tribunal não consiste numa regra geral e abstracta
aplicada na decisão recorrida, como razão de decidir, mas na própria decisão
recorrida”,
9. E, por outro lado, parece que se vem fundar a decisão noutro aspecto,
qual seja o de não se ter levantado em tempo a questão de constitucionalidade,
10. Para o que essa questão anterior e que havia sido decisiva para a
Decisão Sumária, não seria agora mais do que o fundamento que teria permitido
averiguar a questão da oportunidade.
11. Nesse sentido, é dito na Decisão da Reclamação:
“(...) esta errada perspectiva do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, conduz a que a recorrente nunca
tenha suscitado a questão de inconstitucionalidade no Tribunal recorrido, como
lhe impõe o artigo 72º n. 2 da mesma Lei, e conforme lhe seria plenamente
possível.”.
12. Depois de afirmar o que se transcreve, a decisão conclui da seguinte
forma, sem mais dizer:
“Nestes termos, porque a presente reclamação não logra infirmar os fundamentos
do despacho reclamado, decide-se manter a decisão de não conhecer do recurso.”.
13. Fica-se, pois, sem se saber qual o fundamento efectivo para a
manutenção da decisão sumária, sendo certo que a questão agora aparentemente
considerada primordial – a da temporalidade da invocação da
inconstitucionalidade – não fora levantada na Decisão Sumária, nem estava em
causa, por a situação ser claramente a de uma decisão surpresa (anulação com
estes fundamentos só aconteceu na 2ª instância: STA),
14. Razão para que seja absolutamente obscura a fundamentação baseada em
intempestividade dessa arguição ao nível do art. 72.º, n.º 2 LTC, aí residindo
nova obscuridade ou ambiguidade que enferma a decisão e que urge clarificar.
II. Clarificação quanto à Impossibilidade de Impugnação da Interpretação
Normativa
15. Requer-se ainda a clarificação da Decisão da Reclamação, ao abrigo do
art. 669.º, n.º 1, alínea a) do CPC, motivada na obscuridade de fundamentos
pelos quais se considerou inadmissível o recurso por inconstitucionalidade de
uma interpretação normativa.
16. De facto, o vício de falta de fundamentação que atravessava a Decisão
Sumária prolonga-se na Decisão da Reclamação, já que a Requerente continua sem
saber concretamente, em que se fundamenta o Tribunal Constitucional para arguir
que esta pretende impugnar a decisão do STA.
17. Já referiu e frisou a Requerente – na sua Reclamação – que o que
persegue é um juízo de constitucionalidade a normas que já indicou quais eram,
numa dada interpretação feita das mesmas.
18. Porém, continua a ser contra esta arremessada que procura impugnar uma
decisão do STA.
19. Vislumbrada a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a
matéria, conclui-se que o que a Requerente fez e disse, era o que estaria
obrigada a dizer e a demonstrar, face ao ónus de demonstração segundo o qual
deve impugnar o sentido de certa norma, espelhado numa decisão concreta.
20. Sem se pretender demonstrar a este Alto Tribunal, a jurisprudência que
este mesmo trilhou, não é de deixar de retomar, aqui, os termos do ponto I do
sumário do Acórdão 97-664, no Proc. n.º 97-0250, Ac. N.º 7885:
“O recurso de constitucionalidade, reportado necessariamente a normas, não
exclui um pronunciamento – e logo uma legítima suscitação – referido à
interpretação ou sentido com que a norma foi tomada no caso concreto e aplicada
na decisão recorrida. Constitui esta, com efeito, uma modalidade correcta de
suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa e foi neste caso a
forma através da qual a reclamante introduziu tal questão.”.
21. Esta decisão, em sentido prosseguido em outras decisões posteriores,
não deixa dúvidas quanto à regularidade da apresentação do recurso pela
Requerente, mas também demonstra que, caso V. Ex.as. entendessem que o quadro em
presença não seria aquele referido no Acórdão transcrito, o deveriam justificar,
sob pena de a fundamentação para a inadmissibilidade ficar obscura.
22. Porém, e com efeito, nenhuma justificação concreta se divisa para que
os requisitos previstos neste Acórdão transcrito não estejam preenchidos, com o
que se requer a aclaração da decisão também quanto aos fundamentos ao abrigo dos
quais se refere estar a Requerente a procurar a impugnação de um Acórdão do STA
e não a pretender um juízo de constitucionalidade sobre normas aplicadas, numa
dada interpretação das mesmas.
III. Aclaração quanto aos fundamentos pelos quais não se logrou “infirmar
os fundamentos do despacho reclamado”
23. Da mesma sorte, a Decisão da Reclamação refere que se decidiu manter a
decisão de não se conhecer do recurso porque “a presente reclamação não logra
infirmar os fundamentos do despacho reclamado”.
24. Porém, são também obscuros os fundamentos pelos quais se afirma que
não se logrou infirmar os fundamentos do despacho reclamado, e isto porque, é
absolutamente obscura a fundamentação nessa parte, já que não se alcança onde
esteja o cotejo de argumentos entre a Reclamação e a Decisão da Reclamação, nem,
tão pouco, se respondem aos argumentos da Reclamação, curiosamente transcritos a
págs. 6 a 8 da Decisão da Reclamação.
25. Em face desta constatação, requer-se a V. Ex.as que aclarem a decisão
proferida também quanto a este ponto.
A recorrida entende que o pedido de aclaração não tem fundamento.
Pretende o recorrente, em suma, saber qual o verdadeiro fundamento pelo qual se
entendeu que a reclamação não deveria proceder; em que se fundamenta o Tribunal
para poder concluir que o recorrente pretende impugnar a decisão do STA e não
normas nela aplicadas, e por que razão se diz que o recorrente não logrou
infirmar os fundamentos da Decisão Sumária, se não se responde aos argumentos
que o recorrente avançou na sua reclamação.
Sobre a primeira questão explicou-se no Acórdão reclamado:
[...]
Na verdade, a determinação jurídica que a recorrente visa submeter ao julgamento
do Tribunal não consiste numa regra geral e abstracta aplicada na decisão
recorrida como razão de decidir, mas na própria decisão recorrida, isto é, no
acto de resolução do conflito mediante a aplicação de regras jurídicas aos
factos assentes.
[...]
Aliás, esta errada perspectiva do recurso previsto na alínea b) do n. 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, conduz a que a recorrente nunca
tenha suscitado a questão de inconstitucionalidade no Tribunal recorrido, como
lhe impõe o artigo 72º n. 2 da mesma Lei, e conforme lhe seria plenamente
possível.
Estes trechos são objectivamente claros e explicam cabalmente o fundamento da
improcedência da reclamação. Nada há, neste capítulo, a aclarar.
Quer o recorrente ainda saber por que razão concluiu o Tribunal que vinha
impugnada a decisão recorrida e não as normas que a ditaram. Trata-se de uma
pergunta que excede o âmbito do pedido de aclaração. Isto é: não parece haver
dúvida que o recorrente entendeu com clareza que o Tribunal indeferiu o seu
pedido porque considerou que a impugnação se dirigia à decisão recorrida,
enquanto tal, e que essa determinação jurídica não pode, neste Tribunal, ser
sindicada com fundamento em inconstitucionalidade. É o suficiente. A pergunta
que agora formula tem a ver com o raciocínio jurídico que suporta aquela
conclusão e é algo que decorre dos próprios termos em que o recorrente colocou a
questão ao Tribunal. Nada há, portanto, que aclarar.
Finalmente, pretende saber por que razão diz o Acórdão que o recorrente não
logrou infirmar os fundamentos da Decisão Sumária, uma vez que não há resposta
aos argumentos que o recorrente avançou na sua reclamação.
É mais uma pergunta que excede o âmbito do pedido de aclaração, pois não
denuncia qualquer obscuridade ou ambiguidade da decisão, antes traduzindo uma
crítica, implícita, por não haver, no aresto, a ambicionada resposta. No
entanto, uma vez que ficou logo claro o sentido da decisão e o seu fundamento,
nada haverá, mais uma vez, a aclarar.
Termos em que se indefere o pedido, com custas pelo reclamante.
Taxa de justiça: 15 UC.
Lisboa, 27 de Abril de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos