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Processo nº 810/06
1ª Secção
Relatora: Conselheiro Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é
recorrente A., foi proferida decisão sumária, em 7 de Novembro de 2006, ao
abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 2, da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
«Considerado o tipo de recurso que a recorrente pretendeu interpor – o previsto
na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC – e o disposto no artigo 75º-A, nºs 1
e 2, da mesma lei, verifica-se que o recorrente continua, após notificação nos
termos previstos no nº 6 do artigo 75º-A, a não indicar integralmente os
elementos exigidos pelos nºs 1 e 2 deste artigo.
1. Tal como no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal
(supra, ponto 1. do Relatório), o recorrente não indica, agora, qual a norma
cuja inconstitucionalidade pretende seja apreciada por este Tribunal, exigência
que decorre do carácter normativo do recurso interposto. Com efeito, não pode
dar-se como cumprido o ónus decorrente do disposto no nº 1 do artigo 75º-A da
LTC, indicando o recorrente que:
«pretende ver apreciada a interpretação efectuada pelo Tribunal recorrido
relativamente à norma prevista no n.º 1 do artigo 426° do C.P.P., sendo que tal
interpretação dada àquela norma pelo Tribunal “A Quo” violou (…)»;
«A norma ou o princípio constitucional ou legal que se considera violado, são as
seguintes:
- O normativo previsto no n.º 1 do artigo 426° do C.P.P., por errada
interpretação por parte do Tribunal “A Quo” (…)».
“Quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação
normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa
interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a
julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os
respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que
essa norma não pode ser aplicada com tal sentido.
Não é, deste modo, como vem reiteradamente decidindo o Tribunal Constitucional,
forma idónea e adequada de suscitar uma questão de inconstitucionalidade
normativa a simples invocação de que seria inconstitucional (…) certa ou certas
normas legais na interpretação que a decisão das instâncias lhes conferiu, não
suficientemente definida ou precisada pelo recorrente (…), cabendo sempre à
parte que pretende suscitar adequadamente uma questão de inconstitucionalidade
normativa o ónus de especificar qual é, no seu entendimento, o concreto sentido
com que tal norma ou normas foram realmente tomadas no caso concreto pela
decisão que se pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional” (Lopes do
Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da
constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, nº 3, 2004, p. 8).
O recorrente não cumpriu, pois, o ónus imposto pelo nº 1 do artigo 75º-A da LTC.
2. Por outro lado, o recorrente não indica, com a necessária precisão, a norma
ou princípio constitucional – está em causa o recurso de constitucionalidade
previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC – que considera violado.
Para além de indicar o próprio artigo 426º, nº 1, do Código de Processo Penal e
outras disposições de direito ordinário, o recorrente refere apenas “os
princípios constitucionais implícitos nos artigos 3º, 29º e 32º da CRP”, não
cumprindo, deste modo, o ónus imposto na primeira parte do nº 2 do artigo 75º-A
da LTC.
3. Como este Tribunal tem vindo a entender, “o cumprimento destes ónus [os
decorrentes dos nºs 1, 2, 3 e 4 deste artigo] não representa simples observância
do dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes, o
preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objecto do
recurso” (cf. o Acórdão nº 200/97, não publicado, e, entre outros, o Acórdão nº
462/94, Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1994, o Acórdão nº
243/97, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36º, p. 609, e os Acórdãos nºs
137/99, 207/2000 e 382/2000, não publicados). E daí que a LTC faça corresponder
à não satisfação dos requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento
previsto nos seus nºs 5 e 6, a consequência do não conhecimento do objecto do
recurso (artigo 78º-A, nº 2, da LTC)».
2. Desta decisão reclama o recorrente para a conferência, ao abrigo do disposto
no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:
«(…) 5.- Não obstante não ter sido feito a aclaração, a que se aludiu e
requerida à Ilustríssima Relatora, foi, no entanto, proferido o douto despacho
de fls..., no qual sobre decidiu, pura e simplesmente, não tomar conhecimento do
objecto do presente recurso, decisão com a qual não pode o reclamante, enquanto
recorrente, conformar-se tanto mais que tornando se necessário a requerida
aclaração os autos nunca poderiam prosseguir sem que, sobre a mesma este
Venerando Tribunal se pronunciasse, ao não proceder-se assim, foi negada justiça
ao aqui reclamante, enquanto recorrente.
6.- Efectivamente, o recorrente no seu recurso entendendo que dever ser o mesmo
analisado no seu todo e não apenas no âmbito do direito adjectivo (artigo 426.°,
n.º 1., do C.P.P.), insurge-se contra a interpretação que o tribunal “a quo” faz
das normas legais, porquanto se pronunciou sobre matéria que já não se podia
pronunciar, nomeadamente «As Questões» suscitadas pelo STJ, no âmbito do
recurso.
E foram sobre estas questões relativamente às quais o recorrente invocou no
essencial a inconstitucionalidade.
Apesar de invocar por diversas vezes, o artigo 426.°, n.º 1, do C.P.P., tal
fá-lo pelo facto de ser este o inciso legal que determinou o reenvio do
processo, inciso este que como todos nós sabemos, constitui matéria de direito
adjectivo e não substantivo.
É óbvio que – e está implícito no mesmo inciso – o tribunal destinatário do
reenvio apenas se deverá pronunciar sobre a matéria do reenvio e não doutra, o
que “in casu”, não aconteceu, pelo que é controvertido se é matéria
essencialmente adjectiva ou matéria de índole substantiva.
Daí que se possa admitir, tenha dado azo a alguma confusão, ao se invocar,
também, o artigo 426.°, n.º 1, do C.P.P., pois a inconstitucionalidade arguida
não está propriamente no reenvio do processo, mas sim na apreciação e
interpretação do tribunal recorrido faz, pronunciando-se sobre matéria de facto
de que já não se podia pronunciar, e como tal, fazendo, de igual modo, errada
interpretação do artigo 668.°, n.º 1, alínea d) do C.P.C., “ex vi” artigo 4° do
C.P.P., conjugado com o artigo 379.°, n.º 1, alínea e), do mesmo Corpo de Lei,
interpretação esta que se mostra desconforme com o princípio da legalidade,
consagrado nos artigos 3.°, 29.° e 32.° da C.R.P..
C) CONCLUSÕES:
1.ª- O Reclamante foi notificado, em 18 de Outubro de 2006, do douto despacho de
fls..., que o convidava a aperfeiçoar o seu requerimento de interposição de
recurso, sendo que daquela notificação, e encimando o processo, constam como
partes:
-Recorrente: A.,
-Recorridos: 1- Ministério Público,
2- B. e outro.
2.ª - Aqueles elementos deixaram o reclamante, enquanto recorrente, confuso
porquanto o B. já não é parte no processo, não se compreendendo, por isso, que
se pudesse voltar a discutir no mesmo matéria relativamente àquele interveniente
e que já havia sido decidida, com trânsito em julgado.
3.ª - É que voltar-se a discutir nos presentes autos aquela matéria,
submetendo-a à Vossa apreciação, constitui, desde logo, e em nossa opinião,
notória ilegalidade e causa de nulidade processual nos termos do preceituado no
artigo 668.°, n.º 1, alínea d) do C.P.C., “ex vi” do artigo 4.° do C.P.P.,
nulidade que aqui expressamente se argúi.
4.ª – Deste modo e porque o reclamante, enquanto recorrente, face ao que se
expôs anteriormente, não apreendeu, correctamente o que se pretendia com aquele
douto despacho, isto é, se continuam a estar envolvido e a ser parte
interveniente, B., que já nada tem haver com o processo, discutindo-se, desta
forma, de novo matéria atinente àquele interveniente que não é parte nos
presentes autos.
5.ª - Em face do exposto o aqui reclamante nada mais poderia fazer e até em sede
do princípio da colaboração dos Tribunais (Cfr. artigo 266° do C.P.C.), requerer
a aclaração daquele douto despacho, pois só em posse da mesma, se poderá
pronunciar cabalmente, o que de todo em todo é pertinente e se torna
imprescindível para a sua defesa.
6.ª – E, não obstante aquele requerimento, tal aclaração não foi feita pelo que
também nesta matéria, existe a nulidade prevista no artigo 668.°, n.º 1, alínea
d), do C.P.C., que igualmente se argúi para os legais efeitos.
7.ª – Nesta conformidade volta o reclamante, “data vénia”, a requerer que se
proceda àquela aclaração.
8.ª – Não obstante não ter sido feito a aclaração, a que se aludiu e requerida à
Ilustríssima Relatora do Processo, foi, no entanto, proferido o douto despacho
de fls..., no qual sobre decidiu, pura e simplesmente, não tomar conhecimento do
objecto do presente recurso, decisão com a qual não pode o reclamante, enquanto
recorrente, conformar-se tanto mais que tornando-se necessário a requerida
aclaração os autos nunca poderiam prosseguir sem que, sobre a mesma este
Venerando Tribunal se pronunciasse, ao não proceder-se assim, foi negada justiça
ao aqui reclamante, enquanto recorrente.
9.ª – Efectivamente, o recorrente no seu recurso entendendo que dever ser o
mesmo analisado no seu todo e não apenas no âmbito do direito adjectivo (artigo
426.°, n.º 1., do C.P.P.), embora esta norma na sua parte final contenha matéria
de natureza substantiva, nomeadamente quando se refere: “... ou a questões
concretamente identificadas na decisão de reenvio.”, por isso, se insurge contra
a interpretação que o tribunal “a quo” faz das normas legais, porquanto se
pronunciou sobre matéria que já não se podia pronunciar, nomeadamente «As
Questões» suscitadas pelo STJ, no âmbito do recurso.
10.ª – E foram sobre estas questões relativamente às quais o recorrente invocou
no essencial a inconstitucionalidade.
11.ª - Apesar de invocar por diversas vezes, o artigo 426.°, n.º 1, do C.P.P.,
tal fá-lo pelo facto de ser este o inciso legal que determinou o reenvio do
processo, inciso este que como todos nós sabemos, constitui matéria
essencialmente de direito adjectivo embora contendo na parte final do seu n.º 1
direito substantivo.
12.ª - É óbvio que – e está implícito no mesmo inciso – o tribunal destinatário
do reenvio apenas se deverá pronunciar sobre a matéria do reenvio e não doutra,
o que “in casu”, não aconteceu, pelo que é controvertido se é matéria
essencialmente adjectiva ou matéria de índole substantiva.
13.ª - Daí que se possa admitir, tenha dado azo a alguma confusão, ao se
invocar, também, o artigo 426.°, n.º 1, do C.P.P., pois a inconstitucionalidade
arguida não está propriamente no reenvio do processo, mas sim na apreciação e
interpretação do tribunal recorrido faz, pronunciando-se sobre matéria de facto
de que já não se podia pronunciar, e como tal, fazendo, de igual modo, errada
interpretação do artigo 668.°, n.º 1, alínea d) do C.P.C., “ex vi” artigo 4º do
C.P.P., conjugado com o artigo 379.°, n.º 1, alínea c), do mesmo Corpo de Lei,
interpretação esta que se mostra desconforme com o princípio da legalidade,
consagrado nos artigos 3.º, 29.° e 32.° da C.R.P. e ainda dos artigos 3° e 19°
da LOFTJ.
14.ª – Finalmente, cumpre ainda dizer que o recurso apresentado pelo aqui
reclamante afere-se pelas suas conclusões e em tais conclusões verificam-se
todos os pressupostos inscritos no artigo 75°-A da LTC, nomeadamente, nas
mesmas, está expressamente dito que houve por parte do Tribunal Recorrido
(Tribunal da Relação do Porto), excesso de pronúncia tal como se pode verificar
pelas conclusões 67ª à 74ª, tal como prevê a norma adjectiva na alínea d) do n.°
1 do artigo 668° do C.P.C. aplicável ao caso, “ex vi” artigo 4° do C.P.P., é
esta interpretação que o Tribunal Recorrido fez erradamente de tal preceito
conjugado com uma outra norma de direito adjectivo como é a parte final do n.° 1
do artigo 426° do C.P.P. que dispõe: “... ou a questões concretamente
identificadas na decisão de reenvio.”, quer uma norma quer outra, são normas de
direito adjectivo sendo certo que a interpretação que o Tribunal recorrido deu
às mesmas nos presentes autos não estão conformes com o princípio da legalidade
implícitos nos artigos 3°, 29° e 32° da C.R.P., e em particular a norma do n.° 1
do artigo 32° da Constituição da República, impõe que se consagre o direito de
recorrer de decisões condenatórias e de actos judiciais que, durante o processo
tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou se outros direitos
fundamentais do Arguido, no caso, do aqui reclamante, enquanto recorrente, daí o
fundamento do recurso apresentado, questão essa que é fulcral e subjaz ao mérito
do presente recurso.
15.ª – Não pode o Tribunal Constitucional, coarctar os direitos, liberdades e
garantias que assistem ao aqui reclamante, enquanto recorrente, invocando normas
processuais nomeadamente do artigo 75°-A da LTC e que obstam ao conhecimento do
recurso como foi o caso e ter uma prática contrária em obediência às mesmas
normas processuais nomeadamente quando não conhecem de uma questão que é prévia
e foi suscitada em devido tempo, como seja a aclaração do douto despacho de
convite ao aperfeiçoamento e no qual se admitiu sem mais que um interveniente
tivesse em termos de direito e processuais o lugar de parte que não é nos
presentes autos como foi o caso de B. e que por si só ao admitir-se tal
interveniente como parte inutilizaria de forma definitiva a defesa do aqui
reclamante, enquanto recorrente, sendo esta questão essencial e imprescindível
para a defesa dos direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição
para o aqui reclamante».
3. Notificados os recorridos do requerimento de reclamação para a conferência,
respondeu apenas o Ministério Público:
«1 – A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento sério.
2 – Em primeiro lugar – e quanto à ficcionada “nulidade” decorrente de “omissão
de pronúncia” – é evidente que um convite ao aperfeiçoamento, feito nos termos
do despacho de fls. 1244, é – por natureza – insusceptível de originar
“dúvidas”, dependendo apenas o seu cumprimento de a parte e respectivo
mandatário conhecerem o teor das exigências formuladas pelo artigo 75°-A da Lei
do Tribunal Constitucional.
3 – Por outro lado, a argumentação do reclamante apenas vem confirmar – com o
arrazoado ora apresentado – que não quis ou não soube delimitar adequadamente o
objecto do recurso interposto, o que naturalmente não poderá deixar de conduzir
a uma decisão do não conhecimento».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A reclamação que agora se aprecia não demonstra, de todo, que o recorrente
haja satisfeito os requisitos do artigo 75º-A da LTC, quanto interpôs recurso
para este Tribunal. Concretamente, não demonstra que no respectivo requerimento
– e só esta peça processual importa considerar – tenha indicado a norma cuja
inconstitucionalidade pretendia ver apreciada, bem como a norma ou princípio
constitucional que considerava violado.
Mantém-se, assim, os fundamentos que determinaram o não conhecimento do objecto
do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 2, daquela lei, pelo que
cumpre reiterar a decisão sumária.
2. Da resposta ao convite previsto no artigo 75º-A, nº 6, da LTC, consta, para o
que agora releva, o seguinte:
«(...) em bom rigor jurídico, no presente recurso para este Venerando Tribunal
apenas são partes: o aqui Recorrente e os Recorridos: Ministério Público e C.;
- Em face do exposto, desde já se requer a V. Exa. que faça uma aclaração ao
Douto Despacho proferido no qual se vê através da referida notificação datada de
18 de Outubro de 2006 e subscrita pelo Sr. Escrivão de Direito desse Venerando
Tribunal na qual se vê que são partes nos autos de recurso n.° 810/06:
Recorrente: A.
Recorridos: 1 – Ministério Público
2 – B. e outro».
Como decorre da mera leitura deste excerto, não foi sequer formulado qualquer
pedido de aclaração de uma decisão judicial (artigos 669º, nº 1, alínea a) e
666º, nº 3, do Código de Processo Civil), referindo-se o recorrente à
notificação subscrita pelo Sr. Escrivão de Direito. O que se explica por não
constar do despacho proferido ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 75º-A da
LTC qualquer identificação das partes.
Assim, o Tribunal não deixou de se pronunciar, na decisão sumária proferida,
sobre qualquer questão que devesse apreciar (artigo 668º, nº 1, alínea d), do
Código de Processo Civil), pelo que inexiste a agora invocada nulidade por
omissão de pronúncia.
Importa, pois, concluir, como na decisão reclamada, pelo não conhecimento do
objecto do presente recurso e pelo indeferimento da nulidade arguida.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão de
não conhecimento do objecto do recurso; e
b) Indeferir a nulidade arguida.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2007
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício