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Processo n.º 541/04
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Nuns autos de expropriação por utilidade pública em que era
expropriante o ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária e expropriados A. e
mulher e outros, interpuseram estes, junto do Tribunal Judicial da Comarca de
Braga, recurso da decisão arbitral que, classificando a parcela expropriada como
“solo apto para outros fins”, lhes fixara a indemnização em 2.677.000$00. No
recurso pediram que lhes fosse atribuída uma indemnização de € 120.500,00,
acrescida da correcção monetária entre o momento da fixação do valor da
indemnização e o momento do pagamento da mesma (fls. 171 e seguintes).
Na resposta ao recurso (fls. 216 e seguintes), o ICOR – Instituto
para a Construção Rodoviária pronunciou-se no sentido da manutenção da decisão
arbitral, tendo concluído do seguinte modo:
“[...]
2° A parcela expropriada deve ser classificada como «solo apto para outros
fins».
3° A avaliação de um terreno deve atender à real aptidão deste, demonstrada
pelas suas características objectivas e não se socorrer a engenhosos artifícios
de cálculo para atingir um valor de indemnização conveniente mas perfeitamente
desajustado da realidade, conforme técnica usada pelos expropriados.
4° Para o solo de um prédio ser considerado como apto para construção, é
necessário que se encontrem integralmente preenchidos, à data da publicação da
DUP, os requisitos constantes em alguma das 4 alíneas do art. 25º, n.º 2 da Lei
168/99, de 18 de Setembro.
5° Cumulativamente tem de ficar demonstrado que o solo dispunha efectivamente de
potencialidade para construção.
6º Nesse sentido pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º
194/97 [...] em que decidiu que as normas das diferentes alíneas do art. 24º,
n.º 2, do CE/91, que definiam os terrenos com vocação edificativa para efeitos
de indemnização por expropriação, de acordo com um critério concreto de
potencialidade edificativa – e não com base num critério abstracto de aptidão
edificatória – não eram inconstitucionais, pois não violavam o direito à justa
indemnização por expropriação nem o princípio da igualdade.
[...]
8º Isto mesmo sublinhou Fernando Alves Correia [...], ao escrever que o
legislador, ao definir solo apto para construção, não adoptou «um critério
abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o
solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação –, mas
antes um critério concreto de potencialidade edificativa».
[...]
10º O prédio objecto de expropriação não confronta com via pública pavimentada
susceptível de servir edificações.
11º Não possuía as infra-estruturas urbanísticas necessárias para servir
edificações, nomeadamente rede de abastecimento de água, rede de energia
eléctrica e de saneamento.
12º A inserção do prédio no perímetro urbano de Braga não lhe confere qualquer
capacidade construtiva. A limitação deste perímetro relaciona-se com a zona de
actuação dos Transportes Urbanos de Braga (TUB), que por sinal não servem o
prédio.
13º Contudo o prédio em causa não é servido por transportes públicos, uma vez
que esta propriedade é desprovida de acessos, apresentado somente serventias
agrícolas.
14° O órgão de gestão territorial, em vigor à data da Declaração de Utilidade
Publica, classifica a área da parcela a expropriar, nas suas cartas de
ordenamento e de condicionantes, como inserido em Espaço Canal, em zona de
Reserva Agrícola Nacional.
15° O posterior PDM mantém a mesma classificação que o PDM anterior, ou seja,
Reserva Agrícola Nacional (RAN).
[...]
24° Quanto à classificação do solo de parcelas integradas na RAN, já se
pronunciou o Tribunal Constitucional por 3 vezes, através dos seus acórdãos
20/2000 de 11/01 referente ao processo n.º 209/98 (2ª Secção); 247/2000 de 12/04
referente ao processo 233/99 (2ª secção) e 243/2001 referente ao processo
15/2001 (3ª secção).
25° Nestes acórdãos o Tribunal Constitucional considerou que parcela que faça
parte integrante da RAN deve ser avaliada como solo apto para outros fins, visto
que jamais os expropriados poderiam nela construir e que não é inconstitucional,
nem viola os princípios da justiça e da proporcionalidade, a interpretação do
art.º 24/5 do CE/91 no sentido de excluir da classificação de solos aptos para
construção os solos integrados na RAN e expropriados para a implementação de
vias de comunicação.
26° Neles o TC defendeu que os princípios constitucionais da justa indemnização
e da igualdade são afectados apenas quando se exclui da classificação de «solo
apto para construção» parcela de terreno integrado na RAN e que, com vista à
satisfação do fim determinante da expropriação, é dela desafectado e que é
destinado pela expropriante à implantação de edificação mas já não quando a
expropriação (com indemnização como «solo para outros fins») não visa a
construção de prédios urbanos mas sim a construção de via de comunicação.
[...]
33º Pelo exposto deve ser classificado o solo da parcela expropriada como «para
outros fins», não devendo o montante da justa indemnização ser superior ao
constante na decisão arbitral.
[...].”
2. Efectuou-se a avaliação legalmente exigida, tendo o laudo dos peritos
designados pelo tribunal e pelos expropriados classificado o solo como “apto
para construção” e fixado o montante indemnizatório em € 42.635,74 (fls. 291 a
295), enquanto o laudo do perito designado pela expropriante classificou o solo
como “apto para outros fins” e propôs a indemnização de € 20.648,00 (fls. 284 a
287).
O IEP – Instituto das Estradas de Portugal (que sucedeu ao ICOR –
Instituto para a Construção Rodoviária) deduziu reclamação contra o laudo de
peritagem apresentado pelos peritos designados pelo tribunal e pelos
expropriados (fls. 305 a 307).
Na sequência de tal reclamação, foi elaborado laudo complementar,
“considerando a parcela como solo «para outros fins»”, em que se fixou a
indemnização em € 19.328,77 (fls. 319 a 322).
Foram ainda produzidas alegações: o IEP – Instituto das Estradas de
Portugal sustentou, entre o mais, que “o justo valor da indemnização [a atribuir
aos expropriados] não deve ser superior ao valor constante no laudo complementar
dos senhores peritos que avaliam o solo expropriado como «para outros
fins», ou seja, € 19.328,77” (fls. 328 e seguintes); os expropriados concluíram
que “estamos perante solo apto para construção” e que o valor do terreno é o que
resulta do primeiro laudo dos peritos designados pelo tribunal e pelos
expropriados, ou seja, € 42.635,74 (fls. 337 e seguintes).
3. Por sentença de 3 de Outubro de 2003, o juiz do Tribunal Judicial da
Comarca de Braga julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos
expropriados, fixando a indemnização a atribuir aos expropriados em € 19.328,77,
actualizado nos termos do artigo 24º do Código das Expropriações (fls. 340 e
seguintes).
Lê-se na sentença do Tribunal de Braga, para o que aqui importa
considerar:
“[...]
No caso em apreço, verifica-se que de acordo com o Plano Director Municipal em
vigor à data da Declaração de Utilidade Pública, a parcela em causa insere-se em
área classificada como «espaço canal» e limitada por solos da RAN, não é servida
por acesso rodoviário pavimentado, rede de abastecimento de água, energia
eléctrica e saneamento, situando-se a mesma no perímetro urbano da cidade de
Braga e a cerca de 100 metros de espaços urbanizáveis.
Face aos elementos objectivos coligidos nos autos, e visto o disposto no art.
25° do CE, a classificação do terreno expropriado não pode ser outra senão como
solo apto para outros fins, já que não preenche os requisitos exigidos no n.° 2
desta norma para ser classificado como apto para a construção.
Na verdade, a parcela em causa não é dotada de qualquer das infraestruturas que
permitam o seu enquadramento na al. a) ou b) do citado art. 25°, n.º 2, do C.E.
Afigura-se-nos, até, que os Srs. Peritos do Tribunal e dos expropriados, uma vez
constatada a inverificação de tais requisitos e por forma a poderem classificar
o solo como apto para construção, recorreram ao critério estabelecido no n.° 12
do art. 26° do C.E., que a nosso ver ao caso presente não tem aplicação, por em
causa não estar um «solo classificado como zona verde, de lazer ou para
instalação de infraestruturas e equipamentos públicos».
[...].”.
4. Desta sentença interpuseram os expropriados A. e outros recurso de
apelação (fls. 353), tendo nas alegações respectivas (fls. 359 e seguintes)
formulado as seguintes conclusões:
“[...]
9. [...] o terreno expropriado apenas pode [s]er definido como terreno APTO PARA
[A] CONSTRUÇÃO – tudo nos termos dos artigos 23º, 25º e 26º do C.E.
10. Acresce que, nos termos do n.º 12 do artigo 26º do C.E., sempre teríamos de
valorar o terreno em causa como Solo Apto [para] a Construção.
11. Pois o terreno foi adquirido antes da entrada em vigor do plano director
Municipal.
12. Estamos, em CONCLUSÃO, perante SOLO APTO PARA A CONSTRUÇÃO.
13. O valor do laudo dos Senhores Peritos datado de 31.3.2003 ou seja €
42.653,34 é correcto, com a correcção já definida na douta Sentença.
[...].”.
Nas contra-alegações (fls. 365 e seguintes), sustentou o
expropriante que a sentença recorrida devia ser mantida, apresentando, entre
outras, as seguintes conclusões:
“[...]
VII. [...] não foi produzida prova que mostrasse ser de aplicar o artigo 26º,
n.º 12 do C.E.
VIII. Antes pelo contrário pois ficou provado que o solo em causa não preenche
nenhuma das alíneas do artigo 25º/2 do C.E.
IX. Além disso, o artigo 26º/12 não tem como intuito conferir aptidão
edificatória a solos que não possuem qualquer possibilidade de edificar.
X. Esta norma apenas diz respeito a solos previamente classificados como aptos
para construção, conforme se pode constatar pelo próprio título do art. 26º.
XI. Não podendo o solo da parcela expropriada ter classificação diversa da de
«para outros fins», conforme os argumentos supra aduzidos, deve-se efectuar a
valorização de acordo com o disposto no art. 27º do CE.
XII. De qualquer modo, o n.º 12 do art. 26º é inconstitucional por violação do
princípio da igualdade na sua vertente externa, princípio este consagrado
constitucionalmente no art. 13º, n.º 1 da Lei Fundamental.
XIII. O princípio da igualdade encontra ainda expressão no art. 5º do Código de
Procedimento Administrativo e no art. 2º do Código das Expropriações aprovado
pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.
[...].”.
5. Por acórdão de 17 de Março de 2004, o Tribunal da Relação de
Guimarães concedeu provimento à apelação e, consequentemente, alterou a sentença
recorrida, fixando em € 42.635,74 a quantia indemnizatória a pagar pelo
expropriante aos expropriados (fls. 379 e seguintes).
O Tribunal da Relação de Guimarães fundamentou assim a sua decisão:
“[...]
2 – O prédio donde se destaca a parcela a expropriar, apesar de não confrontar
directamente com caminho público, não possuir infra estruturas rodoviárias,
integra-se no perímetro urbano da cidade de Braga e está a cerca de 100 metros
de espaços urbanizáveis, e insere-se em área classificada como “espaço canal” e
limitada por solos da RAN, segundo o Plano Director Municipal, em vigor à data
da declaração de utilidade pública, que foi publicada em 28/9/2000. Por outro
lado, e de acordo com o laudo de arbitragem junto a fls. 11 e datado de
17/12/2001, a parcela situa-se a menos de 100 metros de construções de cave,
r/chão e 6 andares de habitação.
Em face deste condicionalismo, é de concluir que não pode ser qualificado o seu
solo como apto para a construção, nos termos do artigo 25º n.º 2 do CE,
publicado na lei 168/99 de 18 de Setembro. O certo é que a parcela é subsumível
ao artigo 26º n.º 12 do referido diploma, na medida em que o seu solo está
classificado para instalação de infra-estruturas por plano municipal de
ordenamento do território, plenamente eficaz à data da publicação da declaração
de utilidade pública, e tem aptidão objectiva para a edificabilidade, na medida
em que se enquadra no perímetro urbano da cidade de Braga, e está circundada por
construções várias, a menos de 100 metros.
E em face disto, terá de ser avaliada de acordo com os critérios previstos no
n.º 12 do artigo 26º. E segundo este número e artigo, o critério a ter em conta
é o da média do valor das construções existentes, ou que seja possível edificar
nas parcelas situadas, numa área envolvente, cujo perímetro exterior se situe a
300 metros do limite da parcela expropriada.
No caso de a área estar toda construída, aplica-se o disposto no artigo 28º.
Porém, se houver construções e parcelas para construir, deverá aplicar-se os
critérios previstos no artigo 25º n.º 2 do CE, como se de solo apto para
construção se tratasse [...].
O expropriante suscita, nas suas contra alegações, a inconstitucionalidade do
artigo 26º n.º12 do CE., por violar o princípio da igualdade, consignado no
artigo [13º] da CRP.
Como é doutrina e jurisprudência assente, o princípio da igualdade pressupõe que
se trate da mesma forma o que é igual e de forma diferente o que é diferente. Só
assim é que existe verdadeira igualdade, ou seja, igualdade material e não
meramente formal.
A norma em apreciação tem em vista definir o valor dos solos que fiquem afectos,
por planos directores municipais, a fins de «zonas verdes, de lazer, instalações
de infra-estruturas e equipamentos públicos». Com esta norma, o legislador quis
acautelar simulações na classificação de solos ou a manipulação das regras
urbanísticas, por parte das autoridades públicas, através de planos municipais.
Daí que para prevenir estas situações, tenha criado esta norma, que, em termos
globais, valoriza os solos como se fossem aptos para a construção. Trata-os da
mesma forma, aplicando-lhe critérios idênticos.
O fundamento subjacente à norma não é arbitrário. Pelo contrário, visa prevenir
a arbitrariedade e oportunidade política, que podem ser instrumentalizadas nos
planos [directores] municipais, prejudicando os particulares, e distorcendo a
realidade urbanística e o ordenamento do território.
Daí que não se verificando arbítrio, e até se combatendo a fraude, não se
vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade, na criação desta norma.
Não são os particulares, potenciais expropriados, que ficam a perder. Na
verdade, se o solo tiver capacidade edificativa deverá ser avaliado de acordo
com essa potencialidade. Se estiver sob o controlo dos planos directores
municipais, será avaliado como se tivesse aptidão edificativa, porque, nestes
casos, o legislador entende que gozam dessa qualidade, pelas razões apontadas.
Depois de definido que o critério a ponderar na avaliação é o do artigo 26º n.º
12 e 25º do CE., teremos de concluir que a decisão impugnada terá de ser
alterada, no que concerne à determinação do valor da parcela a expropriar.
E analisando o laudo maioritário, junto a fls. 291, é de concluir que seguiu o
critério por nós enunciado, e como tal o iremos acolher, porque transmite
segurança e equilíbrio, na determinação do valor a atribuir à parcela a
expropriar. É jurisprudência dominante aderir-se ao laudo maioritário, quando
subscrito pelos peritos indicados pelo tribunal, que dão maior garantia de
isenção, imparcialidade, encontrando-se mais justeza e equilíbrio no seu
resultado.
Assim, a justa indemnização será de 42.635,74 €, acrescida das actualizações
legais, que não foram impugnadas neste recurso.
[...].”
6. O IEP – Instituto das Estradas de Portugal interpôs então recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da norma constante
do n.º 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º
168/99, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da
Constituição da República Portuguesa, e do princípio da justa indemnização,
consagrado no n.º 2 do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa (fls.
393).
O recurso foi admitido por despacho de fls. 396.
7. Nas alegações que apresentou neste Tribunal concluiu assim o IEP –
Instituto das Estradas de Portugal (fls. 402 e seguintes):
“I. O artigo 26º 12 é, no nosso entender, inconstitucional pois estabelece um
critério de valorização que viola os princípios constitucionais da justa
indemnização e da igualdade.
II. Nos termos em que se encontra consagrada na CRP, a justa indemnização, mais
do que um pressuposto da legitimidade da expropriação, é parte integrante do seu
conceito.
III. Não restam dúvidas que a indemnização deve repor a situação patrimonial do
titular dos bens objecto de expropriação, sendo actualmente doutrinal e
jurisprudencialmente pacífico que o valor do mercado terá de ser o ponto de
partida para a determinação do valor que permite aquele ressarcimento.
IV. A indemnização deve compensar plenamente o sacrifício especial imposto ao
expropriado, não podendo este ficar em situação mais gravosa do que a dos
particulares não expropriados, ou seja, não podem ser impostos aos expropriados
maiores sacrifícios que aos proprietários não expropriados.
V. A indemnização por expropriação só será justa se rep[user] o princípio da
igualdade violado, através da reconstituição da situação patrimonial que o
expropriado detinha.
VI. Ora o critério prescrito no n.º 12 do artigo 26º do C.E. obsta a que tal
suceda dado que os solos não serão avaliados segundo as suas potencialidades,
nem sequer segundo as potencialidades de parcelas de terreno com os mesmos
condicionalismos materiais e legais «situadas numa área envolvente cujo
perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada».
VII. Este critério em primeiro lugar não atende ao facto de na prática não ser
possível realizar no solo expropriado uma construção semelhante às existentes ou
possíveis de edificar na zona envolvente.
VIII. Não nos podemos esquecer que o direito de edificar, conforme tem sido
maioritariamente entendido, não integra o núcleo do direito de propriedade sobre
um solo.
IX. A não ser assim, todos os solos expropriados deveriam ser valorizados como
«aptos para construção» devido ao titular do direito de propriedade possuir
igualmente o direito de neles edificar.
X. O n.º 12 do artigo 26º do C.E. não tem em conta que por vezes os planos
urbanísticos restringem a edificabilidade dos imóveis, com base na falta de
aptidão edificativa, ou devido a apresentarem uma especial apetência ecológica,
agrícola ou arqueológica, não se estando nesses casos perante uma medida
expropriativa.
XI. Receando que pudesse existir algum caso em que o solo tivesse potencialidade
construtiva, o legislador criou uma norma que, indiscriminadamente faz pagar o
justo (ou melhor todos os justos!) pelo pecador, dado que todos os terrenos que
se encontram nesta situação são avaliados como aptos para construção,
independentemente das suas potencialidades reais e do seu valor de mercado.
XII. O n.º 12 do artigo 26º estabelece um critério de avaliação que se afasta
das potencialidades inerentes ao respectivo solo, as quais são delimitadas pelas
suas características materiais bem como pelos condicionalismos legais que sobre
ele impendem.
XIII. E a sua aplicação no caso concreto levou a que o solo expropriado fosse
avaliado como apto para construção, calculando-se o seu valor em função do valor
médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas
situadas numa área envolvente, quando nele nunca seria possível edificar.
XIV. Nestes termos, o valor que resulta da sua aplicação é superior ao
necessário para restabelecer a situação patrimonial do expropriado, o que se
revela claramente uma injustiça.
XV. Além de que tal situação é claramente violadora do princípio da igualdade na
sua vertente externa já que o expropriado recebe assim um montante
indemnizatório superior ao que receberiam os proprietários de prédios
semelhantes, não expropriados, caso os tentassem transaccionar no mercado
corrente.
XVI. É evidente que o solo expropriado não possui aptidão construtiva efectiva
pois o prédio donde se destaca a parcela a expropriar não confronta directamente
com caminho público nem possui infraestruturas rodoviárias (cf. resposta à 2ª
questão do acórdão recorrido).
XVII. É pacífico que o solo não preenche nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo
25º.
XVIII. Sendo um terreno interiorizado, sem infra-estruturas urbanísticas, não
integrado num núcleo urbano (o douto acórdão da Relação expressamente refere que
se integra no perímetro urbano da cidade de Braga e está a cerca de 100 metros
de espaços urbanizáveis, o que é uma situação absolutamente distinta), chega-se
à conclusão que faltam ao solo as condições materiais para justificar a
existência de potencialidade construtiva efectiva quer o preenchimento dos
requisitos da alínea n.º 2 do artigo 25º do C.E.
XIX. Faltando igualmente as condições jurídicas para que o proprietário do solo
possa nele construir uma habitação.
XX. O solo expropriado encontrava-se inserido em área classificada como «espaço
canal» e limitado por solos da RAN o que é um elemento muito mais revelador das
potencialidades efectivas do solo em causa do que o facto de na zona envolvente
existir[...] alguma habitação dispersa, facto que é corrente na região do Minho.
XXI. O condicionamento «espaço canal» não é revelador de que o solo possuía
aptidão construtiva.
XXII. E como ficou demonstrado, não se encontravam preenchidas quaisquer das
alíneas do n.º 2 do artigo 25º, as quais constituem indícios de que o solo teria
capacidade construtiva.
XXIII. Além disso, o facto de os solos contíguos estarem classificados como RAN
coloca em evidência as capacidades exclusivamente agrícolas do solo expropriado.
XXIV. Assim, não se encontram no processo em causa quaisquer provas de que a
Administração tivesse dolosamente instrumentalizado o PDM, distorcendo a
realidade urbanística e o ordenamento do território.
XXV. A aplicação do n.º 12 do artigo 26º do C.E. ao caso sub judice, avaliando
como «apto para construção» solo que não dispõe da potencialidade material nem
jurídica para edificar é, no nosso entender, inconstitucional.
Nestes termos, requer a V. Ex.ªs que declarem a inconstitucionalidade do n.º 12
do artigo 26º do Código das Expropriações aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18 de
Setembro, ordenando a reforma do acórdão da Relação nos termos necessários.”
Por sua vez, os expropriados A. e outros formularam as seguintes
conclusões (fls. 430 e seguintes):
“1- O n.º 12 do artigo 26º do C.E. consagra o princípio da igualdade de
tratamento da mesma realidade.
2- E visou apenas evitar que por actos de gestão territorial fossem adulteradas
as realidades físicas, económicas e de real desenvolvimento e profunda
expectativa.
3- Consagrou o princípio da igualdade.
4- Nunca pode ser considerado inconstitucional.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
8. Através do presente recurso, o recorrente pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie a conformidade constitucional da norma contida no n.º 12
do artigo 26º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18
de Setembro, por entender que tal norma viola o princípio da igualdade,
consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, e o princípio
da justa indemnização, consagrado no n.º 2 do artigo 62º da Constituição da
República Portuguesa.
A norma questionada dispõe como segue:
“Artigo 26º
Cálculo do valor do solo apto para construção
[...]
12. Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou
para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal
de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à
sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor
médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas
situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite
da parcela expropriada.”.
9. A propósito do n.º 12 do artigo 26º do Código das Expropriações de
1999, agora em apreciação, afirma Fernando Alves Correia (“A jurisprudência do
Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das
Expropriações de 1999”, separata da Revista de Legislação e de Jurisprudência,
Coimbra, 2000, p. 145-146) o seguinte:
“[...]
As modificações introduzidas neste preceito, em comparação com o artigo 26º, n.º
2, do Código de 1991, traduziram-se, por um lado, numa ampliação do âmbito de
aplicação da norma, que passou a abranger, para além dos solos classificados
como zona verde ou de lazer por um plano municipal de ordenamento do território,
também os solos por este reservados para a instalação de infra-estruturas e para
a construção de equipamentos públicos, e, por outro lado, numa restrição a esse
mesmo âmbito de aplicação, consistente na exigência de que os solos
classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e
equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento tenham sido adquiridos
antes da entrada em vigor deste instrumento de planeamento territorial.
Como já tivemos ocasião de escrever noutra altura em relação à norma do n.º 2 do
artigo 26º do Código de 1991 – e, agora, repetimos perante a norma do n.º 12 do
artigo 26º do Código de 1999 –, tem a mesma como objectivo evitar as
classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por
parte dos planos municipais. Mas sendo este o principal objectivo da norma, está
bem de ver que ela só pode abarcar no seu perímetro de aplicação aqueles solos
que, se não fosse a sua classificação como «zona verde ou de lazer» (e, agora,
também a sua reserva para a implantação de infra-estruturas e equipamentos
públicos) por um plano municipal de ordenamento do território, teriam de ser
considerados como solos «aptos para a construção», atendendo a um conjunto de
elementos certos e objectivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às
suas acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de
infra-estruturas urbanísticas, que atestam uma aptidão ou uma vocação objectiva
para a edificabilidade.
[...].”.
10. Do texto do acórdão recorrido (supra, 5.) decorre que a norma ora
questionada foi interpretada no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, é
irrelevante a circunstância de a parcela expropriada possuir objectiva aptidão
edificativa – ou, por outras palavras, no sentido de que, para efeitos da sua
aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se
pelos elementos objectivos definidos no artigo 25º, n.º 2, do Código das
Expropriações.
Na verdade, começou por afirmar o Tribunal da Relação de Guimarães
(fls. 384):
“Em face deste condicionalismo, é de concluir que não pode ser qualificado o seu
solo como apto para a construção, nos termos do artigo 25º n.º 2 do CE,
publicado na lei 168/99 de 18 de Setembro. [...].”.
Lê-se, depois, no acórdão (fls. 384 e seguinte):
“[...] O certo é que a parcela é subsumível ao artigo 26º n.º 12 do referido
diploma, na medida em que o seu solo está classificado para instalação de
infra-estruturas por plano municipal de ordenamento do território, plenamente
eficaz à data da publicação da declaração de utilidade pública, e tem aptidão
objectiva para a edificabilidade, na medida em que se enquadra no perímetro
urbano da cidade de Braga, e está circundada por construções várias, a menos de
100 metros.
[...]
A norma em apreciação tem em vista definir o valor dos solos que fiquem afectos,
por planos directores municipais, a fins de «zonas verdes, de lazer, instalações
de infra-estruturas e equipamentos públicos». Com esta norma, o legislador quis
acautelar simulações na classificação de solos ou a manipulação das regras
urbanísticas, por parte das autoridades públicas, através de planos municipais.
Daí que para prevenir estas situações, tenha criado esta norma, que, em termos
globais, valoriza os solos como se fossem aptos para a construção. Trata-os da
mesma forma, aplicando-lhe critérios idênticos.
[...]
Se estiver [o solo] sob o controlo dos planos directores municipais, será
avaliado como se tivesse aptidão edificativa, porque, nestes casos, o legislador
entende que gozam dessa qualidade, pelas razões apontadas [itálico aditado
agora].
[...].”.
Tendo o tribunal recorrido prescindido da averiguação da aptidão ou
vocação objectiva para a edificabilidade do solo a que respeitava a parcela
expropriada – ou, dizendo de outro modo, tendo o tribunal recorrido decidido que
a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos
elementos objectivos definidos no artigo 25º, n.º 2, do Código das Expropriações
–, conclui-se que a norma do n.º 12 do artigo 26º do mesmo Código foi aplicada
num sentido que, seguindo o raciocínio de Fernando Alves Correia, não satisfaz,
em boa verdade, o objectivo de “evitar as classificações dolosas de solos ou a
manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais”.
É que, sendo esse o principal objectivo da norma, ela só pode
abarcar no seu âmbito de aplicação aqueles solos que, se não fosse a sua
classificação como “zona verde ou de lazer” ou como área destinada à
“implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos” por um plano municipal
de ordenamento do território, teriam de ser considerados como “solos aptos para
a construção”, atendendo a um conjunto de elementos certos e objectivos,
relativos à localização dos próprios terrenos, às suas acessibilidades, ao
desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de infra-estruturas
urbanísticas, que atestem uma aptidão ou uma vocação objectiva para a
edificabilidade, isto é, atendendo a elementos como os definidos pela própria
lei no artigo 25º do Código das Expropriações de 1999.
11. Esta conclusão, porém, não resolve a questão de constitucionalidade
colocada pelo recorrente: para este efeito, o que importa averiguar é se a
interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido, para além de não satisfazer o
apontado objectivo de evitar a manipulação das regras urbanísticas, conduz à
atribuição de uma indemnização excessiva ao expropriado, desproporcionada em
relação ao real sacrifício representado pela expropriação e conducente a uma
intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de
terrenos integrados na área classificada como “espaço canal” que não tenham sido
contemplados com a expropriação.
E a resposta a esta questão fundamental deve ser afirmativa.
Salientou-se, a este propósito, no acórdão n.º 275/2004, de 20 de
Abril (publicado no Diário da República, II Série, n.º 134, de 8 de Junho de
2004, p. 8866 ss), em que também não estava em causa uma actuação pré-ordenada
da Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas:
“[...]
9. A situação que ora se nos oferece representa como que o espelho da situação
anterior, sem que igualmente se questione “qualquer actuação pré-ordenada da
Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas” a que atrás se
fez referência. Isto é, quando anteriormente se considerava inconstitucional a
norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações (1991),
interpretada com o sentido de excluir da classificação de «solo apto para a
construção» o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado,
nomeadamente, para implantação de vias de comunicação, entende-se, agora,
interpretar as normas do n.° 1 do artigo 23° e do n.° 1 do artigo 26° do Código
das Expropriações (1999) por forma a incluir na classificação de «solo apto para
a construção» e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na
Reserva Agrícola Nacional, expropriado, precisamente, para implantação de vias
de comunicação.
[...]
A questão de constitucionalidade que vem submetida à consideração deste Tribunal
pode, assim, formular-se do seguinte modo: é inconstitucional a interpretação
das normas contidas no n° 1 do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das
Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de «solo apto para a
construção» e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na
Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação?
[...]
Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa,
afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os
encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula. Ora, neste
contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a
saber: no âmbito da relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito
da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer
critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos
diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da
relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a
indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento
desigual entre estes dois grupos.
Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a
interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes
autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos
integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para
construção de uma via de comunicação – uma das limitadas utilizações que, por
força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos
termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente
integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo,
considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser
indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações
legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por
força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização
que não corresponde ao seu «justo valor» – para o determinar há que atender ao
valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores
especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está,
necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado
–, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido
contemplados com a expropriação.
[...]
Pelo exposto, há que considerar que a interpretação das normas contidas no n° 1
do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999), que
conduz a incluir na classificação de «solo apto para a construção» e,
consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola
Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio
da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição.
[...].”.
No presente recurso, não estando embora em causa um solo integrado
na Reserva Agrícola Nacional, ocorreu, tal como no recurso de que emergiu o
acórdão acabado de transcrever, a expropriação de um solo onde, por força de uma
classificação constante de um plano municipal de ordenamento do território, não
era possível construir. E, tal como sucedeu nesse recurso, também no caso
presente não resultou minimamente demonstrada a manipulação das regras
urbanísticas. Com efeito, em ambos os processos o tribunal recorrido prescindiu
da averiguação da aptidão objectiva para a edificabilidade do solo a que a
parcela expropriada diz respeito. Mais precisamente, no caso destes autos, o
tribunal recorrido decidiu que, para efeitos da aplicação do artigo 26º, n.º 12,
do Código das Expropriações, a aptidão edificativa da parcela expropriada não
tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25º, n.º 2, do
mesmo Código.
Assim sendo, são para aqui plenamente transponíveis, sem necessidade
de mais desenvolvimentos acerca da eventual violação de outros preceitos
constitucionais, as considerações tecidas nesse acórdão a propósito da violação
do princípio da igualdade, no domínio da relação externa, para elas se
remetendo.
Na verdade, considerar-se como terreno apto para construção (como
tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das
limitadas utilizações legalmente permitidas) um terreno onde o proprietário não
pode construir, por força da sua integração em área afectada à “implantação de
infra-estruturas e equipamentos públicos”, sem averiguação da aptidão objectiva
para a edificabilidade do terreno expropriado – isto é, sem que na averiguação
da aptidão edificativa do terreno expropriado se tenham em conta os elementos
objectivos definidos no artigo 25º, n.º 2, do Código das Expropriações –, conduz
a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de
terrenos integrados em tais zonas que não tenham sido sujeitos a expropriação.
Procedem, assim, as conclusões das alegações de recurso que, assentes no
pressuposto da adopção de um critério de valorização da parcela expropriada pelo
tribunal recorrido, censuram a violação do princípio constitucional da igualdade
por parte da interpretação normativa ora em apreciação (nomeadamente, as
conclusões I, VI, VII, XI, XII, XIV e XV, supra, 7.).
III
12. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional
decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da
igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição, a norma do n.º 12 do artigo
26º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de
Setembro, interpretada no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a
aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos
objectivos definidos no artigo 25º, n.º 2, do mesmo Código;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso,
determinando a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o presente juízo
de inconstitucionalidade.
Lisboa, 16 de Março de 2005
Maria Helena Brito
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira (Com declaração que junto.)
Rui Manuel Moura Ramos (Vencido, nos termos da declaração de voto junta.)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Voto o acórdão com a declaração de que, em meu entender, a norma do n.º 12 do
artigo 26º do Código das Expropriações de 1999, quando interpretada no sentido
de que é irrelevante a real aptidão edificativa desse solo, aferida nos termos
do artigo 25º n. 2 do citado Código, ofende o princípio da justa indemnização
constante do artigo 62º n. 2 da Constituição e não o princípio da igualdade
referido no aresto. Isto é: entendo que não é inconstitucional a interpretação
que faça incluir na previsão da norma os solos que, sendo aptos para construção
nos termos gerais, vieram a perder aquela aptidão por terem sido classificados
em posterior plano municipal de ordenamento do território, verificadas as demais
condições previstas no preceito. Esta determinação normativa visa compensar
encargos especiais e anormais impostos aos proprietários desses solos por motivo
de interesse público e corresponde, afinal, à justa indemnização referida no
referido artigo 62º da Constituição.
Pamplona de Oliveira
Declaração de voto
Não acompanhei a posição da maioria por discordar do entendimento segundo o qual
o disposto no artigo 26º, nº 12 do Código das Expropriações de 1999 (CE),
interpretado no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão
edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos
objectivos definidos no artigo 25º nº 2 do mesmo código, viola o princípio da
igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa
(CRP).
Considero, com efeito, que, tratando-se de determinar a conformidade
constitucional de uma disposição do CE com as características da norma sub
judicio, a comparação entre o expropriado e os não expropriados – a análise da
indemnização na perspectiva da chamada relação externa da expropriação – não
deve realizar-se na base de conjecturas quanto ao valor de mercado (o mercado é
uma realidade social e não normativa) dos terrenos dos restantes proprietários
não expropriados, ficcionando uma hipotética venda dos terrenos destes.
Por outro lado, entendo ainda que o Tribunal deduz de uma questão interpretativa
respeitante à norma (saber se a sua ratio é apenas a indicada por Alves Correia
no estudo citado no item 9 do Acórdão) um argumento de inconstitucionalidade,
quando não tenho por evidente que a interpretação pressuposta pelo Tribunal
encerre o verdadeiro e único sentido interpretativo do artigo 26º, nº 12 do CE.
Estas divergências relativamente à posição que fez vencimento carecem de uma
maior explicitação que, sem prejuízo do carácter sucinto do presente voto,
procurarei efectuar.
1.2 Preliminarmente, porém, há que ter presente a circunstância de,
recentemente, no Acórdão nº. 114/05 da 2ª. Secção, este Tribunal ter apreciado a
constitucionalidade da norma aqui em causa – face aos princípios da igualdade e
da justa indemnização – concluindo, então, pela conformidade constitucional da
referida norma.
Não obstante entender que este anterior pronunciamento do Tribunal (no sentido
da não inconstitucionalidade) deveria ter sido o adoptado igualmente na presente
situação, cumpre sublinhar a existência de uma importante dissemelhança entre
ambos os casos, em termos tais que a questão de constitucionalidade configurada
não pode ser considerada a mesma nas duas situações.
Com efeito, estando em causa aplicações da mesma norma, assentou cada uma delas
em interpretações distintas. É que, no presente caso, o artigo 26º., nº. 12, do
CE, enquanto norma objecto do recurso, é apreciado quando interpretado no
sentido de prescindir da determinação concomitante da aptidão edificativa da
parcela expropriada, através dos critérios do artigo 25º., nº. 2, do CE.
Diversamente, na situação apreciada pelo Acórdão nº. 114/05, a aptidão
edificativa (sempre determinada nos termos desse artigo 25º., nº. 2) era
encarada como pressuposto do cálculo do valor do terreno com base no critério
estabelecido no nº. 12, do artigo 26º., do CE.
Estando, embora, em causa interpretações diversas da mesma norma ou, por outras
palavras, aplicações dessa norma baseadas em interpretações distintas, não
creio, porém, salvo melhor entendimento, que o resultado em termos de
conformidade constitucional deva ser, na presente situação, não obstante as
especificidades interpretativas dos dois casos, contrário ao alcançado no citado
Acórdão nº. 114/05.
2. A primeira divergência refere-se, como anteriormente disse, ao
sentido que o Tribunal atribui ao princípio da igualdade relativamente à relação
externa da expropriação. Ou seja, saber se a aplicação do critério de cálculo
constante do nº. 12, do artigo 26º., do CE, “conduz à atribuição de uma
indemnização excessiva ao expropriado, desproporcionada em relação ao real
sacrifício representado pela expropriação e conducente a uma intolerável
desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos
integrados na área classificada [...] que não tenham sido contemplados com a
expropriação” (item 11 do Acórdão).
Para responder afirmativamente a esta questão (existe desigualdade relativamente
aos não expropriados) o Tribunal acaba por ponderar – implicitamente, pelo menos
– o valor que obteriam estes (os “que não tenham sido contemplados com a
expropriação”) se procedessem à venda das respectivas parcelas, concluindo que
esse valor, não se verificando os elementos do artigo 25º., nº. 2, do CE, nunca
seria o de um “solo apto para a construção” (o “do valor médio das construções
existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área
envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada”, como diz o nº. 12, do artigo 26º., do CE). Esta conclusão, porém,
não se nos afigura evidente, por assentar na comparação entre realidades
intrinsecamente distintas: as regras, normativas, de cálculo da indemnização no
caso de expropriação, e as regras de comportamento dos agentes actuando no
mercado.
Este – o mercado – “é a interacção do conjunto dos vendedores e
compradores, actuais ou potenciais, que se interessam pela transacção de
determinado produto” (Fernando Araújo, Introdução à Economia, Vol. I, 2ª. ed.,
Coimbra, 2004, pág. 232) e funciona com base numa lógica insusceptível de
assimilação a uma realidade que se expressa através de conteúdos normativos.
Significa isto que não sendo irrelevantes, na formação dos preços de um terreno
no mercado concorrencial, constrangimentos administrativos à construção, estes
não excluem que, em função de múltiplos factores (desde logo das possíveis
expectativas de ulterior alteração desses constrangimentos, decorrentes, por
exemplo, da evolução previsível do statu quo traduzido numa proximidade de 300 m
de terrenos aptos para construção), no mercado, a interacção entre a oferta e a
procura produza preços equivalentes aos valores que, sem a verificação dos
elementos elencados no nº. 2, do artigo 25º., do CE, seriam alcançados com base
no nº. 12, do artigo 26º., do CE.
É certo que este Tribunal, em sede de controlo da relação externa da
expropriação, afasta habitualmente possíveis objecções deste tipo, falando em
“valor de mercado do bem [expropriado] normativamente entendido”, o que
expressaria “a quantia que teria sido paga pelo bem [...] se este tivesse sido
objecto de um livre contrato de compra e venda descontados os factores
especulativos” (Fernando Alves Correia, caracterizando a jurisprudência do
Tribunal Constitucional, no estudo: “Propriedade de Bens Culturais – Restrições
de Utilidade Pública, Expropriações e Servidões Administrativas”, in Direito do
Património Cultural, Lisboa, 1996, pág. 407). Porém, descontados esses
factores, ou quaisquer outros actuantes no mercado, e pressupondo (o que não é
certo) que esse desconto seja possível, o que fica já não é o valor de mercado
e, consequentemente, a comparação entre quem é expropriado – que queira ou não o
é – e quem hipoteticamente vendesse, já não tem qualquer sentido, pois já não
expressa a realidade, mas uma mera ficção desta.
A solução não é, obviamente, prescindir de toda a comparação entre
expropriados e não expropriados, mas restringir tal comparação ao que, pela sua
natureza, é susceptível de uma comparação efectiva. Foi o que sucedeu no Acórdão
nº 422/04 (poderíamos citar igualmente os Acórdãos nºs. 314/95 e 86/03) no qual
o Tribunal procedeu ao controlo da relação externa da expropriação comparando
expropriados com não expropriados no que diz respeito à sujeição daqueles e
destes a encargos públicos. É que a Contribuição Autárquica ou o Imposto
Municipal Sobre Imóveis (em causa no Acórdão nº 422/04) pagavam-no,
efectivamente, tanto o proprietário expropriado como aquele que o não era,
podendo-se quantificar – e por isso comparar – os encargos reais de um e de
outro. Aqui, diversamente, o que se compara é o que existe (a expropriação
daquele concreto bem num determinado momento) com o que só hipoteticamente
existiria e, mesmo assim, produziria efeitos – e são estes efeitos que o
Tribunal pretende comparar – com base em modelos que, por não expressarem
realidades normativas, actuam de forma e com resultados substancialmente
distintos.
Daí que, citando as palavras do mencionado Acórdão nº 114/05, da 2ª
Secção, entendamos, também na situação sub judicio, que “o [...] princípio da
igualdade somente impõe a comparação de realidades existentes, extrapolando da
sua racionalidade uma violação com fundamento na circunstância de outros
proprietários poderem não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos
termos”.
3. A isto acresce – e abordamos agora a outra divergência
relativamente à posição da maioria – que a caracterização da norma em termos de
pretender obstar às chamadas “classificações dolosas” (classificação de certa
área como zona verde, expropriando-a como terreno não apto para construção,
destinando-a posteriormente a fim diverso que conduziria, não fora a
classificação, a uma mais elevada indemnização; v. Fernando Alves Correia,
Código das Expropriações, Lisboa, 1992, pág. 23; cfr. José Osvaldo Gomes,
Expropriações por Utilidade Pública, Lisboa, 1996, pág. 195), tal
caracterização, dizíamos, não esgota o sentido possível da norma e não
justifica, por isso, a «redução teleológica» que o Tribunal efectua, assente na
interpretação de Fernando Alves Correia (“A Jurisprudência do Tribunal
Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código de
Expropriações de 1999”, in Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 133, págs.
53/54) e que se expressa na seguinte passagem do Acórdão:
“[...]
Tendo o tribunal recorrido prescindido da averiguação da aptidão ou vocação
objectiva para a edificabilidade do solo a que respeitava a parcela expropriada
– ou, dizendo de outro modo, tendo o tribunal recorrido decidido que a aptidão
edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos
objectivos definidos no artigo 25º, nº 2, do CE –, conclui-se que a norma do nº
12 do artigo 26º do mesmo Código foi aplicada num sentido que, seguindo o
raciocínio de Fernando Alves Correia, não satisfez, em boa verdade, o objectivo
de «evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras
urbanísticas por parte dos planos municipais».
[...]”
Suscita-nos esta interpretação algumas dúvidas. Nada exclui que uma norma com as
características da do nº 12 do artigo 26º do CE possa fundar-se igualmente numa
ratio distinta, a saber: a proximidade até 300 m de áreas de construção, ou onde
seja possível construir, pode implicar expectativas de valorização fundiária, a
curto, médio ou longo prazo (mesmo sem as características indicadas no nº 2 do
artigo 25º do CE) – expectativas estas que são definitivamente cortadas ao
expropriado com a ablação do direito de propriedade, contrariamente ao não
expropriado que mantém intactas essas expectativas – que, traduzindo um elemento
não irrelevante na relação do proprietário com o bem, devem ser tidas em conta,
na avaliação do sacrifício imposto ao expropriado, no momento da cessação
coactiva dessas expectativas. Atente-se em que na formação dos preços, as
expectativas relativas a acontecimentos futuros são determinantes do
comportamento dos agentes e constituem um elemento imprescindível na análise
dos mercados (v. Joseph Stiglitz, John Driffill, Economics, Nova Iorque, 2000,
pág. 104), o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da
propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto
fundiário, através da projecção de futuras transferências de solo rural para
solo urbano (v. Robert Ekelund, Robert Tollison, Economics, 4ª ed., Nova Iorque,
págs. 370/373).
Nada nos permite excluir este sentido como um dos possíveis relativamente à
norma apreciada. Bem vistas as coisas ao atender-se, na procura de um valor
justo para a compensação do sacrifício decorrente da expropriação à extinção de
expectativas (que, note-se, persistem incólumes relativamente ao não
expropriado), estar-se-á ainda a realizar a justiça entre expropriados e não
expropriados.
4. Como nota final, e sem prejuízo de uma indagação mais aprofundada agora
quanto ao sentido do princípio da justa indemnização, plasmado no artigo 62º, nº
2 da CRP (norma que se refere ao direito de propriedade privada), temos também
sérias reservas quanto à possibilidade de ao abrigo deste preceito
constitucional serem inviabilizadas normas que garantam uma indemnização que,
não sendo inferior ao valor do bem, possa ser considerada (ao abrigo de algum
critério) como mais ampla que um valor «aceitável» desse bem.
Perturba-nos, enfim, e não temos por seguro que o artigo 62º, nº 2 da CRP o
autorize, que a suposta afirmação dos direitos de terceiros não parte na relação
expropriativa (os outros proprietários não expropriados) possa servir ao
expropriante para lograr a diminuição do valor a satisfazer ao expropriado pelo
sacrifício que lhe impõe.
A prossecução da igualdade entre expropriados e não expropriados deve assim,
salvo melhor entendimento, assentar em bases distintas daquelas que conduziram
ao presente juízo de inconstitucionalidade.
Rui Manuel Moura Ramos