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Processo n.º 691/05
Plenário
Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
Em 16 de Agosto de 2005, o Partido Popular (CDS-PP) procedeu à apresentação, no
Tribunal Judicial da Comarca de Castelo de Paiva, da lista de candidatos à
eleição para a Câmara Municipal de Castelo de Paiva.
Para o efeito, juntou um conjunto de documentos, que incluía onze boletins
individuais de candidatura, com indicação da posição de cada candidato na
respectiva lista, acompanhada de três folhas avulsas, com indicação de dois
nomes, além de três nomes sob a referência «candidatos suplentes» e, bem assim,
com a identificação do mandatário da lista (fls. 199ss).
Tendo-se realizado, em 17 de Agosto de 2005, o sorteio das listas, conforme
resulta do auto de fls. 224ss, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo
de Paiva proferiu, em 18 de Agosto, o seguinte despacho:
«(...)
Notifique o mandatário da lista do CDS/PP para, em três dias, juntar lista
contendo a identificação dos candidatos efectivos e suplentes, bem como
declarações de candidatura desses candidatos (ou declaração única), devidamente
assinadas pelos próprios, respeitando os requisitos referidos no artigo 23º da
Lei nº 1/2001, de 14/08, o que não acontece com aquelas que juntou inicialmente,
algumas das quais não identificam cabalmente os candidatos, outras são omissas
quanto à assinatura da pessoa que se candidata, para além de que repetem nomes,
o que provoca confusão quanto à posição na lista.
Da mesma forma, e no mesmo prazo, deverá ser junta certidão de inscrição no
recenseamento eleitoral de cada um dos candidatos e do mandatário, conforme
estabelece o artigo 23º, 5, c), do diploma acima referido».
Tendo sido notificado o mandatário da lista do CDS-PP, veio este
apresentar, em 22 de Agosto de 2005, boletins individuais de candidatura, tendo
impressa a menção «lista de candidatos», devidamente assinados, com
identificação do candidato, a indicação da sua posição na lista – ainda que sem
a especificação da qualidade de efectivo ou suplente –, a declaração de
aceitação de candidatura e a prova de capacidade eleitoral. Foram entregues onze
boletins de candidatura, acompanhados de certidões de eleitor, constando do
canto superior direito a posição de cada candidato na respectiva lista (cf.
docs. de fls. 243ss).
Em 24 de Agosto de 2005, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo
de Paiva proferiu despacho do seguinte teor:
«Conforme resulta do despacho de fls. 240, o mandatário da candidatura
apresentada pelo CDS/PP foi notificado para, em 3 dias e além do mais, juntar
lista contendo a identificação dos efectivos e suplentes, respeitando os
requisitos previstos no art. 23º da Lei nº 1/2001, de 14.08.
Na sequência de tal notificação, veio o mandatário juntar os documentos de fls.
243 e ss, documentos esses que se traduzem no boletim individual de candidato e
respectiva certidão de eleitor.
Apreciando e decidindo
De acordo com o preceituado no art. 23º, nº 1, als. A) e B), da Lei nº 1/2001,
de 14.08, a apresentação de uma candidatura consiste em entregar, além dos
documentos referidos no nº 5 do mencionado normativo, uma lista com os elementos
descritos no nº 1, al. a) e nº 2, do mesmo segmento e a declaração de
candidatura.
Ressalta, assim, à evidência que o legislador não se bastou com a junção da
certidão de eleitor e declaração de candidatura individual, pretendendo que se
elaborasse uma lista (única ou fragmentada) com os elementos identificativos de
cada um dos candidatos, por forma a que se possa, com simplicidade e clareza,
dar a conhecer publicamente quem são os elementos de cada uma das listas
concorrentes.
Daí decorre a exigência legal de afixação, nas várias fases processuais, das
listas provisórias e, a final, da definitiva, sendo que, se assim não fosse, o
legislador permitiria expressamente a afixação, em substituição da lista, das
várias declarações de candidatura individuais.
Cremos que a irregularidade detectada e cuja supressão se solicitou não foi
sanada e que, atento o seu âmbito, inquina todo o processo de apresentação da
candidatura, nada sendo aproveitável, razão pela qual se impõe a respectiva
rejeição.
Nos termos de tudo quanto acaba de se expender e sem necessidade de ulteriores
considerações, ao abrigo do preceituado no art. 27º, nº 1, da Lei nº 1/2001, de
14.08, decide-se rejeitar a “lista” apresentada pelo CDS/PP por não reunir os
requisitos legalmente previstos.
Notifique.
(...)».
Notificado em 24 de Agosto de 2005, o mandatário do CDS-PP veio, em 26 de
Agosto, reclamar daquele despacho, juntando nesse momento «lista com os
elementos descritivos conforme o exigido no artigo 23º nº 1 al. a) do referido
diploma legal, para suprimento da irregularidade, conforme despacho exarado do
Exmo. Juiz» (fls. 272). E, efectivamente, a reclamação é acompanhada de uma
lista contendo a identificação dos diversos candidatos, discriminando-se os
efectivos e os suplentes (fls. 273ss).
Em 31 de Agosto de 2005, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo
de Paiva emitiu a seguinte decisão:
«Conforme resulta do disposto nos arts. 26º e 27º da Lei nº 1/2001, de 14 de
Agosto, o prazo de supressão das irregularidades processuais é de três dias,
contados da notificação do despacho que as verificou, sendo que o incumprimento
de tal prazo ou a não supressão das irregularidades determina a rejeição da
lista (art. 27º, nº 1).
Significa isto que a junção da lista no prazo de reclamação da decisão de
rejeição não tem a virtualidade de sanar o vício anterior, já que a reclamação
tem em vista apenas “atacar” os fundamentos da decisão sobre que incide.
Pelo exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, indefere-se a
reclamação apresentada contra a decisão de rejeição da “lista” apresentada pelo
CDS/PP à Câmara Municipal.
Notifique os mandatários.
(...)».
Notificado em 31 de Agosto de 2005, o mandatário da lista do CDS-PP
apresentou, em 5 de Setembro, recurso daquela decisão para o Tribunal
Constitucional, tendo concluído assim:
«1ª A exigência da al. a) do nº 1 do art. 23º da LEOAL [Lei Eleitoral dos Órgãos
das Autarquias Locais] não consiste na apresentação autónoma de um elenco
ordenado dos candidatos com a indicação dos elementos identificativos.
2ª Da candidatura apresentada constava já a “lista” a que se refere a al. a) do
nº 1 do art. 23º da LEOAL, pois os elementos que a lei exige que dela devam
constar resultavam já do somatório das declarações de candidatura;
3ª Não se entendendo desse modo, sempre resultaria do mais elementar princípio
do aproveitamento dos actos jurídicos e da eficácia limitada dos vícios de
forma, o preenchimento do requisito da al. a) do nº 1 do art. 23 da LEOAL, pois
os elementos que a lei exige que dela devam constar resultavam já do somatório
das declarações de candidatura;
4ª Do mesmo passo, sempre o Recorrente juntou o dito elenco ordenado contendo os
elementos identificativos dos candidatos aos presentes autos, o que em qualquer
caso sempre haveria de ter ditado a admissão da candidatura».
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
O recurso é tempestivo e interposto por pessoa com legitimidade para
recorrer.
Não pode considerar-se o documento de fls. 273 e seguintes entregue pelo
ora recorrente juntamente com a reclamação. Na verdade, como sublinha o juiz do
Tribunal Judicial da Comarca de Castelo de Paiva no seu despacho de 31 de
Agosto, a sua junção é extemporânea, uma vez que intervém já fora do prazo de
suprimento de irregularidades, que é de três dias.
Resta assim indagar se o suprimento das irregularidades enunciadas pelo
juiz no seu despacho de 18 de Agosto fora cabalmente realizado com a
documentação entregue pelo mandatário da lista do CDS-PP em 22 de Agosto de
2005, isto é, se foi ou não entregue uma «lista» com os elementos descritos no
nº 1, alínea a), e nº 2 do artigo 23º da Lei Eleitoral aprovada pela Lei nº
1/2001, de 14 de Agosto (de ora em diante citada “Lei Eleitoral”).
Ora, o Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar, ainda que
num caso diferente do dos presentes autos, sobre esta questão: a da
materialidade necessária para que se possa falar de «lista contendo a indicação
da eleição em causa, a identificação do partido (...) e a identificação dos
candidatos e do mandatário da lista» [cf. alínea a) do nº 1 do artigo 23º da Lei
Eleitoral].
Na verdade, no Acórdão nº 492/01 (in D.R., II Série, nº 290, de 17-12-2001,
pp. 20884ss), o Tribunal Constitucional, no contexto de uma situação onde da
lista apresentada não constava a indicação de alguns elementos identificadores
(a naturalidade e a morada) de dois candidatos, afirmou o seguinte:
«prescrevendo o artigo 23º, nº 1, alínea a), da LEOAL que a apresentação das
candidaturas consiste na entrega de «lista contendo a indicação da eleição em
causa, a identificação do partido, coligação ou grupo de cidadãos proponente e a
identificação dos candidatos e do mandatário da lista e, no caso de coligação, a
indicação do partido que propõe cada um dos candidatos», não se descortina donde
se possa extrair que tal lista deva corresponder a um rol constante de um
documento único e não fragmentado que integre todos os referidos elementos. A
lista tanto pode consistir nesse documento, como na sequência ordenada de
documentos que traduzam esse rol e contenha todos os elementos legalmente
exigidos.
No caso em apreço, para além de a sequência da lista, com indicação ordenada dos
candidatos efectivos e suplentes, constar expressamente de um documento, foi
logo entregue, juntamente com esse mesmo documento, uma sequência de documentos
respeitantes a cada candidato, pela ordem referida, contendo, cada um deles, não
só a identificação completa do candidato, em conformidade com o exigido no nº 2
do referido artigo 23º, mas também a identificação da lista, através da
reprodução da denominação, sigla e símbolo da coligação.
Tanto basta para se considerar que se encontravam, à partida, preenchidos os
requisitos de apresentação da lista, cuja pretensa falta conduziu à prolação do
despacho de suprimento de irregularidades. Assim ainda que tais supostas
irregularidades não tivessem sido supridas, não podia esse facto conduzir à
rejeição da lista ou à rejeição da candidatura de qualquer dos candidatos
indicados».
Não é, pois, suportado por esta orientação jurisprudencial – que se não vê
qualquer motivo para ora pôr em causa – o entendimento do juiz do Tribunal
Judicial da Comarca de Castelo de Paiva nos termos do qual é exigível aos
mandatários das candidaturas a apresentação de um documento autónomo, a «lista
(…) contendo os elementos identificativos de cada um dos candidatos, por forma a
que se possa, com simplicidade e clareza, dar a conhecer publicamente quem são
os elementos de cada uma das listas concorrentes»
A lista referida na alínea a) do nº 1 do artigo 23º da Lei Eleitoral, como se
disse no Acórdão nº 492/01, tanto pode consistir nesse documento autónomo como
numa sequência ordenada de documentos que traduzam o rol de candidatos e dos
quais seja possível extrair, para efeitos de prosseguimento do processo
eleitoral com a afixação das listas de candidaturas, todos os elementos
legalmente exigidos.
Ora, da sequência ordenada de documentos constituída pela declaração de
candidatura (fls. 199/201) e pelos onze boletins individuais de candidatura
apresentados pelo CDS-PP (fls. 243/264), após o despacho que determinava a
correcção de irregularidades, constam todos os elementos previstos no artigo
23º, nº 1, alínea a), da Lei Eleitoral: a indicação da eleição em causa, a
identificação do partido, nos termos legais, a identificação dos candidatos
(nome, morada, data de nascimento, número, data e arquivo de identificação do
bilhete de identidade, profissão, filiação, naturalidade, número do cartão de
eleitor e indicação da comissão recenseadora), a declaração de aceitação de
candidatura e a prova da capacidade eleitoral.
Por outro lado, de cada boletim individual de candidatura que se apresenta como
parte integrante da lista de candidatos consta a indicação da posição do
candidato na respectiva lista (os boletins contêm indicações de posição que vão
de 1/11 a 11/11). Tal indicação possibilita a interpretação da vontade do
partido proponente quanto à ordenação dos candidatos (que é assim feita
corresponder à sequência das posições indicadas).
Assente que a referida sequência ordenada de documentos constitui uma lista,
para os efeitos da alínea a) do nº 1 do artigo 23º da Lei Eleitoral, há porem
ainda que verificar se o partido concorrente terá dado cumprimento ao nº 9 do
mesmo artigo, que determina que a lista contenha, “[...] para além dos
candidatos efectivos, [...] candidatos suplentes em número não inferior a um
terço, arredondado por excesso”.
A este respeito, deve esclarecer-se que, pese o facto de o CDS-PP não ter
discriminado de forma expressa a natureza do candidato (efectivo e suplente), a
circunstância de ter indicado a posição relativa de cada candidato na lista e de
ter apresentado onze candidaturas para um total de sete lugares elegíveis
permite considerar que também foi dado cumprimento ao disposto naquele preceito.
Na verdade, as indicações constantes dos boletins revelam claramente uma ordem
de precedência dos candidatos apresentados. É pois de concluir, na falta de
quaisquer outros elementos em contrário, que o respeito por essa ordem de
precedência postula o reconhecimento da natureza de candidatos efectivos aos
primeiros sete candidatos indicados (o que corresponde ao número legal de
efectivos) e de suplentes aos restantes quatro (o que satisfaz o número de
candidatos suplentes que é exigido). De resto, é a esta mesma ordem de
precedência que o legislador recorre, no artigo 27º, nº 2 da Lei Eleitoral, para
proceder ao reajustamento da lista, quando, tendo certos candidatos sido
declarados inelegíveis, os mandatários das candidaturas não hajam procedido à
respectiva substituição, após para tanto terem sido notificados nos termos desta
disposição. O reconhecimento de que essa ordem de precedência há-de ser
respeitada, mesmo nesse caso, implica igualmente que, tendo uma candidatura
apresentado um número de candidatos que inclua o número necessário de candidatos
efectivos e suplentes, sem os distribuir por estas categorias, como é o caso, as
primeiras posições na ordenação (no número equivalente ao dos candidatos
elegíveis) hajam, na ausência de outras indicações em contrário, de corresponder
a candidatos efectivos (e à respectiva seriação) e as demais, também pela ordem
indicada, a candidatos suplentes.
Assim, por razões substancialmente idênticas às que presidiram ao entendimento
firmado no Acórdão nº 492/01, conclui-se que, quando, como no caso, é possível
discernir com clareza da documentação apresentada pelo partido concorrente uma
indicação de quais os candidatos efectivos e suplentes, se devem ter por
cumprido o disposto no nº 9 do artigo 23º da Lei Eleitoral.
Deste modo, deve entender-se que lista de candidatos apresentada pelo CDS-PP
respeita os requisitos do artigo 23º da Lei Eleitoral, achando-se assim sanadas
a irregularidades apontadas no Despacho de 18/08/2005.
III – Decisão
Nestes termos, revoga-se o despacho recorrido e concede-se provimento ao
recurso, admitindo-se a candidatura da lista apresentada pelo Partido Popular
para concorrer à eleição da Câmara Municipal de Castelo de Paiva.
Lisboa, 16 de Setembro de 2005
Rui Manuel Moura Ramos
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Carlos Pamplona de Oliveira
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Vítor Gomes
Artur Maurício