Imprimir acórdão
Processo n.º 286/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam, em conferência na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A A. notificada da decisão sumária proferida a fls. 586/591, veio deduzir
reclamação para a Conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3 da Lei nº 28/82,
de 15 de Novembro (LTC).
É o seguinte o teor da Decisão Sumária impugnada:
“[...]
1. A A., intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL),
recurso contencioso relativamente à deliberação do Conselho de Administração da
Administração do Porto de B., de 17-01-2002, que identificou como
consubstanciando uma decisão de assinatura do contrato de concessão do serviço
público de reboques e amarração daquele Porto, com a C..
1.1 Paralelamente intentou esta recorrente, quanto a essa mesma deliberação, um
pedido de suspensão de eficácia ao qual foi negado provimento, tanto pelo TACL
como pelo Tribunal Central Administrativo, interpondo a recorrente,
relativamente à decisão deste último, um recurso de constitucionalidade, fundado
na alínea b) do nº. 1, do artigo 70º., da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), tendo por objecto a questão da inconstitucionalidade do artigo 76º., nº.
1, alínea c), conjugado com o artigo 25º., ambos da Lei do Processo nos
Tribunais Administrativos (LPTA – Decreto-Lei nº. 267/85, de 16 de Julho), por
alegada violação do direito à tutela judicial efectiva, decorrente dos artigos
268º., nº. 4 e 20º., da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Apreciando este recurso de constitucionalidade, decidiu este Tribunal dele não
tomar conhecimento, proferindo o Exmº. Relator a Decisão Sumária de fls.
384/390, posteriormente confirmada, em sede de reclamação para a Conferência,
pelo Acórdão nº. 247/03. Importa consignar que o não conhecimento deste anterior
recurso se fundou na circunstância de a eventual apreciação da norma em causa
nele, não ter repercussão na decisão aí impugnada, sendo que esta se baseava, ao
rejeitar a suspensão da eficácia, em três fundamentos distintos, reportando-se a
norma indicada pela recorrente apenas a um desses fundamentos: mesmo que esse
fundamento fosse considerado inconstitucional (a norma nele em causa), o sentido
da decisão manter-se-ia, em função dos outros dois fundamentos não atacados pela
recorrente (disse-se nesse Acórdão nº. 247/03: “[que] o [...] eventual
provimento nunca seria susceptível de alterar o sentido da decisão impugnada,
que sempre seria o de indeferimento da suspensão, embora então com a sua
fundamentação limitada à não verificação dos dois restantes requisitos”).
2. Entretanto, no âmbito do presente recurso contencioso, cujos termos
prosseguiram paralelamente à questão da suspensão de eficácia, foi proferida
pelo TACL a Sentença de fls. 398/405 que rejeitou o recurso, por considerar
irrecorrível o acto (a deliberação) impugnado [a].
Recorreu, então, a A. desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo
(STA), incluindo nas respectivas alegações (fls. 425/463), entre as quarenta
conclusões com as quais as rematou, os seguintes dois items conclusivos:
“[...]
jj) Caso esse douto Tribunal considere que a deliberação recorrida não é
recorrível e que o presente recurso deve ser rejeitado, invoca-se desde já, a
inconstitucionalidade superveniente dos artigos 76º, nº 1, alínea c) e 25º da
LPTA na interpretação que lhe venha a ser dada por esse Tribunal de recurso, por
violação, designadamente, do disposto no nº 4 do artigo 268º da Constituição;
kk) The last but not the least importa salientar afigurar-se sintomático que o
Tribunal Constitucional, questionado no âmbito do processo de suspensão de
eficácia da deliberação ora recorrida sobre a matéria da respectiva
recorribilidade tenha afirmado expressamente no Acórdão nº 247/03 de 20 de Maio
de 2003, que «[...] em parte alguma da decisão sumária se afirma que a
deliberação suspendenda não seria acto constitucionalmente recorrível e que por
isso se não conheceria do objecto do recurso de constitucionalidade »;
ll) Nestes termos, só pode a recorrente concluir pugnando pela procedência do
presente recurso e, consequentemente, pela necessária revogação da sentença
proferida pelo Tribunal a quo, por serem desprovidos de sentido os
pressupostos em que a mesma se alicerça em clara violação do disposto nos
artigos 120º do Código de Procedimento Administrativo e do 25º da LPTA e do nº
4 do artigo 268º, no que concerne à recorribilidade da deliberação recorrida.
[...]”
Decidindo este recurso, o STA, através do Acórdão de fls. 541/549, negou-lhe
provimento, confirmando o entendimento do TACL segundo o qual a deliberação
recorrida “não assumi[a] natureza de acto contenciosamente recorrível, à luz do
disposto no artigo 268º, nº 4 da CRP”.
Disse-se na decisão recorrida:
“[...] na reunião havida em 17/01/02 o recorrido CA da B. não tomou qualquer
decisão sobre qual seria a sociedade que, em representação do adjudicatário do
concurso, iria outorgar no correspondente contrato. E isto pela simples razão de
que, como aliás tinha solicitado, tal decisão foi antes tomada pelas próprias
sociedades interessadas, entre as quais a própria recorrente.
E, como o bem considerou a sentença, a mera tomada de conhecimento pelo CA dessa
decisão das interessadas não consubstancia, por si mesma, acto administrativo,
tal como é definido no artigo 120º do CPA. Nem assume alcance lesivo dos
direitos ou interesses juridicamente tutelados, designadamente da ora
recorrente, em cuja esfera jurídica não visou produzir, nem produziu, quaisquer
efeitos.
Daí que, como também concluiu a sentença sob impugnação, essa tomada de
conhecimento não assuma natureza de acto contenciosamente recorrível, à luz do
disposto no artigo 268º, nº 4 da CRP. Pelo que o recurso contencioso que a tomou
por objecto deveria ser, como foi, rejeitado. [...]”
3. Reagiu desta feita a recorrente, interpondo recurso para este Tribunal,
fazendo-o nos termos que ora se transcrevem:
“[...]
A., com sede -- -------------------, nº ---, --------, recorrente no processo à
margem identificado e em que são recorridas a Administração do Porto de B. e a
C., a D. e a E., como contra-interessadas, não se conformando com o Acórdão de
dia 3 de Fevereiro de 2005 que negou provimento ao recurso jurisdicional e
manteve a decisão recorrida, vem dela interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, com fundamento na aplicação da norma cuja constitucionalidade
foi suscitada durante o processo, de acordo com a alínea c) do nº 1 do artigo
70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, da Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional.
O presente recurso tem por objecto a inconstitucionalidade do artigo 76º nº 1,
alínea c), conjugado com o artigo 25º, ambos da LPTA, na interpretação que lhe
foi dada no Acórdão ora recorrido, o qual, nessa interpretação, viola o direito
à tutela judicial efectiva da ora recorrente, consagrado constitucionalmente nos
artigos 268º, nº 4 e 20º da Constituição, uma vez que lhe nega o direito a
requerer impugnação contenciosa de um acto da Administração portuária que
decidiu outorgar às recorridas particulares um contrato administrativo em
violação do seu direito à outorga do mesmo contrato.
A referida questão de inconstitucionalidade do artigo 76º nº 1, alínea c)
conjugado com o artigo 25º da LPTA, na interpretação que lhe deu o Acórdão
recorrido, foi suscitada nas alegações do recurso interposto contra a sentença
do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, em primeira instância e com os
mesmos fundamentos de direito assentes na pretensa irrecorribilidade do acto,
rejeitou o pedido de anulação formulado pela ora recorrente.
“[...]
4. A admissão do presente recurso pelo STA (v. despacho de fls. 579) não vincula
este Tribunal, que mantém, relativamente a ele, intactos os seus poderes de
admissão. Daí que, considerando-se não dispor o recurso de condições que
possibilitam o conhecimento do respectivo objecto, se profira a presente
decisão sumária, nos termos do artigo 78º-A, nº 1 da LTC.
4.1. Assenta este recurso de constitucionalidade – e isto pressupondo que a
indicação da alínea c) do nº 1 do artigo 70º da LTC resulta de lapso, estando em
causa, notoriamente, a alínea b) – numa manifesta confusão entre o recurso
(consubstanciado no presente processo) visando a anulação contenciosa do acto
recorrido, e o recurso (em causa no processo que originou o Acórdão nº 247/03),
onde se pretendia a suspensão de eficácia desse mesmo acto. É com base nesta
confusão que a recorrente indica, no presente recurso de constitucionalidade,
como norma objecto a alínea c) do nº 1 do artigo 76º da LPTA, disposição que se
refere, exclusivamente, à adjectivação (aos requisitos) do meio processual
acessório da suspensão de eficácia e que, por isso mesmo, é estranha a este
processo e às sucessivas decisões nele proferidas, decisões estas que têm que
ver com a questão da impugnação contenciosa do acto e não da respectiva
suspensão.
Significa isto que a norma aqui indicada como objecto do recurso de
constitucionalidade – que foi, repete-se, o artigo 76º, nº 1 alínea c) da LPTA
-, nunca poderia ser apreciada em sede de recurso do Acórdão do STA de fls.
541/549. Este, com efeito, por não ter decidido qualquer questão de suspensão da
eficácia de um acto, não aplicou tal norma. Não o fez, com efeito, nem de
forma simples, nem conjugadamente com o artigo 25º da LPTA.
A isto acresce a constatação de não ter a recorrente suscitado adequadamente,
perante o STA, qualquer outra questão de inconstitucionalidade normativa,
designadamente reportada ao artigo 25º da LPTA.
Não aplicada pela decisão recorrida a norma (ou normas) indicada[s] pela
recorrente, e inexistindo suscitação de qualquer questão de
inconstitucionalidade apta a desencadear um recurso do tipo visado, não pode o
Tribunal Constitucional, obviamente, apreciar o presente recurso.
5. Assim, decide-se, nos termos do artigo 78º-A, nº 1 da LTC, não tomar
conhecimento do presente recurso.
[...]”
1.1. Os fundamentos da reclamação constam de fls.
617/629, e são sintetizados pela recorrente nas seguintes conclusões:
“[...]
a) Foi por mero e demais aparente lapso que a ora Reclamante invocou a
inconstitucionalidade da alínea c) do nº 1 do artigo 76º da LPTA;
b) Mas efectiva e atempadamente invocou, também a ora Reclamante a
inconstitucionalidade do artigo 25º da LPTA, nomeadamente no item jj) das suas
alegações para o STA;
c) Com efeito, tanto no âmbito do processo 189/02 perante o Tribunal
Administrativo do Círculo de Lisboa, como no âmbito do processo 1137/04-11
perante o Supremo Tribunal Administrativo invocou a ora Reclamante a
inconstitucionalidade do artigo 25º da LPTA face, designadamente, ao artigo 268º
nº 4 da Constituição, caso tais tribunais proferissem decisão pela
irrecorribilidade do acto, o que efectivamente sucedeu;
d) Tendo em conta que a decisão do STA se baseou na irrecorribilidade do acto é
óbvio que o fez, porque outra coisa não poderia fazer, com base na única norma
que disciplina a recorribilidade dos actos administrativos: o artigo 25º da
LPTA;
e) Assim, não se percebe como pode vir agora a douta decisão sumária da qual se
reclama considerar que não foi atempadamente alegada pela ora reclamante a
inconstitucionalidade do artigo 25º da LPTA;
g) Nem como pode tal decisão considerar que essa norma não foi aplicada pela
douta decisão do STA;
h) Com efeito, o artigo 120º do CPA não é norma adequada para determinar os
actos que são recorríveis contenciosamente;
i) A manutenção da decisão sumária de não conhecer o presente
recurso consubstanciar-se-á numa grave violação do artigo 268º, nº 4 da
Constituição, negando por completo nos autos o princípio constitucional da
tutela jurisdicional efectiva por consubstanciar uma grave denegação de justiça
nos autos.”
1.2. As recorridas, C. e D., responderam (fls. 649/659), pugnando pela
improcedência da reclamação e formulando as seguintes conclusões:
“A) Fundamenta o seu recurso, a ora reclamante, numa pretensa interpretação
inconstitucional do artigo 76º., nº.1, alínea c) conjugado com o artigo 25º.,
ambos da LPTA, pelo STA, que violaria o direito à tutela judicial efectiva da
recorrente, consagrado constitucionalmente no artigo 268º. da CRP.
B) O artigo 76º., nº.1, alínea c) da LPTA estabelece os requisitos cumulativos
necessários para a concessão da suspensão da eficácia do acto.
C) Nos presentes autos, o pedido dos requerentes, ora reclamantes, é de anulação
da deliberação do Conselho de Administração da Administração Porto de B., de
17/01/2002, ou seja, estamos perante um recurso contencioso de anulação.
D) Por isso, e bem, a decisão sumária sub judice teve por fundamento a
inexistência de suscitação de qualquer inconstitucionalidade apta a desencadear
um recurso do tipo visado.
E) Acresce que, o acto cuja anulação é pedida pela ora reclamante foi julgado
irrecorrível, não só por não ser lesivo, mas também por não conter sequer a
decisão de assinatura do contrato de concessão com a recorrida C., decisão essa
que já estava tomada no próprio acto de adjudicação, contendo apenas a
deliberação de quem, por parte da B. outorgaria esse contrato.
F) A deliberação atacada pela recorrente, ora reclamante, constitui, uma mera
tomada de conhecimento, pelo que esta deliberação não consubstancia, por si
mesma, um acto administrativo, tal como é definido pelo artigo 120º. do CPA.
G) O acto impugnado não produz quaisquer efeitos lesivos susceptíveis de afectar
a esfera jurídica da recorrente, ora reclamante, e consequentemente de lhe
causar quaisquer prejuízos, sendo por isso, insusceptível de impugnação
contenciosa.
H) Não se constitui na esfera jurídica da ora reclamante qualquer direito
autónomo à celebração do contrato de concessão, pois nunca foi representada pela
sociedade com o qual este foi efectivamente celebrado.
I)Em nenhum momento foi violado o dever constitucional dos tribunais
administrarem a justiça.”
2. Assenta a argumentação da recorrente/reclamante no pressuposto de que a
referência ao artigo 76º, nº 1, alínea c) da LPTA, resultou de “absoluto e
manifesto lapso” (fls. 617), devendo-se, para correcta compreensão da respectiva
vontade, entender (interpretar) o recurso como reportado exclusivamente ao
artigo 25º da LPTA, norma esta também referida – e estamos a reproduzir o
entendimento da recorrente – no requerimento de interposição do presente
recurso.
2.1. Impõe o artigo 75º.-A, nº.1 da LTC que o acto consubstanciador da
interposição do recurso de constitucionalidade inclua a indicação da “norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie”. O
carácter imprescindível de tal indicação intui-se facilmente – para além da
expressa imposição do citado nº.1 – da conjugação dos nºs.5 e 7 do mesmo artigo
75º.-A, e constitui decorrência do carácter estritamente normativo do sistema de
controlo vigente entre nós. Opera-se, assim, desde logo através dessa indicação,
a fixação do objecto do recurso e, consequentemente, a delimitação, em função
dos princípios processuais do «pedido» e da «individualização» ( v. artigo
79º.-C, 1ª. parte da LTC), dos poderes de cognição do Tribunal relativamente a
esse recurso concreto: como refere Gomes Canotilho, ao caracterizar estes dois
princípios, “[o Tribunal Constitucional] aprecia a questão da
inconstitucionalidade apenas quanto às normas impugnadas e exclusivamente nos
termos em que a questão é posta no caso concreto submetido a julgamento (pelo
recorrente, pelo juiz a quo, pelo Ministério Público)” (Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, 7ª. ed. , Coimbra, 2003, pág. 973).
Ora, ao interpor este recurso, caracterizou-o a recorrente nos seguintes termos:
“[...]
O presente recurso tem por objecto a inconstitucionalidade do artigo 76º, nº 1,
alínea c), conjugado com o artigo 25º, ambos da LPTA, na interpretação que lhe
foi dada no Acórdão ora recorrido,
[...]
A referida questão de inconstitucionalidade do artigo 76º, nº 1, alínea c)
conjugado com o artigo 25º da LPTA, na interpretação que lhe deu o Acórdão
recorrido, foi suscitada nas alegações de recurso interposto contra a sentença
do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.
[...]”
[sublinhados acrescentados]
Tal colocação do problema por parte da recorrente, aliás, mais não faz do que
reproduzir a posição que esta assumiu, desde logo nas alegações apresentadas no
Supremo Tribunal Administrativo (fls. 425/463), onde, já então, invocou “a
inconstitucionalidade superveniente dos artigos 76º, nº 1, alínea c) e 25º da
LPTA na interpretação que lhe venha a ser dada por esse Tribunal de recurso [o
STA], por violação [...] do disposto no nº 4 do artigo 268º da Constituição”
[transcrição da conclusão jj) a fls. 462, com correspondência no texto das
alegações a fls. 452, item 29].
Esta invocação em conjunto das duas normas, com o relevante acrescento de que as
mesmas actuam conjugadamente (ou seja harmonicamente unidas e numa relação de
conexão; v. a entrada «conjugação» no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa,
Tomo II, Lisboa, 2002, pág. 1042), demonstra inequivocamente que não se está
perante um lapso manifesto, assimilável ao «erro de cálculo ou de escrita» ao
qual se refere o artigo 249º do Código Civil, dizendo que tal erro “[...] dá o
direito à rectificação [...]”. De facto, como sublinha António Menezes Cordeiro
com inteira aplicação ao caso em apreço:
“[...]
O maior campo de aplicação prática do artigo 249º reside precisamente nos actos
de processo não dotados de normas especiais: aflora, nesse preceito, uma regra
geral aplicável a todos os actos jurídicos. Assim sucede no processo penal e no
processo civil: os diversos actos aí praticados podem ser rectificados, nos
termos e condições do artigo 249º. Todavia, terá de ocorrer um «erro manifesto»
ou «erro ostensivo»: não é possível, por esta via, complementar as puras e
simples omissões ou corrigir peças processuais.
[...]”
[Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 3ª ed., Coimbra,
2005, pág. 823].
2.2. Não obstante, importa ter presente – também no sentido da inadmissibilidade
do recurso – que a recorrente, na condução da questão de inconstitucionalidade
ao longo do processo, nunca identificou, perante o STA ou perante o Tribunal
Constitucional, a (uma qualquer) dimensão normativa – reportada ela à aplicação
conjugada dos artigos 76º., nº.1, alínea c) e 25º. da LPTA, ou tão só a este
último – que seria inconstitucional. Vale aqui recordar, com inteira aplicação
in casu, o que certeiramente observa Carlos Lopes do Rego a respeito do ónus da
suscitação, relativamente à invocação de normas numa determinada interpretação:
“[...] quando se pretende questionar a constitucionalidade de uma dada
interpretação normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente
essa interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a
vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os
respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que
essa norma não pode ser aplicada com tal sentido.
Não é, deste modo, como vem reiteradamente decidindo o Tribunal
Constitucional, forma idónea e adequada de suscitar uma questão de
inconstitucionalidade normativa a simples invocação de que seria
inconstitucional [...] certa ou certas normas legais na interpretação que a
decisão das instâncias lhes conferiu, não suficientemente definida ou precisada
pelo recorrente [...] cabendo sempre à parte que pretende suscitar adequadamente
uma questão de inconstitucionalidade normativa o ónus de especificar qual é, no
seu entendimento, o concreto sentido com que tal norma ou normas foram realmente
tomadas no caso concreto pela decisão que se pretende impugnar perante o
Tribunal Constitucional.”
[ O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade:
as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, in
«Jurisprudência Constitucional», nº.3, Julho-Setembro, 2004, pág.8 ]
Aqui, como se vê claramente do relato anteriormente feito do iter processual, a
recorrente limitou-se, sem mais, a remeter genericamente para as normas que
indicou, “na interpretação que lhe foi dada no Acórdão [...]” (citação do
requerimento de interposição de fls.570), sem qualquer indicação de qual seria
essa interpretação. Aliás, nas alegações para o STA, a recorrente tinha até
empregue uma formulação ainda mais vazia de conteúdo: “[...] desde já se invoca
a inconstitucionalidade superveniente dos artigos 76º., nº.1, alínea c) e 25º.
da LPTA na interpretação que lhe venha a ser dada por esse Douto Tribunal de
recurso [...]” (fls.452, com sublinhado acrescentado).Tais fórmulas não valem,
obviamente, como suscitação atendível.
2.3. De todo o exposto flui que este Tribunal, além de não ter sido confrontado,
em termos relevantes, com uma questão de inconstitucionalidade normativa, não
pode aceitar – pois tratar-se-ia de uma correcção de posição inequivocamente
assumida ao longo do processo – que uma invocação de duas normas conjugadas seja
agora “desfeita”, isolando-se uma dessas normas em aberta contradição com o
sentido da suscitação efectuada durante o processo e alterando-se o sentido
inequívoco da declaração consubstanciada no acto de interposição do recurso.
3. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Custas pela recorrente/reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 6 de Julho de 2005
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Artur Maurício