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Processo n.º 805/05
Plenário
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Manuel Fernandes, candidato pelo Partido Socialista à Assembleia de Freguesia
de Moreiras, concelho de Chaves, não se conformando com a decisão tomada, em 12
de Outubro de 2005, pela Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de Chaves,
relativamente aos resultados eleitorais para a referida Freguesia, veio interpor
recurso para o Tribunal Constitucional, através de um requerimento que tem o
seguinte teor:
“[...] Ao abrigo do artigo n.º 156 da Lei nº1/2001, de 14 de Agosto, que regula
a eleição dos órgãos das autarquias locais, eu, Manuel Fernandes, candidato pelo
PS à Assembleia de Freguesia de Moreiras, no concelho de Chaves, distrito de
Vila Real, venho por este meio, apresentar recurso contra o inexplicável
comportamento da Assembleia de Apuramento Geral (AAG) neste concelho, que acabou
por ditar a derrota da lista que encabeçava. Passo a explicar. Por suspeitar de
um exagerado número de votos nulos na assembleia de voto da freguesia em causa,
no passado dia 11, o primeiro em que reuniu a AAG, um elemento da minha lista,
Maria Lina dos Santos Alves Fernandes, deslocou-se ao local da reunião, no
sentido de pedir ao presidente da referida Assembleia uma especial atenção aos
votos nulos em causa, a fim de se poder apurar uma eventual fraude. Para
surpresa do referido elemento da minha lista, quando falou com o juiz que
presidia à Assembleia, este disse-lhe que 'em Moreiras ia haver novas eleições',
uma vez que tinham sido recuperados, dois votos nulos, precisamente o número de
votos que dera vitória ao PSD.
Aliás, na freguesia (Moreiras) foram próprios elementos afectos à lista do PSD
que veicularam essa mesma informação à população, que já estava convencida de
que o acto eleitoral ia ser repetido.
No entanto, por não concordarem com a situação, no dia seguinte (no segundo dia
de funcionamento da AAG), a lista do PSD apresentou junto da Assembleia um
protesto contra a validação dos dois votos nulos. Perante o protesto, conforme
poderá confirmar junto dos vários elementos que compunham a dita Assembleia, o
Juiz em causa aconselhou os reclamantes a recorrem para o Tribunal
Constitucional.
Contudo, por razões que deveriam ser apuradas, algum tempo depois, o mesmo juiz
propôs aos restantes elementos da Assembleia uma revisão dos critérios que
levaram à validação dos votos nulos, regras essas, referira-se, que,
inicialmente foram, aprovadas por todos. Face às novas regras, apenas um voto da
referida freguesia veio a ser considerado válido, confirmando, assim, a vitória
do PSD, por um voto.
Como democrata que sou, aceito a derrota, desde que assente em princípios de
legalidade e imparcialidade. Não me parece que foi o caso, desde logo por não
entender como é possível que as regras definidas inicialmente, com o
consentimento de todos os elementos que faziam parte da Assembleia de Apuramento
Geral, e em abstracto, foram alteradas a meio do jogo e face a uma situação
concreta.
Em conclusão, venho por este meio, requer a vossa excelência que notifique todos
os elementos da referida Assembleia de Apuramento Geral, para confirmar a versão
que apresento, e proceda a uma nova recontagem dos votos.
Termos em que se requer que se dê procedimento ao recurso nos seus precisos
termos, assim se fazendo justiça. [...]”
2. Foram notificados os Mandatários do PPD/PSD e do CDS-PP para responder,
querendo, ao recurso apresentado. Apenas o primeiro respondeu ao recurso, tendo
concluído nos seguintes termos:
“a) A Assembleia de Apuramento Geral andou bem, à luz do princípio da
legalidade, quando, na sequência da reclamação e protesto apresentados pelo ora
exponente e contra-interessado no presente Recurso, veio a reapreciar os
Boletins de Voto considerados nulos, de acordo com o critério geral assente na
interpretação do artigo 133º, da Lei n.º 1/2001, de 14 de Agosto;
b) Tal interpretação veio a repousar no pressuposto que levou a considerar votos
nulos, todos aqueles que foram exarados absolutamente fora do quadrado do
respectivo Boletim de Voto, designadamente, apostos nos símbolos dos partidos
políticos concorrentes;
c) Razão pela qual tal estratégia deve ser considerada incensurável, sob o ponto
de vista legal, determinando, de per si, a improcedência do presente recurso”.
3. Face aos elementos constantes dos autos, nomeadamente da Acta da Assembleia
de Apuramento Geral do Concelho de Chaves e do edital publicado, resulta, para o
que ao presente recurso importa, que:
a) a reunião daquela Assembleia se iniciou às nove horas do dia 11 de Outubro;
b) no início dos trabalhos a Assembleia de Apuramento Geral adoptou, por
unanimidade, um critério para aferição dos votos nulos;
c) posteriormente foi apresentada uma reclamação por parte do mandatário do
PPD/PSD, na qual, em suma, se questionava o critério adoptado para apreciação
dos votos considerados nulos, no entendimento de que não deveriam ser
considerados válidos os votos onde não houvesse uma cruz dentro do quadrado
destinado à colocação da mesma, para cada uma das forças partidárias;
d) posta tal reclamação à consideração da Assembleia, foi a mesma indeferida por
unanimidade;
e) pelo mandatário do PSD foi então apresentado um protesto onde, em síntese,
reproduzia a anterior reclamação;
f) após nova discussão por todos foi entendido que, face ao critério legal de
determinação dos votos nulos, e face àquilo que vem sendo a jurisprudência do
Tribunal Constitucional na matéria, seria “melhor adoptar um critério mais
restrito que o anteriormente adoptado e que fosse mais de encontro ao critério
legal, pese, embora, não fosse tido por tão justo quanto o anteriormente
adoptado”;
g) esta decisão de alteração do critério anteriormente adoptado não foi objecto
de qualquer reclamação ou protesto;
h) relativamente à freguesia de Moreiras, a Assembleia de Apuramento Geral
recuperou para a Assembleia de Freguesia 1 (um) voto para a lista do PS, tendo
ficado esta lista com 116 (cento e dezasseis) votos validamente expressos,
reduzindo para 9 (nove) os votos nulos;
c) esta decisão não foi objecto de qualquer reclamação ou protesto;
f) a reunião da Assembleia foi encerrada às dezanove horas do dia 12 de Outubro;
g) o edital contendo os resultados do apuramento foi afixado no dia 13 de
Outubro.
II – Fundamentação
4. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 156º da “Lei que regula a eleição
dos titulares dos órgãos das autarquias locais” (LEOAL), aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, “as irregularidades ocorridas no decurso
da votação e no apuramento local ou geral podem ser apreciadas em recurso
contencioso, desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentado
no acto em que se verificaram”. E o artigo 158º da mesma lei acrescenta que “o
recurso contencioso é interposto perante o Tribunal Constitucional no dia
seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados do apuramento”. Por seu
turno, o n.º 1 do artigo 159º daquela lei estatui que “a petição de recurso
especifica os respectivos fundamentos de facto e de direito e é acompanhada de
todos os elementos de prova ou de requerimento solicitando ao Tribunal que os
requisite. Finalmente, o n.º 2 do artigo 229º da LEOAL estatui que, “quando
qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de
entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se
referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições.”
No caso dos autos, tendo o citado edital sido afixado no dia 13 de Outubro, o
recurso deu entrada neste Tribunal, via correio electrónico, à 16H23 do dia 14
de Outubro, sendo registado no livro de entradas apenas no dia 17 do corrente.
Ora, entendendo-se que, neste tipo de recursos, ainda que os mesmos possam ser
interpostos por correio electrónico, o mesmo não pode deixar de dar entrada até
ao “termo do horário normal” da secretaria judicial (no caso 16H00, cfr. n.ºs 1
e 3 do artigo 122º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) do dia seguinte à afixação
do edital (cfr., para o caso de apresentação de candidaturas, o que se escreveu
no acórdão n.º 41/2005, deste Tribunal e, mais recentemente, para o caso de
recursos interpostos de decisões da Assembleia de Apuramento Geral, os Acórdãos
n.ºs 540/2005, 542/2005 e 543/2005), há que concluir que o recurso é
extemporâneo, pelo que dele se não pode conhecer.
5. Mas, ainda que assim não tivesse acontecido, a verdade, porém, é que também
se não poderia tomar conhecimento deste recurso, por falta de um pressuposto
essencial – existência de reclamação ou protesto apresentado no acto em que se
verificou a invocada irregularidade.
Na verdade, no caso dos autos, vem o recorrente questionar a decisão, tomada
pela Assembleia de Apuramento Geral, que alterou o critério de aferição dos
votos nulos que, num primeiro momento, tinha adoptado por unanimidade. Acontece,
porém, que, como já se disse, não houve, no momento de tomada desta decisão que
alterou a anterior quanto ao critério de aferição dos votos nulos, qualquer
reclamação ou protesto. Ora, prevendo o n.º 1 do artigo 156º da LEOAL que “as
irregularidades ocorridas [...] no apuramento [...] geral podem ser apreciadas
em recurso contencioso, desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto
apresentado no acto em que se verificaram” e o artigo 157º da mesma lei que os
candidatos podem recorrer “da decisão sobre a reclamação, protesto ou
contraprotesto”, a inexistência destes impossibilita o conhecimento do recurso.
Assim se decidiu, aliás, em anteriores acórdãos deste Tribunal (cfr., por
exemplo, os Acórdãos n.ºs 733/97 e 4/2002, disponíveis na página Internet do
Tribunal Constitucional, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/,
ou mais recentemente, o acórdão n.º 540/05 - ainda inédito), jurisprudência que
agora se reitera.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 20 de Outubro de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Paulo Mota Pinto
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (voto a decisão com
fundamento no ponto 5 do Acórdão).
Mário José de Araújo Torres (com a declaração de voto junta)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei o não conhecimento do recurso apenas com
fundamento na inexistência de reclamação ou protesto apresentados perante a
assembleia de apuramento geral, pois entendo que, diversamente do decidido no
precedente acórdão, o recurso foi tempestivamente apresentado, por razões
similares às expostas nos votos de vencido que apus aos Acórdãos n.ºs 414/2004,
540/2005, 542/2005, 543/2005 e 550/2005.
Na verdade, nos termos do artigo 158.º da Lei que regula
a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (doravante designada por LEOAL), o recurso
contencioso tendo por objecto as irregularidades ocorridas no decurso da votação
e no apuramento local ou geral ou as decisões sobre as reclamações, protestos
ou contraprotestos apresentados contra essas irregularidades “é interposto
perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital
contendo os resultados do apuramento”. Trata‑se, assim, do prazo de um dia (e
não de 24 horas), a contar da data da afixação do edital contendo os resultados
do apuramento geral. No cômputo dos prazos são aplicáveis, salvo disposição
especial, as regras do artigo 279.º do Código Civil, das quais deriva que nessa
contagem não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo
começa a correr e que o prazo termina às 24 horas do último dia do prazo
(alíneas b) e c) desse preceito, sendo entendimento corrente o de que a regra
desta última alínea também se aplica aos prazos fixados em dias). Isto é: o
prazo de um dia para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional
começa a correr no início do dia seguinte ao do da afixação do edital e termina
às 24 horas desse dia.
Entendeu‑se, porém, no precedente acórdão que ao caso
era aplicável a regra do n.º 2 do artigo 229.º da LEOAL, nos termos do qual:
“Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção
de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera‑se
referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições”.
A formulação literal do preceito – que não utiliza as
fórmulas habituais de o acto ter de ser praticado em juízo (alínea e) do artigo
279.º do Código Civil) ou perante o serviço público (alínea c) do n.º 1 do
artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo – CPA) –, ao aludir
explicitamente à circunstância de o acto em causa implicar o envolvimento de
entidades ou serviços públicos através de uma intervenção dessas entidades ou
serviços, logo inculca que se pretendeu contemplar as situações em que a prática
do acto determina o desenvolvimento de uma actividade desses entes públicos, e
não já os casos em que os serviços funcionam como mera instância de recepção
de documentos. Daqui deriva, pois, a não aplicabilidade da regra do citado
artigo 229.º, n.º 2, ao presente caso.
Sendo “aplicável ao contencioso da votação e do
apuramento o disposto no Código de Processo Civil”, como expressamente dispõe o
n.º 5 do artigo 159.º da LEOAL, é, hoje em dia, inequívoco não só que “as partes
podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio
electrónico, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do
encerramento dos tribunais” (artigo 143.º, n.º 4, do Código de Processo Civil
(CPC), aditado pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto), como também que
quando o acto é praticado por “envio através de correio electrónico (...),
[vale] como data da prática do acto processual a da expedição (...)” (artigo
150.º, n.º 1, alínea d), do CPC, na redacção do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27
de Dezembro).
Em face do exposto, terminando às 24 horas do dia 14 de
Outubro de 2004 o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional e sendo incontroversa a admissibilidade do envio por correio
electrónico da respectiva petição, independentemente do “horário de
funcionamento” do serviço destinatário, o envio efectuado às 16h23 desse dia 14
de Outubro não pode deixar de ser considerado como tempestivo, sendo inaplicável
a regra do artigo 229.º, n.º 2, da LEOAL, por o acto praticado não “envolver a
intervenção” (na acepção atrás assinalada) de entidades ou serviços públicos,
mas a mera recepção, por qualquer meio, de um documento transmissível por
correio electrónico, recepção essa que não exige a presença física de qualquer
funcionário.
O prazo de um dia é, por definição, sempre superior ao
prazo de 24 horas, pois despreza o tempo decorrido no dia em que ocorreu o
evento que desencadeia o início do prazo e termina às 24 horas do dia seguinte.
A tese que fez vencimento – considerando que o prazo termina às 16 horas desse
dia – tem o efeito (a meu ver inadmissível) de poder transformar um prazo de um
dia em prazo inferior a 24 horas, o que ocorrerá sempre que o edital contendo os
resultados do apuramento geral seja afixado depois das 16 horas.
Mário José de Araújo Torres