Imprimir acórdão
Processo n.º 143/07
Plenário
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional,
1. Relatório
1.1. O Grupo de Cidadãos Eleitores, com a
designação “DIZ NÃO À DISCRIMINAÇÃO”, constituído para efeito de participação
no referendo nacional a realizar em 11 de Fevereiro de 2007, interpôs recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 11.º e 102.º‑B, n.ºs 1 e
2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada,
por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a
deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE), tomada na sessão de 18 de
Janeiro de 2007, que não aceitou a sua inscrição para o referido efeito.
1.2. A deliberação impugnada consta da acta da
sessão da CNE de 18 de Janeiro de 2007, que, na parte relevante, tem o seguinte
teor:
“PONTO ÚNICO
– Relatório do controlo da regularidade do processo de constituição dos grupos
de cidadãos eleitores e correspondente inscrição para efeitos de intervenção na
campanha para o Referendo.
Com base no Relatório elaborado pelo Gabinete Jurídico e respectivos anexos, que
fazem parte integrante da presente acta, contendo os dados resultantes da
verificação administrativa efectuada, por amostragem, pela CNE (verificação do
preenchimento dos três elementos essenciais: nome completo, assinatura e número
do bilhete de identidade, em condições mínimas que possibilitem a verificação
por parte do STAPE e da DSIC da identidade e da autenticidade), pelo STAPE
(verificação da inscrição no recenseamento) e pelos Serviços de Identificação
Civil (verificação da identificação de cada signatário e da autenticidade das
assinaturas) e os resultados obtidos através do simulador de dimensão da amostra
e respectiva avaliação da qualidade da mesma, bem como do consequente intervalo
de confiança, a Comissão Nacional de Eleições deliberou o seguinte:
No seguimento da aprovação do parecer apresentado por um especialista em
estatística, na sessão plenária n.º 41, de 27 de Dezembro de 2006, os factores
de ponderação a ter em conta na decisão final sobre a regularidade das
subscrições apresentadas por cada grupo de cidadãos, com vista à aceitação ou
não da respectiva inscrição, são os seguintes:
– O valor resultante da extrapolação da amostra para o universo das
subscrições;
– O limite superior do intervalo de confiança.
– A validação das subscrições ocorrerá sempre que o valor do intervalo de
confiança superior (UIC) for igual ou se situar acima de 5000 (número mínimo
legalmente exigido).
(...)
«Diz não à discriminação»
O pedido de inscrição cumpre os requisitos formais estabelecidos pela lei,
especificamente no que diz respeito aos mandatários, comissão executiva e
cabeçalho das folhas de subscrição.
Subscrições:
O resultado da extrapolação da amostra para o universo das subscrições entregues
é inferior a 5000 (o mínimo exigido por lei), verificando‑se, também, que o
limite máximo (UIC) do intervalo de confiança é igualmente inferior àquele valor
mínimo.
Face ao resultado de todos os valores em causa se situarem abaixo dos 5000,
incluindo a própria margem de erro admissível, e não havendo tempo disponível
para proceder a uma validação com recurso a uma amostra mais alargada e com
menor margem de erro, a Comissão, ponderados todos estes factores, deliberou não
aceitar a inscrição do grupo de cidadãos «Diz não à discriminação».”
1.3. Do relatório elaborado pelo Gabinete
Jurídico da CNE, com base no qual foi adoptada a deliberação ora impugnada,
consta o seguinte:
“A Comissão Nacional de Eleições, na impossibilidade antecipadamente
reconhecida de efectuar a verificação do universo total das subscrições,
deliberou na sessão plenária de 27 de Dezembro de 2006 efectuar uma verificação
estatística, munida de colaboração técnica por parte de um especialista.
O referido técnico produziu o parecer e um modelo de cálculo que a Comissão veio
a utilizar, e que se encontra em anexo.
Esse modelo de cálculo, a partir da introdução do universo de assinaturas a
verificar, permitiu a determinação da dimensão das amostras estatísticas para
níveis de confiança de 90% e 95% e margens de erro variáveis por ele mesmo
determinadas.
A CNE usou o modelo para determinar a dimensão das amostras a constituir e, de
acordo com a recomendação técnica, estabeleceu amostras mínimas de 100 espécies
em todos os casos, e constitui‑as aleatoriamente. Nelas procedeu a uma primeira
verificação, excluindo os casos em que os elementos obrigatórios previstos na
lei não permitiam a verificação da identidade e da autenticidade das subscrições
e, posteriormente, mandou verificar as restantes pelo STAPE, quanto à
identidade e inscrição no recenseamento, e pelo DSIC, quanto à identidade [do]
cidadão e autenticidade da assinatura.
Dos resultados obtidos, fez a extrapolação em cada caso pela aplicação de regra
de três simples e introduziu os dados relevantes no modelo de cálculo, dele
retirando, também para cada caso, os limites inferior e superior do intervalo
de confiança correspondente ao valor [da] extrapolação, corrigido pela margem de
erro calculada.
Assim, face ao estipulado nos artigos 17.º, 19.º e 41.º da LORR, procede‑se no
presente relatório ao registo, grupo a grupo, da documentação entregue com a
finalidade de verificar o cumprimento dos requisitos legais, a saber:
– Indicação dos mandatários, em número não inferior a 25, e respectiva
identificação;
– Designação da comissão executiva, de entre os mandatários;
– Indicação de morada para efeitos de notificação;
– Identificação de cada folha de subscrição com a denominação do grupo de
cidadãos, caso exista, a indicação do referendo nacional a que respeita e o nome
e número do bilhete de identidade de pelo menos um dos mandatários;
– Relação de, pelo menos, 5000 subscrições;
– E, ainda, ao registo do resultado da verificação administrativa efectuada,
por amostragem pelas seguintes entidades:
– Preliminarmente pela CNE, quanto ao preenchimento dos 3 elementos essenciais:
nome completo, assinatura e número de bilhete de identidade;
– Pelo STAPE, quanto à inscrição no recenseamento;
– E pela DSIC (Serviços de Identificação Civil), quanto à identificação do
signatário e à autenticidade da assinatura.
(...).
«Diz não à discriminação»
– Relação de 31 mandatários com a indicação do nome, número de
bilhete de identidade e respectiva assinatura;
– Comissão executiva composta por 5 membros, verificando‑se que
todos integram a relação de mandatários;
– Indicação de morada;
– Cada folha de subscrição está identificada com a indicação do
referendo nacional a que respeita; a denominação do grupo de cidadãos; e o nome
e número do bilhete de identidade de todos os mandatários;
– 11 705 subscrições;
– Amostra mínima – 100 / Amostra máxima – 372;
– Resultado da verificação administrativa da amostra mínima:
– CNE – 10 ocorrências (4 falta BI; 1 falta assinatura; 5 falta
BI e assinatura);
– STAPE – 4 ocorrências (não localizados na BDRE);
– DSIC – 56 ocorrências;
Total de ocorrências em 100: 70.
Resultado da extrapolação: 3512.
Intervalo de confiança: limite inferior de 2459 e limite superior de 4564 (ver
anexo).”
1.4. As alegações apresentadas pelo recorrente
culminam com a formulação das seguintes conclusões:
“1. Na verificação estatística do caso em apreço falta a
competente ficha técnica indicativa donde deveria constar obrigatoriamente,
entre outros elementos, por exemplo, o critério de selecção da amostra elegida.
2. No plano das objecções materiais ou substanciais anota‑se o
obstáculo essencial e estrutural, científico quanto à validação estatística, de
que a metodologia proposta pelo técnico de estatística da CNE só poderia fazer
sentido se estivéssemos em presença de uma variável de verificação objectiva
(assim, por exemplo, de peso de um animal ou de uma pessoa).
3. No caso em apreço, a variável em questão (da autenticidade
das assinaturas) é de verificação subjectiva, de que decorre existir uma
probabilidade P, desconhecida, de ocorrência de falsos negativos.
4. A única forma de resolver o problema é proceder a
verificações sujeitas a contraditório, designadamente, e desde logo, quanto a
subscrições em crise e invalidadas constantes da amostra recolhida e verificada.
5. Os eventos da estatística e do cálculo de probabilidades
devem ser abordados de uma forma prudente e razoável, tanto mais e sobretudo
quando, como no caso em apreço, estão em causa direitos, liberdades e garantias
constitucionais.
6. Não existe a figura do gozo e do exercício de direitos,
liberdades e garantias constitucionais de probabilidade X.
7. Para efeitos do cálculo da percentagem das irregularidades
não devem relevar, v. g., as situações de dúvida por semelhança ou
dissemelhança.
8. A leitura do Acórdão n.º 608/98, publicado no Diário da
República, II Série, de 2 de Março de 1999, e que pode ser compulsado em
Jurisprudência, vem confirmar a legalidade das exigências feitas pela CNE em
matéria de constituição e inscrição de grupos (ver nota III a este artigo), mas
não já que conste dos requisitos essenciais (...) «indicação do lugar da
assinatura ou do nome completo do subscritor, podendo, claramente, valer como
assinatura aquilo que for designado como nome completo. Não há, assim, uma forma
legal de indicação do nome completo e da assinatura, podendo as mesmas ser
coincidentes ou autónomas, conforme os casos. Nem, muito menos, é exigível a
estrita obediência a um qualquer impresso ou formulário que indique o espaço
para o preenchimento do nome completo e da assinatura. Decisivo é que a
subscrição integre a assinatura do cidadão proponente, de forma adequada à prova
da sua autenticidade e à identificação do subscritor pelos serviços competentes
da Administração Pública. Por conseguinte, a subscrição deve compreender, em
princípio, a assinatura constante do bilhete de identidade.»
9. Dado o exponencial número de ocorrências no resultado da verificação
administrativa da amostra mínima (56) detectado no DSIC (quanto à identificação
do signatário e à autenticidade da assinatura), terão sido incorrectamente
relevadas nas irregularidades «detectadas» as referidas situações de dúvida por
semelhança ou dissemelhança (face ao atrás exposto e face ao entendimento da
própria CNE), ou continuaram a ser indevidamente considerados os identificados
«requisitos essenciais».
10. A deliberação em crise é totalmente omissa de melhor fundamento ou prova
nessa parte essencial.
11. A não aceitação da inscrição do ora recorrente para participação no
referendo marcado para 11 de Fevereiro de 2007 resulta directa e exclusivamente
das «ocorrências» detectadas pela DSIC, tendo naturalmente em conta a amostra
minimal proposta e o efeito da subsequente extrapolação.
12. Sem verificação, exame e confronto físico de segundo grau das assinaturas
apostas nas subscrições constantes da amostra apresentada, alargamento da
amostra ou verificação sistemática de todas as assinaturas, está‑se perante uma
inaceitável argumentação puramente formalista sem possibilidade de contraprova
ou melhor prova.
13. Não se sabe – porque não foram prestados quaisquer esclarecimentos pela CNE
ou pela DSIC – qual o critério utilizado para averiguação da autenticidade das
assinaturas dos cidadãos signatários da amostra.
14. Bastariam menos 15 ocorrências na DSIC para que resultassem válidas e
regulares, por efeito do processo de extrapolação, cerca de 5267 assinaturas,
com resultado de a inscrição do recorrente ter de ser aceite nesse caso.
Sendo certo que,
Há utilidade inequívoca no conhecimento do objecto do presente
recurso.
Da sua eventual procedência resultará directamente a inscrição
do Grupo ora recorrente.
Têm de se conhecer, examinar e escrutinar as dúvidas da DSIC quanto à
regularidade das assinaturas e as mesmas terão todas de ser detectáveis pelo
homem médio à luz de todos os dados do processo.
Posto o que,
Requer‑se a este Tribunal que se digne conceder provimento ao presente recurso
interposto da deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE) tomada na
sessão de 18 de Janeiro de 2007, no sentido da não aceitação da sua inscrição,
determinando‑se, consequentemente, que se proceda a uma verificação sujeita a
contraditório das assinaturas em crise e invalidadas, ou das demais apresentadas
em número total, com vista à inscrição do Grupo de Cidadãos Eleitores ora
recorrente, em conformidade com o disposto no artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.º
15‑A/98, de 3 de Abril (Lei Orgânica do Regime do Referendo).”
1.5. A solicitação do relator, a CNE enviou a
este Tribunal os originais das folhas de subscrição donde constavam as
assinaturas correspondentes às 56 irregularidades detectadas pela DSIC, e esta
Direcção de Serviços remeteu cópias dos pedidos de bilhete de identidade dos
subscritores em causa, esclarecendo que, para averiguação da autenticidade das
assinaturas, se procedeu a comparação entre as assinaturas constantes do pedido
de bilhete de identidade e as constantes das listas de subscrição do grupo de
cidadãos eleitores.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. O artigo 41.º da Lei n.º 15‑A/98, de 3 de
Abril (Lei Orgânica do Regime do Referendo – LORR) prevê a possibilidade de, até
ao 30.º dia anterior ao da realização do referendo, cidadãos eleitores, em
número não inferior a 5000, se constituírem em grupo, tendo por fim a
participação no esclarecimento das questões submetidas a referendo (n.º 1),
competindo à CNE o controlo da regularidade do processo de constituição dos
grupos de cidadãos eleitores e correspondente inscrição (n.º 4). O n.º 3 do
referido preceito dispõe que: “A forma exigida para a sua constituição [dos
grupos de cidadãos eleitores] é idêntica à da iniciativa popular”.
Sobre a forma da “iniciativa popular” dispõe o
n.º 1 do artigo 17.º da LORR que a mesma “assume a forma escrita e é dirigida à
Assembleia da República, contendo, em relação a todos os signatários, os
seguintes elementos: a) Nome completo; b) Número de bilhete de identidade”,
prevendo o n.º 2 a possibilidade de a Assembleia da República “solicitar aos
serviços competentes da Administração Pública, nos termos do Regimento, a
verificação administrativa, por amostragem, da autenticidade das assinaturas e
da identificação dos subscritores da iniciativa referida no número anterior”.
Por seu turno, o artigo 19.º impõe que a iniciativa mencione, na parte inicial,
a identificação dos mandatários designados pelo grupo de cidadãos subscritores,
em número não inferior a 25 (n.º 1), mandatários que devem designar, de entre
si, uma comissão executiva para efeitos de responsabilidade e de representação
previstos na lei.
Resulta da deliberação ora impugnada e da
documentação anexa que a CNE, “na impossibilidade antecipadamente reconhecida de
efectuar a verificação do universo total das subscrições, deliberou na sessão
plenária de 27 de Dezembro de 2006 efectuar uma verificação estatística, munida
da colaboração técnica por parte de um especialista”, que produziu o parecer e
o modelo de cálculo constante de fls. 12 a 15, que a CNE veio a utilizar.
A CNE organizou amostras mínimas de 100
espécies em todos os casos, constituídas aleatoriamente. Relativamente a cada
amostra, a CNE procedeu a uma primeira análise, visando a “verificação do
preenchimento dos três elementos essenciais” para o controlo “da identidade e
da autenticidade das subscrições”: “nome completo, assinatura e número do
bilhete de identidade”, a que se seguiram outras duas verificações: pelo STAPE,
da inscrição no recenseamento, e pela Direcção de Serviços de Identificação
Civil (DSIC), “da identificação de cada signatário e da autenticidade das
assinaturas”.
Do relatório elaborado pelo Gabinete Jurídico da CNE,
relativamente ao Grupo de Cidadãos Eleitores “DIZ NÃO À DISCRIMINAÇÃO”, em que
se baseou a deliberação impugnada resulta que, das 11 705 subscrições desse
Grupo foi aleatoriamente extraída uma amostra de 100 subscrições, relativamente
à qual se vieram a verificar 10 “ocorrências” detectadas pela CNE (4 faltas de
menção do bilhete de identidade, 1 falta de assinatura e 5 faltas de menção de
bilhete de identidade e de assinatura), 4 “ocorrências” detectadas pelo STAPE
(não localização dos subscritores na base de dados do recenseamento eleitoral) e
56 “ocorrências” detectadas pela DSIC, o que daria um total de 70 “ocorrências”,
resultando da extrapolação feita com base no modelo utilizado que existiriam,
naquele universo de 11 705 subscrições, apenas 3512 subscrições válidas,
inferior ao mínimo de 5000 legalmente exigido.
Cumpre, desde já, salientar que não se mostra
correcta a adição dos três grupos de “ocorrências”, pois existem três situações
em que a mesma “subscrição” padece de duas irregularidades: é o caso das
subscrições constantes de fls. 241, linha 4, de fls. 314, linha 4, e de fls.
676, linha 19, todas com “ocorrências” detectadas pelo STAPE e pela DSIC. Assim,
o total de “subscrições” inválidas na amostragem em causa é de 67, e não de 70.
2.2. Reconhecendo a óbvia necessidade de
recurso a controlos por amostragem e, por isso, a admissibilidade da extensão ao
controlo da regularidade da constituição de grupo de cidadãos eleitores a cargo
da CNE da possibilidade que a LORR expressamente consagra apenas quanto ao
controlo pela Assembleia da República da “iniciativa popular” (citado artigo
17.º, n.º 2), cujo limite mínimo é de 75 000 subscritores, não pode deixar de
sublinhar‑se a significativa redução da quantidade das amostras: segundo informa
Maria de Fátima Abrantes Mendes (Lei Orgânica do Regime do Referendo, Lisboa,
2006, p. 42), no referendo de 28 de Junho de 1998 utilizaram‑se amostras de 500
subscritores, e no referendo de 8 de Novembro de 1998 esse valor foi reduzido
para metade (250), enquanto no caso em análise a amostra recaiu apenas em 100
subscritores.
Porém, independentemente do juízo de
credibilidade que se possa emitir sobre o método utilizado, há que constatar que
os autos já fornecem elementos suficientes para impor a revogação da deliberação
impugnada, bastando para tanto utilizar o critério já definido por este
Tribunal no Acórdão n.º 608/98. Nesse aresto, a este propósito, consignou‑se:
“6. A questão que cabe ao Tribunal Constitucional decidir é saber se as
irregularidades apontadas impedem o preenchimento dos requisitos legais de forma
previstos, conjugadamente, nos artigos 41.º, n.º 3, e 17.º, n.ºs 1 e 2, da LORR.
Resulta claramente do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, da LORR,
aplicável por força do artigo 41.º, n.º 3, da mesma lei, que do pedido relativo
à constituição do grupo de cidadãos eleitores deve constar o nome completo e o
número de bilhete de identidade de todos os signatários. E resulta também que é
legalmente possível a verificação por amostragem, a levar a cabo pelos serviços
competentes da Administração Pública, da autenticidade das assinaturas e da
identificação dos subscritores.
Deste modo, é evidente que a lei exige que constem do
requerimento de constituição do grupo de cidadãos eleitores (expressamente
referidos como signatários) as respectivas assinaturas, como expressão da clara
vontade de tais cidadãos constituírem o grupo e da sua inequívoca identificação.
E tal exigência é facilmente compreensível, tendo em conta, nomeadamente, que
cada cidadão não pode integrar mais do que um grupo (artigo 41.º, n.º 2, da
LORR).
7. Mas não consta dos requisitos legais destinados a assegurar
a realização dos objectivos anteriormente referidos a indicação do lugar da
assinatura ou do nome completo, podendo, claramente, valer como assinatura
aquilo que for designado como nome completo. Não há, assim, uma forma legal de
indicação do nome completo e da assinatura, podendo as mesmas ser coincidentes
ou autónomas, conforme os casos. Nem, muito menos, é exigível a estrita
obediência a um qualquer impresso ou formulário que indique o espaço para o
preenchimento do nome completo e da assinatura.
Decisivo é que a subscrição integre a assinatura do cidadão
proponente, de forma adequada à prova da sua autenticidade e à identificação do
subscritor pelos serviços competentes da Administração Pública. Por conseguinte,
a subscrição deve compreender, em princípio, a assinatura constante do bilhete
de identidade.
Não poderá ser outra a interpretação do artigo 17.º, n.ºs 1 e
3, da LORR, apesar de não ser legalmente exigida a apresentação do bilhete de
identidade. Com efeito, o método de controlo da autenticidade da assinatura pelo
serviços competentes da Administração Pública, no caso de suspeita de
irregularidades impõe essa interpretação. E também é igualmente verdade que,
para além da hipótese de solicitação da apresentação do bilhete de identidade
pela Administração Pública – hipótese que pode, porventura, ser considerada
excessiva em face dos requisitos legais –, só o confronto com os verbetes de
requisição do bilhete de identidade permite assegurar a autenticidade das
assinaturas.”
2.3. Ora, a comparação, segundo o critério de
um observador médio não especialista, da “assinatura” constante da coluna
dedicada à inserção do nome (sendo certo que na coluna destinada à assinatura ou
surge uma assinatura abreviada ou uma rubrica) com as assinaturas constantes dos
pedidos de bilhete de identidade permite assegurar a autenticidade de, pelo
menos, mais 11 “subscrições”, a saber:
– Ana Margarida Vaz Pinto d’Avillez (folha 770, linha 13);
– Avelina Manonga Teixeira (folha 643, linha 7);
– Beatriz Sara Tourinho dos Santos (folha 306, linha 2);
– Lucinda de Jesus Lopes Daniel (folha 344, linha 4).
– Maria Formigal Leitão (folha 724, linha 2);
– Maria Manuela Rocha (folha 765, linha 16);
– Maria Palmira Rodrigues Pereira (folha 691, linha 7);
– Matilde Jesus Simões (folha 771, linha 9);
– Palmira Lemos (folha 729, linha 7);
– Rosa Magueta Estima Areias (folha 278, linha 3);
– Vanda Maria Guerreiro Martins (folha 372, linha 15);
Assim, o total de “subscrições” com
irregularidades, já reduzido de 70 para 67 pelas razões indicadas em 2.1., fica,
com a “validação” destas 11 assinaturas, reduzido a 56, pelo que, mesmo
aceitando o método utilizado, conduz a uma extrapolação de 5150 subscritores
(44% de subscrições válidas x 11 705 = 5150). Aliás, bastaria 43% de subscrições
válidas para o resultado da extrapolação ser superior a 5000 (43% x 11 705 =
5033).
Atingido este resultado, torna‑se desnecessário
enfrentar mesmo a questão de saber se nos casos em que houve uso de assinatura
abreviada (com supressão de um ou vários nomes intercalares ou com o uso de
iniciais) não bastaria a inequívoca semelhança da escrita dos nomes utilizados
para dar como verificada a identidade do subscritor e a autenticidade da
assinatura.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em conceder
provimento ao recurso, determinando que se proceda à inscrição do Grupo de
Cidadãos Eleitores, com a designação “DIZ NÃO À DISCRIMINAÇÃO”, constituído para
efeito de participação no referendo nacional a realizar em 11 de Fevereiro de
2007.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2007.
Mário José de Araújo Torres
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Rui Manuel Moura Ramos
Benjamim Silva Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Paulo Mota Pinto
Maria Helena Brito
Artur Maurício