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Processo nº 1018/04
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em
que é recorrente o Inga – Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola
e são recorridos o Ministério Público, A. e outro, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea g) do nº 1 do artigo
70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), do acórdão daquela Relação, de 3 de Março de 2004.
2. Nos autos nº 449/94.6TAVFX do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila
Franca de Xira, A. e B. foram absolvidos da prática de crime de fraude na
obtenção de subsídio e do pedido de indemnização contra os mesmos formulados,
por acórdão de 28 de Abril de 2003, depositado na secretaria no dia seguinte.
O Inga, constituído assistente naquele processo, requereu que, pretendendo
interpor recurso desta decisão, lhe fosse prorrogado por dez dias o prazo para
apresentação da motivação, atento o disposto no artigo 698º, nº 6, do Código de
Processo Civil. Deferida a prorrogação, por despacho de 20 de Maio de 2003, e
interposto o recurso no dia 2 de Junho de 2003, foi o mesmo admitido na primeira
instância, por despacho de 23 de Junho de 2003.
No Tribunal da Relação de Lisboa, o Ministério Público pronunciou-se no sentido
de o recurso dever ser rejeitado, por ter sido interposto fora do prazo, nos
termos dos artigos 420º, nº 1, e 414º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Notificado para responder, por força do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código
de Processo Penal, o recorrente não suscitou qualquer questão de
constitucionalidade normativa na resposta apresentada.
3. Em 3 de Março de 2004, o Tribunal da Relação de Lisboa acordou em rejeitar o
recurso interposto pelo assistente, com fundamento em extemporaneidade, tendo em
conta o disposto nos artigos 419º, nº 4, alínea a), e 420º, nº 1, do Código de
Processo Penal.
4. Desta decisão foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade,
invocando o recorrente, em cumprimento do preceituado no nº 3 do artigo 75º-A da
LTC, que:
“Em situação em tudo semelhante à dos autos, na forma como os mesmos estão
configurados quanto ao recurso interposto da decisão de 1ª Instância, o Tribunal
Constitucional, por Acórdão nº. 44/2004/T. Const., Proc. 636/2003, da 2ª Secção,
julgou ‘inconstitucionais os arts. 411º nº. 1 e 420º nº. 1, do Código de
Processo Penal na interpretação segundo a qual tais normas permitiriam a
destruição dos efeitos anteriormente produzidos de uma decisão não impugnada da
1ª Instância quanto à prorrogação do prazo de recurso por violação dos
princípios da segurança jurídica e da confiança e das garantias de defesa
consagrados respectivamente, nos artigos 2º e 32º, nº. 1, da Constituição,
concedendo provimento ao recurso e ordenando a reforma da decisão recorrida de
acordo como o presente juízo de inconstitucionalidade”.
Notificado para alegações, o recorrente apresentou as seguintes conclusões:
“1 – No Tribunal de Vila Franca de Xira foi requerida a prorrogação do prazo
para interposição e motivação do recurso, ao abrigo do disposto no art. 698°
nº.6 CPC, ex vi do art. 4° CPP, devido ao facto da prova ter sido gravada.
2 – O requerimento foi deferido por despacho que transitou em julgado.
3 – O Recorrente interpôs o seu recurso em 02/06/03, por envio postal,
coincidindo com o termo do prazo concedido pelo despacho.
4 – O recurso foi admitido na 1ª Instância, sendo considerado tempestivo.
5 – O Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou a admissão do recurso,
considerando-o extemporâneo, com fundamento nos arts. 414° nº.2; 419° nº.4 al.
a) e 420 nº.1, todos do CPP.
6 – Entendeu o Tribunal da Relação que as normas referidas lhe permitem
considerar extemporâneo um recurso interposto ao abrigo de um despacho
transitado em julgado.
7 – A interpretação do Tribunal da Relação destrói os efeitos de um despacho
transitado, tendo o efeito prático da sua revogação e gorando as expectativas do
recorrente, que considerou estar em prazo, ao abrigo do referido despacho.
8 – Foram assim violados os princípios de segurança jurídica e da confiança
próprios de um Estado de direito, consagrados no art. 2° da Constituição.
9 – Revogando o despacho que concedeu a prorrogação do prazo, o Tribunal da
Relação impediu o recorrente de usar o seu direito de recurso,
constitucionalmente protegido pelo art. 32° n°.1, da Constituição.
10 – A interpretação restritiva dos referidos preceitos do CPP, “maxime” o art.
420° n°. 1, é assim inconstitucional, por violação dos preceitos constitucionais
referidos”.
5. Nas contra-alegações, os recorridos, A. e B., pronunciaram-se no sentido de o
recurso dever ser julgado totalmente infundado e, consequentemente, rejeitado,
sustentando, nomeadamente, que não estão verificados os pressupostos do recurso
previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da inverificação dos pressupostos
do recurso interposto, concluindo o seguinte:
“1 – Não se verificam os pressupostos do recurso tipificado na alínea g) do n° 1
do artigo 70° da Lei n° 28/82 quando ocorre diferença substancial, relevante do
ponto de vista jurídico-constitucional, entre o caso dirimido no processo em que
o recurso foi interposto e o apreciado no precedente jurisprudencial invocado
como fundamento de tal recurso.
2 – Na verdade, moldando-se em termos diferenciados o direito ao recurso do
arguido condenado e do assistente, não é necessariamente transponível para este
sujeito processual o decidido, quanto ao arguido, com base na invocação do
princípio das garantias de defesa, previsto no n° 1 do artigo 32° da
Constituição da República Portuguesa.
3 – Termos em que não deverá conhecer-se do recurso”.
6. Notificado das questões prévias levantadas pelos recorridos, o recorrente não
apresentou qualquer resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. No requerimento dirigido ao Tribunal Constitucional, o recorrente, em
cumprimento da exigência contida no nº 1 do artigo 75º-A da LTC, indica a alínea
g) do nº 1 do artigo 70º desta Lei como sendo aquela ao abrigo da qual interpõe
o presente recurso de constitucionalidade.
Segundo esta alínea, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões
dos tribunais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional (ou
ilegal) pelo próprio Tribunal Constitucional. Este recurso tem como finalidade
“fazer prevalecer as decisões deste Tribunal em matéria de constitucionalidade”,
ao mesmo tempo que possibilita “a extensão do julgamento de
inconstitucionalidade de uma norma num caso concreto a outros casos concretos
idênticos, pelo menos enquanto não existe ainda uma decisão com força
obrigatória geral” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 586/98, Diário da
República, II Série, de 1 de Março de 1998).
Segundo este mesmo Acórdão “constituem, pois, pressupostos deste tipo de recurso
de constitucionalidade:
a) que o tribunal a quo aplique certa norma; e
b) que a norma aplicada já antes tivesse sido julgada inconstitucional pelo
Tribunal Constitucional”.
2. Sustenta o Ministério Público que, no caso dos autos, não se verificam os
pressupostos do recurso interposto, pois “não se verificam os pressupostos do
recurso tipificado na alínea g) do n° 1 do artigo 70° da Lei n° 28/82 quando
ocorre diferença substancial, relevante do ponto de vista
jurídico-constitucional, entre o caso dirimido no processo em que o recurso foi
interposto e o apreciado no precedente jurisprudencial invocado como fundamento
de tal recurso”. De facto assim sucede.
O precedente jurisprudencial invocado pelo recorrente é o Acórdão nº 44/2004
(Diário da República, II Série, de 20 de Fevereiro de 2004), pelo qual o
Tribunal Constitucional decidiu julgar “inconstitucionais os artigos 411º, nº 1,
e 420º nº 1, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual tais
normas permitiriam a destruição dos efeitos anteriormente produzidos de uma
decisão não impugnada da primeira instância quanto à prorrogação do prazo de
recurso, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança e das
garantias de defesa consagrados, respectivamente, nos artigos 2º e 32º, nº 1, da
Constituição”, num processo em que o recorrente era arguido. Ora, no caso em
apreço, a questão da destruição dos efeitos anteriormente produzidos de uma
decisão não impugnada da primeira instância quanto à prorrogação do prazo de
recurso coloca-se relativamente ao assistente.
Diferença que, por si só, obsta ao conhecimento do objecto do recurso, uma vez
que a norma aplicada pelo tribunal a quo – o tribunal de recurso não está
vinculado à decisão de admissão do mesmo, ainda que, em primeira instância, por
decisão não impugnada, tenha sido prorrogado o prazo para o assistente interpor
recurso de decisão absolutória – é diferente daquela que foi anteriormente
julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional – o tribunal de recurso
não está vinculado à decisão de admissão do mesmo, ainda que, em primeira
instância, por decisão não impugnada, tenha sido prorrogado o prazo para o
arguido interpor recurso de decisão condenatória.
De resto, a questão de constitucionalidade que foi decidida naquele Acórdão é
bem distinta da que é objecto dos presentes autos, desde logo por em relação à
norma questionada no presente recurso não poder valer como parâmetro de aferição
da constitucionalidade o disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição, um dos
que sustentou o anterior julgamento de inconstitucionalidade.
Importa, pois, concluir pela não verificação dos pressupostos do recurso de
constitucionalidade previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso, por não se
poderem dar como verificados os pressupostos do recurso de constitucionalidade
previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional.
Sem custas, face à isenção do recorrente.
Lisboa, 14 de Outubro de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Artur Maurício