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Processo n.º 547/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para este Tribunal,
ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro
(“LTC”), pretendendo ver sindicada, por violação dos artigos 28.º, n.º 1, e
32.º, nos 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, a
“inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 202º, 254º, 257º, e 141º,
nº 4, todos do CPP, com a interpretação (...) [de] que, não tendo o arguido sido
detido em flagrante delito, lhe pode ser imposta a prisão preventiva, quando o
processo se encontra com julgamento realizado, mas a decisão ainda sem trânsito
em julgado, sem que previamente o arguido seja sujeito a interrogatório judicial
pelo tribunal competente, interrogatório onde se respeitem as regras previstas
no artigo 141º, n.º 4 do CPP e, após tal interrogatório, a detenção, desde o
inicio, classificada de prisão preventiva, seja fundadamente validada”.
2 – Perscrutando os autos, colhe-se, com relevância para o presente
recurso, que:
2.1 – O Recorrente foi condenado como autor de um crime de tráfico de
estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 24º,
alínea h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, no processo nº
4273/00.0TDPRT, da 1ª Vara de Competência Mista de Coimbra, na pena de 10 anos
de prisão;
- Dessa decisão foi interposto recurso para a Relação de Coimbra, que por
acórdão de 29-9-2004, confirmou a pena imposta;
- O Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que se
encontra pendente;
- O Recorrente fora condenado na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, e 45 dias
de multa à taxa diária de 250$00, na Vara de Competência Mista de Braga, pena
que englobou outras penas, aplicadas noutros processos;
- Porque em 26-3-2005 atingiu os 5/6 dessa pena, o Relator do processo em
recurso no Supremo Tribunal proferiu despacho, datado de 16-3-2005, a ordenar
que o arguido, preso no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, fosse
desligado do processo da Vara Mista de Braga e colocado à ordem daquele
processo, em situação de prisão preventiva, com o fundamento de receio de
continuação da actividade criminosa;
- Em 24-3-2005, o Recorrente reagiu a esse despacho, com o fundamento de que não
foi preso em flagrante delito nem sujeito previamente a interrogatório judicial,
peticionando a sua imediata libertação a partir das 6h30 do dia 26 de Março, por
ficar numa situação de detenção, impossível de mudar para prisão preventiva nas
48 horas seguintes (fls. 22);
- Durante as férias judiciais da Páscoa, o Exmo. Conselheiro de turno solicitou
ao Tribunal Judicial de Marco de Canavezes (juiz de turno com competência sobre
a comarca de Paços de Ferreira, onde se situa o Estabelecimento Prisional no
qual o Recorrente se encontrava preso) a audição do mesmo «sobre as
circunstâncias que entenda opor à necessidade da decretada medida de coacção de
prisão preventiva», tendo o Recorrente sido ouvido pelo Magistrado Judicial;
- O Exmo. Conselheiro de turno, por despacho de 28-3-2005, indeferiu o
requerimento apresentado em 24-3-2005, tendo aí consignado a legalidade da
aplicação da prisão preventiva;
- O Recorrente encontra-se preso preventivamente à ordem deste processo desde
26-3-2005;
- Em 7-4-2005, o Recorrente deduziu providência de habeas corpus, tendo arguido,
em requerimento superveniente, a inconstitucionalidade da “interpretação (...)
dos artigos 202.º, 254.º e 257.º do CPP, no sentido de que a prisão preventiva
pode ser aplicada desde que por despacho judicial sem que tenha ocorrido
interrogatório judicial prévio respeitando a previsão do artigo 141.º, n.º 4, do
CPP, por violação dos artigos 28.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 1 e 2, ambos da CRP”;
- Por Acórdão de 13 de Abril de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu
indeferir o pedido de habeas corpus.
2.2 – Inconformado, o Recorrente argui a nulidade de tal decisão invocando,
inter alia, a omissão de pronúncia quanto à inconstitucionalidade arguida.
O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 1 de Junho de 2005, decidiu,
quanto a essa matéria, que:
“(...) omissão de pronúncia sobre a arguida inconstitucionalidade
No que tange a esta questão alguma razão assiste ao Recorrente, não por
desatenção dos juízes que subscreveram o acórdão, mas porque o Recorrente não
levantou a questão da inconstitucionalidade no requerimento de habeas corpus e
sim em requerimento superveniente, apresentado em 5-4-2005, que, por lapso da
secretaria, só foi junto a estes autos já depois de proferido o acórdão.
Independentemente de se poder questionar a bondade, e quiçá a legalidade, da
prática de os interessados virem suscitar questões de inconstitucionalidade em
requerimentos supervenientes, para esse fim exclusivo apresentados, depois de
dirigirem as suas petições ao tribunal, sem justificação para tal, iremos
apreciar se ocorre a arguida inconstitucionalidade de alguns preceitos do Código
de Processo Penal, extraindo daí as necessárias consequências processuais.
O requerimento de arguição de inconstitucionalidade tem a seguinte redacção:
«Desde já, e por mera cautela, arguir a inconstitucionalidade da interpretação
que vem sendo feita nos autos-mãe dos artigos 202º, 254º e 257º do Código de
Processo Penal, no sentido de que a prisão preventiva pode ser aplicada, desde
que, por despacho judicial, sem que tenha ocorrido interrogatório judicial
prévio respeitando a previsão do artigo 141º, nº 4 do CPP, por violação dos
artigos 28º, nº 1, e 32º, nºs 1 e 2, ambos da CRP.»
O artigo 202º do Código de Processo Penal estabelece o quadro legal de casos de
admissibilidade da prisão preventiva e da sua substituição por internamento
preventivo.
O artigo 254º estabelece as finalidades da detenção (apresentação ao juiz no
prazo de 48 horas para julgamento sob a forma sumária, para primeiro
interrogatório judicial ou aplicação ou execução de uma medida de coacção, ou
para assegurar a presença imediata ou no mais curto prazo sem nunca exceder 24
horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual).
O artigo 257º regula a detenção fora de flagrante delito, por mandado do juiz,
do Ministério Público ou das autoridades de polícia criminal.
O artigo 141º, nº 4, refere-se ao primeiro interrogatório judicial de arguido
detido, destinando-se a verificar se existem os requisitos legais justificativos
da detenção, da prisão preventiva ou da substituição dessa por outra medida e
ainda a informar o arguido dos direitos que lhe assistem e dos motivos da
detenção.
O artigo 28º, nº 1, da Constituição preceitua que a detenção será submetida no
prazo máximo de quarenta e oito horas a apreciação judicial, para restituição à
liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer
das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe
oportunidade de defesa.
O nº 1 do artigo 32º preceitua que o processo criminal assegura todas as
garantias de defesa, incluindo o recurso. O nº 2 dispõe que todo o arguido se
presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo
ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Do acórdão que decidiu a providência de habeas corpus considerou-se que se o
arguido for preso preventivamente quando já estiver com culpa formada,
encontrando-se o processo na fase de marcação do julgamento ou com este;
realizado sem trânsito em julgado da condenação, tendo-lhe sido dadas
possibilidades de se defender da imputação fáctica e jurídica que constitui o
pressuposto da ordem de prisão, já não faz sentido a validação da prisão
preventiva após interrogatório judicial.
Dele não consta a desnecessidade de audição do arguido para poder ficar preso
preventivamente (o arguido foi ouvido «sobre as circunstâncias que entenda opor
à necessidade da decretada medida de coacção de prisão preventiva») e tão-só a
desnecessidade de um despacho de validação da prisão, nos casos como o dos
autos, em que o arguido estava e continuou preso. Todavia, sempre se consignará
que, como consta do despacho de fls. 50, referido no acórdão, houve uma tomada
de posição sobre a prisão preventiva, após aquela audição, considerando-se que a
mesma não era ilegal.
Em suma, entende-se que nesses casos, que não correspondem ao comum das
situações em que os arguidos estando em liberdade são detidos fora de flagrante
delito, sendo ordenada, após a condenação não transitada, a prisão preventiva,
em despacho devidamente fundamentado e passível de recurso, não se torna
necessário um despacho posterior de validação da prisão.
De qualquer forma, ainda que assim se não entenda, sempre seria de considerar
que, no caso, após uma audição do arguido, foi proferida decisão no sentido de
não declarar ilegal a prisão, o que, numa apreciação perfunctória e sem prejuízo
do que vier a ser decidido em sede impugnação desse despacho, parece satisfazer
minimamente as exigências legais sobre a imposição da medida de coacção de
prisão preventiva.
O entendimento descrito não conflitua assim com o disposto nos artigos 28º, nº
1, e 32º, nºs 1 e 2, da Constituição.
Daí que a interpretação que da lei foi feita não viole a Constituição,
considerando-se suprida a referida omissão”.
3 – Novamente inconformado, o arguido interpôs, nos termos supra referidos,
recurso para este Tribunal, alegando que:
“(...)
1 - Vem o presente recurso interposto do acórdão do STJ, por se reputarem
inconstitucionais as normas dos artigos 202º, 254º, 257º e 141º, nº 4, todos do
CPP, quando aplicados com a interpretação e o alcance dados àqueles normativos
por aquele Venerando Tribunal.
2 - A situação ocorrida foi a seguinte:
Ao Recorrente foi imposta a prisão preventiva, sem interrogatório judicial
prévio, e tendo reclamado de tal comportamento, foi determinada deprecada a
tribunal sem competência para interrogatório judicial tendente à validação de
detenção, vicio arguido oportunamente, interrogatório, não nos termos do artigo
141º, nº 4 do CPP, mas com a finalidade especifica de ser interrogado sobre as
circunstâncias que entenda opor à necessidade da decretada medida de coacção de
prisão preventiva, sendo que, posteriormente, a detenção não veio a ser
validada.
3 - Segundo a decisão recorrida, tal poderia acontecer, porquanto em casos
similares ao do Recorrente, em que já houve culpa formada e mesmo julgamento em
1ª e 2ª Instância, não se toma necessário um despacho posterior de validação da
prisão.
4 - A lei ordinária é clara no sentido de que a prisão preventiva, na sequência
de detenção fora de flagrante delito, só pode ser imposta após interrogatório
judicial onde sejam dadas todas as garantias de defesa ao arguido e após a
constatação da verificação dos requisitos previstos no artigo 202º do CPP.
5 - E isto, em emanação do artigo 28º, nº 1 da CRP sob a epígrafe 'Prisão
preventiva': A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito
horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade, ou imposição de
medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a
determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de
defesa.
6 - Comentando tal normativo, aduz-se em publicação dada à estampa em Março
último, (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Jorge Miranda - Rui Medeiros,
págs.317-319):
I - Apesar da sua epígrafe, este artigo contém a regulamentação especial da
privação da liberdade - detenção e prisão preventiva - no âmbito do processo
penal [artigo 27º, nº3, alíneas a) e b )], sendo ainda aplicável, mutatis
mutandis, aos casos de detenção e prisão para efeitos de expulsão ou extradição
[artigo 27º, nº 3, alínea c)].
II - A primeira exigência que nela se faz é a da chamada validação judicial da
detenção.
Tal exigência não é ou, pelo menos, não é essencialmente um corolário ou aspecto
da reserva de jurisdição em matéria de privação da liberdade, por forma a
limitar uma privação da liberdade administrativa, maxime, policial (v., no
entanto, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição..., pág. 189; Acórdão nº
565/03). É que, ainda que a detenção tenha sido ordenada pelo próprio juiz,
mantém-se a exigência constitucional de validação. Assim, neste domínio pode
dizer-se que “toda a privação da liberdade tem de ser ordenada e confirmada
judicialmente; ou ordenada por autoridade legalmente competente e confirmada
judicialmente” (v. CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso..., 1º, 1986, pág. 261).
A finalidade essencial da apresentação do detido perante um juiz - sem a qual a
privação da liberdade não perde a precariedade, temporal como substancial,
própria da detenção - é 'que os riscos de uma privação ilegal da liberdade sejam
reduzidos ao mínimo possível' (Acórdão nº 607/03 do Tribunal Constitucional)
seja quem for que tiver procedido ou ordenado a detenção.
E essa opção mostra-se simultaneamente compreensível e significativa se se
atentar que ela co-envolve a exigência de dar ao detido oportunidade de defesa.
Sem isso, mesmo uma privação da liberdade ordenada judicialmente não perde a
especial precariedade da detenção, que, afinal de contas, será mera medida
cautelar, tomada por razões de urgência inadiável.
III - A submissão da detenção à apreciação judicial dar-se-á, por exigência
constitucional, 'no prazo máximo de quarenta e oito horas'.
Na expressão “prazo máximo”, o essencial está no adjectivo. Não se trata,
propriamente, de um prazo para privação da liberdade. Trata-se, sim, de um
limite máximo para uma apresentação que, atentos os seus fins, dever ser
imediata (cfr. Artigo 5º, § 3º, da CEDH). As 48 horas são simplesmente um limite
temporal findo o qual o detido terá de ser libertado ainda que não se tenha
conseguido o fim da sua apresentação judicial.
O Tribunal Constitucional já decidiu que o prazo de 48 horas se não reportava,
nem à decisão judicial sobre a detenção, nem mesmo ao interrogatório, mas à
apresentação ao juiz, pois que, com esta, se dava 'a cessação) de uma situação
legal de poder administrativo sobre a pessoa privada da liberdade, mostrando-se,
por isso, cumprida a garantia que a norma constitucional pretende consagrar'
(Acórdão nº 565/03). A interpretação topa, porém, com dificuldades várias. Para
além de dificuldades ao nível literal (pois, segundo ela, a detenção não será
submetida a apreciação no prazo máximo de 48 horas, como a Constituição exige),
estreia-se numa premissa que já se viu não ser de aceitar - a de que a
finalidade da validação é a cessação da detenção administrativa - e abre a porta
a uma situação de privação de liberdade (entre a apresentação e o interrogatório
do arguido) não sujeita a qualquer prazo, o que não é constitucionalmente
admissível (Acórdão nº 137/92). Assumindo como premissa que a validação se
dirige a uma apreciação judicial já esclarecida, porque realizada depois de se
ter dado ao detido oportunidade de defesa, não parece haver outra solução senão
a de exigir que, dentro dessas 48 horas, tenha início o interrogatório judicial
do detido.
IV – Na apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida
de coacção adequada, o juiz, depois de conhecer liminarmente das causas da
detenção, deve proceder ao acto absolutamente crucial da validação: ouvir o
detido.
Para tanto, deve comunicar ao arguido as causas da detenção (informação que é
apenas uma especialização de uma exigência geral a todas as formas de detenção,
como se vê pelo artigo 27º, nº 4), interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de
defesa.
7 - Não tem qualquer sentido, nos tempos que correm afirmar que em fase
processual posterior à formação da culpa, a prisão preventiva pode ser imposta
sem interrogatório judicial prévio e sem validação posterior.
8 - O instituto da culpa formada deixou de estar inserto no actual CPP e, mesmo
na legislação onde estava inserido, por força da linguagem do antigo, foi
completamente erradicado a partir de 1997.
9 - É que, se até à revisão constitucional de 1997, tal conceito ainda se
encontrava na Constituição, bebido na versão da lei penal adjectiva de 1929, na
adaptação da Norma Fundamental à linguagem do CPP de 1987, a partir da Lei
Constitucional 1/97, de 20 de Setembro, o artigo 28º, nº 1 da CRP que tinha a
seguinte redacção,
1. A prisão sem culpa formada será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito
horas a decisão judicial de validação ou manutenção, devendo o juiz conhecer das
causas da detenção e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade
de defesa.
2. A prisão preventiva não se mantém sempre que possa ser substituída por caução
ou por qualquer outra medida mais favorável prevista na lei.
3. A decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade
deve ser logo comunicada a parente ou pessoa da confiança do detido, por este
indicados.
4. A prisão preventiva antes e depois da formação da culpa está sujeita aos
prazos estabelecidos na lei.
passou a ter a seguinte:
1. A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a
apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de
coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e
comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.
2. A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida
sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na
lei.
3. A decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade
deve ser logo comunicado a parente ou pessoa da confiança do detido, por este
indicados.
4. A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.
9 - Com se constata, culpa formada deixou de ser conceito utilizado na lei,
passando esta a considerar só a detenção e a prisão preventiva. Onde estava
exarado a prisão sem culpa formada, passou a estar a detenção e onde se exarava
antes e depois da formação da culpa, pura e simplesmente, foi suprimido.
10 - Posteriormente, na adaptação da lei ordinária à nova redacção do artigo 28º
da CRP, foi aditado um nº 2 ao artigo 254º do CPP, passando o artigo a ter a
seguinte redacção:
1 - A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:
a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a
julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro
interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção;
ou
b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto
prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a
autoridade judiciária em acto processual
2 - O arguido detido fora de flagrante delito para aplicação ou execução da
medida de prisão preventiva é sempre apresentado ao juiz, sendo
correspondentemente aplicável o disposto no artigo 141º
Pelo que, em conclusão:
Devem ser julgadas inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 202º, 254º,
257º e 141º, nº 4, todos do CPP, quando interpretadas e aplicadas nos termos com
que o foram na decisão recorrida, isto é, no sentido de que o STJ pode aplicar a
medida coactiva da prisão preventiva, em casos de detenção fora de flagrante
delito, após a culpa formada, sem interrogatório judicial prévio, com obediência
ao formalismo do aludido artigo 141º, nº 4 do CPP, mas com interrogatório
serôdio de finalidade específica deprecado a tribunal incompetente, sem que
tenha havido validação posterior, ponderando a verificação dos requisitos
daquele primeiro normativo”.
4 – Por sua vez, o Representante do Ministério Público junto deste
Tribunal pugnou pela improcedência do recurso, sintetizando o seu entendimento
nas seguintes conclusões:
“(...)
1 - A decisão recorrida não produziu qualquer interpretação normativa que tenha
violado normas e princípios constitucionais relativos às garantias de defesa do
arguido em processo penal e à prisão preventiva.
2 - A decisão que determinou a colocação do arguido na situação de prisão
preventiva à ordem de um processo já com sentença condenatória, proferida em 1ª
instância, foi emitida por autoridade judicial competente, tendo observado a sua
natureza excepcional e subsidiária, constitucionalmente consagrada, bem como os
requisitos inerentes à aplicação da medida, não se encontrando excedidos os
prazos legalmente estabelecidos.
3 - Termos em que não deverá proceder o presente recurso”.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
5 – Objecto do recurso e parâmetros constitucionais.
5.1 – Como se disse, o Recorrente definiu o objecto do recurso em
torno do critério normativo extraído “das normas ínsitas nos artigos 202º, 254º,
257º, e 141º, n.º 4, todos do CPP, com a interpretação (...) [de] que, segundo o
qual não tendo o arguido sido detido em flagrante delito, lhe pode ser imposta a
prisão preventiva, quando o processo se encontra com julgamento realizado, mas a
decisão ainda sem trânsito em julgado, sem que previamente o arguido seja
sujeito a interrogatório judicial pelo tribunal competente, interrogatório onde
se respeitem as regras previstas no artigo 141º, n.º 4 do CPP e, após tal
interrogatório, a detenção, desde o inicio, classificada de prisão preventiva,
seja fundadamente validada”.
Cumpre, todavia, notar que o Recorrente, ao concluir as suas
conclusões, introduz algumas nuances na forma como previamente definiu o objecto
do recurso, alegando aí que “devem ser julgadas inconstitucionais as normas
ínsitas nos artigos 202º, 254º, 257º e 141º, n.º 4, todos do CPP, quando
interpretadas e aplicadas nos termos com que o foram na decisão recorrida, isto
é, no sentido de que o STJ pode aplicar a medida coactiva da prisão preventiva,
em casos de detenção fora de flagrante delito, após a culpa formada, sem
interrogatório judicial prévio, com obediência ao formalismo do aludido artigo
141º, nº 4 do CPP, mas com interrogatório serôdio de finalidade específica
deprecado a tribunal incompetente, sem que tenha havido validação posterior,
ponderando a verificação dos requisitos daquele primeiro normativo (negrito
aditado)”.
Há, pois, que referir, estando o Tribunal Constitucional vinculado à
consideração do critério normativo que constitui a ratio decidendi do juízo
recorrido e sindicando apenas a constitucionalidade de normas – que não de
decisões –, que não lhe cabe estar, aqui, a apurar se o tribunal onde o arguido
foi ouvido é ou não o tribunal competente, e, por isso, tendo o Supremo Tribunal
de Justiça justificado a competência de tal Tribunal, não é este recurso a sede
apropriada para dirimir tal questão.
Por outro lado, mutatis mutandis, o mesmo deve dizer-se no que importa ao
abandono, nas conclusões das alegações, do elemento integrante da hipótese
normativa antes definida, relativo à validação da prisão preventiva após audição
do arguido, constante do requerimento de interposição.
Assim, irá considerar-se como sendo objecto do recurso a norma tal qual foi
enunciada no requerimento de interposição.
5.2 – Considerados de per se, os artigos do Código de Processo Penal onde o
Recorrente faz radicar o critério normativo sindicando têm a seguinte redacção:
“Artigo 141.º (Primeiro interrogatório judicial de arguido detido)
1 – (...).
2 – (...).
3 – (...).
4 – Seguidamente, o juiz informa o arguido dos direitos referidos no
artigo 61.º, n.º 1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos
motivos da detenção, comunica-lhos e expõe-lhe os factos que lhe são imputados.
5 – (...).”
“Artigo 202.º (Prisão Preventiva)
1 – Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas
referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão
preventiva quando:
a) Houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com
pena de prisão de máximo superior a três anos; ou
b) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça
irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso
processo de extradição ou de expulsão.
2 – Mostrando-se que o arguido a sujeitar a prisão preventiva sofre
de anomalia psíquica, o juiz pode impor, ouvido o defensor e, sempre que
possível um familiar, que, enquanto a anomalia persistir, em vez da prisão tenha
lugar internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento
análogo adequado, adoptando as cautelas necessárias para prevenir os perigos de
fuga e de cometimento de novos crimes”.
Artigo 254.º (Finalidades [da detenção])
1 – A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:
a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o arguido ser
apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente
para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma
medida de coacção; ou
b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no
mais curto prazo, sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a
autoridade judiciária em acto processual.
2 – O arguido detido fora de flagrante delito para a aplicação ou
execução da medida de prisão preventiva é sempre apresentado ao juiz, sendo
correspondentemente aplicável o disposto no artigo 141.º.”
Artigo 257.º (Detenção fora de flagrante delito)
1 – Fora de flagrante delito, a detenção só pode ser efectuada por
mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do
Ministério Público.
2 – As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a
detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando:
a) Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva;
b) Existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e
c) Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na
demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária.”
5.3 – Por sua vez, os parâmetros constitucionais invocados dispõem
que:
“Artigo 28.º (Prisão preventiva)
1 – A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito
horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de
medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a
determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de
defesa.
2 – (...).
3 – (...).
4 – (...).”
“Artigo 32.º (Garantias de processo criminal)
1 – O processo criminal assegura todas as garantias de defesa,
incluindo o recurso.
2 – Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da
sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo possível
compatível com as garantias de defesa.
3 – (...).
4 – (...).
5 – (...).
6 – (...).
7 – (...).
8 – (...).
9 – (...).
10 – (...).”
6 – A aplicação da medida de coacção de prisão preventiva e o artigo
141.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
6.1 – Tal como emerge da delimitação do objecto do recurso efectuada
pelo Recorrente, o thema decidendum que se impõe a este Tribunal considerar
prende-se, no essencial, com a questão de saber se, existindo já uma condenação
– ainda que não transitada em julgado – se impõe, ex constitutionis, para a
aplicação da medida de coacção da prisão preventiva, o prévio interrogatório do
arguido de modo a que o juiz o possa “informa[r] (...) dos direitos referidos no
artigo 61.º, n.º 1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece[r] dos
motivos da detenção, comunic[á-los] e expor[-lhe] os factos que lhe são
imputados” (artigo 141.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).
Vejamos pois.
O sentido tutelar e a intencionalidade específica da norma do artigo 141.º do
Código de Processo Penal – maxime, do seu n.º 4 – foram já excogitados em
diversos arestos deste Tribunal.
De entre esses arestos, pode aqui subscrever-se, na íntegra, o que ficou
consignado no Acórdão n.º 607/2003 (publicado no Diário da República II Série,
de 5 de Dezembro de 2003).
Aí se disse que:
“ (...) a Constituição reconhece ao detido o direito de se defender
durante o interrogatório feito pelo juiz das razões que determinam a sua
detenção. Sendo assim, o interrogatório está predestinado essencialmente para o
arguido apresentar, de viva voz ou por escrito, a sua defesa.
Como é evidente, a comunicação das razões de detenção ao apresentado
terá de ser feita pelo juiz com observância do princípio de presunção de
inocência consagrado no art. 32º, n.º 2 - primeira parte - da CRP, de acordo com
o qual “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da
sentença de condenação”.
A intervenção do juiz que se encontra desenhada no art. 28º, n.º 1,
da CRP encontra-se toda ela orientada para a salvaguarda do direito fundamental
do arguido à liberdade, intentando obviar à manutenção de qualquer situação de
detenção ilegal.
Por outro lado, mesmo em face do figurino de processo penal vigente,
em que a investigação realizada durante o processo de inquérito corre sob o
imperium quase exclusivo do Ministério Público, dado que apenas se ressalvam os
actos a que aludem os arts. 268º e 269º do CPP, a intervenção do juiz, em tal
momento processual, busca a sua razão de ser na necessidade de se assegurar o
respeito, por um órgão independente, dos direitos fundamentais, sejam do
arguido, sejam de outros sujeitos do processo, sejam até de terceiros. Nesta
perspectiva, a intervenção do juiz é essencialmente garantística, visando
acautelar a realização e defesa dos direitos fundamentais. Poder-se-á, assim,
dizer com o Recorrente que o juiz de instrução desempenha a função, no
interrogatório do arguido detido [como em outros actos do inquérito], de “Juiz
das Garantias”.
É aquela a normatividade constitucional que o legislador ordinário
quis importar para o art. 141º, nos 1, 4 e 5.
Atendo-nos, em razão da utilidade para a decisão, ao prescrito
nestes dois últimos números, cabe notar que no n.º 4 se determina:
«Seguidamente, o juiz informa o arguido dos direitos referidos no
art. 61º, n.º 1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos motivos
da detenção, comunica-lhos e expõe-lhe os factos que lhe são imputados».
Entre os direitos do arguido enunciados no n.º 1 do art. 61º do CPP,
a que alude o preceito, e com relevo para a apreciação da questão, contam-se os
de “estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem
respeito”; “ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles
devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte” e “não responder a
perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre factos que lhe forem imputados e
sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar”.
Prevenindo a possibilidade de o arguido querer prestar declarações,
quando interrogado pelo juiz sobre esse seu direito, dispõe o referido n.º 5 do
art. 141º do CPP:
«Prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos
ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude
ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a
determinação da sua responsabilidade ou medida de sanção».
Num processo penal decantado sobre os princípios do respeito pela
dignidade da pessoa humana, do direito de audiência ou de interrogatório do
arguido e do asseguramento de todas as garantias de defesa, todos eles
constitucionalmente reconhecidos, o arguido - e cabe acentuar que o detido ao
abrigo do art. 257º, n.º 1, do CPP, como foi o caso, fica, logo, pelo facto de
ser detido, constituído arguido nos termos do art. 58º, n.º 1, alínea c), do
CPP - é sujeito e não objecto do processo e isso, como já o escrevia Figueiredo
Dias, antes da Constituição de 1976 e sob a vigência do CPP29, “significa, em
geral, ter de se [lhe] assegurar [...] uma posição jurídica que lhe permita uma
participação constitutiva na declaração do direito do caso concreto, através da
concessão de autónomos direitos processuais, legalmente definidos, que hão-de
ser respeitados por todos os intervenientes do processo (Direito Processual
Penal, Coimbra, 1974, p. 429). Nas palavras do Autor acabado de citar, o
estatuto jurídico fundamental do arguido é “o estatuto próprio de um sujeito
processual sempre armado com o seu «direito de defesa», mas que pode também
sempre, embora só dentro de um âmbito rigorosamente delimitado por lei, servir
de «meio de prova» [será meio de prova, nos termos do Autor, quando o arguido
preste declarações sobre os factos e quando seja objecto de exames] e ser
«objecto de medidas coactivas»”.
O interrogatório do arguido não pode deixar, assim, de ter sempre presente que
o mesmo é um sujeito processual “armado com o seu direito de defesa”.
Relativamente a este momento escreveu Germano Marques da Silva (‘Sobre a
liberdade no processo penal ou do culto da liberdade como componente essencial
da prática democrática’, em Liber discipulorum para Figueiredo Dias, Coimbra,
2003, p.1371/1372):
«Deve explicitar-se que o interrogatório é um meio de defesa e por isso o
arguido deve ser perguntado sobre todos os elementos de facto relevantes para a
decisão de modo a dar-lhe oportunidade de defesa. [...]. O interrogatório é,
como referimos já, essencialmente um meio de defesa do arguido, mas é um meio de
defesa condicionado às comunicações e perguntas do juiz, porque o arguido, em
regra, só conhece os factos que lhe são imputados e os indícios da sua
responsabilidade através da comunicação e das perguntas que lhe são feitas no
acto do interrogatório. Quando o processo é apresentado ao juiz para aplicação
de uma medida de coacção, na avaliação que o Ministério Público faz dos indícios
de prova recolhidos nos autos, estão já reunidos nos autos os elementos que
indiciam a responsabilidade do arguido e os pressupostos da medida de coacção
cuja aplicação o Ministério Público promove. O juiz confronta o arguido com
esses elementos indiciários, dando-lhe a oportunidade de os confirmar ou
refutar, mas o arguido está só, em regra, sem quaisquer elementos auxiliares de
memória e incapacitado de no momento fornecer quaisquer elementos probatórios
susceptíveis de ilidir os indícios recolhidos [...]».
E o mesmo Autor já anteriormente dissera (Curso de Processo Penal, II, edição
Verbo, 2002, p. 185) que
«na prática frequente dos nossos tribunais não é dado cumprimento ao disposto no
n.º 4 do art. 141º, o que constitui irregularidade. Antes de iniciar o
interrogatório sobre os factos imputados ao arguido, o juiz deve expor-lhos,
pois, como dissemos, o arguido só pode defender-se conhecendo a imputação».
Por seu lado, Jorge Figueiredo Dias (op. cit., p. 442/443), depois de contestar
a vantagem em considerar certos interrogatórios do arguido como
predominantemente meios de defesa e outros como predominantemente meios de
prova, como alguma doutrina pensava no domínio do CPP29, defende, em termos que
são transponíveis para o actual regime de processo penal, que “[...] qualquer
dos interrogatórios tem de ser revestido de todas as garantias devidas ao
arguido como sujeito do processo - e constitui, nessa medida e naquela outra que
tem de respeitar a inteira liberdade de declaração do arguido, uma expressão do
seu direito de defesa ou, se quisermos, um meio de defesa. Mas também qualquer
dos interrogatórios visa contribuir para o esclarecimento da verdade material,
podendo nessa medida legitimamente reputar-se um meio de prova».
Nesta perspectiva, a comunicação das razões da detenção, ou, na linguagem do
art. 141º, n.º 4, do CPP, a “exposição dos factos” que densificam os motivos da
detenção de que o juiz conhece hão-de ter, como se diz no referido Acórdão n.º
416/03, «a concretização necessária a que um inocente possa ficar ciente dos
comportamentos materiais que lhe são imputados e da sua relevância
jurídico-criminal, por forma a que lhe seja dada “oportunidade de defesa” (art.
28º, n.º 1, da CRP)».
Só desta forma a oportunidade de defesa será uma oportunidade efectiva e eficaz,
como é demandado também pela garantia fundamental do acesso aos tribunais
consagrada no art. 20º da CRP, aqui para defesa dos direitos e interesses
próprios do arguido. No domínio da factualidade ou da materialidade factual, o
exercício do direito de defesa, concretizável no exercício do direito de
contraditório, só será possível se ao arguido for dado conhecimento dos factos
materiais em que se consubstanciam as razões fácticas [ou histórico-fácticas] em
que se apoia, ou, para usar os termos constitucionais, que determinam a
detenção.
(...)”.
Ora, como resulta desta jurisprudência – cuja bondade aqui se reitera –, o
cumprimento dos requisitos constantes do artigo 141.º, n.º 4, do Código de
Processo Penal, reveste-se de uma importância funcional-garantística que é
essencial para o exercício das garantias de defesa do arguido no âmbito do
primeiro interrogatório judicial do arguido detido.
Só respeitando esses standards garantísticos se possibilitará que o arguido
fique a conhecer os motivos da sua detenção e os factos que lhe são imputados e
só assim poderá o arguido exercer um “contraditório” quanto à realidade com que
é confrontado.
A intenção prático-normativa da norma, compreendida na sua teleologia
fundamentante, está desenhada, primordialmente, em função do momento processual
em que importa, por obediência ao comando constitucional, dar a conhecer ao
arguido os factos imputados e os motivos pelos quais, em razão dessa
factualidade, é apresentado perante o juiz e propiciar-lhe a oportunidade de os
poder contraditar.
Nisso reside a ratio essendi da norma constante do artigo 28.º, n.º 1, da Lei
fundamental, tornando-se particularmente evidente, nesta sede, que o legislador
constituinte pretendeu cingir a privação de liberdade, sem que seja tomada uma
posição judicial sobre a legalidade da detenção, a um curto espaço de tempo.
Ora, na hipótese normativa recortada nos autos, pode considerar-se que a
intencionalidade constitucional desse momento e oportunidade processuais já foi
totalmente satisfeita.
Na verdade, o arguido, independentemente de ter sido ouvido e poder contraditar
as razões da sua privação actual de liberdade na fase do inquérito e de poder
tomar-se, também, como tal a audiência de julgamento ocorrida no recurso
interposto para a Relação, desfrutou de um momento soberano para exercer esse
direito, em toda a extensão – a audiência de julgamento em 1ª instância.
Exigir-se, hoje, a audição do arguido em nome das garantias concedidas pelo
preceito constitucional corresponderia a irrelevar juridicamente todo o
processo, desenrolado a montante, desconhecendo que o mesmo dispôs dessa
oportunidade e de exercer o direito de contraditório ou de defesa em vários
momentos processuais.
A interpretação segundo a qual, uma vez desligado de um processo à ordem do qual
cumpria pena, não tem o arguido de ser ouvido sobre os factos por cuja prática
já foi julgado e condenado em 1ª e 2ª instâncias, em outro processo que está
pendente de recurso no STJ, em nada afronta a garantia constitucional constante
do art.º 28º, n.º 1, da Lei fundamental, de o juiz lhe dever dar a conhecer as
causas que determinaram a sua prisão preventiva à ordem deste outro processo, de
o interrogar e de lhe dar oportunidade de defesa.
Deste modo, a questão nuclear que aqui se coloca não se prende, pois, já com a
garantia do direito de audição e de defesa sobre os factos que lhe são
imputados, mas com a de saber se o direito de audição do arguido sobre a
aplicação da medida de coacção de prisão preventiva está sujeito ao prazo
estabelecido no mesmo preceito para a submissão da detenção do arguido a
apreciação judicial (n.º 1 do artigo 28º, da CRP), de 48 horas, ou se essa
audição, porque fundada já numa condenação cujos efeitos estão suspensos apenas
por consequência da interposição de um recurso com efeito suspensivo, não está
subordinada já às mesmas exigências constitucionais.
Ora, há que reconhecer que não importa, para a economia da decisão, enfrentar a
segunda questão figurada.
Na verdade, o STJ fez equivaler a acto de detenção o acto de desligamento do
arguido do processo pelo qual cumpria pena e passou a ficar à ordem de outro
processo.
Seguidamente o arguido foi ouvido sobre as circunstâncias que entendesse
necessário opor à decretação da prisão preventiva.
Nestas circunstâncias, o STJ pode correctamente dizer que o arguido fora ouvido
e que não ocorria violação do artº. 28º, nº 1, da Constituição.
Perante um tal quadro fica patente que o critério normativo mobilizado pelo
Supremo Tribunal de Justiça não afecta os direitos de defesa do arguido, em
qualquer das dimensões que foram invocadas, nem traduz qualquer violação do
artigo 28.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional julga
improcedente o presente recurso.
Custas pelo Recorrente, com 20 (vinte) Ucs. de taxa de justiça.
Lisboa, 4 de Agosto de 2005
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos