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Processo n.º 1001/04
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e são
recorridas A. e B., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto nos artigos
280º, nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 70º, nº
1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC), da decisão do Tribunal Tributário de 1ª Instância de
Lisboa, de 7 de Abril de 2003. Considerou-se então organicamente
inconstitucional a criação do tributo que originou liquidação impugnada pelas
ora recorridas, fixado pela Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra,
aprovada no dia 6 de Novembro de 2001 pela Câmara Municipal de Sintra, publicada
na II Série do Diário da República, de 1 de Outubro de 2001.
2. As recorridas impugnaram judicialmente a liquidação de taxa no montante de
7. 049, 50 €, referente ao ano de 2002, para cujo pagamento haviam sido
notificadas nos seguintes termos:
“Notifica-se V. Exa., nos termos do art. 66º e 70º do Código do Procedimento
Administrativo, para até 31/Janeiro/2002 proceder ao pagamento 7.049,50 Euros /
PTE 1.413.298$00 correspondente à taxa de 2002 aplicável ‘em virtude dos
condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e
utilização ambiental dos recursos naturais (ar, águas e solos) e da consequente
actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes’,
conforme dispõe o nº 1.1 do artº 69º da Tabela de taxas e Licenças do Município
de Sintra”.
Mais constava de tal comunicação a referência ao cálculo do montante apurado por
recurso ao artigo 69º, nº 1.1. e nº 2, e, quanto ao tipo de equipamento de
abastecimento: propriedade privada (cfr. fls. 29 e seg.).
3. A sentença do Tribunal Tributário, decisão recorrida nos presentes autos,
após dar como provado que o posto de abastecimento de combustíveis e outros
produtos petrolíferos em causa nos autos está instalado totalmente em terreno
privado, pronuncia-se acerca da natureza do tributo liquidado, vindo a concluir
estar em causa, não uma taxa, mas um imposto. É o seguinte, para o que ora
releva, o teor da decisão recorrida:
“A taxa que aqui está em causa foi fixada ao abrigo da alínea 1.1. e nº2 do artº
69° da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada no dia
01/11/06 pela Câmara Municipal de Sintra e no dia 01/11/22 pela Assembleia
Municipal da mesma localidade (…).
A divergência entre as partes começa por se situar na natureza deste tributo.
(…) em resumo, a taxa é sempre uma receita não negociada que tem como
contraprestação a actividade da administração pública dirigida a destinatários
individualizáveis, que podem ou não ter requerido essa actividade, sendo que
nalguns casos essa utilização é presumida e pode até ser obrigatória.
Ora, a receita que deu origem à liquidação impugnada não comunga destas
características.
Não houve da parte das impugnantes qualquer utilização de bens do domínio
público, uma vez que o posto está situado em propriedade privada.
Não se provou que houvesse a remoção de qualquer limite jurídico à actividade
das impugnantes da parte da CMS. Remoção, claro está, directamente relacionada
com a actividade comercial da venda de combustíveis.
Os condicionamentos de tráfego não se provou que fossem no sentido de favorecer
essa actividade comercial dentro do posto de abastecimento, mas provavelmente na
via pública, o que não pode ser encarado como qualquer contrapartida directa
para as impugnantes.
E, por fim, a prevenção da degradação e utilização ambiental dos recursos
naturais (ar, água e solos), como alega a CMS, além de não se provar como é
feita e em que medida as impugnantes contribuem para ela, não ficou igualmente
demonstrado que aquela edilidade tenha competências legais específicas nessa
matéria, no domínio da actividade de venda de combustíveis, pelo que também não
é possível configurar aí qualquer contrapartida directa para as impugnantes.
Em resumo, pois, o questionado tributo foi liquidado sem base legal e a sua
criação é organicamente inconstitucional.
É ilegal porque foi criada fora do âmbito previsto no artº 19° da Lei n° 42/98
de 06/08. E, é organicamente inconstitucional por violação do artº 168° nº1 al.
i) da CRP, uma vez que a criação de impostos é matéria reservada exclusivamente
à Assembleia da República”.
4. Recebidos os autos neste Tribunal, alegou o recorrente, sustentando que deve
confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida,
conforme jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional:
“A questão debatida nos presentes autos – com referência à Tabela de Taxas e
Licenças do Município de Sintra, aprovada em 1998 e actualizada em 2001, é
idêntica à que se suscitou na jurisprudência a propósito do mesmo regulamento
local, na versão de 1989 – e consiste em saber se se pode configurar, do ponto
de vista jurídico-constitucional, como ‘taxa’ a tributação da posse e utilização
de bombas abastecedoras de combustível, inteiramente situadas em propriedade
privada, invocando-se como fundamento do ‘sinalagma’, não obviamente a
utilização de bem público, mas ‘os condicionamentos no plano do tráfego e
acessibilidade, a inerente degradação e utilização ambiental dos recursos
naturais (ar, águas e solos) e a consequente actividade da fiscalização
desenvolvida pelos serviços municipais competentes’.
O Plenário deste Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão,
dirimindo através do Acórdão n° 113/04 o conflito jurisprudencial, surgido entre
as Secções, no sentido da inconstitucionalidade da norma análoga à que integra o
objecto do presente recurso, constante da versão do mesmo regulamento de 1989,
afigurando-se que tal orientação deverá aplicar-se ao caso dos autos.
Na verdade – e no que respeita à invocada ‘causa’ do sinalagma, constante
expressamente da norma regulamentar ora questionada, afigura-se que a simples
satisfação de necessidades colectivas de todos os cidadãos, como a defesa do
ambiente e a prevenção de riscos que possam afectar a vida ecologicamente
equilibrada, não pode servir de fundamento à imposição de ‘taxas’, por inexistir
manifestamente qualquer sinalagma relevante.
Questão diversa se poderá naturalmente colocar a propósito dos custos que
derivem de acções fiscalizadoras ou inspectivas que, porventura, sejam
efectuadas pela autarquia às instalações de combustíveis: porém, neste caso, só
existirá ‘sinalagma’ em função da efectiva realização de tais diligências, não
sendo lícito que certa norma regulamentar as estabeleça, com total abstracção
relativamente à efectiva actividade desenvolvida pelo município”.
5. Notificadas as recorridas, declararam aderir à posição do Ministério Público.
Formularam as seguintes conclusões:
“A. A A. adere sem reservas às doutas alegações do IMMP que aqui dá por
inteiramente reproduzidas na medida em que o tributo em apreço nos presentes
autos, respeita a um posto inteiramente localizados em propriedade privada.
B. Retoma-se aqui o teor do Acórdão do Venerando Tribunal Constitucional n°
441/2003, que apenas não julgou inconstitucional o mesmo artigo da referida
tabela que está em causa nos presentes autos porquanto nesse caso se estava
perante um posto situados em via pública.
C. Quanto aos postos situados em propriedade privada esse mesmo aresto remeteu
para as considerações feitas no acórdão, também do Tribunal Constitucional, n°
515/00, mais antigo, que decidiu inconstitucional a taxa que era aplicada aos
postos situados inteiramente em propriedade privada, por não existir sinalagma.
D. De salientar neste particular o douto acórdão do Tribunal Constitucional com
o n.º 339/2004 que veio precisamente julgar inconstitucional o artigo 71.º n.º1
al. 1.5 da tabela de taxas e licenças da CMS aprovada em 22.12.99 por violação
do artigo 165.º n.º 1 al. i) da CRP”.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O presente recurso, interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º
da LTC, tem por objecto a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante
do artigo 69º, ponto 1.1., e nº 2, da Tabela de Taxas e Licenças do Município de
Sintra, aprovada pela respectiva Câmara Municipal, em 6 de Novembro de 2001, e
publicada na II Série do Diário da República, de 1 de Outubro de 2001,
interpretada no sentido da sua aplicação a posto de abastecimento instalado
totalmente em terreno privado.
É o seguinte o teor do artigo 69º da Tabela de Taxas e Licenças:
“ Artigo 69º
Equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos
1 – Por cada um e por ano:
1.1 – Em virtude dos condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, da
inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, água e
solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços
municipais competentes…………306,50 [euros]
1.2 – À taxa prevista no ponto 1.1 acresce, ainda, a seguinte taxação:
1.2.1 – Instalados inteiramente na via pública…………...…..715,10 [euros]
1.2.2 – Instalados na via pública, mas com depósito em propriedade
privada………………………………………………….……459,80 [euros]
1.2.3 – Instalados em propriedade privada, mas com depósito na via
pública……………….………………………………….…… 613,00 [euros]
1.2.4 – Instalados inteiramente em propriedade privada, mas abastecendo na via
pública………………………………………………..…..153,50 [euros]
2 – Sempre que o equipamento de abastecimento, referido no ponto anterior, tenha
mais de uma espécie de combustível será acrescido em 50% por cada espécie”
(itálico aditado, quanto à norma questionada).
2. O Tribunal Constitucional pronunciou-se já no sentido da
inconstitucionalidade de normas semelhantes àquela cuja aplicação foi recusada
nos autos. Fê-lo nos Acórdãos nºs 515/00, 113/04 (Diário da República, II Série,
respectivamente, de 23 de Janeiro de 2001 e de 31 de Março de 2004) e 339/04
(não publicado). O Acórdão nº 113/04 foi tirado em plenário, decidindo, por
maioria, divergência quanto aos juízos formulados pelo já referido Acórdão nº
515/00, a cuja fundamentação aderiu, e pelo Acórdão nº 329/03 (Diário da
República, II Série, de 31 de Março de 2004).
Nos Acórdãos nºs 515/00 e 113/04, estava em causa o artigo 42º, nº 5, da Tabela
de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada em 20 de Outubro de 1989.
Quanto ao Acórdão nº 339/04, teve por objecto o artigo 71º, nº 1, alínea 1.5.,
também da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada em 22 de
Dezembro de 1999. As normas apreciadas tinham, entre si, conteúdo equiparado.
Escreveu-se no Acórdão nº 515/00, cujos termos foram reiterados pela decisão
tirada em plenário:
“6. – A averiguação sobre a conformidade constitucional do regime jurídico de
uma dada receita pública impõe a determinação prévia da sua natureza. A
determinação da natureza de taxa ou imposto de um certo tributo tem
consequências diversas face ao regime constante da Constituição em vigor no
momento da criação do encargo (revisão de 1989).
De facto, a criação de impostos e a definição dos seus elementos essenciais está
sujeita a reserva de lei formal (ou a decreto do Governo dependente de
autorização) enquanto que as taxas podem ser estabelecidas por regulamento.
Importa, assim, apurar se o encargo que recai sobre as instalações abastecedoras
de carburantes líquidos, ar e água, quando instaladas inteiramente em
propriedade particular, com abastecimento no interior da propriedade, a que se
reportam os autos, tem a natureza de uma taxa ou de um imposto, ou ainda de um
tributo que deva ser tratado como um imposto.
A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro,
no seu artigo 4º, nº 2, dá-nos um conceito legal de taxa, quando estabelece que
‘as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de
um bem de domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao
comportamento dos particulares’.
Este Tribunal, para distinguir o imposto da taxa tem utilizado como critério
geral o de saber se a prestação exigida tem carácter unilateral – correspondente
ao imposto – ou bilateral ou sinalagmático – correspondente à noção de taxa (cf.
Acórdãos nºs 76/88 e 348/86, in Acórdãos dos Tribunal Constitucional, 11º Vol.,
pág.331 e 8º Vol., pág. 93, e mais recentemente, o Acórdão nº 410/2000, tirado
em Plenário, de 3 de Outubro de 2000, publicado no Diário da República, I Série
A, de 22 de Novembro de 2000). Assim, estar-se-ia perante um imposto sempre que
a obrigação do seu pagamento não esteja ligada a qualquer contraprestação
específica por parte do Estado.
Segundo Teixeira Ribeiro (Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, pág. 262),
o ‘imposto é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de
sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos’. A taxa,
segundo o mesmo Autor (Noção Jurídica de taxa, in Revista de Legislação e
Jurisprudência, Ano 117, pág. 289 e ss), ‘é a quantia coactivamente paga pela
utilização individualizada de bens semi-públicos’ (isto é, de bens que
‘satisfazem além de necessidades colectivas, necessidades individuais,
necessidades de satisfação activa, cuja satisfação exige a procura das coisas
pelo consumidor’) ‘ou como preço autoritariamente fixado de tal utilização’.
Refere ainda o mesmo Autor, ‘precisamente porque os bens semi-públicos
satisfazem necessidades individuais, o Estado já pode conhecer quem é que
particularmente pretende utilizá-los, e pode, por conseguinte, tornar essa
utilização dependente de, ou relacioná-la com, o pagamento de certa quantia. Se
o fizer, tal quantia, ou é paga voluntariamente, e temos uma receita
patrimonial, ou o é coactivamente, e temos uma taxa’.
Assim, enquanto que os ‘impostos são prestações pecuniárias, coactivas,
unilaterais e definitivas, sem carácter de sanção, exigidas a detentores de
capacidade contributiva por entes que exercem funções públicas, com vista à
realização destas’, nas taxas, ‘à prestação do particular corresponde uma
contraprestação específica, uma actividade do Estado ou de outros entes públicos
especialmente dirigida ao respectivo obrigado, actividade esta que se há-de
concretizar na prestação de um serviço público, no acesso à utilização de bens
do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos
particulares’ (veja-se José Casalta Nabais, in “Contratos Fiscais”, Coimbra,
1994, pág. 236).
Quando a actividade do Estado ou de outro ente público pela qual se exige ao
particular o pagamento de uma certa quantia se traduz na remoção de um limite
jurídico à actividade dos particulares, só se está perante uma taxa se essa
remoção possibilitar a utilização individualizada e efectiva de um bem
semi-público. Se tal não acontecer, a quantia a pagar terá a natureza de um
imposto (cf. Teixeira Ribeiro, in Rev.Leg. e Jur., citada, pág. 292).
A menos que se entenda que se está perante a figura das contribuições especiais
que, como se referiu, devem ser tratadas como impostos quer sejam contribuições
de melhoria (imposições instituídas com o fundamento económico-financeiro de
tributar os aumentos de valor dos bens dos contribuintes imputáveis a obras
financiadas pelos entes públicos e para o qual os devedores em nada
contribuíram), quer contribuições para maiores despesas (encargos destinados a
obrigar os respectivos devedores a contribuir para as maiores despesas públicas
imputáveis às suas actividades económicas). Estas contribuições especiais
determinadas por maiores despesas públicas ou por aumentos de valor resultantes
de investimentos públicos são, no entender de Nuno Sá Gomes (in “Alguns Aspectos
Jurídicos e Económicos Controversos da Sobretributação Imobiliária no Sistema
Fiscal Português”, Ciência e Técnica Fiscal, Abril-Junho 1997, nº 387, pág.67),
‘impostos preponderantemente locais’.
Tem, portanto, de se concluir que, para preencher o conceito de taxa, tem de
existir uma contraprestação, que nem sempre pode significar para o particular o
gozo de uma vantagem ou benefício nem tem que constituir o exacto correspectivo
económico de um serviço ou de uma actividade da Administração. Assim, ‘a
sinalagmaticidade que subjaz ao conceito de taxa não se alcança com qualquer
prestação por parte do Estado: se esta não tem que representar sempre um
benefício ou vantagem, e se não tem que existir uma exacta equivalência
económica entre o pagamento do particular e a acção individualizada do Estado, a
contraprestação há-de, pelo menos, apresentar uma natureza material [...] deverá
ser possível identificar na esfera do cidadão o uso de um bem semi-público’
(P.Pitta e Cunha/J.Xavier de Bastos/A.Lobo Xavier, 'Conceitos de Taxa e
Imposto”, in Revista Fisco, 51/52, pág.6).
7. – No caso em apreço, a Câmara Municipal de Sintra liquidou ao recorrido,
proprietário de um posto de abastecimento de carburante, a taxa de Instalações
Abastecedoras de Carburantes Líquidos, Ar e Água, de acordo com o nº 5 do artigo
42º da Tabela de Taxas da Câmara Municipal, nos termos do qual são taxadas as
bombas de carburantes líquidos ‘instaladas inteiramente em propriedade
particular com abastecimento no interior da propriedade’.
Ora, através de uma taxa como a que vem identificada nos autos, o obrigado ao
pagamento não beneficia da utilização dos serviços de repartição ou funcionários
municipais nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da
actividade em causa. Assim, a imposição da taxa em apreciação apenas poderia
fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização
pública.
Porém, é manifesto que este tipo de contrapartida não pode concretizar-se na
situação dos autos: de facto, estando o posto de abastecimento instalado
inteiramente em terreno privado e decorrendo também na propriedade privada todos
os actos relativos ao abastecimento e actividades complementares (como vem
provado nos autos – ponto 3), a actividade de abastecimento das viaturas não
implica qualquer utilização de bens semi-públicos, inexistindo qualquer conexão
da taxa exigida com a ocupação de bens públicos, não sendo sequer possível
ligá-la a uma eventual renovação de licença ou a quaisquer diligências que o
município deva realizar para a conceder, como bem refere o Ministério Público
nas suas alegações.
Não tem assim a referida taxa de instalações abastecedoras de combustíveis nem
natureza nem estrutura sinalagmática, pois o respectivo montante não é
contraprestação ou contrapartida de nada.
Não existindo qualquer contrapartida para a exigência do encargo em causa, que
represente a utilidade recebida pelo particular, o pagamento da quantia imposta
no caso não constitui uma taxa, mas antes um imposto. E tendo sido criado
através de simples edital camarário foi violado o artigo 168º, nº1, alínea i),
da Constituição da República Portuguesa (versão de 1989)”.
A decisão transcrita – e as duas outras referidas – refere-se a postos de
abastecimento totalmente situados em terreno privado, circunstância que, como se
assinalou (supra, ponto 3. do relatório), ficou igualmente demonstrada no caso
presente. Tal elemento reveste, para a jurisprudência do Tribunal
Constitucional, relevo determinante na matéria em apreço, pois que, situando-se
o posto de abastecimento em terrenos públicos, “o tributo devido resulta da
utilização individualizável do domínio público viário, estando, nessa medida,
preenchido o núcleo essencial do conceito de taxa” (Acórdão nº 20/03, Diário da
República, II Série, de 28 de Fevereiro de 2003). Assim, decidiram não julgar
inconstitucional a norma que prevê a cobrança de taxa em relação a postos
situados em terrenos públicos, para além do citado, os Acórdãos nºs 204/03
(Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 2003) e 441/03 (não
publicado).
3. A questão que importa colocar é a de saber se a jurisprudência a que se fez
referência é de reiterar face ao concreto teor da norma desaplicada no caso dos
autos. Esta diverge em dois pontos daquelas que estiveram na base da prolação
das decisões referidas.
Por um lado, deixou de haver menção, numa alínea ou número autónomos, aos postos
instalados inteiramente em propriedade privada (conteúdo que constituía,
respectivamente, o nº 5 do artigo 42º da Tabela de 1989 e o ponto 1.5 do artigo
71º da Tabela aprovada em 1999). Porém, não oferece dúvidas, face ao teor da
notificação reproduzida (supra, ponto 2. do relatório) e ao confronto com as
previsões dos nºs 1.2.1 a 1.2.4 do artigo 69º da Tabela, que o ponto 1.1 do
preceito abrange os postos inteiramente instalados em propriedade privada. É
idêntico, pois, ao das normas anteriormente apreciadas pelo Tribunal
Constitucional, o âmbito de aplicação da que constitui objecto do presente
recurso.
Por outro lado, a norma contém um parágrafo justificativo da taxa fixada,
inexistente nas anteriores redacções e reproduzido, por transcrição, na
notificação às recorridas, com o seguinte teor: “Em virtude dos condicionamentos
no plano do tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização
ambiental dos recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente actividade
de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”. Ora, será
de afastar a jurisprudência a que se fez referência face a esta alteração?
Concretamente, poder-se-á afirmar que a expressão de tal fundamento afasta a
apontada falta de sinalagma do tributo que, assim, o remeteria para a natureza
de imposto?
Desde já se adianta que, como bem sustenta o Ministério Público, a resposta a
esta pergunta terá que ser negativa. Na verdade, a inclusão, na previsão
normativa, de tal justificação não significa que o obrigado ao pagamento
beneficie da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais
nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da actividade em
causa; tão pouco significa que a imposição da taxa se funde numa ocupação do
domínio público ou num efectivo aproveitamento de bens de utilização pública
(Acórdão nº 515/00, supra citado). Tais circunstâncias permanecem não
demonstradas, em concreto, e nem sequer poderiam ficar demonstradas pela mera
alteração de redacção a que se fez referência.
No caso presente, em que a notificação para pagamento foi feita mediante
reprodução da norma em causa, não é possível concluir que, de forma efectiva e
em concreto, tenha havido por parte dos serviços municipais a prestação de
serviços de fiscalização ou qualquer alteração no plano do tráfego ou
acessibilidades.
O específico conteúdo da justificação contida na norma – designadamente no que
concerne à degradação e utilização ambiental dos recursos naturais – seria
susceptível de classificar o tributo entre as contribuições especiais,
designadamente na categoria de contribuições para maiores despesas: “aquelas em
que a prestação devida pelos particulares encontraria a sua razão de ser no
facto de estes ocasionarem com a sua actividade ou com coisas por eles possuídas
um acréscimo de despesas para as entidades públicas” (Acórdão nº 277/86, Diário
da República, II Série, de 17 de Dezembro de 1986). Simplesmente, a exploração
de tal possibilidade não reveste, para o problema que nos ocupa, relevo prático,
face à doutrina sedimentada de que tais contribuições merecem, do ponto de vista
jurídico-constitucional, tratamento idêntico ao dispensado aos impostos (assim,
para além do Acórdão já citado e autores ali referidos, cfr. Acórdão nº 205/87,
Diário da República, I Série, de 3 de Julho de 1987).
Importa, pois, não se vislumbrando razões para a afastar e afigurando-se a mesma
inteiramente transponível para a presente situação, reiterar a jurisprudência
acima referida, para cuja fundamentação se remete.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 69º, ponto 1.1., e nº 2, da
Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada pela respectiva
Câmara Municipal, em 6 de Novembro de 2001, e publicada na II Série do Diário da
República, de 1 de Outubro de 2001, quando interpretada no sentido da sua
aplicação a posto de abastecimento instalado totalmente em terreno privado, por
violação do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Constituição da
República Portuguesa;
b) Confirmar a decisão recorrida no que diz respeito ao juízo de
inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Outubro de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Artur Maurício