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Proc. n.º 789/2004
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso interposto da decisão condenatória com o seguinte fundamento:
Como ficou relatado, o recorrente não põe em causa no seu recurso a existência das deficiências de alegação, mormente a falta de referência aos suportes técnicos, que a Relação lhe assacou e em que se baseou para lhe indeferir o pedido de renovação da prova que formulou. Ora, ao contrário do que aquele parece defender, não existe, mesmo em processo penal, nenhum direito geral ao «convite» à correcção de peças processuais substancialmente defeituosas, ainda que se trate de recurso do arguido. Na verdade, quem quer usufruir em pleno do seu indiscutível direito de defesa, constitucionalmente garantido, não pode esperar que o tribunal lho sirva «de bandeja», passe a expressão. Tem, ao invés, um ónus a cumprir, seja, no mínimo a observância das exigências legais, nomeadamente as do artigo 412.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, ónus aquele que, em caso algum, pode ter-se por excessivo, desproporcionado ou de impossível cumprimento. É justamente com vista a permitir a sua superação que a lei faz o arguido ser, sempre, assistido, em recurso, por defensor - art.º 64.º, n.º 1, d), do CPP. E se, assim mesmo, o interessado não logra cumprir as exigências estruturais decorrentes da lei para que o seu direito de defesa seja inteiramente satisfeito, não pode queixar-se senão de si, não sendo, pois, aceitável o afirmar-se, como o faz no caso o recorrente, que foi o tribunal quem lhe fez
«precludir» tal direito. De outro modo, o «convite», indo além do simples superar de falhas ou deficiências meramente formais, permitiria, verdadeiramente, a possibilidade de um novo recurso enxertado no processo, em vez do que foi interposto, o que nenhuma interpretação da Lei Fundamental, por mais liberal que possa ser, pode aceitar. Dando-se conta disto, o Tribunal Constitucional tem, ultimamente, vincado bem até onde pode ir tal «convite» ao arguido, com vista a atingir a satisfação daqueles objectivos do texto constitucional. E o limite está, obviamente, no limiar das exigências da mera forma, como, por exemplo a superação da prolixidade ou da inexistência de conclusões numa motivação já existente, com base nas quais a rejeição imediata do recurso se teria de haver como desproporcionada, mas nunca irá ao ponto de permitir a superação de deficiências de fundo daquela motivação, maxime a substituição ainda que parcial desta, nomeadamente, quando, contra o que expressamente impõe a lei, o recorrente não se preocupa minimamente com satisfazer as suas exigências, como acontece com a indicação essencial dos suportes técnicos que documentem a sua discordância com o decidido quanto à matéria de facto. Neste aspecto, merece a concordância do Supremo Tribunal o que vem defendido pelo Ministério Público junto do tribunal ora recorrido que, com toda a razão, dá conta de que o recorrente não cumpriu minimamente as condições impostas pelo citado artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal para impugnar a matéria de facto, nomeadamente, tal referência aos suportes magnéticos onde as divergências do recorrente haveriam de fundamentar-se. E nem por isso - repete-se, e não obstante estarmos perante um recurso do arguido - se deveria equacionar a hipótese do reclamado «convite» à correcção de tal deficiência estrutural do recurso. Pois, como se escreveu no Ac. TC. n.º 259/02, de 18/6/02, publicado no DR II Série, de 13/12/02, referindo-se à jurisprudência daquele mesmo Tribunal que apregoa a necessidade daquele «convite» :
«De qualquer modo, (..) fácil é verificar que essa jurisprudência não chegou a admitir um genérico direito do arguido ao aperfeiçoamento de uma peça processual por si apresentada. Na verdade, tal jurisprudência censurou a inexistência de despacho de aperfeiçoamento quando, embora de modo deficiente ou incompleto, o arguido tivesse cumprido determinados ónus processuais, mas dela não pode retirar-se a conclusão de que o despacho de aperfeiçoamento serviria para facultar ao arguido um novo prazo para, pela primeira vez, impugnar a própria decisão proferida, ou mesmo indicar outros fundamentos de recurso. Dito de outro modo, considerou-se constitucionalmente desconforme a rejeição liminar de um recurso (portanto, sem prévio convite ao aperfeiçoamento) quando as conclusões da motivação faltassem, fossem em grande número ou ocupando muitas páginas, nelas se cumprisse deficientemente certos ónus ou se não procedesse a certas especificações, mas não chegou a afirmar-se, por exemplo, o direito do arguido a apresentar uma segunda motivação de recurso, quando na primeira não tivesse indicado os fundamentos do recurso, ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos.» E mais adiante:
«A jurisprudência do Tribunal Constitucional, tanto a relativa aos recursos penais (ou contra-ordenacionais) como a relativa aos recursos não penais, aponta no sentido da não inconstitucionalidade da interpretação perfilhada pelo tribunal ora recorrido e que é, lembre-se, a de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o assistente impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) do n.º3 e no n.º
4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir o vício dessa falta de indicação, se também da motivação do recurso não constar tal indicação. Na verdade (...), as menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n..º3 e o n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal não traduzem um ónus de natureza puramente secundária ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão da matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre a matéria de facto.» Já no mesmo sentido foi tirado o Acórdão n.º 140/03, de 10/3/04, do mesmo Tribunal, proferido no recurso n.º 565/03. Ali se defendeu, na sequência do aresto acima parcialmente transcrito, que em casos como o dos autos, não está em causa apenas
«uma certa insuficiência ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, isto é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação que é, quanto ao mais, apreensível pela motivação do recurso – falta, essa, para a qual a rejeição liminar do recurso, sem oportunidade de correcção dos vícios formais detectados, constitui exigência desproporcionada. Antes a indicação exigida pela alínea b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal – repete-se, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos – é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto. Importa, aliás, recordar, por um lado, que da jurisprudência do Tribunal Constitucional não pode retirar-se – nem da relativa aos recursos de natureza penal (ou contra-ordenacional), nem da que versou sobre recursos de natureza não penal – uma exigência constitucional geral de convite para aperfeiçoamento, sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjectivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado». E mais adiante:
«Não pode, pois, concluir-se que os princípios constitucionais do acesso ao direito e do direito ao recurso em matéria penal impliquem que ao recorrente tivesse sido facultada oportunidade para aperfeiçoar, em termos substanciais, a motivação do recurso deduzido quanto à matéria de facto, quando este não especificou as provas que impunham decisão diversa da recorrida, fazendo-o por referência aos suportes técnicos (e antes se limitando, como no caso, a respigar partes de depoimentos, impugnando genericamente, (...) a matéria de facto provada)». Ora, se no caso, não eram [apenas] as conclusões que eram deficientes no que toca às exigências legais para impugnação da matéria de facto, mas a própria motivação que, não versando explicitamente as passagens dos suportes técnicos que impunham solução distinta da dada à matéria de facto, não passa de um ataque genérico sem as menções legais adequadas, o «convite» não se destinaria a suprir uma mera deficiência formal das conclusões, antes, destinar-se-ia à reformulação dos próprios termos da motivação do recurso, o que, como se evidencia, para além de não exigido por qualquer princípio de proporcionalidade, vai para além do exigível pelo respeito do direito de defesa, uma vez que o arguido, assistido por defensor, não pode ser dispensado da observância das exigências processuais mínimas se quer exercer devidamente o seu direito ao recurso. Por estas razões a solução é só uma: é de rejeitar o recurso na vertente em que versa sobre a impugnação da matéria de facto. E como o objecto do recurso não vai além deste aspecto do acórdão recorrido, é manifesta a sua improcedência.
2. O recorrente interpôs recurso de constitucionalidade e, sendo posteriormente convidado a esclarecê-lo, disse o recorrente:
A., arguido e recorrente nos autos acima identificados, em cumprimento do douto despacho de fls. ..., vem aperfeiçoar o seu requerimento de interposição de recurso dando cumprimento ao disposto no art. 75°.A da Lei do Tribunal Constitucional, o que faz pela forma seguinte:
- O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do art° 70° da Lei do Tribunal Constitucional, na redacção dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro;
- Pretende-se com o recurso apresentado ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 412º n° 3 als. b) e c) e n° 4 e 420° n° 1, ambas do Código de Processo Penal, com referência ao disposto no art. 690º nº 4 do Código de Processo Civil, na interpretação que delas se faz na douta decisão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrida, bem como, na interpretação que delas se fez na decisão proferida pelo Tribunal da Relação de
Évora;
- no sentido de, em sede de recurso, ser de recusar a renovação da prova quando nas conclusões da motivação do recurso que impugne a decisão relativa à matéria facto não seja dado integral cumprimento ao disposto no n° 4 do art. 412° do C.P.Penal, ou seja, sem que as especificações a que aludem as alíneas b) e c) do n° 3 do art. 412° do C.P. Penal, sejam feitas com referência aos suportes técnicos (cassetes de gravação audio), dada a existência de gravações dos depoimentos, ainda que tal referência conste do corpo da motivação do recurso e das transcrições integrais dos depoimentos a que recurso se refere e a ela anexas (cfr. fls. ... dos autos);
- E, sem que ao arguido e recorrente seja dada oportunidade de suprir essa deficiência (art. 690º n° 4 do C.P.Civil ex vi art° 4° do do C. P. Penal), por meio de “despacho de aperfeiçoamento”, prévio à decisão do recurso.
- Porquanto, tais normas, na interpretação que delas foi feita na decisão recorrida, violam as garantias de defesa do arguido, designadamente as que estão consagradas nos artigos 18° n° 1 e 32° nº 1 da Constituição da República Portuguesa, actualmente em vigor, traduzindo-se numa inconstitucionalidade em sentido material;
- Sendo que esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada na motivação e conclusões do recurso a fls. ..., interposto da decisão, proferida pelo Tribunal da Relação de Évora para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse que foi considerado improcedente e rejeitado com fundamento no disposto no art.
420º nº 1 do C. P. Penal.
O recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1. Tendo o Tribunal da Relação de Évora recusado a renovação da prova relativamente aos depoimentos prestados por B., C. e D. «por as conclusões da motivação de recurso não obedecerem aos requisitos impostos por lei», porquanto
“as especificações nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art.° 412° do CPP” não terem sido «feitas por referência aos suportes técnicos dada a existência de gravação dos depoimentos».
2. E, tendo o recorrente quer no corpo da motivação, quer nas suas conclusões, quer ainda, nas transcrições que juntou feito menção “depoimento gravado das mesmas cuja transcrição se junta” e nas conclusões refere: '1°... uma vez que foi efectuado o registo da prova...”, “4° Mostrando-se provado em audiência de julgamento, como supra referido nas motivações, pela análise da prova gravada e transcrita em anexo consubstanciada nos depoimentos das próprias vítimas...” e que, por sua vez, como se disse, o recorrente juntou com a motivação a transcrição integral desses depoimentos dos quais consta a indicação das cassetes com o respectivo número e lado,
3. A falta apontada, constitui uma mera deficiência de natureza formal por não corresponder à mais exacta formulação prevista nas disposições legais invocadas
(art. 412° nº 3 als a) e b) e nº 4 do CPP.
4. Razão porque, não havia motivo para o Tribunal da Relação de Évora recusar a renovação da prova requerida na motivação de recurso interposto pelo recorrente e suas conclusões, sem previamente ter formulado o convite para o aperfeiçoamento das ditas conclusões, nelas fazendo uma mais clara e precisa menção aos suportes técnicos onde foi feito o registo dos depoimentos, cuja renovação se pretendia, em conformidade com o art.° 690° n° 4 do C. P. Civil ex vi art. 4° do CPP.
5. O entendimento de que a falta de referência aos suportes técnicos de registo dos depoimentos nas conclusões das motivações de recurso é fundamento bastante para a rejeição da renovação do recurso e da renovação da prova requerida sem necessidade do prévio convite ao seu aperfeiçoamento, traduz-se numa interpretação das normas contidas nos art.ºs 412° n° 3 als b) e c) e nº 4; 420° n.º 1 do CPP e 690° n.º 4 do CPC que, salvo melhor entendimento, consubstancia uma norma ou normas, cujo conteúdo, por via dessa interpretação, resulta numa norma materialmente inconstitucional, porque contrária aos preceitos constitucionais aplicáveis, mormente, o disposto no art.° 18° n° 2 e 32° nº 1 da Constituição da República Portuguesa actualmente em vigor.
6. Porquanto, se trata de uma interpretação que restringe, de forma desproporcionada e injustificada, as garantias de defesa do arguido e o direito
à realização de uma justiça material e efectiva, em favor de uma hipotética celeridade processual, além de violar, também, os princípios da lealdade e cooperação processuais, aplicáveis a todos os sujeitos e intervenientes processuais (Juízes, Procuradores, Partes e seus Mandatários ou Defensores, etc.), também, eles princípios fundamentais aplicáveis a qualquer sistema de Processo Penal de um Estado de Direito Democrático, como o é o nosso.
7. Devendo pois, este Venerando Tribunal Constitucional declarar inconstitucional as normas contidas nos artºs 412 ° n.º 3 als b) e c) e nº 4;
420° nº 1, ambos do CPP, e 690° n° 4 do CPC, quando interpretadas no sentido de ser de recusar a renovação da prova nos casos em que nas conclusões da motivação de recurso, não seja feita menção expressa aos suportes técnicos (cassetes audio, respectivo número, lado e voltas, etc.) de registo dos depoimentos prestados em primeira instância, mesmo sem prévio despacho que convide o recorrente a aperfeiçoar tais conclusões da motivação do recurso, mormente, por violação do disposto no art. 18° nº 2 e 32° n° 1 da Constituição da República Portuguesa actualmente em vigor.
8. E, consequentemente mandar revogar a douta decisão recorrida com todas as legais consequências, como é DE JUSTIÇA!!!
O Ministério Público contra-alegou, concluindo o seguinte:
1° - Não há coincidência de interpretações normativas - questionada pelo recorrente e aplicada pelo acórdão recorrido - quando o recorrente pretende que as razões subjacentes à rejeição liminar do seu recurso se consubstanciam em estrito vício ou deficiência formal das conclusões da motivação, entendendo antes o Tribunal 'a quo' que ocorreu, não apenas tal vício formal, mas um défice substancial da impugnação deduzida contra a matéria de facto, traduzido em o arguido se limitar, no conteúdo da motivação do recurso, a um 'ataque genérico'
à decisão proferida em 1ª instância, sem especificar e fundamentar, em termos adequados e concludentes, as razões determinantes do pretendido 'erro de julgamento'.
2° - Termos em que não deverá conhecer-se do recurso, por não ter sido aplicada, como 'ratio decidendi' a interpretação normativa questionada pelo recorrente.
À questão prévia suscitada pelo Ministério Público o recorrente respondeu o seguinte:
1. Interposto para o Tribunal da Relação de Évora recurso da decisão do
'tribunal a quo', negou este tribunal dar provimento ao mesmo, a fls 5 do seu douto acórdão, e cita-se, 'Porque as conclusões da motivação do recurso não obedecem aos requisitos impostos por lei, não há lugar à renovação da prova nesta instância' (fim de citação). Não se pronuncia o Tribunal da Relação acerca das motivaçôes do recurso, dizendo que a mesma é omissa ou deficiente. Da decisão contida naquele acórdão, de não dar provimento pelos motivos nele invocados, recorreu o ora Recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça, assim delimitando nas suas conclusões o objecto do recurso. O Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 13 de Maio de 2004, rejeita o recurso, considerando-o manifestamente improcedente, tecendo previamente, é verdade, considerações várias sobre as motivações do recurso para a Relação, mas concluindo dizendo que, e cita-se, 'é de rejeitar o recurso na vertente em que versa sobre a impugnação da matéria de facto'.
'E como o objecto do recurso não vai além deste aspecto do acórdão recorrido, é manifesta a sua improcedência'. Ora, como supra se explanou, o objecto do recurso e o objecto do acordão recorrido foram, únicamente, o não provimento com fundamento em as motivações de recurso não obedecerem aos requisitos impostos por lei, não havendo lugar como tal à renovação da prova. Assim, e fundamentando o Acórdão ora recorrido a sua decisão de considerar o recurso improcedente no objecto do mesmo, tal como delimitado pelo Recorrente, e naquele aspecto específico do acórdão da relação, é esta a 'Ratio decidendi' do acórdão recorrido e não outra, perfilhando como tal na sua decisão o Supremo Tribunal de Justiça a interpretação normativa que o Tribunal da Relação faz dos arts. 412° n° 3 al. b) e c) e n° 4 e 420° n° 1 do Código de Processo Penal, não existindo por esse motivo fundamento para o não conhecimento do presente recurso, como pretende o Ministério Público.
2. Conclusão
1. Fundamentando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a sua decisão de considerar o recurso improcedente no objecto do mesmo, tal como delimitado pelo Recorrente,
2. e também no acórdão do Tribunal da Relação na parte em que nega provimento ao recurso porque as conclusões da motivação não obedecem aos requisitos impostos por lei, não havendo como tal lugar à renovação da prova;
3. Acolhe e perfilha o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a interpretação normativa dada pelo Tribunal da Relação aos arts. 412°, n° 3 al. b) e c) e n° 4 e 420° n° 1 do Código de Processo Penal, sendo esta a 'ratio decidendo' do mesmo, pelo que deve o presente recurso ser aceite e apreciado.
Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação Questão prévia
3. O Ministério Público suscita a questão prévia de não aplicação pela decisão recorrida da dimensão normativa impugnada pelo recorrente. O recorrente submete a apreciação do Tribunal Constitucional as normas dos artigos 412º, nº 3, alíneas b) e c) e nº 4, e 420°, nº 1, ambos do CPP, e 690°, n° 4, do CPC, quando interpretadas no sentido de ser de recusar a renovação da prova nos casos em que nas conclusões da motivação de recurso, não seja feita menção expressa aos suportes técnicos (cassetes audio, respectivo número, lado e voltas, etc.) de registo dos depoimentos prestados em primeira instância, mesmo sem prévio despacho que convide o recorrente a aperfeiçoar tais conclusões da motivação do recurso, mormente, por violação do disposto no artigos 18°, nº 2, e
32°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa actualmente em vigor. No entanto, o fundamento da rejeição do recurso constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (é esta a decisão que agora releva, já que foi esta a decisão recorrida) foi a deficiência, não apenas das conclusões das alegações, mas sim da própria motivação, deficiência que, no entendimento do tribunal a quo, não podia ser suprida por via da resposta a um despacho de aperfeiçoamento. A resposta à questão prévia que o recorrente apresentou não infirma esta conclusão. Com efeito, o recorrente limita-se a afirmar que impugnou a ratio decidendi do acórdão recorrido, assimilando a fórmula utilizada pelo Tribunal da Relação de Évora com a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
(única decisão recorrida), nomeadamente através da utilização da expressão
“motivações de recurso”, constante do sétimo parágrafo do ponto 1 da resposta. Contudo, não se identifica na referida resposta uma demonstração persuasiva e substancial da verificação do aludido pressuposto processual. Desse modo, qualquer juízo que o Tribunal Constitucional viesse a formular sobre o objecto do presente recurso não teria a virtualidade de alterar a decisão recorrida, já que não se referiria à ratio decidendi desta. Procede, pois, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, pelo que o Tribunal Constitucional não tomará conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
III Decisão
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2005
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos