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Processo n.º 287/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A fls. 488 foi proferida a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
A. recorre, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, do acórdão proferido em 9 de Março de 2005 no Supremo Tribunal
de Justiça acusando o aresto recorrido de haver, em suma, aplicado os artigos
50º e 70º do Código Penal numa interpretação inconstitucional. Convidado a
esclarecer qual o exacto sentido normativo, inconstitucional, aplicado na
decisão recorrida, explica:
[...] designadamente no que concerne com o Instituto da Suspensão da Execução da
Pena de Prisão, previsto nos artigos 50º e seguintes do Código Penal, porquanto
a interpretação correcta a dar aos aludidos preceitos legais seria aquela que
defende que a suspensão da pena de prisão, como pena de substituição que é, não
é uma mera faculdade, mas antes um 'poder-dever'.
O Tribunal não pode, porém, conhecer do objecto do presente recurso. E isto, por
uma razão inultrapassável: não só o recorrente não logrou definir a norma que
acusa de inconstitucional, como se verifica, pelo teor do requerimento e
esclarecimento posterior, que verdadeiramente em causa se pretende que esteja a
própria decisão recorrida. Ora, a análise do Tribunal deve incidir sobre norma
jurídica aplicada na decisão recorrida como razão de decidir, cabendo ao
recorrente o ónus de definir tal norma, na exacta dimensão com que foi aplicada.
Assim, nos termos do n. 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer do
recurso.
Contra esta decisão reclama o recorrente nos seguintes termos:
1 - Na douta decisão em crise sustenta-se a impossibilidade de conhecimento do
recurso, “por uma razão inultrapassável: não só o recorrente não logrou definir
a norma que acusa de inconstitucional, como se verificou, pelo teor do
requerimento e esclarecimento posterior, que verdadeiramente em causa se
pretende que esteja a própria decisão recorrida',
2 - Salvo o devido respeito e que é muito, entende o Recorrente, aqui Reclamante
e doravante assim denominado, que ao invés do atrás exposto, o seu recurso
cumpre todos os pressupostos de que a Lei faz depender o respectivo
conhecimento;
3 - Com efeito, ao contrário do referido na douta decisão de que se reclama, o
Reclamante no seu requerimento de interposição de recurso e posterior
esclarecimento a convite do Tribunal ad quem, indicou claramente as disposições
legais cuja constitucionalidade da interpretação quer ver apreciada;
4 - Vejamos, no ponto 'I' do seu esclarecimento O Reclamante refere claramente
que pretende ver apreciada a constitucionalidade da interpretação dada pelo
Tribunal a quo aos artigos 50.º e 70.º do Código Penal;
5 - Portanto, as normas cuja constitucionalidade de interpretação se pretende
ver apreciada, encontram-se perfeitamente determinadas no esclarecimento
prestado;
6 - Por outro lado, a interpretação que se pretende ver analisada prende-se com
aquela que foi aplicada ao presente caso, designadamente a que sustenta que a
suspensão da pena de prisão é uma mera faculdade;
7 - Ou, ao invés, a interpretação correcta a dar aos artigos 50º e 70.º, ambos,
do Código Penal, é aquela que defende que 'a suspensão da pena de prisão, como
pena de substituição que é, não é uma mera faculdade, mas antes um
«poder-dever»';
8 - E, assim sendo, qualquer não suspensão da pena de prisão. ao abrigo dos
preceitos legais in casu:. quando a suspensão for legalmente possível, em face,
como é óbvio da Lei, DEVERÁ ser devidamente fundamentada;
9 - Com critérios objectivos e não meramente subjectivos, com apreciações
impressionistas, com natural apreço para um subjectivismo preponderante e, por
vezes, resultante de juízos de censurabilidade impostos pelo próprio Tribunal
que julga;
10- Pelo que, a interpretação constitucionalmente correcta a dar aos artigos
50ºe 70º, ambos, do Código Penal DEVERÁ ser aquela que consagra a suspensão da
pena de prisão como um «poder-dever» e não uma mera faculdade, devendo ser
devidamente fundamentada qualquer decisão de não suspensão da pena de prisão
quando a Lei o permitir;
11 - E assim não deixar ao critério meramente subjectivo de quem julga a decisão
de manter em liberdade ou não quem, hipoteticamente, tenha cometido crime
punível pela Lei Penal;
12 - Ora o tribunal a quo, em modesto entendimento do Reclamante, que fez
interpretação constitucionalmente incorrecta, atento o disposto no artigo 32º da
Constituição da República Portuguesa;
13- Se bem que a “Decisão Sumária” radica na circunstância de entender que o que
verdadeiramente está em causa é a própria decisão recorrida;
14 - Mas não é isso que pretende o Reclamante;
15 - O Reclamante, apenas e só, pretende que seja apreciada, à luz da
Constituição da República Portuguesa e atento o seu artigo 32º, a interpretação
dada aos artigos 50.º e 70.º, ambos, do Código Penal;
16- Por conseguinte, na 'Decisão Recorrida', ainda que de forma menos clara ou
perfeita, concebeu-se a interpretação, salvo melhor opinião, inconstitucional já
invocada pelo Reclamante;
17- Mas mesmo que assim não se entendesse, com o que se discorda veementemente,
sempre implicitamente o Tribunal Recorrido teria aplicado no sentido acima
exposto;
18- Em consequência, o Reclamante considera que preencheu devidamente, no
cumprimento estrito de todas as disposições legais aplicáveis, o ónus invocado
para ser negado o conhecimento do objecto do recurso in concreto.
NESTES TERMOS,
DEVE considerar-se procedente a presente 'Reclamação', conhecendo-se do objecto
do recurso atempada e legitimamente interposto, assim se fazendo JUSTIÇA.
Diz o Magistrado do Ministério Público neste Tribunal, em resposta, que a
reclamação é manifestamente improcedente por ser bem claro que 'o objecto do
recurso carece de carácter normativo', pois apenas nele se pretende sindicar 'a
concreta e casuística valoração feita pela decisão recorrida no que toca à
aplicação dos pressupostos de que depende a suspensão da execução da pena', a
que acresce que o Supremo Tribunal de Justiça 'não aplicou a dimensão normativa
alegadamente inconstitucional'.
Na verdade, a reclamação é improcedente pois é certo que o recorrente não
suscita, no presente recurso, uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Ora, assente que o recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional se destina unicamente a sindicar norma aplicada na
decisão recorrida como razão de decidir cuja inconstitucionalidade fora
oportunamente suscitada no processo, deve aceitar-se que nesta espécie de
impugnação não cabe a decisão recorrida enquanto tal, designadamente no processo
concretizador do direito aplicável ao caso.
Ora, é precisamente este processo que o recorrente quer questionar ao eleger
como objecto do seu recurso a questão enunciada em termos de 'a suspensão da
pena de prisão, como pena de substituição que é, não é uma mera faculdade, mas
antes um «poder-dever»', pois é bem certo que esta formulação não corresponde é
enunciação de uma norma, mas à explicação crítica do processo lógico que
alegadamente conduziu o Tribunal recorrido a decidir como fez; a censura desta
formulação corresponde, por isso, à crítica da decisão recorrida enquanto tal,
objectivo que – conforme se disse na Decisão Sumária – ultrapassa
inadmissivelmente o âmbito do presente recurso.
Termos em que se confirma a decisão de não conhecimento do objecto do recurso,
assim se indeferindo a presente reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 21 de Junho de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos