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Processo n.º 169/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Inconformado com a decisão sumária proferida a fls. 389 e
seguintes pela qual se decidiu não conhecer do recurso interposto nos termos da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, reclama o
recorrente A., ao abrigo do n.º 3 do artigo 78º-A daquela Lei, alegando:
1. Na decisão de que ora se reclama decide-se negar provimento ao presente
recurso, por se entender que “a questão a decidir não é nova e este Tribunal tem
jurisprudência firme quanto ao sentido da garantia de acesso ao direito e aos
tribunais, consagrada no artº 20º, nº1 da Constituição”.
2. Mas tal raciocínio não é, salvo o devido respeito, correcto, pois a questão
aqui em apreço não é idêntica às questões levantadas em todos os acórdãos para
os quais se remete e nos quais se estriba tal posição.
3. Nos acórdãos citados, tratava-se da questão de saber da conformidade das
limitações de recorribilidade, como o estabelecimento de alçadas, com o
princípio do acesso ao direito e aos tribunais;
4. No caso aqui em apreço o ora reclamante entende que, de acordo com o
artº678º, nº1 do CPC, o legislador ordinário lhe faculta a possibilidade de
recorrer para o Supremo;
5. Todavia, a interpretação desta norma constante no douto acórdão do S.T.J de
fls., ao vedar-lhe tal faculdade de recurso, está em manifesta oposição com o
referido princípio do acesso ao direito e aos tribunais;
6. Em suma, a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo ora reclamante não
coincide com a que é analisada na douta decisão reclamando.
Termos em que, e demais do douto suprimento dessa conferência, deve ser dado
provimento à presente reclamação e, por via dela, o douto despacho do Ex.mo
Senhor Conselheiro-Relator de fls. revogado e substituído por acórdão que decida
admitir e julgar procedente o recurso interposto, tudo como JUSTIÇA.
Não houve resposta da parte contrária.
2. Cumpre decidir. A decisão sumária reclamada é do seguinte
teor:
A. vem interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
proferido em 19 de Dezembro de 2006.
Invoca:
“(…)
1. O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b) do nº1 do artº 70º da Lei
28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro,
e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro;
2. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante no
artº678º, nº1 do Código de Processo Civil, com a interpretação com que foi
aplicada na decisão recorrida, interpretação essa, segundo a qual, para efeitos
de admissão de recurso, deverão ser considerados em separado os vários “valores”
das “decisões impugnadas”.
3. Reportando especificamente ao caso sub judice, no qual o recorrente impugnou
a decisão que julgou a sua acção improcedente e, ainda, a decisão que o condenou
em multa e indemnização por litigância de má-fé, a aludida interpretação da
referida norma teve como efeito a não admissão do recurso;
4. Ao passo que uma interpretação consentânea com as normas constantes nos artºs
2º e 20º da CRP, segundo a qual deverá ser considerado um só o valor da causa
para efeitos de admissão do recurso – também porque a letra da lei
explicitamente alude ao “valor” das “decisões impugnadas” e não a “valores” –
impunha a admissão do recurso.
5. A questão de inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento constante
nos autos a fls. (com carimbo de entrega de 13 Out. 2006).”
O recurso foi admitido.
A questão a decidir não é nova, e este Tribunal tem jurisprudência firme quanto
ao sentido da garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no
artigo 20º n.º 1 da Constituição.
O Tribunal tem entendido que a Constituição não impõe ao legislador ordinário
que permita sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição
para defesa dos seus direitos; fora do campo do processo penal, o legislador
dispõe, com efeito, de liberdade no estabelecimento dos requisitos de
admissibilidade dos recursos, designadamente quando reportados ao valor da acção
ou da sucumbência, como sucede com o estabelecimento de alçadas. Pode ler-se,
por exemplo, no Acórdão n.º 431/2002 (publicado nos Ac. TC, vol.54, pag. 527):
«De facto, é jurisprudência firme deste Tribunal que a Constituição, maxime, o
direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta
sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa
dos seus direitos, destacando-se os Pareceres da Comissão Constitucional nºs.
8/78 (5º vol.) e 9/82 (19º vol.) e o Acórdão nº. 65/88, de 23 de Março, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 653 a 670.
Mais recentemente, ilustram esse entendimento, entre muitos outros, o Acórdão
nº. 149/99, de 9 de Março, de que se transcreve:
“De resto e já em termos gerais, na interpretação do disposto no artigo 20º, nº
1 da C.R.P., o Tribunal Constitucional vem reiteradamente entendendo que a
Constituição não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais,
afora aquelas de natureza criminal condenatória e, aqui, por força do artigo
32º, nº 1 da Lei Fundamental (cfr., por todos, Acórdão nº 673/95 in DR, II
Série, de 20/3/96); e no mesmo sentido aponta a maioria da doutrina (cfr.
Ribeiro Mendes “Direito Processual Civil” AAFDL, vol. III pp. 124 e 125 e Vieira
de Andrade “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976” pp. 332
e 333).”
Também no Acórdão nº. 239/97, de 12 de Março, se disse:
“A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do
estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado
tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do
sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática,
posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da
esmagadora maioria) das acções aos diversos ‘patamares’ de recurso.
Na situação aqui em causa, do que se trata, essencialmente, é do
funcionamento da regra das alçadas: as acções que nunca chegariam ao Supremo
Tribunal, e consequentemente ao pleno, por não disporem de alçada, são
subtraídas – ou dito de outra forma, não são abrangidas – pela legitimação
especial de recurso contida no artigo 764º.
Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de ‘filtragem’
de recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não),
estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as acções contidas
no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma
forma.
Significa isto que a regra básica de igualdade, traduzida numa exigência de
tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, proibindo,
designadamente a chamada ‘discriminação intolerável’, não é afectada pelo
específico aspecto do recurso para o pleno dos acórdãos da Relação, questionado
pelo recorrente.”
Por seu turno, no Acórdão nº. 72/99, de 3 de Fevereiro de 1999, que acompanha
este último acabado de transcrever, destacam-se outros acórdãos demonstrativos
desta jurisprudência:
“A limitação do recurso em função das alçadas não ofende também o princípio
constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da
Constituição da República Portuguesa. Nesse sentido se tem pronunciado a
jurisprudência constante do Tribunal Constitucional. Assim, vejam-se, como mais
significativos, os acórdãos nºs 163/90 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 16º vol., p. 301 ss); 210/92 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 22º vol., p. 543 ss); 340/94 e 403/94 (não publicados); 95/95
(publicado no Diário da República, II Série, nº 93, de 20.4.1995); 377/96
(publicado no Diário da República, II Série, nº 160, de 12.7.1996)”.»
É esta jurisprudência que aqui se reitera.
Assim, pelos fundamentos dos acórdãos citados, reafirma-se que a norma
questionada não padece da inconstitucionalidade que lhe é apontada pelo
recorrente.
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se negar
provimento ao recurso.
3. Sustenta o reclamante – para contrariar o juízo formulado na
decisão sumária reclamada quanto à manifesta improcedência do recurso –, que ao
seu caso não pode ser aplicada a jurisprudência citada naquela decisão;
esclarece que a questão tratada nos citados acórdãos se resumia a apurar 'da
conformidade das limitações de recorribilidade, como o estabelecimento de
alçadas, com o princípio do acesso ao direito e aos tribunais', mas que, no caso
aqui em apreço, o ora reclamante entende que, de acordo com o artigo 678º n.º 1
do Código de Processo Civil, 'o legislador ordinário lhe faculta a possibilidade
de recorrer para o Supremo'.
Não tem razão.
Na verdade, a questão que, no âmbito de um recurso de inconstitucionalidade
normativa, se pode colocar no caso presente é, precisamente, a de saber se a
norma, inscrita no artigo 678º n.º 1 do Código de Processo Civil, que condiciona
a admissibilidade do recurso relacionando o valor da acção (ou da sucumbência),
com a alçada do tribunal, se mostra desconforme com a Constituição, por ofensa
do princípio de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º do
diploma constitucional. Foi essa a questão tratada na mencionada jurisprudência,
que o Tribunal agora também sufraga.
Todavia, se o recorrente pretende deslocar a análise do problema para a questão
de saber se, no caso concreto, a norma do n.º 1 do artigo 678º do Código de
Processo Civil 'lhe faculta a possibilidade de recorrer para o Supremo', então
teremos de concluir que não vem colocada uma questão de inconstitucionalidade
normativa, como exige a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15
de Novembro, pois se pretende impugnar directamente a decisão recorrida mediante
a invocação de que ela se mostra desconforme com a própria norma legal, situação
que ditaria o não conhecimento do objecto do recurso por lhe faltar este
requisito de admissibilidade.
4. Cumpre, por isso, indeferir a reclamação, confirmando a
decisão sumária que julgou o recurso manifestamente improcedente.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 11 de Abril de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão