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Processo nº 472/2007
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A. vem reclamar para o Tribunal Constitucional da decisão do Supremo
Tribunal de Justiça que, nos termos do nº 2 do artigo 76º da Lei nº 28/82 (Lei
do Tribunal Constitucional), lhe não recebeu o recurso de constitucionalidade.
O reclamante interpusera o referido recurso com fundamento nas alíneas b) e g)
do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, alegando, essencialmente, o seguinte:
(i) Que seria inconstitucional a norma contida no artigo 412º, nº 3, do Código
de Processo Penal, quando “interpretada no sentido de que a falta de indicação,
nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas
a), b) e c) teria como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sobre
matéria de facto, sem que ao mesmo fosse facultada a oportunidade de suprir tal
deficiência” (fls. 34 dos autos).
(ii) Que a questão de inconstitucionalidade da norma, assim interpretada, já
fora por si próprio suscitada no recurso que interpusera do Acórdão da Relação
de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça. Este último Tribunal, ao rejeitar,
em conferência, o referido recurso, considerando‑o manifestamente infundado,
aplicara portanto a norma cuja constitucionalidade o reclamante havia suscitado
(fls. 34 verso dos autos e 35).
(iii) Que o Tribunal Constitucional já havia declarado, com força obrigatória
geral, a inconstitucionalidade do nº 2 do artigo 412º do C.P.P., entendendo o
reclamante que “semelhante desígnio caberia ao nº 3 do referido preceito” (fls.
35 dos autos).
O recurso, assim fundamentado, foi dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, via
fax, a 5 de Março de 2007.
2. Em 7 de Março de 2007, o Juiz‑Conselheiro Relator no Supremo Tribunal de
Justiça proferiu despacho de não‑admissão, invocando para tanto as seguintes
razões:
(i) Que, in casu, as especificações exigidas pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do
Código de Processo Penal não faltavam apenas nas conclusões da motivação.
Estavam ausentes da própria motivação do recurso, pelo que o reclamante não
cumprira, manifestamente, o ónus que sobre si incidia quanto à impugnação da
decisão sobre matéria de facto;
(ii) Que, assim sendo, o Tribunal não aplicara a norma cuja
inconstitucionalidade o reclamante houvera suscitado. Aplicara uma outra, a
saber, “a norma do artigo 412º, nºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo
Penal, [quando] interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas
conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele
exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do
recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais
deficiências” (fls. 36 dos autos);
(iii) Que, justamente ao contrário do que alegara o reclamante, o Tribunal
Constitucional não tinha julgado inconstitucional semelhante norma (fls. 36 dos
autos).
3. É, pois, desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça que vem agora reclamar
A..
Depreende‑se do texto da reclamação (fls. 2) que o reclamante continua a
invocar, como fundamento do recurso de constitucionalidade, as alíneas b) e g)
do
nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
Continua portanto o mesmo reclamante a sustentar que o Tribunal a quo aplicou
efectivamente a norma cuja inconstitucionalidade antes ele próprio suscitara,
pois que “na motivação dos recursos junto da primeira instância e da Relação
havia indicado a matéria de facto que impugnava, sendo certo que o não fez
especificamente nas respectivas conclusões, de onde resulta que a consequência a
retirar seria o convite ao recorrente para sanar o vício e não, como se fez, a
rejeição liminar” (fls. 2 dos autos). Mantém ainda A. que, ao decidir como
decidiu, o Supremo Tribunal de Justiça aplicou norma já julgada
inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional,
pois que “o art. 412º nº 3 do C.P.P., com essa interpretação dada pelo Tribunal
recorrido, já viu declarada a sua inconstitucionalidade com força obrigatória
geral, pelo Tribunal Constitucional quanto ao nº 2 do mesmo preceito; […]
Devendo aplicar‑se, mutatis mutandis, semelhante entendimento quanto ao nº 3 do
referido preceito” (fls. 2 dos autos).
4. Sobre a reclamação pronunciou-se o Ministério Público, que entendeu que a
mesma carecia manifestamente de fundamento, pois que o STJ não tinha aplicado a
dimensão normativa especificada pelo recorrente, entretanto julgada e declarada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional (fls. 38 verso).
Dispensados os vistos.
II
Fundamentos
5. O reclamante interpôs o recurso de constitucionalidade, antes do mais, ao
abrigo da alínea b) do artigo 70º da Lei nº 28/82, que repete, no seu enunciado,
a alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição.
É conhecido o sentido preciso destas disposições: só é admissível o recurso de
constitucionalidade que for interposto da decisão de um Tribunal que tenha
aplicado, como ratio decidendi, norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo.
Como, in casu, a decisão de que o ora Reclamante pretendeu recorrer é o acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2007, que julgou
manifestamente improcedente o recurso interposto pelo reclamante do acórdão da
Relação de Lisboa, e como, de acordo com as alegações do mesmo reclamante, a
norma cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada durante o processo fora a
contida no nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, entendida no sentido
“de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das
menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar
do recurso, sobre a matéria de facto, sem que ao mesmo seja facultada a
oportunidade de suprir tal deficiência”, importa saber se foi efectivamente esta
(e não outra) a norma aplicada pelo Supremo Tribunal na sua decisão de Fevereiro
último.
Ora é manifesto que o Tribunal aplicou uma outra norma, que não aquela que o
reclamante identifica como sendo inconstitucional.
Com efeito, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça resulta claro que “[P]ara
que o recurso do arguido para a Relação pudesse considerar‑se directamente
impugnatório da «decisão proferida sobre matéria de facto» (art. 412.3 e 4 do
CPP), o recorrente deveria ter «especificado» a) os pontos de facto que
considerava incorrectamente julgados e b) as provas, por referência aos suportes
técnicos, que impunham decisão diversa da recorrida. Porém, quanto as estas, não
só as não especificou como não identificou os respectivos suportes técnicos e,
quanto àqueles, limitou-se a «rejeitar que tivesse agido concertadamente»
(«negando que tivesse formulado qualquer propósito de, em conjunto [com o
irmão], se dedicar à venda de produto estupefaciente») (…)” (fls. 30 verso). E
ainda:
“(…) [C]omo o recorrente (…) não especificou (nas
conclusões da sua motivação e, bem assim, no próprio texto desta) as provas, por
referência aos suportes técnicos, que impunham decisão diversa da recorrida, a
Relação não poderia ter (re)apreciado a matéria de facto fixada pelo tribunal a
quo. (…)” (fls. 30 verso).
Como, nem no recurso para a Relação, que se pretendia “directamente
impugnatório” da decisão proferida sobre matéria de facto, logrou o recorrente
especificar, como devia, quer os pontos que considerava incorrectamente
julgados, quer as provas que, no seu entender, impunham decisão diversa da
recorrida, a norma que, in casu, o Supremo Tribunal aplicou foi a seguinte: “a
norma do artigo 412º, nºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal,
[quando] interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões
de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem
como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem
que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências”
(fls. 30 verso).
É bem de ver que uma tal norma não coincide com aquela outra que o reclamante
identifica como sendo inconstitucional. Por este motivo, não se encontra
verificado o pressuposto exigido pela alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, que repete o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da
Constituição.
6. Pretende ainda o reclamante que a norma aplicada, na decisão recorrida, pelo
Supremo Tribunal de Justiça foi já declarada inconstitucional, com força
obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, pelo que invoca ainda, como
fundamento da interposição do recurso, a alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei
nº 28/82.
Ora também quanto a este ponto não tem o reclamante qualquer razão.
No Acórdão nº 320/2002 – ao qual parece referir‑se o reclamante no requerimento
de recurso (fls. 2 dos autos) – o Tribunal Constitucional declarou, com força
obrigatória geral, a inconstitucionalidade de uma outra norma, que não aquela
que o Supremo Tribunal de Justiça, efectivamente, aplicou. A norma já declarada
inconstitucional foi “[a] constante do artigo 412º, nº 2, do Código de Processo
Penal, [por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República]
interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da
motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem
como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja
facultada a oportunidade de suprir tal deficiência” (DR, I Série‑A, nº 231, de 7
de Outubro de 2002, p. 6719).
Alegar, como o reclamante alega, que tal “entendimento” do Tribunal
Constitucional deve “aplicar‑se mutatis mutandis” ao nº 3 do artigo 412º do
Código de Processo Penal não tem qualquer sentido. Como já disse este Tribunal
no Acórdão nº 140/2004 (DR, II Série, nº 81, de 17 de Abril de 2004, pp.
6019‑20), “as menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do nº 3 e o nº 4 do
artigo 412º do Código de Processo Penal não traduzem um ónus de natureza
puramente secundária ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se
conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da
decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da
decisão da matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido
quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a
bondade da decisão proferida sobre a matéria de facto”. Por isso – concluiu
ibidem o Tribunal – “nem da natureza da [sua] jurisprudência relativa aos
recursos de natureza penal (ou contra-ordenacional), nem da relativa aos
recursos de natureza não penal, pode retirar-se que o despacho de
aperfeiçoamento seja uma exigência constitucional, naqueles casos em que o
recorrente não tenha (…) apresentado motivação ou todos os fundamentos possíveis
da motivação”, pois que tal equivaleria à concessão de um novo prazo para
recorrer “que não pode compreender‑se no próprio direito ao recurso” (Acórdão nº
140/2004, cit., p. 6020).
É pois evidente que o reclamante não tem razão ao invocar, como invocou, a
alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 enquanto fundamento do recurso
de constitucionalidade.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide‑se indeferir a reclamação. Custas pelo
reclamante, fixando‑se em 20 unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 2 de Maio de 2007
Maria Lucia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão