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Processo n.º 1057/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na sua actual versão (LTC), da sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de
Braga, de 28 de Outubro de 2004, que, julgando procedente a acção emergente de
contrato de trabalho contra ela interposta pela Autora B., a condenou a
pagar-lhe a quantia de 49,74 Euros, acrescida de juros de mora vencidos e
vincendos à taxa legal, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da
norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 1º da Portaria de Extensão de
Trabalho dimanada do Secretário de Estado do Trabalho e do Emprego, datada de 26
de Maio de 2003 e publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, I Série, n.º 21,
de 8 de Junho de 2003, nos termos da qual a “presente Portaria não é aplicável
às relações de trabalho tituladas por trabalhadores filiados em sindicatos
inscritos na fesete-federação dos sindicatos têxteis, lanifícios, vestuário e
peles de portugal”, por violação do princípio da igualdade, na dimensão
concretizada no artigo 13º, n.º 2, e do princípio de “para trabalho igual,
salário igual segundo a quantidade, natureza e qualidade” consagrado no artigo
59º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
2 – Na acção, a referida Autora pediu a condenação da R., ora
recorrente, a pagar-lhe aquela quantia com fundamento no facto de esta lha haver
descontado por virtude de faltas ao trabalho dadas por aquela nos dias
27/03/2003, 03/03/2004 e 04/03/2004 a fim de poder prestar assistência inadiável
e imprescindível ao seu filho menor e de, segundo o disposto na cláusula 48º,
n.º 2, alínea f), do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação
Nacional das Indústrias Têxteis, Algodoeiras e Fibras e outras e o
Sindetex-Sindicato Democrático dos Têxteis e outros, publicado no Boletim do
Trabalho e Emprego (BTE), 1ª Série, n.º 37, de 8 de Outubro de 1981, com as
alterações publicadas no mesmo Boletim, 1ª Série, n.ºs 37, de 8 de Outubro de
1983; 41, de 8 de Novembro de 1989; 5, de 8 de Fevereiro de 1982; 22, de 22 de
Março de 1995; 13, de 8 de Abril de 1998, respectivamente, e a Portaria de
Regulamentação de Trabalho para o Sector Têxtil e Vestuário e Outras, publicada
no BTE, 1ª Série, n.º 21, de 8 de Junho de 2003, essas faltas deverem ser tidas
como justificadas.
3 – Na contestação, a R. suscitou a questão de
inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, na dimensão e
concretização precisadas, da norma constante da alínea c) do n.º 1 do art.º 1º
da referida Portaria de Extensão de Trabalho, de 2003, que exclui do seu âmbito
de aplicação a fesete-federação dos sindicatos têxteis, lanifícios, vestuário e
peles de portugal, na medida em que a Autora é associada do Sindicato Têxtil do
Minho e Trás-os-Montes e este está integrado naquela Federação, pelo que o seu
contrato de trabalho não está sujeito ao regime “estendido” pela Portaria.
4 – A sentença recorrida julgou procedente a acção, tendo-se baseado
– no que importa à compreensão do objecto do recurso, nas seguintes
considerações:
«A autora pretende o reconhecimento de que às relações laborais existentes entre
si e a ré seja aplicado o CCT publicado no B.T.E., 1ª série, nº 37, de 8.10.81,
e, em consequência, que se lhe pague a quantia de €: 49,74, respeitante ao
desconto na sua remuneração que a entidade patronal efectuou, em virtude de ter
faltado ao trabalho para prestar assistência inadiável e imprescindível ao seu
filho menor.
A autora é associada do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes.
É aplicável à relação de trabalho entre autora e ré o contrato colectivo de
trabalho celebrado entre a Associação Nacional das Indústrias Têxteis,
Algodoeiras e Fibras e outras e o Sindetex - Sindicato Democrático dos Têxteis e
outros, publicado no B.T.E., 1ª série, nº 37, de 8.10.81, com as alterações
publicadas no mesmo Boletim, 1ª série, nº 37, de 8.10, 83, 41, de 8.11.89, 5, de
8.2.92, 22, de 22.3.95, 13, de 8.4.98, respectivamente, e a P.E. - Portaria de
Regulamentação de Trabalho para o Sector Têxtil e Vestuário e outros, publicado
no B.T.E., 1ª série, nº 21, de 8.6.2003.
O que verdadeiramente distingue a convenção colectiva é a sua eficácia
normativa: a quase totalidade do clausulado aparece, não como um conjunto de
compromissos entre os outorgantes (à imagem dos contratos em geral), mas como um
complexo de autênticas normas jurídicas endereçadas aos trabalhadores e aos
empregadores que cabem no âmbito originário ou derivado da convenção. Essas
normas definem um «modelo» para as relações individuais de trabalho que se
desenvolvam nesse âmbito - são pois normas reguladoras dos contratos de trabalho
- artigo 12º da L.C.T. cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, pág. 758.
Nos termos da cláusula 48º, nº 2, alínea f), da L.C.T., aplicável às relações de
trabalho existentes entre autora e ré, consideram-se justificadas as faltas
motivadas pela 'necessidade, devidamente comprovada, de prestação de assistência
inadiável a membros do seu agregado familiar em caso de acidente ou doença
súbita, por períodos nunca superiores a dois dias'.
Para além de se considerarem justificadas, nos termos da cláusula 49º, nº 1, do
citado C.C.T., as ausências de serviço com fundamento na alínea f) da cláusula
48º, nº 2, não determinam a perda de quaisquer direitos ou regalias do
trabalhador.
Ao arrepio do que se estabelece na citada cláusula 49º, nº 1, da L.C.T., a ré
procedeu ao desconto da quantia de €: 49,74 na remuneração mensal da autora
referente aos meses de Março de 2003 e Março de 2004, por aquela ter tido a
inadiável necessidade de prestar assistência ao seu filho menor de 3 anos que
padeceu de doença súbita.
Ora, este desconto na remuneração da autora contraria o disposto na citada
cláusula 49º, n.º 1, do C.C.T. e, por conseguinte, é ilegal, uma vez que
contraria a referida eficácia normativa da convenção colectiva aplicável.
Mas, a ré alega que o C.C.V. T ., sendo objecto da Portaria de Extensão
publicada no B.T.E., 1ª série, nº 21, de 8.6.2003, não é aplicável.
A ré não tem razão, pois, pelo que já acima se referiu, às relações de trabalho
entre ela e a autora é aplicável o C.C.T. celebrado entre a Associação Nacional
das Indústrias Têxteis, Algodoeiras, Fibras e outras e o Sindetex - Sindicato
Democrático dos Têxteis e outros, publicado no B.T.E., 1ª série, nº 37, de
8.10.81, e a Portaria de Regulamentação do Trabalho para o Sector Têxtil e
Vestuário e outras, publicada no B.T.E., 1ª série, de 8.6.2003.
Invoca também a ré que a não aplicação ao caso dos autos do C.C.T. objecto da
Portaria de Extensão publicada no B.T.E., 1ª série, nº 21, de 8.6.2003 8artigo
1º, n.º 1, alínea c)] viola frontalmente o disposto nos artigos 13º, n.º 2, e
59º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
A proibição de discriminação, consignada no n.º 2 do artigo 13º, «não significa
uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe
diferenciação de tratamento. O que exige é que as medidas de diferenciação sejam
materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da
praticabilidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer
motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser
legítimas quando: a) se baseiem numa distinção objectiva da situação; b) não se
fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2; c) tenham um fim
legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; d) se revelem
necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do seu objectivo. Aliás, a
Constituição prevê, ela mesma, discriminações práticas, legitimadoras de
tratamento diferenciado (artigos 56º, n.º 6, 60º, n.º 2, 69º, n.º 2, 70º, n.º 1,
e 76º)». Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República, Anotada, 2ª
edição, vol. I, pág. 150.
'O princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, da Constituição, exige que
se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é
essencialmente desigual. Tal princípio analisa-se, pois, numa proibição do
arbítrio e da discriminação e numa obrigação de diferenciação: por um lado, são
inadmissíveis diferenciações de tratamento irrazoáveis, sem fundamento material
ou tendo por base meras categorias subjectivas; por outro lado, impõe-se tratar
diferentemente o que é desigual'. Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 313/89,
de 9.3.89, BMJ 385, pág. 188.
Não se vê, todavia, em que aspecto é que a filiação do sindicato na FESETE pode
gerar qualquer discriminação ou violação de princípio que o artigo 59º, nº 1,
alínea a), da Constituição consagra.».
5 – Alegando, no Tribunal Constitucional, sobre o objecto do
recurso, assim concluiu a recorrente:
«1ª A Portaria de Sua Excelência o Secretário de Estado do Trabalho, de
26/5/2003, in Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8/6/2003, que, pelo seu
art. 1º, n.º 1, alínea c), determinou a sua não aplicação às relações de
trabalho tituladas por trabalhadores filiados em sindicatos inscritos na FESETE,
está ferida de inconstitucionalidade material, por violação do art. 13º/2 e 59º,
nº 1, da Constituição.
2ª Com efeito, esta norma excludente baseia-se, pelo menos de forma indirecta,
nas convicções políticas ou ideológicas dos trabalhadores excluídos, e que
sempre estão na base da sua filiação neste e não naquele sindicato. – art.
13º/.2
3ª Por outro lado, viola, também, o disposto no art. 59º, n.º 1, do texto
fundamental, que impõe, «para trabalho igual, salário igual segundo a
quantidade, natureza e quantidade»
4ª Na verdade, permite que na mesma empresa subsistam, lado a lado,
trabalhadores com regimes remuneratórios diferentes, sem que tal se baseie em
razões de qualidade, natureza e qualidade.
5ª E viola, também, o princípio de normalização e igualdade de regulamentação e
disciplina que as, então, ditas Portarias de Extensão visam alcançar tendo por
objecto a paz social.
6ª A douta decisão em causa violou o disposto no art.18º, nº 1, da
Constituição.».
6 – Por seu lado, a Autora, ora recorrida, contra-alegou, defendendo
o julgado e concluindo:
«A)- O recurso interposto pela recorrente é desprovido de fundamento legal,
porquanto, salvo o devido respeito por melhor opinião, não se verifica a
inconstitucionalidade apontada pela recorrente;
B)- atento o objectivo das associações sindicais na defesa e promoção da
defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores (conforme art. 56º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa), é consagrado aos trabalhadores o direito
de tendência [art. 55º, n.º 2, al. e)], da Constituição da República
Portuguesa);
C)- o princípio da liberdade sindical (art. 55º da Constituição da República
Portuguesa) afasta a interpretação que a recorrente plasma no seu recurso;
D)- ainda que a portaria de extensão de 26/5/2003, publicada no Boletim do
Trabalho e Emprego, n.º 21, de 08/06/2003, não contivesse uma norma como a que
vem plasmada na al. c) do seu n.º 1, jamais o CCT enunciado pela recorrente nos
autos seria aplicável à recorrida, já que as convenções colectivas de trabalho
apenas são aplicáveis aos trabalhadores inscritos nas associações sindicais
outorgantes das mesmas, situação que não se verificou quanto ao indicado CCT;
E)- pelo exposto, conclui-se que inexiste a inconstitucionalidade apontada
peta recorrente, sendo acertada a douta decisão proferida em primeira
instância.».
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
B – Fundamentação
7 – Dispõe o n.º 1 do artigo 1º da Portaria de Extensão, publicada
no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª Série, n.º 21, de 8 de Junho de 2003
[transcrevem-se também as alíneas a) e b), aqui não sindicadas, para melhor
compreensão da norma constante da sua alínea c), que constitui objecto do
recurso de constitucionalidade]:
“As condições de trabalho constantes das alterações do Contrato
Colectivo de Trabalho celebradas entre a Associação Portuguesa de Têxteis e
Vestuário e outras e o Sindetex-Sindicato Democrático dos Têxteis e outras...
são estendidas no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre as entidades patronais não filiadas nas
Associações patronais outorgantes... e trabalhadores aos seu serviço das
categorias profissionais nela previstos;
b) Às relações de trabalho entre entidades patronais filiadas nas
associações patronais outorgantes e trabalhadores... não representados pelas
associações sindicais subscritoras;
c) A presente Portaria não é aplicável às relações de trabalho tituladas
por trabalhadores filiados em sindicatos inscritos na FESETE-Federação dos
Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal”.
8 – Para melhor se compreenderem os seus efeitos jurídicos, importa explicar o
contexto dos Contratos Colectivos de Trabalho em que surge a norma cuja
constitucionalidade se questiona. O regime jurídico estabelecido pelo Contrato
Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação Nacional das Indústrias
Têxteis, Algodoeiras e Fibras e Outras e o Sindicato Democrático dos Têxteis e
Outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª Série, n.º 37, de 8 de
Outubro de 1981, e sucessivamente alterado, passou a regular, por via de
Portaria de Extensão, as relações de trabalho existentes entre a R. e os seus
trabalhadores filiados em sindicatos inscritos na FESETE-Federação dos
Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal.
De tal contrato colectivo de trabalho consta a cláusula 48ª, n.º 2, alínea f),
em cuja aplicação se baseia a condenação decretada pela sentença, nos termos da
qual se consideram justificadas as faltas motivadas pela “necessidade,
devidamente comprovada, de assistência inadiável a membros do seu agregado
familiar em caso de acidente ou doença súbita, por período nunca superior a 2
(dois) dias”.
Na última alteração deste Contrato Colectivo de Trabalho verificada antes da
publicação da Portaria de Extensão de que faz parte a norma aqui
constitucionalmente sindicada, essa norma deixou de constar do Contrato
Colectivo.
Ao excluir da extensão do regime jurídico instituído por essa última alteração
do referido Contrato Colectivo as relações de trabalho tituladas por
trabalhadores filiados em sindicatos inscritos na FESETE-Federação dos
Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal – situação em que
se encontra o Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes de que a Autora é
associada – a norma em causa conduz, na interpretação sufragada pela sentença
recorrida, à não aplicação da alteração acontecida relativamente à mencionada
norma da cláusula 48ª, n.º 2, alínea f), e à manutenção do nela disposto
anteriormente.
Ora, defende a recorrente que uma tal exclusão ofende o princípio da igualdade,
na dimensão concretizada no artigo 13º, n.º 2, e o princípio de “para trabalho
igual, salário igual segundo a quantidade, natureza e qualidade”, consagrado no
artigo 59º, n.º 1, ambos da CRP.
9 - Como resulta do exposto, a violação destes princípios é, no caso em apreço,
imputada a uma norma constante de portaria de extensão de contrato colectivo de
trabalho.
A portaria de extensão é um instrumento normativo previsto na legislação
ordinária (ao tempo, nos art.ºs 27º a 29º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 9 de
Dezembro, e, hoje, nos art.ºs 573º e ss. do Código do Trabalho, aprovado pela
Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) através do qual se determina a aplicação,
total ou parcial, de convenção colectiva de trabalho a entidades patronais do
mesmo sector económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão
análoga, sendo naquela sua sujeição ao princípio da legalidade que se funda a
sua natureza de regulamento (cf. art.ºs 2º, n.º 2, e 29º do Decreto-Lei n.º
519-C1/79 e 575º, n.º 1, do Código do Trabalho).
Através da portaria de extensão, o âmbito da eficácia pessoal do
contrato colectivo a que diz respeito é alargado, passando a reger igualmente
relações juslaborais de sujeitos que não intervieram no respectivo acordo
colectivo nem nele estavam representados.
A Constituição não fixa o regime de eficácia das convenções colectivas
decorrentes do exercício do direito de contratação colectiva que reconhece às
associações sindicais, remetendo essa fixação para a lei ordinária, ao dispor no
n.º 4 do seu art.º 56º que “[A] a lei estabelece as regras respeitantes à
legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à
eficácia das respectivas normas”.
Ao tempo da edição da norma questionada (hoje mostra-se contemplada no art.º
552º do C. do Trabalho), essa tarefa mostrava-se concretizada no art.º 7º do
Decreto-Lei n.º 519-C1/79, que dispunha pelo seguinte modo:
«1. As convenções colectivas de trabalho obrigam as entidades patronais que as
subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os
trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais
celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações
sindicais celebrantes.
2. As convenções outorgadas pelas uniões, federações e confederações obrigam as
entidades patronais empregadoras e os trabalhadores inscritos, respectivamente,
nas associações patronais e nos sindicatos representados nos termos dos
estatutos daquelas organizações, quando outorguem em nome próprio ou em
conformidade com o mandato a que se refere o artigo 4º.».
Mas, como se vê dos seus próprios termos, o preceito constitucional não impede
que o legislador ordinário torne eficaz o conteúdo normativo das convenções
colectivas fora do âmbito dos sujeitos que as subscrevem ou são por eles
representados.
Conquanto a eficácia vinculativa das cláusulas da convenção colectiva estendida
não corresponda, então, a um efeito que a lei ordinária adstrinja directamente
ao acordo dos respectivos sujeitos, mas antes o impute ao acto da autoridade
pública administrativa que se apropria do conteúdo normativo de tais cláusulas,
não deixa o legislador de estar, ainda aqui, a fixar o âmbito da sua eficácia,
para fora do âmbito dos seus contraentes.
As portarias de extensão tornam-se, de resto, necessárias como modo de
suprimento da falta de contratação colectiva entre os sujeitos que abrange e de
dar satisfação, no plano substancial, ao princípio da igualdade (art.º 13º da
Constituição) e da sua especial concretização que é o princípio de para trabalho
igual salário igual [art.º 59º, n.º 1, al. a), da Constituição].
Mas daqui não se segue que, estando as condições de trabalho fixadas por
determinada convenção colectiva de trabalho que foi estendida por uma portaria
de extensão, haja forçosamente o legislador de determinar a aplicação, pela
mesma via administrativa, de uma convenção colectiva que, na sequência de um
processo de negociação colectiva, venha alterar a convenção anterior, ao
contrário do que defende a recorrente.
Independentemente do valor que se atribua ao princípio do tratamento mais
favorável no domínio da negociação colectiva (cf. art.º 15º do Decreto-Lei n.º
519-C1/79 e 560º, n.º 3, do C. do Trabalho), não pode o conteúdo da nova
convenção colectiva, mesmo no tocante à sua ponderação como tendo carácter
globalmente mais favorável, deixar de ser visto como uma concretização da
vontade negocial das associações sindicais e dos direitos e interesses cuja
consagração normativa intentaram obter através do exercício do direito de
contratação colectiva, reconhecido constitucionalmente.
É nesta visão das coisas que assenta, de resto, a regra estabelecida, ao tempo,
nos n.ºs 5 e 6º do artigo 29º do referido Decreto-Lei n.º 519-C1/79 (hoje
constante do art.º 576º do C. do Trabalho), nos termos da qual antes de ser
emitida portaria que determine “a extensão total ou parcial das convenções
colectivas ou decisões arbitrais a entidades patronais do mesmo sector económico
e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a
sua actividade na área e no âmbito fixados e não estejam filiados nas mesmas
associações” deve o Ministro do Trabalho “publicar um aviso no Boletim do
Trabalho e Emprego, definindo o âmbito e a área da portaria a emitir” e “nos
quinze dias seguintes ao da publicação do aviso, podem os interessados no
processo de extensão deduzir oposição fundamentada”.
Sendo assim, poderá dizer-se que a alteração acordada relativamente à referida
cláusula 48ª, n.º 2, alínea f), bem como à de outras cláusulas, representa
sempre o resultado de um juízo de ponderação global que foi levado a cabo pelas
associações sindicais (e também pelas associações patronais) sobre o nível e o
modo de realização dos interesses dos trabalhadores seus filiados cuja
consagração normativa pretenderam obter através do exercício do seu direito de
contratação colectiva, constitucionalmente reconhecido (art.º 56º, n.ºs 1 e 3,
da CRP). Ou seja, essa cláusula, como outras, é sempre expressão do exercício do
direito de contratação colectiva de quem se vinculou no contrato colectivo de
trabalho.
Mas o mesmo já não pode o legislador de uma portaria de extensão pensar
relativamente àqueles que expressamente repudiam o carácter eventualmente mais
vantajoso...
Se os hipotéticos beneficiários da portaria de extensão de trabalho se opõem a
que sejam tratados nos mesmos termos daqueles que subscreveram a convenção
colectiva de trabalho a estender, tal quer dizer que aqueles afastam o
tratamento igualitário que lhes é proposto por o considerarem menos vantajoso
para a defesa dos seus interesses.
Ora o legislador, na sua opção política de determinar a extensão total ou
parcial da convenção colectiva não pode até por força da própria lei (art.º 29º,
n.ºs 5 e 6, do referido DL. n.º 519-C1/79), deixar de atender à existência de
oposição fundamentada à extensão a determinar por portaria.
E é certo que a recorrente não questiona a constitucionalidade desta norma de
cujo cumprimento decorre a atitude do legislador de excluir do âmbito subjectivo
da extensão da referida convenção colectiva a FESETE-Federação dos Sindicatos
Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal.
10 - De qualquer modo, e independentemente de saber-se se o
princípio da igualdade pode ser convocado por quem ou em relação a quem, como a
empresa, não se integra nas situações jurídicas que se pretendem comparar (no
caso, os trabalhadores filiados e os trabalhadores não filiados nos sindicatos
associados na FESETE), é também certo que a exclusão da extensão da convenção
colectiva de trabalho determinada na portaria da identificada federação sindical
não ofende de qualquer jeito esse princípio.
O princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo
13º da Lei Fundamental, tem como fundamento a igual dignidade social de todos os
cidadãos. De acordo com a formulação constantemente repetida na jurisprudência
do Tribunal Constitucional, de que o recente Acórdão n.º 232/2003, publicado no
Diário da República, II Série, de 17 de Julho de 2003, fez uma recensão
alargada, são três as dimensões que o princípio convoca: (a) a proibição do
arbítrio, consubstanciada na inadmissibilidade de diferenciação de tratamento
sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios
objectivos de relevância constitucional, e afastando também o tratamento
idêntico de situações manifestamente desiguais; (b) a proibição de
discriminação, impedindo diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se
baseiem em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; (c) e
a obrigação de diferenciação, como mecanismo para compensar as desigualdades de
oportunidades, que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de
desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. neste
sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp.127, ss.).
O Tribunal Constitucional tem ponderado, reiteradamente, que o
princípio da igualdade só é violado quando o legislador trate diferentemente
situações que são essencialmente iguais, não proibindo diferenciações de
tratamento quando estas sejam materialmente fundadas (v.g., os Acórdãos, n.º
39/88, publicado no Diário da República I Série, de 3 de Março de 1988; n.º
68/97, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36º vol., 1997, pp. 259
e ss.; n.º 202/02, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 53º vol.,
2002, pp. 223 e ss. e o Acórdão n.º 177/99, publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 43º vol., 1999, pp. 109, ss.).
Por outro lado, o Tribunal tem também entendido que a proibição do
arbítrio exige ainda tratamento diferenciado, mas proporcionado, de situações
que, no plano fáctico, surjam como diversas.
A este respeito pode ler-se no referido Acórdão n.º 39/88:
«A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional.
Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a
situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas
proporcionado: a justiça, como princípio objectivo, «reconduz-se, na sua
essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade» – acentua
Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de
1972, p. 29).
O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções.
Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento
sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação
razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.
Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E
proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas
em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas,
exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º.
Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para
estabelecer tratamentos diferenciados.
O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só
é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de
tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material
bastante».
Ora, não pode dizer-se, de modo algum, desprovida de fundamento racional ou
material bastante a solução legislativa, adoptada na portaria que está em causa,
de excluir do âmbito de extenção subjectiva do Contrato Colectivo de Trabalho
celebrado entre a Associação Nacional das Indústrias Têxteis, Algodoeiras e
Fibras e Outras e o Sindicato Democrático dos Têxteis e Outros, na última
alteração sofrida antes da emissão da portaria, a FESETE-Federação dos
Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal.
É que, segundo o afirmado no proémio da referida portaria, a restrição da
extensão subjectiva em causa ficou a dever-se a oposição dos próprios
beneficiários. E relevando a Constituição, no âmbito da contratação colectiva,
como se viu, a autonomia contratual das associações sindicais - o que pressupõe
a sua liberdade de avaliação dos seus interesses, de se vincular ou de aceitar a
proposta de extensão de convenção colectiva celebrada entre outros sujeitos -
existe aí razão bastante para o legislador atender à oposição feita pela
associação sindical à extensão da última alteração da referida convenção
colectiva e para não determinar a aplicação do regime igualitário que
decorreria, porventura, da extensão da convenção colectiva.
Quanto à alegação da recorrente de que a exclusão se baseia, pelo menos de forma
indirecta, nas convicções políticas ou ideológicas dos trabalhadores excluídos,
cumpre dizer que: para determinar a exclusão, o legislador disse ter considerado
apenas a oposição à extensão do C.C.V.T. da federação de sindicatos; que não se
vê que com isso tenha querido estabelecer qualquer distinção de trabalhadores
com base em quaisquer considerações políticas ou ideológicas; e que, por outro
lado, são irrelevantes, do ponto de vista do princípio da igualdade, consagrado
no art.º 13º, n.ºs 1 e 2, da CRP, as razões por que essa federação de sindicatos
se opôs.
Impõe-se, pois, concluir que a norma constitucionalmente sindicada não ofende o
princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição, como pelas
mesmas razões não ofende a dimensão deste princípio que se encontra concretizada
no art.º 59º, n.º 1, do mesmo compêndio fundamental, do princípio de “para
trabalho igual, salário igual”.
Decisão
11 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar
provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 20 Ucs.
Lisboa, 25 de Maio de 2005
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos