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Processo nº 144/07
Plenário
Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Por deliberação tomada na reunião plenária de 18 de Janeiro de 2007, a
Comissão Nacional de Eleições (de ora em diante CNE) decidiu não aceitar a
inscrição do Grupo de Cidadãos designado “Diz que Não”, para os efeitos
previstos no artigo 41º, nº 1, da Lei nº 15-A/98, de 3 de Abril (Lei Orgânica do
Regime do Referendo, de ora em diante LORR).
Tal deliberação fundamentou-se na circunstância de o resultado da extrapolação
da amostra para o universo das subscrições entregues ser inferior ao número
mínimo exigido por lei (5.000), verificando-se ainda ser o limite máximo do
intervalo de confiança igualmente inferior àquele número mínimo. Situando-se
todos os valores abaixo dos 5.000, incluindo a própria margem de erro
admissível, e na falta de tempo para proceder a uma validação com recurso a uma
amostra mais alargada e com menor margem de erro, a CNE deliberou não aceitar a
inscrição do grupo de cidadãos “Diz que Não”.
Considerando um universo de 6.590 subscrições apresentadas pelo grupo de
cidadãos “Diz que Não”, a CNE refere que o resultado da verificação
administrativa da amostra mínima (100 subscrições) permitiu detectar a
ocorrência de 37 irregularidades (5 na análise preliminar da própria CNE,
traduzidas uma na falta de indicação de um número de bilhete de identidade, duas
na falta do nome completo e duas na falta de assinatura, 3 no controlo levado a
efeito pelo STAPE, e que decorriam da não localização dos nomes dos subscritores
na BDRE, e 29 na apreciação levada a cabo pela DSIC). O resultado da
extrapolação conduziria assim a um número de 4.152 subscrições, cujo intervalo
de confiança se situaria entre um limite inferior de 3.530 e um limite superior
de 4774, o que levou a CNE a concluir pela inexistência do número de 5.000
cidadãos eleitores requerido pelo artigo 41º, nº 1 da LORR.
2. A deliberação da CNE precedentemente referida foi notificada por telecópia
ao grupo de eleitores “Diz que Não” em 19 de Janeiro de 2007. Em 22 de Janeiro
seguinte, este grupo, atendendo a que pensava ser demasiado elevado o número de
assinaturas recusadas pela DSIC, solicitou à CNE um conjunto de dados (critério
utilizado na averiguação da autenticidade das assinaturas dos cidadãos
signatários, cópias legíveis dos verbetes utilizados pelo Serviço de
Identificação Civil relativas às 29 ocorrências registadas pelo DSIC, e
indicação das 100 assinaturas que foram utilizadas na amostra), com o objectivo
de avaliar a possibilidade de recorrer da decisão da CNE.
No mesmo dia, a CNE respondeu ao grupo de cidadãos em causa, referindo não ter
conhecimento do critério utilizado pela DSIC para averiguação da autenticidade
das assinaturas nem possuir cópia dos verbetes utilizados por aquele organismo,
pelo que não poderia satisfazer o pedido nessa parte; e indicou as 100
assinaturas que integravam a amostra, discriminando aquelas em relação às quais
se tinham detectado irregularidades no exame levado a cabo quer pela própria
CNE, quer pelo STAPE, quer pela DSIC.
Em 22 de Janeiro de 2007, o grupo de cidadãos eleitores “Plataforma Diz Que
Não”, representado por Ana Maria Líbano Monteiro, interpôs, nos termos do artigo
11º e dos números 1 e 2 do artigo 102º-B da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, de ora em
diante LTC), recurso para o Tribunal Constitucional daquela decisão, invocando
que ela incorre num lapso matemático que, por si só, implica a exclusão
injustificada deste grupo cívico e que acolhe, na interpretação dos resultados
da verificação administrativa de natureza estatística efectuada ao universo das
subscrições e correspondentes assinaturas apostas quanto ao grupo em causa, um
não justificado formalismo oposto e prevalecente ao princípio democrático e ao
direito de participação na vida pública, consagrados nos artigos 2º e 48º da
Constituição.
O recorrente começa por referir que a CNE utilizou um universo de assinaturas de
dimensão inferior à real, introduzindo na sua análise um erro matemático de base
adequado a comprometer de imediato, como comprometeu, a sua aceitação como grupo
cívico. Indica, a este propósito, que a CNE assumiu que as subscrições por si
apresentadas foram no número de 6590, conforme constava de um mapa-resumo em
folha de cálculo anexa ao conjunto de folhas de assinaturas entregues, apesar de
o número efectivo de assinaturas apresentadas ter sido bastante superior (7108),
tendo o recorrente excluído da contagem 518 assinaturas que, no seu
entendimento, não seriam de validar. No seu entender, a fazer incidir a
verificação administrativa à amostra mínima de 100 assinaturas de que resultou o
registo de 37 ocorrências, sobre o universo de subscrições agora reclamado, o
resultado da extrapolação seria de 4478 assinaturas e o limite superior do
intervalo de confiança largamente superior a 5000 assinaturas, o que
determinaria a inscrição do grupo ora recorrente, circunstância que revelaria a
utilidade do conhecimento do presente recurso.
Contesta, por outro lado, a metodologia utilizada na verificação levada a cabo
pela CNE, quer por se desconhecer o critério de selecção da amostra elegida,
quer por a validação estatística a que se procedeu ter por base uma variável
subjectiva (a verificação da autenticidade das assinaturas) e não objectiva, o
que determinaria a possibilidade da ocorrência de falsos negativos. Problema que
apenas poderia ser evitado, no seu entender, através de verificações sujeitas a
contraditório, desde logo quanto às subscrições em crise e invalidadas
constantes da amostra recolhida e verificada. Em acréscimo, argumenta que a
utilização exclusiva de métodos indirectos (como a amostragem) para a
confirmação da veracidade da afirmação dos grupos deveria ser excluída, quer
pela margem de erro que lhes está associada, que poderia levar à privação do
exercício de direitos por erros inerentes à metodologia, quer por as conclusões
baseadas sobre métodos indirectos jamais poderem prevalecer sobre as conclusões
directas, devendo apenas ser utilizadas na ausência de métodos directos ou
quando comprovem as conclusões por estes obtidas. Entendimento este que, no seu
entender, não seria estranho a posições anteriormente assumidas pela própria
CNE.
Finalmente, sustenta poderem ter sido incorrectamente relevadas nas
irregularidades detectadas as situações de dúvida por semelhança ou
dissemelhança, ou poderem ter sido indevidamente considerados ou identificados
os requisitos essenciais a observar em matéria de regularidade da constituição e
inscrição de grupos, como teria já sido reconhecido pela jurisprudência deste
Tribunal. A este propósito, contesta a invalidação de subscrições, pela CNE, por
falta de nome completo, em termos que no seu entender contrariariam a posição
assumida pelo Tribunal no seu acórdão nº 608/98, de 21 de Outubro. E,
sublinhando o seu desconhecimento dos critérios utilizados pela CNE e pela DSIC,
sustenta que, bastando menos três ocorrências para que resultassem válidas e
regulares, por efeito do processo de extrapolação, mais de 5000 assinaturas, com
a consequente aceitação da inscrição da recorrente, seria inequívoca, também por
este motivo, a utilidade do conhecimento do presente recurso, devendo ser
escrutinadas as dúvidas da CNE quanto aos elementos essenciais e da DSIC quanto
à regularidade das assinaturas, havendo todas as irregularidades verificadas de
ser detectáveis pelo homem médio à luz de todos os dados do processo, sob pena
de prevalência do formalismo sobre a vontade de todos os que, em nome do
princípio democrático, pretendem participar num processo político da maior
importância.
E conclui reafirmando o essencial da argumentação anteriormente expendida e
salientando que a não aceitação do grupo de cidadãos recorrente resulta de um
lapso matemático de base e do registo de ocorrências que aquele não pôde
analisar, factores independentes mas que, cada um de per si, permitiriam a sua
aceitação.
3. Por o entender possível e necessário, o ora relator solicitou à CNE, nos
termos do artigo 102º-B, nº 4 da LTC que fossem enviados ao Tribunal os
originais das folhas de subscrição do Grupo de cidadãos eleitores designado “Diz
que Não” donde constassem as assinaturas correspondentes às 29 irregularidades
detectadas pela DSIC e às 5 irregularidades detectadas pela CNE; que se
diligenciasse no sentido quer de ser indicado ao Tribunal o critério utilizado
por aquele organismo para a avaliação da autenticidade das assinaturas, quer da
remessa das cópias dos verbetes utilizados pela DSIC para controlo da
autenticidade das assinaturas; e, posteriormente, que fosse remetida ao Tribunal
cópia do requerimento de inscrição e denominação do grupo de cidadãos “Diz que
Não”.
A CNE transmitiu ao Tribunal Constitucional, nesse mesmo dia, a documentação
solicitada.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentação
4. Como decorre do relatado, a deliberação da CNE foi comunicada à Comissão
Executiva do Grupo de Cidadãos “Diz que Não”, por telecópia em 19 de Janeiro de
2007. E o recurso interposto em nome do grupo de eleitores “Plataforma Diz Que
Não”, apresentado à CNE, foi interposto para o Tribunal Constitucional no dia 22
de Janeiro seguinte, o primeiro dia útil (os dias 20 e 21 foram,
respectivamente, um sábado e um domingo) posterior aquele, após o ora recorrente
ter entretanto (ainda a 19 de Janeiro) pretendido obter e parcialmente obtido (a
22 de Janeiro pouco depois das 11 horas) da CNE determinados elementos em ordem
à elaboração do recurso (fls 14 a 19).
Deste modo, o presente recurso, interposto ao abrigo do disposto no artigo
102º-B, nº 1, da LTC, é tempestivo, tendo em conta o que estabelece o nº 2 do
mesmo artigo da mesma lei, que fixa para tal efeito o prazo de um dia.
5. Também não ocorrem problemas de legitimidade que possam impedir o
conhecimento do recurso. Na verdade, e mau grado ser sistematicamente referido
na documentação da CNE sob a denominação de “Diz que Não” (ofício de remessa do
processo a este Tribunal e fls. 1, 2, 4, 6, 7, 15 e 16) e ter utilizado a mesma
designação no ofício em que solicitou esclarecimentos à CNE em 22 de Janeiro, o
grupo de cidadãos eleitores ora recorrente, “Plataforma Diz Que Não”, solicitou
a sua inscrição à CNE sob esta última designação para participação no
esclarecimento da questão submetida ao referendo nacional de 11 de Fevereiro.
Por outro lado, a signatária do recurso, Ana Maria Líbano Monteiro, surge
identificada nos elementos juntos ao processo pela CNE por iniciativa do ora
relator como mandatária nacional do referido grupo de cidadãos eleitores.
Tanto basta, sendo indisputável que a deliberação da CNE ora em apreço afecta
interesses legítimos do grupo de cidadãos eleitores recorrente, na medida em que
impede a sua participação no processo de esclarecimento conducente ao referendo
de 11 de Fevereiro próximo, para que seja reconhecida a sua legitimidade para a
interposição do presente recurso.
6. Poderia ainda questionar-se se os termos em que o recorrente configura o
presente recurso respeitam o ónus de alegação dos vícios e ilegalidades que
afectam a decisão recorrida. Na verdade, é certo que o ora recorrente não
identifica quais as assinaturas (ou sequer o número destas) que em seu entender
(e contrariamente ao decidido pela CNE) hão-de ser tidas por válidas,
limitando-se a referir: que duas ocorrências de subscrições invalidadas por
falta de nome completo e duas invalidadas por falta de assinatura o não deveriam
ter sido, a ter sido seguida a orientação definida por este Tribunal no seu
acórdão nº 608/98, de 21 de Outubro; a recordar que bastariam menos três
ocorrências para que resultassem válidas e regulares, por efeito do processo de
extrapolação, mais de 5000 assinaturas, com o resultado de por esse facto dever
ser aceite a sua inscrição; e a suscitar, a partir do número elevado, e para si
inverosímil, de irregularidades detectadas, dúvidas quanto ao critério utilizado
pela DSIC na verificação administrativa. De todo o modo, é certo igualmente que
a recorrente pretende que a idêntico resultado se deveria chegar, a revelar-se
procedente a sua argumentação, a propósito do lapso matemático de base que
imputa à CNE (e traduzido na desconsideração do que chama de universo real de
subscrições).
Nestes termos, conclui-se haver utilidade no conhecimento do recurso, na medida
em que o acolhimento das teses do recorrente poderá conduzir à procedência da
pretensão que faz valer perante este Tribunal.
7. Incumbe pois ao Tribunal Constitucional decidir se a deliberação impugnada se
baseia num erro matemático quanto à definição do universo real das subscrições,
se, como pretende o recorrente, não é admissível a exclusão de grupos de
cidadãos eleitores apenas pela simples utilização de métodos indirectos (como a
simples verificação administrativa com o recurso a uma amostragem) e se as
irregularidades apontadas na decisão da CNE impedem o preenchimento dos
requisitos legais de forma previstos, conjugadamente, nos artigos 41º, nº 3, e
17º, nºs 1 e 2, da LORR.
8. Quanto à primeira daquelas questões, sustenta o recorrente que a CNE
considerou um universo real de 6590 subscrições, e não as 7108 inicialmente
apresentadas, tendo assim deixado totalmente de lado outras 518 assinaturas que
o próprio recorrente havia excluído da contagem. E sustenta ter assim a CNE
ocorrido num erro (um “erro matemático de base”), e um erro susceptível de
comprometer de imediato a aceitação do recorrente como grupo de cidadãos
eleitores. Para o efeito, alega que assumindo como correcto o resultado da
verificação administrativa à amostra mínima de 100 assinaturas considerada, e
aplicando os mesmos critérios de análise estatística ao número total de
assinaturas efectivamente entregue, obter-se-ia um resultado de extrapolação
diverso (4478 assinaturas e não 4152) e um UIC (limite superior do intervalo de
segurança) seguramente superior a 5000 assinaturas, o que conduziria à plena
satisfação dos critérios necessários à inscrição da recorrente.
A argumentação da recorrente deve ter-se por improcedente. Na verdade, se o
próprio grupo de eleitores em questão considerou determinadas assinaturas como
não válidas não se vê como censurar à CNE a circunstância de, completamente, as
haver desconsiderado no quadro do controlo que é chamada a levar a cabo. Por um
lado, porque há que não esquecer que o exercício de controlo a que a CNE procede
não constitui um fim em si, apresentando-se pelo contrário direccionado à
verificação do preenchimento, por parte das subscrições apresentadas, de
determinado conjunto de requisitos legais, tidos por indispensáveis à garantia
das necessárias lealdade e genuinidade da participação dos grupos de eleitores
no processo referendário. Nestes termos, não se concebe que sentido teria
considerar incluída no universo relevante uma parcela que de todo (no entender
do próprio recorrente) não preenchia aqueles requisitos. Afigura-se seguro que,
a ser assim, e a serem utilizados os métodos directos que a recorrente considera
essenciais num processo deste tipo, tais subscrições não poderiam deixar de se
revelar igualmente como irregulares. Por outro lado, a argumentação do
recorrente revela-se contraditória, uma vez que supõe que, a incluir-se no
universo um determinado número de subscrições inválidas, o número de ocorrências
detectado numa amostragem de 100 se manteria inalterado, o que se não pode
assumir como certo, sendo aliás dificilmente verosímil. Por último, a assumir-se
a lógica do recorrente, a inclusão destas 518 subscrições no universo a que se
refere a amostra não poderia ter outra consequência que a de perturbar a
avaliação que se pretende levar a cabo por este método indirecto. Com efeito, a
aleatoriedade que a sua aplicação não deixa de encerrar e lhe é inerente seria
susceptível de desfigurar os próprios resultados da amostragem, na exacta medida
em que levaria à aplicação do método numa perspectiva já consabidamente viciada,
comprometendo o objectivo desta metodologia que, embora num contexto de redução
da realidade, sempre visa a sua reprodução de forma fidedigna.
Nestes termos, não se vislumbra nem fundamento nem sentido em censurar à CNE a
opção que a este respeito ela acabou por perfilhar, desconsiderando elementos
que à partida eram tidos por inválidos e cuja possibilidade de interferência no
resultado de uma avaliação de tipo indirecto sempre se deveria ter por
ilegítima, em razão desde logo da sua referida viciação (ademais, como se disse,
à partida reconhecida pelo recorrente).
9. Num segundo momento, considera a recorrente, para além de entender necessária
a indicação do critério de selecção da amostra elegida, que a metodologia
proposta (que utiliza uma amostragem) só poderia fazer sentido em presença de
variáveis de verificação objectiva, e não já, como no caso, de verificação
subjectiva. A desconsideração deste condicionalismo traduzir-se-ia, no seu
entender, por poder gerar o aparecimento de falsos negativos, possibilidade a
que seria indiferente a extensão da amostra, visto ela permanecer constante,
atenta a natureza subjectiva da verificação. Em particular, a recorrente
contesta a utilização, pela CNE, em alternativa à verificação directa e
exaustiva de todas as candidaturas, de técnicas de amostragem, quando ela for
utilizada para excluir um direito de participação. E refere que a própria CNE,
na sua prática anterior, tem continuado a utilizar os métodos de verificação
directa, sublinhando que as exigências postas a este propósito por aquele
organismo em matéria de constituição e inscrição de grupos apenas têm sido
objecto de confirmação jurisprudencial no que se não refere aos requisitos
essenciais desta.
Importa salientar, a este propósito, que é a própria LORR que, no seu artigo
17º, nº 2 (aplicável em matéria de forma de constituição dos grupos de cidadãos
eleitores por força do artigo 41º, nº 3 do mesmo diploma) prevê a possibilidade
de solicitar aos serviços competentes da Administração Pública a verificação
administrativa, por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da
identificação dos subscritores (da iniciativa popular referendária como da
constituição dos grupos de cidadãos eleitores). Verificação cuja legalidade já
foi de resto reconhecida por este Tribunal, no seu citado acórdão nº 608/98, de
21 de Outubro.
Como quer que seja, o certo é que a recorrente suscita também a questão da
incorrecta detecção de irregularidades (ou de indevida consideração ou detecção
de situações de falta dos requisitos essenciais da validade das subscrições) por
parte da CNE a partir do número alegadamente elevado de irregularidades
detectadas em situações de dúvida por semelhança ou dissemelhança (37 em 100). E
esta argumentação, bem vistas as coisas, não contende já com a possibilidade de
aplicação da metodologia da amostragem para identificação dos casos de recusa,
mas com os termos em que foi concretamente realizada a verificação
administrativa em causa.
Nestes termos, a questão a decidir desde logo é a de saber se o procedimento
seguido pela CNE para concluir pela existência das 37 irregularidades está em
consonância com os requisitos legais, tal como têm sido entendidos pela
jurisprudência deste Tribunal.
10. A este propósito, e quanto às ocorrências detectadas pela DSIC, o recorrente
reafirma a ignorância, em que se encontraria, do critério seguido pelas
entidades encarregues da verificação, e a circunstância de o facto de bastarem
menos 3 ocorrências para que resultassem válidas e regulares, por efeito do
processo de extrapolação, mais de 5000 assinaturas, com o resultado de a sua
inscrição ter de ser em tal caso aceite.
Ora, a consulta dos elementos enviados pela CNE, e que serviram de suporte à
verificação administrativa por esta efectuada, permite concluir que, de entre as
29 subscrições recusadas pela DSIC seguramente que 11, pelo menos, contém a
assinatura do cidadão eleitor proponente tal qual consta do verbete de
requisição do bilhete de identidade respectivo no lugar dedicado à inscrição do
nome completo deste.
Como se afirmou no referido acórdão nº 608/98, de 21 de Outubro, deste Tribunal,
se “a lei exige que constem do requerimento de constituição do grupo de cidadãos
eleitores as respectivas assinaturas, como requisitos legais destinados à
expressão da clara vontade de tais cidadãos de constituírem o grupo e da sua
efectiva identificação” o certo é que “não consta dos requisitos legais
destinados a assegurar a realização dos objectivos anteriormente referidos a
indicação do lugar da assinatura ou do nome completo, podendo, claramente, valer
como assinatura aquilo que for designado por nome completo (…) Decisivo é que a
subscrição integre a assinatura do cidadão proponente, de forma adequada à prova
da sua autenticidade e à identificação do subscritor pelos serviços competentes
da Administração Pública. Por conseguinte, a subscrição deve compreender, em
princípio, a assinatura constante do bilhete de identidade.”
No caso em apreço, repete-se, em todos os casos referidos há efectivamente uma
assinatura semelhante (segundo o critério do observador médio não especialista,
que, de acordo com a CNE, é o utilizado por ela própria e pelo Serviço de
Identificação Civil) à assinatura constante do verbete de requisição do bilhete
de identidade. Ainda que tal assinatura esteja aposta no local previsto para a
utilização do nome completo, se se tivesse, segundo o critério do observador
médio não especialista em grafologia, efectuado o confronto com as palavras
indicadas no lugar previsto para o nome completo, ter-se-ia concluído pela
semelhança das assinaturas.
É o que ocorre, no mínimo e seguramente, com as seguintes situações:
Luís Filipe Coelho Torres, fls 49, linha 1.
Zelinda Narciso Castanheira, fls 513, linha 3
José António Paulos, fls 20, linha 3
Maria Luísa Andrade Dias, fls 178, linha 13
Ana da Silva Oliveira, fls 492, linha 10
Maria da Conceição Pardal, fls 223, linha 16
Carlos Manuel Palma, fls 122, linha 4
Maria Leonor da Silva Marques, fls 47, linha 6
Maria Antónia Vieira, fls 511, linha 12
Diamantino dos Santos, fls 39, linha 3
Eduardo Adelino Guarda, fls 100, linha 8.
De modo semelhante ao que se verificou ocorrer na situação analisada no
referido acórdão nº 608/98, de 21 de Outubro, deste Tribunal, é pois o próprio
critério utilizado na confirmação das assinaturas que fornece resultados
contraditórios aos da deliberação da CNE. Com efeito, e como também aí se
afirmou, o observador médio não recusaria, de acordo com os dados do processo, a
autenticidade das assinaturas de pelo menos 11 dos 29 signatários
precedentemente referidos se tomasse em consideração a indicação dos nomes. “E é
de recusar, nesta matéria, em nome do próprio princípio democrático (art. 2º da
Constituição) a prevalência absoluta do formalismo de um formulário não oficial
sobre uma vontade que não pode deixar de se tomar (…) como autêntica e
inequivocamente expressa”, ainda nas palavras do acórdão nº 608/98.
Assim o Tribunal Constitucional há-de concluir pela invalidade da deliberação da
CNE de 18 de Janeiro de 2007, no que se refere pelo menos àquelas 11 das 29
assinaturas consideradas dissemelhantes das constantes nos verbetes de
requisição do bilhete de identidade. Projectando a validade desse número de
assinaturas na fórmula matemática utilizada para calcular a repercussão da
amostragem no universo total das assinaturas, conclui-se que se atinge o
resultado da extrapolação de 4877, sendo que o respectivo limite superior do
intervalo de confiança sempre ultrapassará claramente o número de 5000
subscrições válidas legalmente exigido.
Torna-se assim dispensável apreciar a possibilidade de aplicação de métodos
indirectos à exclusão de grupos de cidadãos eleitores. E torna-se igualmente
dispensável considerar se outras subscrições, para além das indicadas, seriam
ainda susceptíveis de validação de acordo com o critério exposto (designadamente
aquelas em que o nome foi abreviado em algum dos seus componentes ou reduzido
por eliminação de parte dos seus elementos), bem como se quanto aos outros
quatro casos de irregularidades detectadas directamente pela CNE, mas
contestadas pelo recorrente, se deve concluir de igual modo. Por si só, a
conclusão de que não são inválidas 11 das 37 subscrições anteriormente
mencionadas basta para satisfazer o requisito numérico previsto no artigo 41º,
nº 1, da LORR e determinar a procedência do recurso.
III
Decisão
11. Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao
recurso interposto da deliberação da CNE de 18 de Janeiro de 2007, relativa à
não inscrição do Grupo de Cidadãos Plataforma “Diz que Não”, determinando,
consequentemente, que se proceda à inscrição daquele Grupo de Cidadãos
eleitores, em conformidade com o disposto no artigo 41º, nº 1 da Lei nº 15-A/98,
de 3 de Abril.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2007
Rui Manuel Moura Ramos
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Paulo Mota Pinto
Maria Helena Brito
Mário José de Araújo Torres
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício