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Processo n.º 212/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 408 e seguintes, não se tomou
conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal pela A., E.P.
(adiante, A.), com os seguintes fundamentos:
“[...]
5. Constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – aquele que foi interposto pela
recorrente – a recusa de aplicação, na decisão recorrida, de uma norma, com
fundamento na sua inconstitucionalidade.
Assim sendo, para que o Tribunal Constitucional possa conhecer do objecto do
recurso, nos casos em que este é interposto ao abrigo da referida alínea a), não
basta que a decisão recorrida não tenha aplicado uma determinada norma. É
necessário que tal norma não tenha sido aplicada, por se ter entendido que ela
era inconstitucional.
6. No presente recurso, verifica-se que a decisão recorrida – o acórdão
proferido nos autos, em 27 de Janeiro de 2005, pelo Tribunal da Relação de Évora
(supra, 3.) – não aplicou a norma do artigo 23º, n.º 4, do Código das
Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, isto é,
a norma que a recorrente vem submeter ao julgamento do Tribunal Constitucional
(supra, 4.).
O referido artigo 23º, n.º 4, determina que, para efeitos da aplicação do mesmo
Código, “ao valor dos bens calculados por aplicação dos critérios referenciais
fixados nos artigos 26.º e seguintes será deduzido o valor correspondente à
diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de Contribuição
Autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação
efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos”.
Como se disse, a decisão recorrida não aplicou este preceito.
Importa, todavia, determinar se o não aplicou por considerar que a norma nele
contida é inconstitucional ou por outro motivo.
Ora, a decisão recorrida (repete-se, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora,
de 27 de Janeiro de 2005) considerou – bem ou mal, não compete ao Tribunal
Constitucional formular qualquer juízo a esse propósito – que tal norma era
inaplicável ao caso dos autos, por entender que a situação controvertida não
cabia no respectivo âmbito de aplicação.
É o que claramente decorre das passagens que a seguir se transcrevem:
«[...]
Sem necessidade de repetir os argumentos num e noutro sentido de que a sentença
recorrida se faz eco [...], afigura-se que [...], no caso em apreço, a questão
da constitucionalidade não se põe por aquela norma do Cód. Expropriações ser
aqui inaplicável.
[...]
Pode assim concluir-se que, independentemente da conformidade constitucional do
disposto no art. 23º n.º 4 do Cód. Expropriações, no caso concreto não há lugar
à sua aplicação [itálico aditado agora].
[...].».
O fundamento da não aplicação, na decisão recorrida, da norma contida no artigo
23º, n.º 4, do Código das Expropriações não residiu na consideração de tal norma
como inconstitucional.
Conclusão diferente só seria sustentável se, na decisão recorrida, se tivesse
concebido que tal norma era potencialmente aplicável ao caso dos autos e,
depois, se tivesse decidido rejeitar tal aplicação, por imperativos
constitucionais.
Mas não foi isso o que sucedeu.
Não pode, pois, conhecer-se do objecto do presente recurso, por não estar
verificado um dos seus pressupostos processuais – a recusa de aplicação, na
decisão recorrida, da norma cuja apreciação a recorrente pretende, com
fundamento na sua inconstitucionalidade – sendo certo que ao Tribunal
Constitucional não compete sindicar a aplicação que os outros tribunais façam do
direito infraconstitucional.
[...].”
2. Notificada desta decisão, veio a A. reclamar para a conferência, ao
abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
(fls. 421 e seguintes), nos seguintes termos:
“[…]
5 - Parece, contudo, salvo melhor entendimento que a interpretação dada pelo
Tribunal da Relação de Évora ao n.° 4 do artº 23° do C.E. no sentido de que o
mesmo apenas é aplicável quando a entidade expropriante seja uma autarquia
local, corresponde a uma violação clara do princípio da igualdade com
consagração constitucional.
6 - O n.° 4 do artº 23° do C.E. trata, apenas, de um critério de delimitação da
medida da indemnização: a norma limita-se, através de cálculo aritmético, a
deduzir no valor encontrado pelos peritos avaliadores correspondente ao bem
expropriado, certas quantias diferenciais que permitam fixar a justa
indemnização.
É que, não se podendo confundir o valor patrimonial dos prédios com os cálculos
a efectuar para efeitos de avaliação devida pela expropriação, deve a referida
norma ser aplicável a todas as entidades expropriantes e não apenas às
autarquias locais.
7 - A interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Évora ao invocado n.° 4 do
artº 23° do C.E., considerando que o preceito apenas tem aplicação quando a
entidade expropriante for uma autarquia local, beneficiaria estas com os
pagamentos devidos pelas expropriações, uma vez que pagariam quantias
indemnizatórias inferiores às restantes entidades, violando-se assim o princípio
da igualdade quer no que respeita às pessoas que em situações iguais recebiam
indemnizações diferentes, quer no que respeita às entidades pagadoras das
indemnizações.
8 - Aliás, foi entendimento desse Tribunal Constitucional por Acórdão n.°
422/2004 [...] que a entidade expropriante funciona aqui como uma entidade da
administração tributária incumbida da liquidação e cobrança adicionais da então
contribuição autárquica, actual CIMI, mesmo que por via do abatimento do valor
indemnizatório, sendo a mesma ou não uma autarquia local.
Concluindo, ainda, o douto Acórdão que não há que fazer qualquer distinção de
tratamento entre os expropriados, sujeitos todos eles à redução da indemnização
nos termos do n.° 4 do artº 23° do C.E.
Termos em que, deve revogar-se a decisão sumária proferida de não conhecimento
do recurso e ser o mesmo admitido para a apreciação da questão da
inconstitucionalidade decorrente da interpretação dada pela decisão recorrida ao
n.° 4 do artº 23° do Código das Expropriações.
[…].”.
Os recorridos não responderam à reclamação (fls. 425).
Cumpre apreciar e decidir.
II
3. Na decisão sumária ora reclamada (supra, 1.) expuseram-se as razões
pelas quais se considerou que o fundamento da não aplicação, no caso, do artigo
23º, n.º 4, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 168/99,
de 18 de Setembro, não se fundamentou na inconstitucionalidade desta norma: o
Tribunal da Relação de Évora, no seu acórdão de 27 de Janeiro de 2005,
considerou – bem ou mal, não compete ao Tribunal Constitucional formular
qualquer juízo a esse propósito – que tal norma era inaplicável ao caso dos
autos, por entender que a situação controvertida não cabia no respectivo âmbito
de aplicação.
4. Na reclamação deduzida, o reclamante impugna a decisão proferida, por
não se conformar com ela, mas verdadeiramente não contesta o entendimento que
fundamentou a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
O ora reclamante não procura sequer demonstrar que a não aplicação,
no acórdão sob recurso, da norma que pretende ver apreciada pelo Tribunal
Constitucional se deveu a um juízo de inconstitucionalidade da mesma.
Com efeito, o que o reclamante faz na reclamação agora apresentada é
sustentar que “a interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Évora ao n.° 4
do artº 23° do C.E. no sentido de que o mesmo apenas é aplicável quando a
entidade expropriante seja uma autarquia local, corresponde a uma violação clara
do princípio da igualdade com consagração constitucional”.
Esquece, porém, o reclamante que interpôs o presente recurso ao
abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. As
considerações que faz e a argumentação que utiliza poderiam porventura
fundamentar a interposição de um recurso ao abrigo de alguma das outras alíneas
do mesmo preceito da LTC – se, naturalmente, estivessem verificados no caso os
respectivos pressupostos processuais. Mas tal apreciação não pode obviamente ser
feita pelo Tribunal Constitucional, neste contexto.
Não existem, pois, motivos para alterar a decisão sumária reclamada.
III
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão
sumária de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 24 de Maio de 2005
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos