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Processo n.º 55/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A. e B., identificados com os sinais dos autos, recorrem para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b),
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo a apreciação da
«inconstitucionalidade do n.º 2, do artigo 400.º do Código de Processo Penal,
quando (...), declarada a extinção do procedimento criminal, por amnistia, o
processo apenas segue os seus trâmites para apreciação do pedido de indemnização
cível, e, na sequência de revogação de anterior sentença absolutória desse
pedido indemnizatório (no valor de 5.000.000$00 / € 24.939,84), por reenvio para
novo julgamento, são os demandados condenados por valor inferior a metade da
alçada do tribunal de 1.ª instância”, por violação do artigo 13.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa».
2 – Dos presentes autos resulta, inter alia, que:
No processo comum singular n.º 75/01.5TBVLN, do Tribunal Judicial de
Valença, o assistente C. deduziu acusação particular contra os arguidos, ora
recorrentes, tendo, nesse processo, deduzido um pedido de indemnização cível,
pedindo a condenação dos demandados no pagamento de € 15.000,00.
Por despacho de fls. 76 foi declarada a extinção, por amnistia, do
procedimento criminal, tendo o processo seguido os seus trâmites para o
julgamento do pedido de indemnização civil.
Nesse âmbito foi, então, proferida a sentença de fls. 135 e ss., a
qual, na sequência de recurso, foi revogada pelo Tribunal da Relação que ordenou
o reenvio do processo para que se procedesse a novo julgamento.
Concretizado tal julgamento, foram os demandados A. e B., ora
recorrentes, condenados, solidariamente, a pagar ao demandante a indemnização de
€ 500,00.
Não se conformando com tal decisão, os demandados interpuseram
recurso de tal decisão, o qual não foi admitido.
Novamente inconformados, os ora recorrentes reclamaram para o
Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, que, por decisão de 24 de
Novembro de 2004, decidiu desatender a reclamação, mantendo, consequentemente, o
despacho reclamado.
Tal decisão estribou-se nos seguintes argumentos:
«O recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil é admissível desde
que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a
metade da alçada do tribunal recorrido - n.º 2 do art. 400º do C.Penal.
Quer isto dizer que, embora integrada no processo criminal, para efeitos de
recurso a parte da sentença que conhece da indemnização civil é autónoma da
parte que aprecia e decide da matéria penal.
Aquela mesma disciplina é consagrada para os recursos em matéria cível pois que
só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do
tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis
para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal
(artigo 678º, n.º 1, do C. P. Civil).
Em matéria cível a alçada dos Tribunais de Relação é agora de €14.963,94
(3.000.000$00) e a dos tribunais de 1ª instância é de € 3.740,98 (750.000$00) -
art. 24º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13/01.
Ora, tendo em consideração que foi pedida pelos demandantes a indemnização de €
15.000,00 e a condenação dos demandados se concretizou em € 500,00, considerando
esta vertente legal dúvidas não há de que é inadmissível o recurso reportado a
esta decretada indemnização cível.
Queixam-se os reclamantes no sentido de que esta indemnização pedida não pode
ser desligada do 'crime' que lhe deu origem e, por isso, tratando-se de uma
indemnização originada por um 'crime' o recurso é admissível nos termos da lei
de processo criminal aplicável ao caso 'sub judice'.
É claro que esta argumentação é destituída de qualquer rigor lógico-racional.
Na verdade, porque é a lei que expressamente regula esta contingência
jurídico-processual - artigo 400º, n.º 2. do C.P .Penal - de nenhuma lacuna da
lei se pode falar; e o argumento ad maiori ad minus (a lei que permite o mais,
permite o menos), que os reclamantes apontam para defesa da sua tese, não
sufraga o objectivo pretendido pelos reclamantes.
É que, se assim é no caso da coexistência da sanção penal e indemnização civil -
como manda o dispositivo do artigo 400º, n.º 2, do C.P .Penal - a mesma situação
terá de se prescrever para o caso de a sanção penal desaparecer do enquadramento
factuaI ao caso prevista, pois que no processo onde cabe o mais (pena criminal e
indemnização civil) também cabe o menos (apenas a indemnização civil).
Também se não encontra violado o princípio da igualdade consagrado na nossa Lei
Fundamental.
O principio da igualdade estatuído no art. 13º da nossa Lei Fundamental, ao
consignar que 'todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais
perante a lei', não impõe que a lei seja aplicada de modo igual,
generalizadamente, a todo o cidadão; o que esta máxima exige é que a situações
iguais se aplique tratamento semelhante, deste modo possibilitando que
relativamente a casos diferentes sejam utilizadas regras diversas, desde que,
diferenciadamente justificadas.
Este princípio, entendido como um modo de controlar o legislador ordinário, não
impede que este estabeleça uma pontual diversificação de procedimento, se este
se mostrar ponderadamente conforme à razão, objectivamente fundado e com o
intuito de obstar à prepotência legislativa.
E esta a 'opinio communis' advogada consensualmente pela hodierna doutrina que
se pronuncia no sentido de que a igualdade constitucional engloba a proibição de
arbítrio, proibição de discriminação e privilégio, obrigação de diferenciação
(tratamento igual de situações iguais ou semelhantes e tratamento desigual),
especificando que a proibição de arbítrio se traduz na exigência de fundamento
racional e a proibição de discriminação e privilégio obsta, v.g., ao que
modernamente sob influência germânica e em detrimento da nomenclatura
tradicional bem mais clarificadora, se vem chamando 'lei-providência'
(Massnahmegesetze), ou seja, a norma personalizada, individualizada, excepcional
por não conter uma regra geral, maximamente se se puder detectar nela «uma
intenção discriminatória, injustificada», para usar uma fórmula de Vieira de
Andrade (in Direitos Fundamentais, pág. 199) e que, também unanimemente, é
seguida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional que vem entendendo que o
princípio da igualdade não proíbe ao legislador que faça distinções; proíbe,
isso sim, o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem
fundamento material bastante, isto é, sem qualquer justificação razoável,
segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe
também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais e proíbe ainda
a discriminação, ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias
meramente subjectivas».
2.2 – Desta decisão foi interposto recurso – nos termos supra citados – para
este Tribunal, onde, produzidos os seguintes discursos alegatórios, se concluiu
do seguinte jeito:
Por banda dos recorrentes:
«1. A proferida sentença em I - 14. é 'não desfavorável para o(s) recorrente(s)
em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido' - condenação
solidária em € 500,00.
2. O procedimento criminal, na origem, foi declarado extinto por amnistia.
3. Os autos seguiram ulteriores termos apenas para apreciação do pedido de
indemnização deduzido - no valor de 5.000.000$00/ € 24,939,84.
4. Subjaz à condenação cível em crise a revogação de anterior sentença
absolutória.
5. Aquela não pode ser tida por 'autónoma', já que dependente de prévio juízo
sobre a existência e cometimento de 'crime'.
6. Há lacuna legislativa quanto aos processos, como o presente, em que,
designadamente, por amnistia inexiste a aplicação de sanção criminal e existe
condenação em pedido indemnizatório por montante inferior a metade da alçada do
tribunal recorrido, por não enquadrável no espírito do n.º 2, do art. 400º
CPPenal.
7. É que a censura penal (ainda que sem consequências criminais) subjaz à
condenação cível e aqueloutra decisão, a ser proferida, sempre seria recorrível,
com consequências (totais ou parciais) ao nível indemnizatório - cfr. art. 402º,
n.º 2, alínea b), CPPenal.
8. O recurso à analogia legis permitiria colmatar essa lacuna, na consideração,
implicações e desenvolvimento do princípio da adesão e do argumento 'a maiori ad
minus'.
9. Mais não seja, tal (a admissão do recurso) é imposto pelo princípio da
igualdade (art. 13º, n.º 1, CRPort. - que, assim, foi violado), vertente
positiva, já que a situações em tudo idênticas e sobre um único e mesmo objecto
de litígio se impõe igual tratamento.
10. Não faz qualquer sentido, in casu, a proibição de recurso quando, afinal,
ele está em íntima conexão e é consequência directa doutro interposto pela
contraparte que obteve provimento.
11. O estado de direito democrático e o próprio sentido de Justiça não admitem
'dois pesos e duas medidas' para situações em tudo iguais.
12. Donde, dever ser declarada a inconstitucionalidade do n.º 2 do art. 400º do
Código de Processo Penal, quando, como in casu, declarada a extinção do
procedimento criminal, por amnistia, o processo apenas segue trâmites para
apreciação do pedido de indemnização cível e, na sequência de revogação de
anterior sentença absolutória do pedido indemnizatório, por reenvio para novo
julgamento, são os demandados condenados por valor inferior a metade da alçada
do tribunal de 1ª instância».
Pelo recorrido Ministério Público:
«1 - Não é inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 400º do Código
de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso da
sentença proferida no julgamento do processo de adesão, que prosseguiu, após
amnistia, para apreciação do pedido indemnizatório, quando o montante da
condenação seja inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância.
2 - Na verdade, não traduz solução violadora do princípio da igualdade a que se
traduz em tratar diversamente o arguido em processo penal e o demandado em
processo de adesão, apenas sujeito a ver reconhecida contra si uma pretensão
indemnizatória».
Cumpre agora decidir.
B – Fundamentação
3 – A norma impugnada pelos recorrentes – artigo 400.º, n.º 2, do
Código de Processo Penal – tem a seguinte redacção:
“Artigo 400.º (Decisões que não admitem recurso)
1. (....)
2. Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte
da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do
pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja
desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.”
Mais especificamente, os recorrentes contestam a bondade constitucional desta
norma interpretada no sentido de que é inadmissível o recurso “quando (...),
declarada a extinção do procedimento criminal, por amnistia, o processo apenas
segue os seus trâmites para apreciação do pedido de indemnização cível, e, na
sequência de revogação de anterior sentença absolutória desse pedido
indemnizatório, por reenvio para novo julgamento, são os demandados condenados
por valor inferior a metade da alçada do tribunal de 1.ª instância”.
Por sua vez, o parâmetro constitucional invocado dispõe que:
“Artigo 13.º (Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a
lei.
2. (....)”.
4 – Em primeiro lugar, há que referir que o presente problema de
constitucionalidade não é inteiramente inédito ou desconhecido da jurisprudência
deste Tribunal.
De facto, o Tribunal Constitucional, por diversas vezes, foi chamado a
pronunciar-se sobre a constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 2, do Código de
Processo Penal em face do parâmetro constitucional emergente do “Princípio da
Igualdade”, tendo concluído, nos seus arestos, que “o regime constante da norma
do n.º 2 do art.º 400º do Código de Processo Penal, em cotejo com os artigos
427º e 432º, ainda do mesmo diploma, (...) não se apresente desprovido de
razoabilidade e justificação, logo não sendo arbitrário e, sequentemente,
consagrador de uma diferenciação de tratamento vedado pelo princípio da
igualdade sediado no artigo 13º da Constituição”.
Tal foi, inter alia, a conclusão a que chegou o Acórdão n.º 201/1994 (publicado
nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27.º volume, pp. 473 e ss.). Para essa
decisão mobilizaram-se os seguintes argumentos:
“(...) A consagração do sistema de adesão, em regra obrigatório, da
acção cível à acção penal, não significa que, pela unidade da causa, se
confundam as pretensões que fundamentam uma e outra ou que ambas deixem de ter
autonomia (cfr. sobre a questão, Figueiredo Dias, Sobre a reparação de perdas e
danos arbitrada em processo penal, estudo publicado no Boletim da Faculdade de
Direito de Coimbra, 1966, 88 e segs., Direito Processual Penal, 1º Vol., 540 e
segs., e Jornadas de Direito Processual Penal, 15).
Simplesmente, a ritologia processual a que obedecerão ambas as
pretensões é regulada pela lei adjectiva criminal, pelo que será esta a matriz a
que deverão obedecer os trâmites destinados a fazer reconhecer em juízo, ou a
tornar coercivelmente realizada, a pretensão cível, sendo certo que em tal lei
adjectiva é unitário o recurso ordinário, aí não se consagrando as figuras da
apelação e revista.
Por isso, será de harmonia com as regras próprias daquela lei adjectiva
que os recursos tocantes à pretensão cível hão de obedecer, não se podendo,
pois, dizer que - no que concerne a matéria cível objecto de pretensão
processual deduzida em tribunal civil perante as regras da lei adjectiva civil e
matéria da mesma natureza, fundada na prática de um acto ilícito de natureza
penal, que terá, em princípio, de ser objecto de reconhecimento em juízo através
do processo penal - haja uma identidade de situações reclamante de tratamento
semelhante.
(...) O princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da
Constituição, como sabido é, exige a dação de tratamento igual àquilo que,
essencialmente, for igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento
desigual para o que for dissemelhante, não proibindo, por isso, a efectivação de
distinções. Ponto é que estas sejam estabelecidas com fundamento material
bastante e, assim, se não apresentem como irrazoáveis ou arbitrárias (cfr., na
jurisprudência deste Tribunal, por todos, o Acórdão nº 188/90, publicado na 2ª
Série do Diário da República de 12-SET-90).
Sendo assim, há que saber se existe arbitrariedade, irrazoabilidade ou
não há fundamento bastante para a diferenciação no que respeita ao regime de
recursos respeitante à matéria cível quando ela for objecto de pretensão
deduzida em acção regulada no Código de Processo Civil, ou for objecto de
pretensão fundada na prática de um acto ilícito de natureza penal, caso em que,
em princípio, terá de ser deduzida no processo criminal.
A resposta a uma tal questão não pode, na perspectiva do Tribunal,
deixar de ser negativa.
Efectivamente, viu-se já que da circunstância de se consagrar o sistema
de adesão - e essa consagração, advinda da norma do art.º 71º do Código de
Processo Penal, não foi questionada pelo recorrente do ponto de vista da sua
conformidade constitucional - resulta que a pretensão de pedido de indemnização
derivado da responsabilidade civil conexionada com a prática de um acto ilícito
de natureza criminal tem de ser efectivada jurisdicionalmente por intermédio da
corte de leis adjectivas penais, às regras destas se subordinando.
Além dessa circunstância, milita a de não se pôr aqui em causa - pois
que essa questão não foi suscitada pelo ora recorrente - o regime de recurso
unitário que se encontra prescrito no Código de Processo Penal, regime esse no
qual se não estabelece a dicotomia de recursos de apelação e revista.
Acresce a tudo isto que seria, como bem assinala o Ex.mo
Procurador-Geral Adjunto, verdadeiramente incongruente que, estabelecendo-se no
Código de Processo Penal, como regra (ver a excepção consagrada no art.º 446, nº
1, desse diploma), a existência de um só grau de recurso, só se admitisse ele no
que concerne à matéria penal, «abrindo», porém, à matéria cível a possibilidade
de, se o valor da sucumbência o permitisse, haver dois graus, o que, então, até
poderia representar um tratamento desfavorável no que respeita a uma diminuição
de controlo jurisdicional da relação jurídico-punitiva. A ideia de congruência
extraível do estado de direito democrático, bem justifica, por isso, que a
possibilidade de impugnação da decisão judicial tomada em 1ª instância quanto à
matéria civil relativa ao pedido de indemnização formulado em processo penal,
obedeça aos mesmos graus de controlo que a matéria criminal”.
E, no Acórdão n.º 100/02 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional,
52.º volume, pp. 477 e ss.), desenvolvendo a argumentação expendida noutros
arestos, igualmente se considerou não ser inconstitucional a norma do artigo
400º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual “não é
admissível recurso de sentença condenatória proferida em processo penal por
crime que fora amnistiado após a prolação da acusação e cujo processo prosseguiu
para apreciação do pedido de indemnização civil, desde que o montante da
condenação não seja superior a metade da alçada do tribunal recorrido, mesmo que
a sentença dê como provada a prática dolosa, pelo arguido/demandado, de factos
que, sem a amnistia, consubstanciariam o tipo legal de crime por que fora
acusado”.
Sendo as considerações dogmáticas lavradas nessa jurisprudência transponíveis,
na sua ratio essendi, para o problema sub judicio, bem se adiantará que a
argumentação desenvolvida pelos Recorrentes não se prefigura susceptível de
alterar o sentido normativo ínsito nesses julgamentos de não
inconstitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo
Penal.
Na verdade, a argumentação expendida por aqueles arranca do entendimento de
que, in casu, se está perante a “existência de lacuna quanto aos processos em
que por amnistia ou por prescrição, inexiste a aplicação de ‘pena’, mas tão-só,
condenação em indemnização por montante inferior a metade da alçada do tribunal
recorrido (...). É que aqueloutro (parte criminal – mas a cujas regras
adjectivas o pedido cível foi submetido), porque, então preenchidos todos os
requisitos legais, sempre seria recorrível e passível de se repercutir (v.g. em
acórdão absolutório), para o que importa, no quantum indemnizatório”.
Assim, para os Recorrentes o facto de a indemnização não poder apartar-se do
“crime” que a origina teria como consequência que o recurso, nessa parte, sempre
seria admissível nos termos da lei processual penal.
Contudo, tal argumentação não só parte de um errado pressuposto – quando dá por
assente que a norma sub judicio não hipotiza a situação material recortada nos
autos – como ignora a diferença substancial entre o demandado para efeitos do
pedido de indemnização, estando extinta a acção penal, e o arguido em acção
penal, sendo certo que, como até pode inferir-se da jurisprudência citada, não
têm de ser reconhecidos ao demandado os direitos que o processo penal reconhece
ao arguido, porquanto, como se compreenderá, sobre este impende a possibilidade
de sofrer uma condenação penal.
Assim, a este nível – e tendo em conta os fundamentos em que se louvou, como
ratio decidendi, o juízo decisório –, importará notar que o critério normativo
resultante do artigo 400.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Penal, não
deixa aqui de assumir, sobressaindo as semelhanças em detrimento das diferenças,
a mesma teleologia fundamentante que está subjacente à norma do n.º 1 do artigo
678º do Código de Processo Civil, tendo este Tribunal, por diversas vezes,
entendido que a limitação do recurso, em matéria cível, por força da relação
entre o valor da acção ou da sucumbência e o valor das alçadas não é
inconstitucional (veja-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão n.º
116/95, de 23 de Fevereiro – publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional,
30.º volume, pp. 683 e ss.).
E vistas as coisas nesta linha, haverá de entender-se, enquadrando o caso
concreto, que a admissibilidade de recurso da anterior sentença que absolveu os
recorrentes da totalidade do pedido e a inadmissibilidade de recurso da sentença
que os condenou apenas em parte do pedido – mas situado dentro do valor de
metade de alçada do Tribunal –, acabam por basear-se na mesmíssima regra
estabelecedora do regime das alçadas cuja conformidade com a Lei fundamental
este Tribunal reiteradamente tem aceite (cf. o recente Acórdão n.º 84/05,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia, e a resenha de
jurisprudência aí efectuada).
C – Decisão
5 – Destarte, atento o exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelos Recorrentes, com 20 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 15 de Junho de 2005
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos