Imprimir acórdão
Processo n.º 666/05
Plenário
Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. No Tribunal Judicial da Comarca de Valença, por despacho de fls. 20, de 17 de
Agosto de 2005, foram rejeitadas as listas de candidaturas do Partido Popular
(CDS-PP) referentes às eleições para a Câmara Municipal e Assembleia Municipal
de Valença e, bem assim, para as assembleias de freguesia de Arão, Cerdal,
Cristelo Covo, Fontoura, Gandra, Gondomil, Sanfins, Silva, Taião, Valença e
Verdoejo.
Tal decisão fundamentou-se na circunstância de aquelas listas terem
dado entrada no referido Tribunal, via fax, após as dezoito horas do dia 16 de
Agosto de 2005, ou seja, fora dos prazos estabelecidos na Lei Eleitoral dos
Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de
Agosto. Nessa decisão não foram constatadas irregularidades que devessem ser
supridas nem situações de inelegibilidade, pelo que foi marcada – para o dia 17
de Agosto de 2005, pelas 13:30 horas – a data para a realização do sorteio a que
se refere o artigo 30º da referida Lei.
2. Por requerimento apresentado em 18 de Agosto de 2005 (fls. 2ss),
o representante do Partido Popular interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional da decisão do juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Valença, na
parte em que rejeitou as listas apresentadas por aquele Partido, tendo concluído
do seguinte modo:
«
1º
Como se vê do processo o CDS/PP fez candidaturas às eleições seguintes – Câmara
e Assembleia Municipal de Valença, às Assembleias de Freguesia de Arão, Cerdal,
Cristelo Covo, Fontoura, Gandra, Gondomil, Sanfins, Silva, Taião, Valença e
Verdoejo, todas do concelho de Valença.
2º
O 55º dia anterior à data do acto eleitoral (limite da entrega no tribunal) caiu
em 16 de Agosto de 2005 por virtude de ser feriado o dia 15 do mesmo mês.
3º
Todas as candidaturas, devidamente formalizadas, foram remetidas ao Tribunal
nesse dia 16 de Agosto por telecópia, facto que o Ex.mo. Senhor Juiz recorrido
aceita como certo.
4º
O prazo designado na Lei nº 1/2001, de 14 de Agosto, é fixado em DIAS e não em
HORAS. E podia ser fixado em horas, pois assim se preveniu na lei geral – 279º
alínea b) do C. Civil.
5º
O Ex.mo. Senhor Juiz rejeitou as candidaturas com um único fundamento – ter
chegado o ESCRITO/CANDIDATURA depois da hora – 18 horas. Está errado, por
ilegalidade, este acto de rejeição.
6º
Já tiveram os serviços do CDS/PP o azar de uma mal entendida ou dada informação
sobre a hora de encerramento do Tribunal neste dia e, para cúmulo, vêem-lhe
retirado um direito de cidadania.
7º
Inserida na epígrafe “ACTOS PROCESSUAIS” e na sub-epígrafe “Quando se praticam
os actos”, reza o artº 143º – 4º do Código de Processo Civil:
“As partes podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por
correio electrónico independentemente da hora da abertura e do encerramento dos
tribunais”.
8º
O acto praticado por telecópia, como é o caso, mesmo depois da hora de
encerramento do Tribunal neste dia, é por força de lei (nº 4 do artº 143º) UM
ACTO ATEMPADO, ao contrário do que decidiu o Ex.mo. Senhor JUIZ
9º
Onde a lei não distingue não pode nem deve distinguir o intérprete. Se a lei se
expressa, referindo abertura e encerramento dos tribunais, e preceitua que
“independentemente da hora” segue-se que podem os actos ser praticados pelas
partes depois da hora de encerramento.
10º
Pelo Calendário o dia termina às 24 horas – meia-noite – e toda a documentação
chegou ao Tribunal antes do dia findar.
11º
O artº 229º da Lei 1/2001 criou um horário especial – mais alargado – para estes
actos de CANDIDATURAS. Mas não excluiu o nº 4 do artº 143º do C. P. Civil.
Excluídas foram, apenas, as normas dos nºs 3º e 5º do artº 145º deste Código.
12º
Acresce que o Artº 150º do C. P. Civil, regulando os ACTOS das partes na
[alínea] c) diz que “valendo como data da prática do acto processual a da
expedição”. E isto deve ser entendido como “independentemente da hora”. E mesmo
depois do encerramento do tribunal.
13º
O despacho recorrido atenta em simultâneo contra o artº 9º, alínea b), 1º-1º,
18º, 20º da Constituição da República, pois derroga o direito de sufrágio,
coloca o estado democrático em crise».
O recurso foi admitido por despacho do Juiz do Tribunal Judicial da
Comarca de Valença de 18 de Agosto de 2005 (fls. 22) e vem instruído com os
originais das listas apresentadas pelo Partido Popular (fls. 24ss), além de
outra documentação, de que se destaca:
- cópia de certidão emitida, em 6 de Junho de 2005, pelo escrivão de Direito em
serviço na 4ª Secção do Tribunal Constitucional, que certifica, entre o mais, a
identidade do Secretário-Geral do Partido Popular e a deliberação do órgão
partidário que designa o mesmo Secretário-Geral para representar o Partido em
juízo (fls. 19);
- cópia da procuração, emitida pelo Secretário-Geral do Partido Popular, a
conferir a Manuel Afonso Pires os poderes para o exercício das funções de
mandatário daquele Partido nas operações eleitorais relativas às eleições
autárquicas no Concelho de Valença (fls. 20);
- cópia do documento de reconhecimento da assinatura de Martim José Rosado
Borges de Freitas, na qualidade de Secretário-Geral e representante legal do
Partido Popular (fls. 17).
II – Fundamentação
3. O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não
contesta que as listas deram entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Valença,
via fax, após as dezoito horas do último dia do prazo para a respectiva
apresentação, ou seja, o dia 16 de Agosto de 2005. Existem, de resto, outros
indícios no processo que atestam de forma inequívoca a inexistência de qualquer
expedição por fax anterior às dezoito horas do dia 16 de Agosto de 2005, facto
que, como já se referiu, o recorrente não contesta. Este reconhece, aliás, no
requerimento que apresentou ao juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Valença
(fls. 8 e 13), que, por circunstâncias diversas (v.g., «força maior relacionada
com o tráfego automóvel»), não se dirigiu ao Tribunal da Comarca de Valença, com
vista à apresentação das listas citadas, em momento anterior às dezoito horas do
dia 16 de Agosto de 2005. Nem sustenta, em lugar algum do processo, que procedeu
ao envio das listas antes dessa hora, afirmando, ao invés, que possuía a
informação de que poderia proceder à entrega das listas até às vinte horas desse
dia 16 de Agosto (cf. o requerimento de fls. 8 e 13).
Assim - independentemente da admissibilidade do recurso à telecópia
para a apresentação das listas de candidaturas -, o certo é que não se demonstra
que a sua expedição tenha ocorrido até ao encerramento da secretaria judicial no
dia 16 de Agosto. Desse modo, só é possível considerar o dia 17 de Agosto de
2005 como data de entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Valença das listas
de candidaturas apresentadas pelo Partido Popular às eleições para a Câmara
Municipal e Assembleia Municipal de Valença e para as assembleias de freguesia
de Arão, Cerdal, Cristelo Covo, Fontoura, Gandra, Gondomil, Sanfins, Silva,
Taião, Valença e Verdoejo.
4. Esta conclusão não é posta em causa pela existência da norma do
artigo 143º do Código de Processo Civil, nomeadamente o seu nº 4, aditado pelo
Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, o qual veio excepcionar da regra
formulada no nº 3 do mesmo preceito os actos processuais praticados por
telecópia e correio electrónico também para o efeito do momento de entrada dos
actos processuais na secretaria.
A questão já foi tratada na jurisprudência deste Tribunal, podendo
citar-se, a este propósito, o Acórdão nº 287/02 (in AcTC, vol. 53, pp. 751ss, e,
mais recentemente, o Acórdão nº 41/2005 (disponível in
www.tribunalconstitucional). E, como aí se concluiu, deixando expressamente em
aberto o problema de saber se é admissível a utilização de telecópia para a
apresentação de candidaturas eleitorais, a existência de uma clara e inequívoca
regra especial afasta a aplicação das regras gerais previstas no Código de
Processo Civil. No Acórdão nº 287/02 explicitou-se claramente a razão de ser
deste entendimento:
«Já por diversas vezes o Tribunal Constitucional teve a oportunidade de frisar
que a celeridade do contencioso eleitoral exige uma disciplina rigorosa no
cumprimento dos prazos legais, sob pena de se tornar inviável o calendário
fixado para os diversos actos que integram o processo eleitoral; e que essa
celeridade implica a impossibilidade de aplicação de diversos preceitos contidos
no Código de Processo Civil, directa ou indirectamente relacionados com prazos
para a prática de actos pelas partes. Note-se, aliás, que a aplicação
subsidiária do Código de Processo Civil tem, como se sabe, de ter em conta as
especialidades decorrentes da própria Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias
Locais, que prevalece sempre que a mesma contenha, ou disposição expressa, ou
regime globalmente incompatível com qualquer preceito do Código de Processo
Civil.
Assim, e a título de exemplo, o Tribunal Constitucional já teve a ocasião de
afirmar que aquelas especialidades afastam a possibilidade de invocação do justo
impedimento (cfr. acórdão nº 479/2001, publicado no Diário da República, II
Série, de 28 de Novembro de 2001), ou do regime previsto no nº 1 do artigo 150º
do Código de Processo Civil (redacção anterior à resultante do Decreto-Lei nº
183/2000, ainda vigente) segundo o qual, em caso de utilização do correio, os
actos se consideram praticados na data em que foi efectuado o registo postal
(cfr. acórdãos nºs 510/2001, 1/2002, 6/2002 ou 17/2002, publicados no Diário da
República, II Série, respectivamente, de 19 de Dezembro de 2001, 29 de Janeiro
de 2002, 30 de Janeiro de 2002 e 22 de Fevereiro de 2002).
Ora a matéria relativa ao termo dos prazos encontra-se expressamente regulada no
artigo 229º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. De acordo com
este preceito, sempre que haja de ser praticado um acto que “envolva a
intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos
encontra-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou
repartições” (nº 2). E, segundo o nº 3, as secretarias judiciais, justamente
para o efeito de receberem as listas de candidatos – cfr. artigo 20º, para o
qual se remete –, têm um horário de funcionamento alargado, que termina às 18
horas.
Assim sendo, nenhuma dúvida existe de que nunca poderia ser considerada uma
entrada na secretaria judicial posterior às 18 horas do dia 20 de Maio de 2002,
fosse qual fosse a via de comunicação utilizada.
Sempre se acrescenta, todavia, que nem é necessário considerar que este regime é
posterior ao actualmente constante do nº 4 do artigo 143º do Código de Processo
Civil, acrescentado pelo Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto, ou que sobre ele
prevalece por constar da própria Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais.
É que, além do mais, o que aquele nº 4 estabelece é que os actos podem ser
praticados a qualquer hora, se for utilizado o correio electrónico ou a
telecópia; não regula a questão de saber quando se consideram entrados os actos,
nomeadamente actos abrangidos pelo nº 3 do mesmo artigo 143º, segundo o qual, se
forem actos que “impliquem a recepção pelas secretarias judiciais de quaisquer
articulados, requerimentos ou documentos devem ser praticados durante as horas
de expediente dos serviços”.
Note-se, aliás, que, no âmbito do processo eleitoral, é especialmente
justificada a exigência de que só possa ser considerada a data em que o acto foi
praticado se tiver dado entrada no Tribunal dentro do horário de funcionamento
da secretaria, já que os prazos que o tribunal tem de respeitar na sua
apreciação são particularmente curtos. No que toca à apresentação de
candidaturas, é de cinco dias o tempo de que o juiz dispõe para proferir a
decisão prevista no artigo 25º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias
Locais».
Presentemente, o nº 3 do artigo 229º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias
Locais não oferece dúvidas: «3 – Para efeitos do disposto no artigo 20º [local e
prazo de apresentação de candidaturas], as secretarias judiciais terão o
seguinte horário, aplicável a todo o País: Das 9 horas e 30 minutos às 12 horas
e 30 minutos; Das 14 às 18 horas».
Esta norma, por ser uma norma especial aplicável ao processo eleitoral
autárquico, afasta a aplicação, a título subsidiário ou a qualquer outro, das
normas gerais contidas no Código de Processo Civil.
No caso concreto, o certo é que a recepção dos documentos expedidos por
telecópia, de acordo com os dados constantes do processo, teve lugar a partir
das 22:46 horas e, por isso mesmo, na falta de prova do momento exacto da
expedição, sempre haverá que presumir (e o recorrente não o contesta) que ela só
ocorreu após as 18 horas. E é este, de acordo com a legislação especial
aplicável, o termo final para apresentação das listas, seja por que meio for.
Desse modo – e, repete-se, independentemente de saber se é legítimo
o recurso à telecópia para o envio de listas de candidaturas a actos eleitorais
–, apresenta-se como inquestionável a conclusão de que não foi respeitado o
prazo previsto na lei que regula especificamente o processo eleitoral
autárquico, a Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto.
5. Na parte final do requerimento de recurso para este Tribunal, o
representante do Partido Popular sustenta que a decisão recorrida, ao considerar
extemporâneas as listas apresentadas, viola os artigos 9º, alínea b), 1º, nº 1,
18º e 20º da Constituição da República, pois «derroga o direito de sufrágio» e
«coloca o estado democrático em crise».
Sucede, porém, que o direito de sufrágio, constitucionalmente
consagrado, é um direito procedimentalmente dependente, cujo exercício depende
da observância de regras e trâmites fixados na lei. Na ausência destas regras,
seria inviável a realização dos actos – dos actos eleitorais – em que se
materializa e exprime o direito de sufrágio activo e passivo. Ponto é que tais
regras não contenham uma disciplina que, a pretexto das especiais necessidades
de celeridade do contencioso eleitoral, implique a imposição de condicionamentos
ao exercício do direito de sufrágio tão exigentes ou desproporcionados que, no
limite, acabem por anular na prática a efectivação desse direito.
Ora, é manifesto que os prazos e as regras de apresentação de candidaturas
previstos na Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais – no ponto agora
especificamente análise – não contendem com a possibilidade de exercício do
direito de sufrágio passivo nem implicam uma restrição do direito de acesso aos
tribunais para efeitos de contencioso eleitoral.
Como este Tribunal teve ensejo de afirmar, em várias ocasiões, «a celeridade do
contencioso eleitoral exige uma disciplina rigorosa no cumprimento dos prazos
legais, sob pena de se tornar inviável o calendário fixado para os diversos
actos que integram o processo eleitoral; e que essa celeridade implica a
impossibilidade de aplicação de diversos preceitos do Código de Processo Civil,
directa ou indirectamente relacionados com prazos para a prática de actos pelas
partes».
Sobre os mandatários e proponentes de candidaturas recai, assim, um ónus de
especial diligência e particular cuidado no respeito pelas regras e prazos
previstos na lei que regula o processo eleitoral. Ao menos no que se refere às
regras e prazos aplicáveis no caso em apreço, estes não podem considerar-se
desvirtuadores do exercício do direito de sufrágio passivo nem devem
considerar-se desproporcionadamente exigentes para aqueles que desempenham
funções de responsabilidade na organização e preparação das candidaturas
eleitorais. A posição qualificada que estes detêm no processo eleitoral
traduz-se numa obrigação acrescida de conhecimento das regras especiais que
regulam tal processo – e num dever, igualmente acrescido, de actuar em
conformidade com os procedimentos legais de apresentação das candidaturas de que
são mandatários.
III – Decisão
6 Ante o exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência,
confirmar a decisão judicial de rejeição, por extemporâneas, das listas de
candidaturas apresentadas pelo Partido Popular referentes às eleições para a
Câmara Municipal e Assembleia Municipal de Valença e para as assembleias de
freguesia de Arão, Cerdal, Cristelo Covo, Fontoura, Gandra, Gondomil, Sanfins,
Silva, Taião, Valença e Verdoejo.
Lisboa, 25 de Agosto de 2005
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria Helena Brito
Maria João Antunes
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Artur Maurício