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Processo n.º 584/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto
interpôs, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, recurso para este Tribunal
das decisões proferidas em 3 de Maio de 2005 e 7 de Junho de 2005 pelo Tribunal
da Relação do Porto, no âmbito do processo de expropriação por utilidade pública
movido por Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária, em que
figura como expropriado A. e mulher, B., que recusou, com fundamento em
inconstitucionalidade material, a aplicação da norma decorrente do preceituado
no artigo 24.º, n.º 5, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 438/91, de 9 de Novembro, quando interpretada por forma a excluir da
classificação de “solo apto para construção” os terrenos que, segundo o Plano
Director Municipal (PDM) em vigor à data da expropriação, se situam em zona
florestal de produção condicionada, expropriados para neles se implantarem vias
de comunicação rodoviária. Lê-se na primeira decisão, de 3 de Maio de 2005, no
que ora importa:
«[…]
Passando à questão da classificação do terreno como solo apto para a construção.
O art.º 24.º, n.º 5, do Código das Expropriações equipara a solo para outros
fins o terreno que por lei ou regulamento não possa ser utilizado na construção.
Contudo, este preceito tem de ser interpretado em harmonia com o princípio de
que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e
mediante o pagamento de justa indemnização – art.º 62.º, n.º 2, da Constituição.
A equiparação a solo para outros fins não pode, assim, basear-se numa
interpretação meramente literal. As próprias disposições dos PDM não são
inalteráveis, em qualquer altura podem ser modificadas em razão de novos
critérios de ordenamento urbano.
Por isso, tem-se entendido que as disposições dos PDM não podem por si só
determinar a qualificação do solo para efeitos de indemnização, para mais quando
se verificam os requisitos do art.º 24.º, n.º 2, do Código das Expropriações
(neste sentido, vide, entre outros, o acórdão desta Relação de 02.06.25,
processo n.º 506/02).
No caso, trata-se de um prédio situado cerca de 12 metros de terrenos onde estão
a ser levadas a cabo infra-estruturas destinadas a loteamentos para construção.
E na área envolvente, cujo perímetro exterior se situa a 300 metros do limite da
parcela expropriada, já na área do concelho de Paredes, existem edifícios
destinados à habitação unifamiliar de 2 e três pisos.
Com base nestes elementos, os peritos, à excepção do designado pelo
expropriante, nas duas avaliações consideraram que o terreno expropriado era
apto para a construção.
O facto de a parcela estar inserida numa zona florestal de produção
condicionada, segundo o Regulamento do Plano Director Municipal de Paços de
Ferreira em vigor à data da declaração de utilidade pública, não é assim razão
suficiente para o equiparar a solo para outros fins.
Pelo que deve ser classificado como solo apto para a construção.
Em relação às benfeitorias, o art.º 216.º, n.º 1, do Código Civil só considera
como tais as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
No caso, a conservação ou melhoria terá de ser apreciada em função do tipo
construção existente no local – habitações de 2 ou 3 pisos com índice de
ocupação de solo de 0,5/m2.
As árvores e o muro de vedação podem ser aproveitadas nessa construção, e têm de
ser removidas. Por isso, não faria sentido acrescentar o valor das benfeitorias
que serão eliminadas para possibilitar a construção (neste sentido, cfr. acórdão
desta Rel. de 19 de Novembro de 1996, proc. 019903).
Quanto às partes sobrantes, o laudo maioritário refere que a parte norte deixou
de ter possibilidades de construção. E que a parte sul tem uma configuração
triangular com profundidade pontual máxima de 40 m e média de 20 m, de onde se
depreende que também não permite a construção de uma habitação.
O art.º 28.º, n.º 2, do Código das Expropriações manda acrescentar ao valor da
expropriação os prejuízos ou encargos da depreciação parte não expropriada
resultante da divisão.
Os expropriados têm, pois, direito à indemnização correspondente ao prejuízo da
depreciação das partes sobrantes, no total de € 65 800,02.
Nestes termos julga-se a apelação parcialmente procedente, e revoga‑se a
sentença recorrida, fixando-se o montante da indemnização devida pela
expropriação em € 178 798,10, actualizada com referência à data da declaração de
utilidade pública, de acordo com o índice de preços no consumidor, excluindo a
habitação.»
E disse-se na referida decisão de 7 de Junho de 2005:
«O Ministério Público vem ao abrigo do disposto no art.º 669.º, n.º 1, a), do
Código de Processo Civil requerer a aclaração do acórdão que conheceu do
recurso, sobre os seguintes pontos:
Se a indemnização global de € 65.800,02, arbitrada pela desvalorização das
partes sobrantes, resulta da soma das quantias de € 51.987,04 e de € 13.812,98,
respectivamente, de desvalorização da parcela sobrante a norte e de
desvalorização da parcela sobrante a sul; e,
Se o acórdão decide que todo o prédio (a parte expropriada e as partes sobrantes
norte e sul) tinha potencialidade edificativa e é classificado como solo apto
para a construção.
A parte contrária opôs-se ao incidente, dizendo que não enferma de nenhuma
confusão, nem suscita a mínima dúvida, tanto assim, que o próprio requerente
reconhece que a indemnização de € 65.800,02 diz respeito à depreciação das
partes sobrantes e corresponde ao somatório dos valores atribuídos pelos
peritos.
Cumpre deliberar.
O incidente de aclaração previsto nos art.ºs 669.º, a), e 716.º do Código de
Processo Civil tem por função esclarecer alguma obscuridade ou ambiguidade que a
decisão contenha.
O pedido de aclaração pressupõe, assim, que o acórdão apresente alguma expressão
ininteligível (obscuridade) ou com mais de um significado (ambiguidade).
No caso concreto, o M.º P.º não aponta qualquer termo ou frase do texto do
acórdão, nomeadamente na parte decisória, que considere confusa ou com duplo
sentido.
Acresce que o art.º 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil impede que o
Tribunal volte a pronunciar-se quanto ao mérito da causa.
Pelo exposto, indefere-se o pedido de aclaração.»
Pode ler-se no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade:
«O Ministério Público, em representação do
ESTADO – INSTITUTO PARA A CONSERVAÇÃO E EXPLORAÇÃO DA REDE RODOVIÁRIA,
notificado dos doutos acórdãos, proferidos a 05-05-03 e 05-06-07 nos autos de
apelação à margem identificados, em que é apelado, sendo apelantes A. e esposa,
vem, nos termos do art.º 280º, n.ºs 1, al. a), e n.º 3, da Constituição da
República Portuguesa, interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, com os
seguintes
FUNDAMENTOS:
1.º
O recurso é interposto ao abrigo dos art.ºs 70.º, n.º 1, al. a), e 72.º, n.ºs 1,
al. a), e 3, da Lei n.º 28/82, de 15.11.
2.º
O douto acórdão recorrido recusou, implicitamente, aplicar a norma do art.º
24.º, n.º 5, do Código das Expropriações, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 438/91, de
09/11, por entender que tal norma é inconstitucional quando interpretada por
forma a excluir da classificação de “solo apto para construção” os terrenos que,
segundo o PDM em vigor à data da expropriação, se situam em zona florestal de
produção condicionada, expropriados para neles se implantarem vias de
comunicação rodoviária.
3.º
Na verdade, a indemnização arbitrada pelo tribunal de 1.ª instância fora
calculada avaliando o prédio expropriado como solo para outros fins, nos termos
prescritos no art.º 24.º, n.º 5, do Código das Expropriações, aprovado pelo
Dec.-Lei n.º 438/91, porquanto se trata de terreno expropriado para nele se
implantar uma via de comunicação rodoviária (a variante à EN 207) e que, segundo
o PDM em vigor à data da expropriação – o PDM de Paços de Ferreira, cujo
regulamento foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/94, in
DR, I-B, de 23/06/1994 – se situa em zona florestal de produção condicionada,
logo, sem aptidão edificativa ope legis.
4.º
O que significa que esse terreno não tem legalmente capacidade edificativa,
porque é proibido loteá-lo e apenas é viável construir com grandes limitações,
nos termos previstos nos art.ºs 22.º, n.ºs 1 e 2, b), e 34.º, n.ºs 1 e 5, b), do
PDM citado, o que, in casu, é agravado por se tratar de um terreno interior, com
acesso em terra batida numa extensão superior a 50 m.
5.º
Todavia, apesar da destinação legal do prédio como terreno sem aptidão
edificativa, o douto acórdão recorrido revogou a sentença de 1.ª instância e
fixou uma indemnização calculada com base na classificação do prédio expropriado
como solo apto para a construção e na desvalorização das partes sobrantes também
em função da perda da suposta possibilidade edificativa,
6.º
Expressamente referindo que assim se procede porque, embora o art.º 24.º, n.º 5,
do CE/91 equipare a solo para outros fins o que, por lei ou regulamento, não
pode ser utilizado na construção, o certo é que esta norma tem de ser
interpretada em conformidade com o art.º 62.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa, que consagra o princípio da justa indemnização,
7.º
O que quer dizer que, implicitamente, o douto acórdão recorrido recusou aplicar
o art.º 24.º, n.º 5, do CE/91 por entender padecer ele de inconstitucionalidade,
em face do art.º 62.º, n.º 2, da CRP.
8.º
Porém, o Tribunal Constitucional, entre outros, por douto Acórdão n.º 121/2002
(in www.tribuncilconstitucional.pt), decidiu não julgar inconstitucional a norma
do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991, interpretado por
forma a excluir da classificação de “solo apto para a construção” solos
integrados em área reservada pelo Plano Director Municipal a uso florestal,
expropriados para construção de acessos viários.
9.º
O douto acórdão a quo não admite recurso ordinário (Acórdão de Fixação de
Jurisprudência n.º 10/97, de 30-05-1995, in DR, 1-A, n.º 12, de 15-05-97).
10.º
Assim, o presente recurso tem os mesmos efeitos e regime de subida do recurso de
revista, se este fosse admissível, i. é, subida imediata, nos próprios autos e
efeito devolutivo – art.ºs 78.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, e 723.º e 699.º do
CPC.»
2.Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações, que o
representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional encerrou
desta forma:
«1.º
Estando o valor venal da parcela expropriada limitado em consequência da
existência de uma legítima restrição “legal” ao “ius aedificandi” – resultante
da inserção pelo Plano Director Municipal em vigor dos terrenos em zona
florestal – e não tendo o proprietário qualquer expectativa próxima ou razoável
de os ver desafectados e destinados à construção (atento, desde logo, o fim da
expropriação, destinada à construção de uma variante rodoviária), não pode
invocar-se o princípio da “justa indemnização”, de modo a fazer reflectir no
montante indemnizatório arbitrado uma potencialidade edificativa dos terrenos
que se configura como legalmente inexistente.
2.º
Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de
não inconstitucionalidade formulado no acórdão n.º 121/2002.»
Por sua vez, o recorridos concluíram:
«A)
1 – O acórdão recorrido não deixou de aplicar nem implícita nem explicitamente o
disposto no art.º 24.º, n.º 5, do Cód. das Exp. por entender que tal preceito
era inconstitucional.
2 – Pelo contrário, entendeu que em face do circunstancialismo que rodeia a
parcela e que sintetizam no acórdão recorrido, esse terreno devia ser avaliado
como solo apto para a construção.
3 – Assim, não deve este Tribunal tomar conhecimento do recurso.
B)
4 – Resulta claro dos autos que o Plano Director de Paços de Ferreira está em
revisão, que os terrenos rodeantes a 12 metros da parcela, estão a ser
urbanizados.
5 – E resulta claro dos mesmos autos que na área envolvente, dentro do perímetro
dos 300 metros a contar dos limites da parcela, existem edifícios destinados à
habitação unifamiliar de 2 e 3 pisos.
6 – Assim, só avaliando o terreno como solo apto para a construção é que se
respeita o principio da proporcionalidade e da igualdade entre os proprietários
daquela zona.
C)
7 – Aliás, mesmo sem pôr em causa a constitucionalidade do n.º 5 do art.º 24.º
do Cód. das Exp. aplicável, a avaliação mantém-se imprejudicada e ficando
incólume a indemnização atribuída aos expropriados.
D)
8 – De resto, aquele preceito foi eliminado na nova legislação sobre a matéria,
o que não pode deixar de querer dizer que tal preceito, a ser aplicado
rigorosamente, não conduz à justa indemnização a que os expropriados têm
direito.
9 – Aliás, em tal aplicação rigorosa e literal, o preceito seria mesmo
inconstitucional por não respeitar os princípios da justa indemnização, os da
proporcionalidade e de igualdade que a Constituição da República Portuguesa
garante.
NESTES TERMOS
E NOS MAIS QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS
Deve deixar-se de tomar conhecimento do presente recurso. Mas quando assim se
não entende, deve julgar-se prejudicada a questão quer por ter influído na
fixação da indemnização quer porque numa aplicação confinada ao teor do artigo
seria efectivamente inconstitucional por ofender o princípio da justa
indemnização, o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e o da
proporcionalidade que manda repartir por todos os cidadãos os encargos exigidos
pelo interesse comum, como é o que determina a expropriação e não apenas pelos
expropriados, como é de DIREITO E JUSTIÇA.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.O presente recurso de constitucionalidade vem interposto pelo representante do
Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto da decisão desse
Tribunal que teria recusado, implicitamente, a aplicação a norma do n.º 5 do
artigo 24.º do Código de Expropriações de 1991, por entender que seria contrária
ao princípio constitucional da “justa indemnização” a consideração da existência
de um limite, legal ou regulamentar, à edificabilidade (no caso, a inserção da
parcela expropriada numa zona florestal de produção condicionada, de acordo com
o Regulamento do Plano Director Municipal em vigor à data da Declaração de
Utilidade Pública) na qualificação e avaliação do prédio expropriado.
Entendeu, assim, o tribunal recorrido que deve ser privilegiada nessa
qualificação e avaliação a aptidão naturalística para a edificabilidade,
decorrente, desde logo, do preenchimento dos critérios do artigo 24.º, n.º 2, do
mesmo Código, em detrimento dos referidos limites legais ou regulamentares à
utilização da parcela expropriada para construção.
Analisando o acórdão recorrido, verifica-se, efectivamente, que ele se não
limitou a avaliar o terreno em causa considerando as suas características
concretas, apesar de estar classificado “como zona verde, de lazer ou para
instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de
ordenamento do território plenamente eficaz” (artigo 26.º, n.º 12, do Código
das Expropriações), antes concluindo que o prédio “deve ser classificado como
solo apto para a construção”, com fundamento numa interpretação do artigo 24.º,
n.º 5, do Código das Expropriações – que equipara a solo para outros fins o
terreno que por lei ou regulamento não possa ser utilizado na construção – “em
harmonia com o princípio de que a expropriação por utilidade pública só pode ser
efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização – art.º
62.º, n.º 2, da Constituição”. Ora, como este Tribunal tem reconhecido, tal
procedimento de interpretação conforme à Constituição implica, para efeitos do
recurso de constitucionalidade, uma recusa de aplicação de outras dimensões
normativas, tidas por não conformes com a Lei Fundamental.
Não procede, pois, a alegação dos recorridos, no sentido de que a decisão
recorrida não deixou de aplicar, nem implícita nem explicitamente, o referido
artigo 24.º, n.º 5, com fundamento em inconstitucionalidade, pois nessa decisão
entendeu-se que outra interpretação (justamente a que está em causa) seria
inconstitucional.
4.Como bem refere o representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional, a situação em causa no presente recurso pode considerar-se
coincidente, na sua relevância jurídica, com a analisada no Acórdão n.º 121/2002
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que não julgou inconstitucional a
norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991, interpretada
por forma a excluir a classificação de “solo apto para construção” de parcelas
de terreno integrados em área reservada pelo Plano Director Municipal a uso
florestal, expropriados para construção de acessos a uma central incineradora.
Pode ler-se nesse Acórdão n.º 121/2002:
«[…]
3. O presente recurso tem como objecto a apreciação da constitucionalidade da
norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991, interpretada no
sentido de se considerar equiparado a “solo para outros fins” o solo situado
numa zona que o Plano Director Municipal da Maia classificava como área
florestal de produção condicionada, expropriada para construção de uma central
de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário de apoio e
concretamente destinada à execução da via de acesso às instalações da central de
incineração.
Essa norma foi considerada pela decisão recorrida inconstitucional, tendo sido
recusada a sua aplicação, por violação dos princípios da justiça e da
proporcionalidade, invocando-se para tal o Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 267/97 (publicado no Diário da República [DR], II série, de 21 de Maio de
1997), e considerando-se que a situação não era idêntica à do Acórdão n.º
20/2000 (DR, II série, de 28 de Abril de 2000), pois a expropriação não foi
motivada apenas pela construção da via de acesso, mas visou a construção de uma
central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário.
4. O artigo 24.º do Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º
438/91, de 9 de Novembro; e entretanto já revogado pelo artigo 3º da Lei n.º
168/99, de 18 de Setembro, que aprovou um novo Código das Expropriações), depois
de, no seu n.º 1, estabelecer que, para efeito do cálculo da indemnização por
expropriação, o solo se classifica em “solo apto para a construção” e “solo para
outros fins”, indica, no seu n.º 2, o que considera “solo apto para construção”.
Preceitua este n.º 2
“2. Considera-se solo apto para construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de
energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as
edificações nele existentes ou a construir;
b) O que pertença a núcleo urbano não equipado com todas as infra‑estruturas
referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações
desocuparem dois terços da área apta para o efeito;
c) O que esteja destinado, de acordo com plano municipal de ordenamento do
território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea
a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua,
todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da
declaração de utilidade pública.”
O n.º 3 do referido artigo estabelece o que se considera equiparado a “solo apto
para a construção” para efeitos de aplicação do dito Código: a área de
implantação e o logradouro das construções isoladas até ao limite do lote
padrão, entendendo-se este como a soma da área de implantação da construção e da
área de logradouro até ao dobro da primeira. No n.º 4 considera-se “solo para
outros fins” o que não é abrangido pelo estatuído nos dois números anteriores.
Segundo o n.º 5 do referido artigo 24º, em causa no presente processo, “para
efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o
solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção” (esta
última norma desapareceu no artigo 25º do Código das Expropriações de 1999,
existindo agora apenas um n.º 3 que, a seguir à descrição, no n.º 2, das
situações que determinam a qualificação como “solo apto para construção”,
considera “solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações
previstas no número anterior”).
No presente caso está, mais precisamente, em questão a conformidade
constitucional da norma contida naquele n.º 5, se interpretada por forma a impor
a exclusão da classificação como “solo apto para construção” o solo situado numa
zona que o Plano Director Municipal classificava como área florestal de produção
condicionada, expropriada para construção de uma central de incineração de
resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário de apoio e concretamente
destinada à execução da via de acesso às instalações da central de incineração.
5. Convém recordar, a este propósito, que a consideração da aptidão do solo para
construção como critério para calcular o valor da indemnização a pagar aos
expropriados resultou já de condicionantes constitucionais, tal como decorriam
da jurisprudência deste Tribunal a este respeito. Escreveu-se, a este respeito,
no citado Acórdão n.º 20/2000:
«6. A introdução, como critério de cálculo do valor da indemnização a pagar aos
proprietários de prédios expropriados, da distinção entre “solo apto para
construção” e “solo para outros fins”, ocorreu já na sequência de jurisprudência
do Tribunal Constitucional relativa ao Código das Expropriações de 1976
(aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), e, em particular, à
norma do seu artigo 30º, n.º 1 – vejam-se os Acórdãos n.ºs 341/86, 442/87, 3/88
e 5/88 (publicados no DR, II série, respectivamente de 19 de Março de 1987, 17
de Fevereiro e 14 de Março de 1988), bem como o Acórdão n.º 131/88 (DR, I série,
de 29 de Junho de 1988), que declarou a inconstitucionalidade com força
obrigatória geral, por violação dos artigos 62º, n.º 2, e 13º, n.º 1, da
Constituição da República.
Essa norma do Código das Expropriações de 1976 impunha que o valor dos terrenos
situados fora de aglomerados urbanos fosse calculado em função dos rendimentos
efectivo e possível dos mesmos, atendendo exclusivamente ao seu destino como
prédio rústico. Impedia, assim, que factores de outra natureza, que não os
rústicos, embora susceptíveis de alterar o valor do prédio (entre eles o da
“potencial aptidão de edificabilidade”), fossem considerados no cálculo da
indemnização por expropriação.
Logo então teve este Tribunal ocasião de realçar que o jus aedificandi deveria
ser
“considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas
situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa.”
Tal jurisprudência relativa à consideração da potencialidade edificativa na
avaliação da justa indemnização por expropriação conduziu, depois, igualmente ao
julgamento de inconstitucionalidade de normas do Decreto-Lei n.º 576/70, de 24
de Novembro, enquanto estabeleciam limites à fixação da indemnização por
expropriação – assim, no Acórdão n.º 184/92 (DR, II série, de 18 de Setembro de
1992) e no Acórdão n.º 259/94 (DR, II série, de 30 de Julho de 1994), bem como
nos Acórdãos n.ºs 359/94 (DR, II série, de 3 de Setembro de 1994), 111/97,
286/97 (inéditos) –, repetindo-se, então, que, como se observara nos citados
Acórdãos n.º 341/86 e 131/88, apesar da imposição, pela Administração, de
vínculos aos particulares que lhes diminuam a utilitas rei sobre certos bens,
deverá o direito a edificar, em princípio, constituir factor de fixação
valorativa, “ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma
muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”.
Em relação ao Código das Expropriações de 1991, concluiu-se, no Acórdão n.º
194/97 (DR, II série, de 27 de Janeiro de 1999), que as normas das várias
alíneas do n.º 2 do artigo 24º não são inconstitucionais, não violando,
designadamente, nem o direito à justa indemnização (consagrado no artigo 62º,
n.º 2, da Constituição), nem o princípio da igualdade (consagrado no artigo 13º
da Constituição) – no mesmo sentido, o Acórdão n.º 671/98.
Salientou-se nesse Acórdão n.º 194/97, fazendo a história da evolução
legislativa e jurisprudencial a este respeito:
“5.1. No domínio do Código das Expropriações de 1976 (aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 845/76, de 11 de Dezembro), a questão da justa indemnização a pagar aos
particulares pela expropriação dos seus terrenos para fins de utilidade pública
foi objecto de inúmeras decisões deste Tribunal, que acabou por declarar
inconstitucionais, com força obrigatória geral, os n.ºs 1 e 2 do artigo 30º
daquele Código.
Ponderou então o Tribunal que, sendo o direito à justa indemnização um direito
fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, as
restrições que lhe forem impostas devem limitar-se ao necessário para a
salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ora
– frisou –, nos n.ºs 1 e 2 daquele artigo 30º, para o cálculo do montante da
indemnização a pagar aos expropriados, não se levava em linha de conta a
potencial aptidão edificativa dos terrenos que se situassem fora dos aglomerados
urbanos ou em zonas diferenciadas desses mesmos aglomerados – com o que se
violavam os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos
cidadãos perante a lei (cf. acórdãos n.ºs 131/88 e 52/90, publicados no Diário
da República, I série, de 29 de Junho de 1988 e de 30 de Março de 1990,
respectivamente).
Claro é que – como nessa jurisprudência se acentuou – a Constituição não tutela
expressamente o direito a edificar como um direito que se inclua, necessária e
naturalmente, no direito de propriedade. Apesar disso, porém – sublinhou-se no
acórdão n.º 341/86 (publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março
de 1987) e repetiu-se no citado acórdão n.º 131/88 – parece que, ‘mesmo naqueles
casos em que a Administração impõe aos particulares certos vínculos que, sem
subtraírem o bem objecto do vínculo, lhe diminuem, contudo, a utilitas rei, se
deverá configurar o direito a uma indemnização, ao menos quando verificados
certos pressupostos’. E mais: o ius aedificandi ‘deverá ser considerado como um
dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os
respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa’.
A indemnização, com efeito, só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do
prejuízo que efectivamente ele sofreu. Não pode, por isso, ser de montante tão
reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser
desproporcionada à perda do bem expropriado. Não deve, assim, atender a factores
especulativos ou outros que distorçam, para mais ou para menos, a proporção que
deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar
por ela (cf., sobre isto, Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o
Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, p. 533).
Há, pois – como se sublinhou no acórdão n.º 184/92 (publicado no Diário da
República, II série, de 18 de Setembro de 1992) –, que observar aqui um
princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça, em
suma.
A Constituição, impondo que a indemnização a pagar ao expropriado seja justa,
exige, na verdade, que o legislador ordinário defina um critério do quantum
indemnizatório capaz de realizar o princípio da igualdade dos expropriados entre
si e destes com os não expropriados.
É que, a expropriação por utilidade pública – que é imposta aos particulares em
vista da satisfação de um determinado interesse público – coloca aqueles que a
sofrem numa situação de desigualdade em confronto com os demais cidadãos.
Ora, num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento,
designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta
pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que
assegure ‘uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo
expropriado’ (cf. o citado acórdão n.º 52/90 e o acórdão 381/89, publicado no
Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com
efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula.
O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe se dê tratamento jurídico
desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo
estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material
para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns
expropriados se imponha uma ‘onerosidade forçada e acrescida’ sem que exista
justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado acórdão n.º
131/88); – recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo,
que, ‘em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e
que nas situações particulares dos n.ºs 1 e 2 do artigo 30º do Código das
Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e
corrente’ (cf. o acórdão n.º 109/88, publicado no Diário da República, II série,
de 1 de Setembro de 1988).
O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento de um direito fundamental
dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de
que são privados por razões de utilidade pública, alcança-se, seguramente,
quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado.
Outros critérios são, porém, possíveis. Questão é que eles realizem os
princípios de justiça, de igualdade e de proporcionalidade que a indemnização
tem que cumprir – acentuou-se no já citado acórdão n.º 184/92.
5.2. No novo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de
9 de Novembro), o legislador teve em conta a jurisprudência do Tribunal
Constitucional, cujos traços essenciais se indicaram e que aqui se adopta na
íntegra.
Depois de citar expressamente os acórdãos n.ºs 131/88 e 52/90, acima referidos,
escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 438/91:
‘partindo da ideia básica desta jurisprudência de que a não consagração na lei
da potencial aptidão de edificabilidade dos terrenos expropriados e localizados
fora dos aglomerados urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano
violaria os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos
cidadãos perante a lei (artigos 62º, n.º 2, e 13º, n.º 1, da Constituição),
entendeu-se, para efeitos do valor a atribuir aos particulares pela expropriação
dos seus terrenos, classificar o solo em apto para a construção e para outros
fins.’
O legislador começou por acentuar que a indemnização ‘não visa compensar o
benefício alcançado, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da
expropriação’, e, logo a seguir, definiu como critério ou medida geral dessa
indemnização o valor do bem expropriado, ‘tendo em consideração as
circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de
utilidade pública’ (cf. artigo 22º, n.º 2).
Para o efeito do cálculo dessa indemnização, o legislador deixou de classificar
os terrenos em terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, em zona
diferenciada do aglomerado urbano ou em aglomerado urbano. Passou, antes, a
classificá-los em solo apto para construção e solo para outros fins (cf. artigo
24º, n.º 1), à semelhança do que fazia o Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de
Novembro, que falava em terrenos para construção e terrenos para outros fins
(cf. artigos 6º e 7º).
No artigo 24º, n.º 2 [...], passou o legislador a definir o que é um solo apto
para construção
[...]
O legislador, ao definir solo apto para construção, não adoptou ‘um critério
abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o
solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação –, mas
antes um critério concreto de potencialidade edificativa’ sublinha Fernando
Alves Correia, na Introdução ao Código das Expropriações e outra Legislação
Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Aequitas, Editorial Notícias, 1992.
O legislador, ao proceder à identificação dos solos aptos para a construção,
teve, na verdade, em conta como refere o mesmo Autor (loc. cit.) – ‘elementos
certos e objectivos, espelhados na dotação do solo com infra-estruturas
urbanísticas [artigo 24º, n.º 2, alínea a)], na sua inserção em núcleo urbano
[artigo 24º, n.º 2, alínea b)], na qualificação do solo como área de edificação
por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz [artigo
24º, n.º 2, alínea c)] ou na cobertura do mesmo por alvará de loteamento ou
licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública
[artigo 24º, n.º 2, alínea d)]’.
5.3. Esta definição de solo apto para a construção, assente nos elementos certos
e objectivos apontados, será capaz de responder satisfatoriamente ao desiderato
de justiça de que antes se falou como achando-se implicado no direito
fundamental do expropriado a uma justa indemnização?
Perguntando de outro modo: será que uma tal definição conduz a que, no cálculo
do valor dos bens expropriados, o ius aedificandi seja, efectivamente,
considerado ‘como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas
situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa’?
A resposta tem que ser afirmativa.
Na verdade, só pode dizer-se que os bens expropriados envolvem ‘uma muito
próxima ou efectiva potencialidade edificativa’, quando, no mínimo, estejam
destinados a ser dotados de infra-estruturas urbanísticas, ‘de acordo com plano
municipal de ordenamento do território plenamente eficaz’ [alínea c) do n.º 2 do
artigo 24º] ou, pelo menos, quando possuam ‘alvará de loteamento ou licença de
construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública’ [alínea d) do
n.º 2 do artigo 24º].
Se, como pretendem os recorrentes, não devesse exigir-se, para o reconhecimento
da aptidão edificativa de um terreno, a sua prévia qualificação como solo para
construção por um ‘plano municipal de ordenamento do território plenamente
eficaz’ ou a existência de um ‘alvará de loteamento ou licença de construção em
vigor no momento da declaração de utilidade pública’, o resultado seria, muito
decerto, ter que reconhecer-se essa capacidade a quase todos os terrenos, senão
mesmo a todos eles. A tanto conduziria, com efeito, o critério que propõem de se
reconhecer aptidão construtiva ‘por parâmetros objectivos e naturais’ como,
aliás, parece inculcar a sua afirmação ‘havendo sempre lugar à indemnização, no
caso de expropriação, tendo em conta a valorização natural quanto à aptidão
construtiva de um terreno expropriado’.
É que, em teoria, seria, de facto, possível construir em todos os solos, mesmo
que incluídos na Reserva Agrícola Nacional (disciplinada pelo Decreto-Lei n.º
196/89, de 14 de Junho) ou na Reserva Ecológica Nacional (regulada pelo
Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) e, mesmo, sem observar os respectivos
planos municipais de ordenamento do território (planos directores municipais,
planos de urbanização ou planos de pormenor. Cf. o Decreto-Lei n.º 69/90, de 2
de Março), senão, inclusive, sem loteamento (cujo regime jurídico consta do
Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, alterado pelos Decretos-Lei n.º
302/94, de 18 de Dezembro, e 334/95, de 28 de Dezembro, tendo este último sido
alterado pela Lei n.º 26/94, de 1 de Agosto) ou sem licença de construção (sobre
o licenciamento das obras dos particulares, cf. o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20
de Novembro, alterado pelo Decreto‑Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, que o
republicou, e pela Lei n.º 22/96, de 26 de Julho).
Mais ainda: se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno
expropriado existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam
criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a
avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas ‘uma
adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado’ (cf. citado
acórdão n.º 381/89) e ser ‘desproporcionada à perda do bem expropriado’ (cf.
acórdão n.º 184/92, citado).
Ora, só quando os terrenos expropriados ‘envolvam uma muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa’ (cf. o citado acórdão n.º 131/88) é que se impõe
constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se
considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só
acontece, quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não
também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer
concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou
numa licença de construção.
A definição de solo apto para a construção, constante das várias alíneas do n.º
2 do artigo 24º, responde, pois, às exigências feitas pelo princípio
constitucional da justa indemnização, consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Lei
Fundamental.
Como tais normas se adequam à finalidade de assegurar o pagamento de
indemnizações justas aos expropriados, não desfavorecem elas o expropriado no
confronto com os proprietários não abrangidos pela expropriação –, e, por isso,
não violam o princípio da igualdade, no âmbito externo. E, como não estabelecem
distinções de tratamento entre terrenos que se encontrem em situação idêntica,
não violam a igualdade entre os expropriados.
6. Concluindo, pois: as normas constantes das várias alíneas do n.º 2 do artigo
24º do actual Código das Expropriações não são inconstitucionais, pois que não
violam o direito à justa indemnização (consagrado no artigo 62º, n.º 2, da
Constituição), nem o princípio da igualdade (consagrado no artigo 13º da
Constituição).”»
6. No presente processo, como vimos, está, porém, em causa a
constitucionalidade, não do n.º 2 do artigo 24º do Código das Expropriações, mas
do seu n.º 5. E o Tribunal Constitucional teve já ocasião de se pronunciar, mais
do que uma vez, sobre a constitucionalidade do artigo 24º, n.º 5, desse Código
das Expropriações.
Fê-lo, primeiro, no referido Acórdão n.º 267/97, no qual foi julgada
inconstitucional “enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de
‘solo apto para a construção’ os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional
expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins
diferentes de utilidade pública agrícola”, num caso em que estava em causa a
expropriação de um prédio integrado na Reserva Agrícola Nacional , para
construção de um quartel de bombeiros, após desafectação daquela reserva.
No Acórdão n.º 20/2000, também citado, decidiu-se, porém, “não julgar
inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações
vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a
construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para
implantação de vias de comunicação.”
Posteriormente, no Acórdão n.º 243/2001 (ainda inédito), o Tribunal
Constitucional veio novamente a não julgar inconstitucional a norma constante do
artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1991, interpretada no sentido
de excluir da classificação de solo apto para a construção o solo integrado na
Reserva Agrícola Nacional expropriado com a finalidade de nele se construir uma
auto-estrada.
No presente caso, verifica-se que a parcela de terreno expropriada, cuja
indemnização está em causa, estava integrada numa área que o Plano Director
Municipal da Maia classificava como área florestal de produção condicionada, na
qual não é admissível a construção urbana.
Assim, quem – e mesmo em casos como o decidido pelo Acórdão n.º 267/97 –
considerar que a Constituição da República, pela determinação do pagamento de
uma “justa indemnização”, não impõe a qualificação como “solo apto para
construção” de terrenos nos quais se não podia construir, mesmo que expropriados
para neles se edificar construções urbanas – isto é, quem não concorde com o
juízo de inconstitucionalidade a que se chegou nesse aresto –, sempre chegaria,
no presente processo (por identidade ou mesmo maioria de razão), igualmente a
uma conclusão de inexistência de inconstitucionalidade. E esta posição poderia,
designadamente, basear‑se na circunstância de o expropriado não ser titular,
anteriormente à expropriação, de expectativas legítimas relativas à
potencialidade edificativa do terreno, já que bem sabia (ou devia saber) que,
segundo o Plano Director Municipal, já nele não podia construir.
Não tendo o proprietário expectativa razoável de ver o terreno desafectado e
destinado à construção, não poderia invocar o princípio da “justa indemnização”,
de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade
edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual
não podia contar.
7. Quer a decisão recorrida, quer a decisão sumária lavrada neste Tribunal pela
relatora – em que se negava provimento ao recurso interposto pelo Ministério
Público – concluíram, porém, que havia, no presente caso, que repetir o
julgamento de inconstitucionalidade, com fundamentação semelhante a esse Acórdão
n.º 267/97. Isto porque, segundo tal entendimento,
«A situação agora em apreciação é substancialmente semelhante à situação em
apreciação no processo no qual foi proferido o Acórdão n.º 267/97. Na verdade,
em ambos os casos os particulares proprietários não podem, por força das
respectivas classificações das áreas geográficas, edificar nos terrenos
expropriados, e as expropriações, nas duas situações, destinam‑se precisamente à
construção de edifícios nos quais se instalarão serviços de utilidade pública
(num caso, um quartel de bombeiros, no outro, uma central de incineração de
resíduos urbanos). A dimensão normativa agora em apreciação é, pois,
substancialmente idêntica à apreciada no Acórdão n.º 267/97.
O que acaba de se dizer não é infirmado pela circunstância de a parcela
expropriada se destinar especificamente à construção de uma via de acesso à
central incineradora a construir. Sendo o terreno expropriado composto por
várias parcelas e destinando‑se a área global à construção da referida central
de incineração e respectivas infra-estruturas, a expropriação que incide sobre a
parcela para a qual está prevista, no plano geral, a construção da via de acesso
à central ainda se destina, funcionalmente, à construção da referida central.
Trata‑se, portanto, de uma situação diferente da que estava em causa no processo
onde foi proferido o Acórdão n.º 20/2000, onde o Tribunal Constitucional decidiu
não julgar inconstitucional a norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das
Expropriações, interpretado no sentido de “excluir da classificação de ‘solo
apto para a construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional
expropriados para implantação de vias de comunicação”.
Com efeito, nesse aresto estava em causa a mera construção de uma via de
comunicação (uma auto‑estrada); nos presentes autos, trata‑se da construção de
uma central de incineração e respectivas infra-estruturas.
A autonomização da parcela que se destina especificamente à construção da via de
acesso à central de incineração é tão artificial quanto o seria a hipotética
autonomização da parcela que se destinasse ao parqueamento das viaturas que
transportam os resíduos ou das viaturas dos trabalhadores da central ou das
parcelas referentes às áreas que imediatamente circundam as instalações da
central onde naturalmente nenhuma construção existirá. No caso dos autos,
diferentemente do decidido no Acórdão n.º 20/2000, a via de acesso só é
construída por necessidade e em função da edificação da central incineradora,
não tendo nessa medida autonomia. A expropriação realiza-se, portanto, porque
vai ser construída uma central incineradora e não para a construção de uma via
de comunicação.»
Ora, como é sabido, a formulação de um juízo de semelhança ou de dissemelhança
jurídica entre duas hipóteses de facto depende do ponto de vista que se deva
considerar normativamente relevante para um determinado efeito jurídico – no
caso, para o reconhecimento da aptidão edificativa para efeitos indemnizatórios.
No presente caso, o termo de comparação entre as duas situações de facto há-de
buscar-se, pois, para tais efeitos, na(s) ratio(nes) decidendi da jurisprudência
segundo a qual, em determinadas circunstâncias, a equiparação a “solo para
outros fins” – ou seja, a não qualificação como “solo apto para a construção” –
de solo que, por lei ou regulamento, não podia ser utilizado na construção,
viola os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade. Importa,
por isso, recordar a distinção que se fez entre o que se considerou ter sido o
fundamento decisivo no Acórdão n.º 267/97 e as situações julgadas pelos Acórdãos
n.ºs 20/2000 e 243/2001.
Pode ler-se neste último aresto a este respeito:
«Do julgamento de inconstitucionalidade feito no citado acórdão n.º 267/97 não
decorre, porém, que o dito n.º 5 do artigo 24º também seja inconstitucional
quando [...] a parcela expropriada é destacada de um terreno integrado na
Reserva Agrícola Nacional com vista à construção de uma auto-estrada, em vez de,
como aconteceu no caso sobre que incidiu aquele aresto, o destino da parcela
expropriada ter sido a edificação de um quartel de bombeiros: desde logo,
porque, embora em ambos os casos se tenha dado ao terreno expropriado uma
utilização não agrícola, na presente situação, a expropriação não pressupôs a
libertação do terreno daquela Reserva Agrícola, enquanto que, na hipótese
julgada naquele aresto, foi necessário proceder à sua desafectação da referida
Reserva.
Ora, quando o terreno expropriado é afectado à construção de uma auto-estrada,
não pode falar-se em aptidão edificativa: o terreno não a tinha, porque estava
integrado na Reserva Agrícola Nacional, e o destino que lhe é dado continua a
não a revelar. E, por isso, não pode dizer-se que, num tal caso, haja injustiça
ou se viole a igualdade com o facto de, na indemnização a pagar ao expropriado,
se não entrar em linha de conta com a potencialidade edificativa do terreno:
esta, pura e simplesmente, não existia, nem decorre da expropriação.
Como se sublinhou no acórdão n.º 20/2000 (publicado no Diário da República, II
série, de 28 de Abril de 2000) – que concluiu não ser inconstitucional a norma
constante do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991,
“interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a
construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para
implantação de vias de comunicação” –, a ratio decidendi daquele acórdão n.º
267/97 baseou-se “não na desvinculação de uma utilização agrícola pela
expropriação, ou na ilegitimidade de expropriação de prédios impostos na Reserva
Agrícola Nacional, mas na circunstância de, nesse caso, a interpretação
normativa em apreço conduzir à não consideração de ‘solo apto para a construção’
de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles se construir
prédios urbanos, em que, portanto, a ‘muito próxima ou efectiva’ potencialidade
edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás acompanhada de
desafectação da Reserva Agrícola Nacional – ser efectuada para edificação de
construções urbanas”. E acrescentou-se nesse aresto:
Em lugar da eliminação da utilização agrícola, é, pois, relevante, para tal
juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como ‘solo apto
para a construção’, a potencialidade edificativa efectiva que se vai actualizar
na construção visada pela própria entidade expropriante.
O que interessa, para efeitos de ‘justa indemnização’, não é o facto de o
terreno deixar de ter aptidão agrícola – como acontece quer na construção de um
prédio urbano, quer com os terrenos nos quais se constrói uma auto-estrada –,
pois isso não afecta a necessidade da sua qualificação como ‘solo apto para a
construção’. Relevante para esse efeito é, sim, o facto de terem ou não uma
muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, que resulta do facto de o
expropriante lhe dar uma utilização para construção.
Um pouco mais adiante, o mesmo aresto n.º 20/2000 insistiu:
Repete-se que a alteração da destinação agrícola, só por si, não impõe uma
indemnização como ‘solo apto para a construção’, pois não baseia a existência de
uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa. Da construção da
auto-estrada não resulta, na verdade, a potencialidade edificativa de
construções urbanas, relevante para a qualificação como ‘solo apto para a
construção’, como resultaria se a expropriação, com desafectação da Reserva
Agrícola Nacional, fosse para construção de um prédio urbano.
Por sua vez, FERNANDO ALVES CORREIA – que dá nota da dissemelhança entre os
casos que estiveram na origem dos citados acórdãos nºs 267/97 e 20/2000 –
sublinha que o “sentido profundo” do julgamento de inconstitucionalidade
constante do acórdão n.º 267/97 “é o de impedir que a Administração, depois de
ter integrado um determinado terreno na RAN – integração essa de que resulta uma
proibição de construção, mas que não é acompanhada de indemnização, já que tal
proibição é uma mera consequência da vinculação situacional
(Situationsgebundenheit) da propriedade que incide sobre os solos integrados na
RAN, isto é, um simples produto da situação factual destes, da sua inserção na
natureza e na paisagem e das suas características intrínsecas –, venha,
posteriormente, a desafectá-lo, com o fim de nele construir um equipamento
público, pagando pela expropriação um valor correspondente ao de solo não apto
para a construção”. “Na verdade – acrescenta –, se o Tribunal Constitucional
coonestasse um tal comportamento da Administração e não julgasse
inconstitucional a norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de
1991, na referida interpretação, estaria a legitimar a ‘manipulação’ das regras
urbanísticas por parte da Administração, que poderia traduzir-se na integração
de um terreno na RAN, desvalorizando-o, para mais tarde o desafectar, para nele
construir, adquirindo-o, por expropriação, e pagando por ele um valor
correspondente ao de solo não apto para a construção” (cf. A Jurisprudência do
Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das
Expropriações de 1999, Coimbra, 2000, página 52).»
Ou seja, e por outras palavras: o que fundou o juízo de inconstitucionalidade da
não qualificação do terreno como “solo apto para a construção” para efeitos
indemnizatórios não foi a circunstância de o terreno deixar de ter utilização
agrícola ou florestal, nem a circunstância de nele se vir a construir uma via de
comunicação ou um acesso a um equipamento público, ou, mesmo, de tal acesso
dever ser considerado ainda funcionalmente integrado neste equipamento. Foi,
antes – como, aliás, se disse já nos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01, para os
quais se remete – a circunstância de a inexistência de uma muito próxima ou
efectiva aptidão edificativa, pressuposta na qualificação do solo como apto para
outros fins (que não a construção), ser contrariada pelo próprio destino que o
expropriante concretamente lhe dá, ao utilizá-lo para construção.
E isto é assim porque, caso se não considerasse esta utilização, e se admitisse
a indemnização do expropriado como se o solo não fosse apto para construção se
estaria a coonestar a possibilidade de “manipulação” das regras urbanísticas por
parte da Administração.
8. Revertendo ao presente caso, verifica-se, de forma decisiva, que, no que,
conforme se explicou (e resultava já dos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01),
interessa para a apreciação jurídico-constitucional (designadamente, à luz dos
critérios da 'justa indemnização' e da igualdade) da norma em crise, este caso,
tal como os decididos nos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01, não pode considerar-se
semelhante ao subjacente ao Acórdão n.º 267/97.
Na verdade, está agora em causa a expropriação de uma parcela de terreno no qual
o Plano Director Municipal não permitia a construção e que a entidade
expropriante destinou à implantação, nele, de um acesso (uma via de comunicação)
às instalações da central de incineração, e não à edificação ou construção de
qualquer prédio urbano. Se esta última utilização poderia infirmar a negação da
qualificação como “solo apto para construção”, o mesmo não pode dizer-se, porém,
da utilização que foi dada ao prédio.
É certo que, em ambos os casos, o prédio expropriado deixa de ter a utilização a
que estava destinado. Porém, como se salientou no Acórdão n.º 20/2000
“(...) no caso de expropriação para edificação de prédio urbano, a expropriação
visa justamente a concretização da aptidão edificativa cujo afastamento estava
subjacente à exclusão da classificação como ‘solo apto para construção’.
Isto, enquanto no caso de implantação de uma auto-estrada [ou, no caso, de uma
via de acesso] não se vem a verificar, pelo destino dado ao prédio expropriado,
que este tivesse qualquer muito próxima ou efectiva aptidão edificativa de
prédios urbanos, ou que fosse assim ‘solo apto para construção’, sequer para o
expropriante.
Apenas no primeiro caso pode dizer-se que a exclusão de uma indemnização como
‘solo apto para construção’ se apresenta ofensiva dos princípios constitucionais
da justa indemnização e da igualdade – apenas nesse caso a não consideração do
valor do terreno como ‘solo apto para construção’ é injusta e conduz a uma
desigualdade (em relação a outros expropriados), por ser desmentida desde logo
pela utilização visada com a expropriação.
Deve, pois, entender-se que a ratio decidendi do Acórdão n.º 267/97 se baseou
(...) na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço
conduzir à não consideração como ‘solo apto para construção’ de prédios
expropriados justamente com a finalidade de neles construir prédios urbanos, em
que, portanto, a ‘muito próxima ou efectiva’ potencialidade edificativa fica
demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás, acompanhada de desafectação da
RAN – ser efectuada para edificação de construções urbanas.”
9. Já se vê, pois, que não pode considerar-se relevante para conduzir a um juízo
de inconstitucionalidade o argumento de que a via de acesso construída no
terreno expropriado o foi por necessidade e em função da edificação da central
incineradora, não tendo autonomia, e realizando-se a expropriação porque ia ser
construída uma central incineradora e não para a construção de uma via de
comunicação.
Na verdade, repete-se, a fundamentação dos Acórdãos n.ºs 267/97, 20/2000 e
243/2001 assenta, como se deixou claro nestes dois últimos arestos, no destino
concretamente dado ao solo pela entidade expropriante, que contraria a
qualificação sustentada por essa entidade para efeitos indemnizatórios – e não
na circunstância de o motivo da expropriação estar na implantação de um
equipamento noutro terreno, ou de ele se destinar a uma via de comunicação ao
serviço desse outro equipamento, circunstância, essa, que é irrelevante para
aferir a legitimidade da qualificação do solo no qual se veio a implantar a via
de acesso como solo “apto para construção” ou “apto para outros fins”.
Como se escreveu no Acórdão n.º 20/2000,
“(...) estando o valor do prédio expropriado limitado em consequência da
existência de uma legítima restrição legal ao jus aedificandi, e não tendo o
proprietário qualquer expectativa razoável de o ver desafectado e destinado à
construção por particulares, não pode invocar-se também o princípio da justa
indemnização para pretender ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado
ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, legalmente
inexistente e que não foi confirmada pela finalidade dada aos solos depois da
expropriação (que não foi a edificação de construções urbanas, mas sim a
construção de uma auto‑estrada) [no caso de uma via de acesso à central de
incineração].”
Aliás, conforme notou o Ministério Público, não se detecta, no caso dos autos,
qualquer indício de actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em
manipulação das regras urbanísticas, para desvalorizar artificiosamente um
terreno e mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à
construção de edificações urbanas de interesse público. Sendo, pois, que também
neste aspecto o presente caso se afigura distinto do decidido pelo Acórdão n.º
267/97 (e isto, já mesmo sem considerar o diferente destino das edificações, num
caso e outro), onde se notou que a Administração classificou o terreno, “bem ou
mal (...) como terreno de utilidade pública agrícola e, por isso, integrou-o na
RAN” e que “desvalorizado, a Câmara de Chaves adquire‑o, pagando por ele um
valor correspondente ao de solo não apto para construção (e note-se que a sua
apropriação ocorreu apenas a uma semana da publicação da Portaria n.º 380/93,
que veio libertar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela).”»
No presente recurso, cumpre apenas reiterar as considerações transcritas,
enunciadas na fundamentação do Acórdão n.º 121/2002.
Não se julga, pois, inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código
das Expropriações de 1991, interpretada por forma a excluir da classificação de
“solo apto para a construção” os terrenos que, segundo o Plano Director
Municipal em vigor à data da expropriação, se situam em zona florestal de
produção condicionada, expropriados para neles se implantarem vias de
comunicação rodoviária – isto sem que fique prejudicada a possibilidade a
aplicação de outras normas, como a do artigo 26.º, n.º 12, do citado Código, e
sendo certo que não é já ao Tribunal Constitucional que compete concretizar as
consequências a extrair, no processo, do presente julgamento sobre a questão de
constitucionalidade.
Há, por conseguinte, que conceder provimento ao recurso.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das
Expropriações de 1991, interpretada por forma a excluir da classificação de
“solo apto para a construção” os terrenos que, segundo o Plano Director
Municipal em vigor à data da expropriação, se situam em zona florestal de
produção condicionada, expropriados para neles se implantarem vias de
comunicação rodoviária;
b) Por conseguinte, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da
decisão recorrida em conformidade com o presente juízo sobre a questão de
constitucionalidade.
Lisboa, 30 de Março de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto aposta no Acórdão
n.º 121/02)
Rui Manuel Moura Ramos