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Processo n.º 641/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 19 de
Setembro de 2005, que decidiu não tomar conhecimento dos recursos de legalidade
e de constitucionalidade por ela interpostos quanto às normas dos artigos 61.º,
n.º 1, alínea b), 86.º, n.º 5, 97.º, n.º 4, 193.º, 194.º, n.ºs 1 e 3, e 204.º,
alínea c), todos do Código de Processo Penal, e julgar não inconstitucional a
norma dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 141.º do Código de Processo Penal, na sua
dimensão enunciativa, e, ainda, condená-la em custas, com sete unidades de conta
de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
«1. Nos autos de Inquérito n.º 377/04.9JAPTM, que correm seus termos no 2.º
Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Silves, e nos quais figura como
arguida, entre outros, A., suspeita da prática de factos susceptíveis de
constituírem crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo
21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, foi proferido pelo Juiz
de Instrução, após realização de primeiro interrogatório judicial de arguido
detido, em 14 de Fevereiro de 2005, despacho a decretar a aplicação àquela da
medida de coacção de prisão preventiva.
Desse despacho recorreu a arguida, mas, por acórdão tirado em conferência em 24
de Maio de 2005, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso, e,
consequentemente, manteve o despacho recorrido. Pode ler-se nesse aresto:
«(...)
2. O artigo 32.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa estabelece que
o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
Como escreve MAIA GONÇALVES, ibidem, p. 195 e 196, “Alguns dos direitos
incluídos no estatuto do arguido têm dignidade constitucional, assim sucedendo
com o direito a garantias de defesa, com a presunção de inocência até ao
trânsito em julgado da sentença condenatória e com o direito à escolha de
defensor que lhe assista em todos os actos do processo (art.º 32.°, n.ºs 1, 2 e
3, da CRP).
O direito a garantias de defesa tem conteúdo vago, tratando-se de uma norma da
CRP destinada a eivar todo o processo penal de modo a dotar os arguidos de todos
os instrumentos processuais necessários para poderem contrariar a posição do MP,
entidade em relação à qual existe normalmente à partida uma grande desigualdade
de meios, já que o MP se encontra apoiado pelo poder institucionalizado do
Estado”.
O artigo 61.° do CPP, que versa sobre os direitos e deveres processuais do
arguido, alude a que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo,
e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam
tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte; (...)
Mas como se respiga do Acórdão do Tribunal Constitucional de 4 de Novembro de
1987, in BMJ, 371, 160, o conteúdo essencial do princípio do contraditório está
em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência nem nenhuma decisão, mesmo
interlocutória, deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada
ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de
a discutir, de a contestar e de a valorar. Ao princípio do contraditório estão
subordinados a audiência de julgamento e bem assim os actos instrutórios que a
lei determinar (n.º 5 do art.º 32.° da CRP); daqui não decorre, porém, que tenha
que haver sempre uma instrução ou sequer que seja obrigatória a existência de
uma fase de instrução. Na determinação dos actos instrutórios que hão-de ficar
subordinados ao princípio do contraditório, goza o legislador de grande
liberdade; ele só tem que ter sempre presente que o processo criminal há-de ser
a due process of law, a fair process, onde o arguido tenha efectiva
possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o MP.
Nesta ordem de ideias, estabelece o artigo 141.º do CPP, que não foi declarado
inconstitucional, referente ao primeiro interrogatório judicial de arguido
detido, que “o juiz informa o arguido dos direitos referidos no artigo 61.º, n.º
1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos motivos da detenção,
comunica-lhos e expõe-lhe os factos que lhe são imputados”.
Esta comunicação e exposição dos factos imputados é legalmente obrigatória, e
necessária, sem o que o arguido [não] pode exercer o seu direito de defesa.
Na verdade, prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos
ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude
ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a
determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção.
O conteúdo do contraditório no primeiro interrogatório judicial de arguido
detido deve pois referir-se aos motivos da detenção, que devem ser comunicados
ao arguido, e à exposição dos factos que lhe são imputados.
Com efeito, já o artigo 27.°, n.º 4, da Constituição da República determina que
“toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma
compreensível da sua prisão ou detenção e dos seus direitos”, devendo o juiz,
nos termos do artigo 28.°, n.º 1, da CRP, “conhecer das causas que a
determinaram e comunicá-la ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de
defesa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 416/03, de 24 de
Setembro de [2003] “(...) o critério orientador nesta matéria deve ser o
seguinte: a comunicação dos factos deve ser feita com a concretização necessária
a que um inocente possa ficar ciente dos comportamentos materiais que lhe são
imputados e da sua relevância jurídico-criminal, por forma a que lhe seja dada
‘oportunidade de defesa’ (artigo 28.°, n.º 1, da CRP)”.
As circunstâncias pormenorizadas do modo, tempo e lugar da ocorrência dos factos
imputados, relativamente ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido,
situado em fase investigatória do processo, não são absolutamente necessárias,
desde que a comunicação e exposição dos factos sejam bastantes para a
oportunidade da defesa, com vista à apreciação judicial para restituição à
liberdade ou imposição de medida de coacção adequada.
Tanto assim é que o artigo 283.°, n.º 1, do CPP, ao referir-se aos requisitos da
acusação – peça nobre por excelência da imputação jurídico-criminal e que define
a temática do objecto do processo – apenas impõe, sob pena de nulidade a “(...)
narração, ainda que sintética, dos factos... incluindo, se possível, o lugar, o
tempo e motivação da sua prática”.
A natureza acusatória do processo criminal implica que esteja subordinada ao
princípio do contraditório a audiência de julgamento mas, quanto aos actos
instrutórios, apenas os que a lei determinar – v. art.º 32.°, n.º 5, da CRP.
Como assinala o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 413/2004, de 7 de Junho de
2004, in DR, II série, de 23 de Julho de 2004: «(...) no Acórdão n.º 512/98
(Diário da República, 2.ª série, de 11 de Dezembro de 1998) deste Tribunal se
escreveu que “o primeiro interrogatório judicial do arguido detido” destina-se
“essencialmente” [...] ao controlo da verificação dos requisitos justificativos
da detenção e da subsequente eventual aplicação de alguma das medidas de coacção
legalmente previstas [...]”.
Por outro lado, como afirma o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 121/97, de
19 de Fevereiro de 1997, in DR, n.° 100, II série, de 30 de Abril de 1997, “Deve
notar-se que, durante a fase de inquérito, em especial à medida que este vai
decorrendo, se vão inevitavelmente consolidando ou enfraquecendo os indícios que
motivaram a aplicação de uma medida de coacção ao arguido, por força das
actividades de investigação que se vão desenrolando. (...)
Neste quadro legal não é possível sustentar que os princípios do contraditório e
da igualdade de armas imponham ao legislador que consagre, em todos os casos, um
acesso irrestrito e ilimitado aos autos na fase de inquérito pelo arguido, seja
para recorrer do despacho que impôs a prisão preventiva, seja para requerer a
sua revogação ou substituição e, porventura, recorrer do despacho que sobre tal
requerimento vier a ser proferido. De facto, as circunstâncias podem variar de
caso para caso no que toca ao tipo de crime investigado e ao próprio grau de
desenvolvimento das actividades de recolha da prova...”
3. Consta do auto de interrogatório judicial que:
“Comunicando-lhe os motivos das suas detenções, expôs-lhe os factos que lhes são
imputados, concretamente a circunstância de os arguidos fazerem parte de uma
organização que se dedica ao tráfico de droga, cada um com funções definidas. O
arguido B. terá feito o transporte de droga que veio a ser apreendida de Lisboa
para o Algarve. C. armazenava a droga (cocaína), dinheiro e objectos
relacionados com a actividade de tráfico. A arguida A. procederia à venda de
produto estupefaciente a terceiros entregue pela D.. Esta, companheira do ‘E.’,
a pessoa que coordenaria as operações desenvolvidas reportando-se a investigação
de 2004 para cá.
Os arguidos disseram querer responder à matéria dos autos, excepto a arguida A.
que preferiu, entretanto, conferenciar com o advogado.
(...)”
Contudo, mais tarde, no mesmo acto, a mesma arguida prestou declarações sobre os
factos.
4. Refere o despacho recorrido:
“1. Foi cumprido o prazo a que alude o artigo 141.º do CPP.
Os arguidos foram confrontados com a factualidade sob investigação desde Outubro
de 2004, sendo certo que a actividade de tráfico é caracterizada pela
complexidade. Daí as referências que foram feitas na presença de todos e na
sequência de que os arguidos prestaram declarações dizendo o que pretendiam e
que consideraram ser mais conveniente à sua defesa. De resto foi-lhes perguntado
se compreendiam a situação que aqui os trazia e se queriam falar sobre a mesma.
Todos responderam que sim e nessa sequência acabaram por ser confrontados com os
diversos elementos constantes dos autos, os mais relevantes, tomando posição
relativamente a cada um deles.
Também foi dito aos arguidos no início deste acto que caso não pretendessem
prestar declarações, então as referências pormenorizadas relativamente à
factualidade que lhes era imputada seria feita de uma só vez e mesmo aí,
querendo, poderiam alterar a sua posição, isto é, prestar declarações. Como
todos pretenderam o fazer, como ficou já dito, o confronto com os elementos mais
relevantes nos autos foi sempre feito ao longo de cada um dos interrogatórios.
Concretamente todos tomaram a posição em relação ao resultado das apreensões e,
além do mais, em relação ao produto estupefaciente que foi apreendido nas
circunstâncias comunicadas.
(...) Quanto à arguida A., conhecida por ‘A.’, detinha além do mais 44,4 gramas
de cocaína em sua casa, não tendo dado uma explicação plausível para tal
situação, isto descurando as quantidades inferiores (3,7 gramas do mesmo produto
e ainda de heroína, 1,3 gramas).
(...) revelam muito menor importância o teor das conversações telefónicas, sendo
certo que a maior parte das que foram autorizadas ainda não se encontram
transcritas e por essa razão não serão por ora consideradas. Diga-se apenas que
os arguidos não deixaram de ser confrontados com os factos que algumas dessas
conversações revelam mas que resultam sobretudo dos relatos de vigilância
policial conjugados com o resultado das apreensões realizadas. Por exemplo a
arguida A. confirmou conhecer o F. e uma tal G., negando porém que lhes tivesse
vendido droga. Negou por sua vez que conhecesse alguém com o nome de H. ou I..
(...) Quanto à arguida A.: reconheceu apenas ser consumidora, negando que
soubesse que tinha em sua casa os mais de quarenta gramas de cocaína e negou
também que tivesse qualquer actividade que envolvesse a venda de droga (...)”.
5. Consta ainda do auto de interrogatório judicial:
«Antes que os arguidos fossem chamados à presença da M.ª Juiz de Direito para
serem notificados pela mesma das medidas de coacção ora determinadas, foi pelo
mandatário da arguida A. pedido o uso da palavra, ao que no uso da mesma disse:
“Considerando o exposto no douto despacho que antecede relativamente à parte em
que enuncia as diversas formalidades observadas no presente acto, vir referido
que os arguidos confrontados com diversos elementos mais relevantes que constam
dos autos, e, uma vez que a arguida A. apenas foi confrontada de facto com o
teor do auto de apreensão efectuado na sua residência, parece que pelo menos o
plural da palavra elementos não estará em consonância com o singular da palavra
auto de apreensão. Nesta conformidade requer-se a V.ª Ex., M.ª Juiz que aclare a
aludida parte do despacho no sentido de não restarem dúvidas se se quis ou não
apenas se referir com a expressão ‘diversos elementos que constam dos autos’
apenas e tão-só ao auto de busca e apreensão realizado na residência. Pois foi
apenas esse o elemento dos autos que o defensor se apercebeu ter sido
confrontada a arguida.”
De seguida pela M.ª Juiz de Direito foi proferido o seguinte:
DESPACHO
“Entendo que o despacho que antecede se encontra devidamente fundamentado, em
face das dúvidas suscitadas pelo ilustre defensor, sempre se farão os seguintes
esclarecimentos.
As referências iniciais do despacho em causa, foram motivadas pelas posições
expressas pelos ilustres defensores, sendo certo que não se procede a gravação
do interrogatório aos diversos arguidos. Daí a necessidade de, logo no início,
fazer um ponto de situação do que havia ocorrido, ainda que as próprias
declarações dos arguidos revelam que os mesmos tiveram conhecimento dos
elementos relevantes constantes dos autos. Como ficou substancialmente referido,
no que se refere em concreto à arguida A., foram vários os elementos factuais
com os quais a mesma foi confrontada, quer no que se refere aos bens
apreendidos, quer no que se refere aos contactos que, instada, negou.
Assim, nada mais há a esclarecer, remetendo o demais [para] o despacho
antecedente que nos se afigura claro”.»
6. Do auto do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, cuja falsidade
não foi suscitada, nem alegado que o seu conteúdo não corresponda à verdade,
resulta que, como se depreende do mesmo, à arguida foram feitas referências da
factualidade sob investigação, e, como esclarece o segundo despacho, “foram
vários os elementos factuais com os quais a mesma foi confrontada, quer no que
se refere aos bens apreendidos, quer que no se refere aos contactos que,
instada, negou”.
Como refere o Ministério Público nesta Relação, em seu douto parecer, “(...) a
Recorrente foi informada da razão de ser da sua privação da liberdade e que lhe
foram dados a conhecer os factos que lhe permitem contestar o bem fundado das
suspeitas, com a concretização necessária e que a tornou ciente dos
comportamentos materiais que lhe são imputados e sua relevância
jurídico-criminal.
Ou seja, que se lhe não retiraram, nem lhe foram arbitrariamente restringidas,
quaisquer garantias de defesa, nem o seu núcleo fundamental foi postergado, não
tendo sido surpreendida por uma consequência processual, na esfera do seu
estatuto pessoal, com que não pudesse ou devesse contar.”
Acresce, como assinala o mesmo douto Magistrado, que “no caso concreto estamos
perante fortes indícios da existência de uma rede de tráfico de estupefacientes
de que a Recorrente fará parte, com tarefas distribuídas entre os vários
intervenientes e com uma investigação ainda em fase incipiente.
A comunicação dos meios de prova já existentes (ou o acesso irrestrito da
Recorrente aos Autos) poria obviamente em risco a continuação da investigação,
tendente à descoberta de outros integrantes da rede e às circunstâncias
concretas em que a sua actividade se desenvolveu, com manifesto perigo para a
viabilização de recolha de prova suplementar.”
Quanto o demais ventilado no recurso:
7. No sistema processual penal português, as medidas de coacção, em que se
inclui a prisão preventiva, guiam-se pelos princípios da legalidade, adequação e
proporcionalidade, como decorre dos artigos 191.º e 193.° do C.P.P., devendo ser
adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à
gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, sem
prejuízo da dogmática do n.º 2 do art.º 193.° do C.P.P., ao dispor que: “a
prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou
insuficientes as outras medidas de coacção”.
A prisão preventiva é, assim, uma medida de coacção de carácter subsidiário,
excepcional, como já resulta do art.º 28.°, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa, aplicável quando forem inadequadas ou insuficientes as outras
medidas de coacção, sendo que todas as medidas de coacção, com excepção da que
se contém no art.º 196.° do C.P.P., não podem ser aplicadas se em concreto se
não verificarem as condições previstas no art.º 204.° do C.P.P. (fuga ou perigo
de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do
processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da
prova; ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da
personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou
de continuação da actividade criminosa).
É suficiente, porém, que se preencha facticamente o conteúdo de qualquer das
alíneas do artigo 204.° do Código de Processo Penal para que fiquem activadas as
condições de aplicação da prisão preventiva.
Como escreve Maia Gonçalves (in Código de Processo Penal anotado, 12.ª edição,
2001, p. 453, nota 2), a propósito do art.º 204.° do C.P.P.: “Tais requisitos ou
condições gerais, taxativamente enumerados nas alíneas a), b) e c), são
alternativos: consequentemente, basta que exista algum deles para que,
conjuntamente com os especiais previstos no capítulo anterior, a medida possa
ser aplicada”.
8. Por outro lado, as medidas de coacção são imediatamente revogadas, por
despacho do juiz, sempre que se verificar terem sido aplicadas fora das
hipóteses ou das condições previstas na lei, ou terem deixado de subsistir as
circunstâncias que justificaram a sua aplicação, sem prejuízo de as medidas
revogadas poderem de novo ser aplicadas, com respeito da unidade dos prazos que
a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua
aplicação, como preceitua o art.º 212.°, n.ºs 1 e 2, do C.P.P. e, acrescentando
ainda o n.º 3 do preceito que quando se verificar uma atenuação das exigências
cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz
substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua
execução.
Aliás, para o caso específico da prisão preventiva, o art.º 213.° do C.P.P.,
impõe ao juiz o reexame oficioso trimestral da subsistência dos pressupostos
daquela, “decidindo se ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada.”
Assim é que o Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de
Justiça, de 24-1-1996, (in D.R., I-A Série, de 14‑3‑96), veio determinar que a
prisão preventiva deve ser revogada ou substituída por outra medida de coacção
logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, nos termos do art.º
212.° do Código de Processo Penal, independentemente do reexame trimestral dos
seus pressupostos, imposto pelo art.º 213.° do mesmo diploma.
9. Examinando a documentação que instruiu o recurso verifica-se,
indiciariamente, que a mesma se dedicava com regularidade a tráfico de
estupefacientes, concertada com outros arguidos.
Como sintetizou a Exma Procuradora-Adjunta na sua promoção que antecedeu o
despacho recorrido “mostram-se, como referido, suficientemente indiciadas as
respectivas actividades no seio da rede de tráfico de estupefacientes. Com
efeito, o arguido E., ou ‘E’., como o principal fornecedor de cocaína e
responsável pela gestão do dinheiro, do corte da droga e da sua distribuição; a
arguida C., como a pessoa que procedia à guarda da droga, do dinheiro e outro
material essencial à actividade da rede; a arguida D., como a pessoa responsável
pelo transporte e pela distribuição da droga pelos traficantes da chamada 2.ª
linha, e, finalmente, a arguida A., como vendedora de droga por conta dos outros
arguidos”.
Por isso, como consta do despacho recorrido:
“(...) os elementos resultantes dos autos de apreensão em conjunto com as
declarações dos próprios arguidos, entendidas de uma forma conjugada, são por si
só suficientes para imputar a cada um a prática em co-autoria de um crime de
tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93,
de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-B anexa ao mesmo diploma, não
descurando ainda alguma quantidade da heroína apreendida.
(...) Quanto à arguida A., conhecida por ‘A.’, detinha além do mais 44,4 gramas
de cocaína em sua casa, não tendo dado uma explicação plausível para tal
situação, isto descurando as quantidades inferiores (3,7 gramas do mesmo produto
e ainda de heroína, 1,3 gramas).
(...) Os factos acima referidos revelam extrema gravidade e como se disse são
susceptíveis de integrar o crime a que alude o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º
15/93 sendo que relativamente às arguidas será ainda de ponderar o disposto na
al. j) do artigo 24.° do mesmo diploma (...)”
10. Não vem provado que o produto estupefaciente apreendido fosse para exclusivo
consumo pessoal.
Os indícios dos autos apontam no sentido de que a arguida, actuando em conjunto
e concertada com outros, dedicava-se a actividade ilícita de tráfico de droga.
A matéria fáctica indiciada não aponta para que a arguida traficasse para
exclusivo consumo e que fosse diminuta a quantidade de droga adquirida.
A mera detenção ilícita de produto estupefaciente, que não seja para exclusivo
consumo pessoal integra o crime de tráfico, p. e p. no art.º 21.º, n.º 1, do
D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, punido com prisão de 4 a 12 anos.
Na verdade, o crime p. e p. no art.º 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de
Janeiro, engloba autonomamente diversas actividades ilícitas com referência aos
estupefacientes proibidos por lei, quais sejam as de “cultivar, produzir,
fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir,
comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem,
transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver”.
Outra mais favorável tipificação da ilicitude só poderá resultar de elementos
probatórios que possam infirmar os elementos actualmente constantes dos autos.
11. O crime indiciado nos autos é o do art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de
Janeiro, e, é doloso, punido com pena de prisão de máximo superior a três anos,
o que, por força do art.º 27.°, n.º 3, b), da Constituição da República
Portuguesa, legitima a prisão preventiva, não sendo por isso inconstitucional a
aplicação de tal medida, mas, claro está, sem prejuízo do seu carácter
subsidiário como já se referiu.
Considerou a decisão recorrida:
“(...) Ponderados os indícios e o grau dos mesmos cumpre apreciar os
pressupostos a que alude o artigo 204.° do CPP.
(...) Quanto à arguida A.: reconheceu apenas ser consumidora, negando que
soubesse que tinha em sua casa os mais de quarenta gramas de cocaína e negou
também que tivesse qualquer actividade que envolvesse a venda de droga e
designadamente com intervenção dos co-arguidos D. e ‘E.’. Foi já condenada por
crime de idêntica natureza sendo que segundo suas declarações sujeita ao dever
da verdade, ter-lhe-á sido fixado uma pena de prisão suspensa na execução,
decorrendo no momento esse período. Esse facto não a impediu de praticar o crime
agora indiciado.
De resto é consumidora de cocaína e tendo em conta a sua situação familiar,
apenas com o lucro obtido com o tráfico, poderá fazer face às suas diversas
necessidades, mesmo admitido que trabalhe em boites e que aufira com essa
actividade algum rendimento. É pois evidente o perigo de continuação da
actividade criminosa.
(...) Em face do exposto, atendendo ao grau dos indícios recolhidos e ainda aos
perigos a que acima se fez referência, determino que alguns dos arguidos fiquem
[sujeitos] à medida de coacção mais gravosa, referindo-se apenas para finalizar
que a mesma, além [de] proporcional, adequada e suficiente para acautelar os
perigos do artigo 204.° do CPP, não se revela desproporcionada em face da medida
legal da pena e à pena em concreto que previsivelmente lhes será aplicada.”
A arguida A. ao ser interrogada declarou nomeadamente que “consome dois/três
gramas por dia, sob a forma fumada. Cada grama custa‑lhe trinta euros.
Em relação à droga entregue voluntariamente pela depoente aos polícias da
judiciária, explica que os 3,7 gramas de cocaína destinava ao seu consumo.
Quanto ao restante produto estupefaciente (44,4 gramas de cocaína e 1,3 gramas
de heroína), não se recorda de ter essa droga em casa encontrada pela PJ e
pesada à sua frente. Nunca teve essa quantidade de droga em casa. Refere que
vive com mais pessoas, vive com uma rapariga, de nome J., que não tinha onde
dormir e as filhas. Não sabe de quem é este estupefaciente. Instada refere que a
casa onde vive é frequentada por visitas das relações da rapariga de nome J. e
das filhas assim como da depoente e que tem liberdade de movimentos dentro da
casa. Contudo não atribui a propriedade do produto encontrado a alguém em
concreto.
(...)”
Não houve violação dos princípios da adequação, precaridade, proporcionalidade e
subsidiariedade, referentes à graduação da medida de coacção a aplicar in casu,
nem foi deixada ao acaso, a apreciação da efectiva existência dos factos
justificativos.
O despacho recorrido não ofendeu a lei constitucional, nem a lei ordinária, e
não revela falta de fundamentação, pois que aponta os factos e a subsunção
jurídica pressupostos da decisão.
Por isso, não poderá considerar-se nula a decisão recorrida.
A prisão preventiva apresenta-se como a única medida de coacção adequada às
exigências cautelares das circunstâncias do caso e proporcional à gravidade do
ilícito indiciado e à pena que previsivelmente venha a ser aplicada, e a única
apta a impedir os perigos concretos supra referidos, conforme art.ºs 193.° e
204.° do C. Processo Penal, sem prejuízo da sua revogação, ou substituição por
outra medida de coacção se, e quando, deixarem de subsistir as circunstâncias
que justificaram a sua aplicação ou, quando se verificar uma atenuação das
exigências cautelares que determinaram a sua aplicação.
O recurso não merece, pois, provimento.»
2. A recorrente interpôs então o presente recurso de constitucionalidade dizendo
apenas que
“vem mui respeitosamente, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º
70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, requerer interposição de recurso para
o Tribunal Constitucional, com os efeitos e regime de subida que Vossas
Excelências certa e Doutamente fixarão.”
Após ter sido notificada para dar cumprimento ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do
artigo 75.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), apresentou a seguinte peça
processual:
«1. O recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro;
2 – As normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie, são:
a) Art.º 61.º, n.º 1, al. b);
b) Art.º 86.º, n.º 5;
c) Art.º 97.º, n.º 4;
d) Art.º 141.º, n.ºs 1, 4, e 5;
e) Art.º 193.º;
f) Art.º 194.º, n.ºs 1 e 3; e,
g) Art.º 204.º, al. c),
Todos do CPP.
3 – Normas ou princípios constitucionais ou legais que se consideram violados:
a) Art.º 18.º, n.º 1, da CRP;
b) Art.º 27.º, n.º 4, da CRP;
c) Art.º 32.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, da CRP;
d) Art.º 28.º, n.º 1, da CRP;
e) Art.º 205.º, n.º 1, da CRP;
f) Violação do princípio da efectividade dos direitos, liberdades e
garantias constitucionais dos cidadãos, da presunção da inocência, da lide leal
e da equidade entre defesa e acusação, da proporcionalidade das medidas de
coacção, etc., etc., etc....
4 – A recorrente suscitou as questões da inconstitucionalidade ou ilegalidade
desde o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, passando pelo
recurso interposto da decisão que aplicou a prisão preventiva, pelo articulado
remetido aos autos via correio electrónico em 13.4.2005, pela resposta à Vista
proferida pelo Ministério Público junto dessa Veneranda Relação. Em suma, foram
questões suscitadas em todos os articulados e incidentes até ao momento,
apresentados nos presentes autos.
Assim, no nosso humilde entendimento, e não obstante o disposto no n.º 7 do
art.º 75.°-A da LTC que refere “convite efectuado pelo relator no Tribunal
Constitucional”, pelo superior dever de respeito por esse Alto Tribunal, que é
muito, consideramos desde já cumprido o disposto nos n.ºs 1 e 2 do aludido
normativo. Razão pela qual deverá mesmo ser admitido e mandado subir o recurso
oportunamente interposto para o Egrégio Tribunal Constitucional.»
Cumpre decidir.
3. Como se referiu, só após o despacho proferido ao abrigo do disposto no n.º 5
do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional é que a anterior manifestação
da intenção de recorrer para o Tribunal Constitucional verdadeiramente foi
precisada como referida a um certo conjunto de normas a sindicar, perante
determinados parâmetros constitucionais.
Mesmo que a lei o consentisse, não seria adequado reiterar, agora no Tribunal
Constitucional, o despacho de aperfeiçoamento, tendo, aliás, a recorrente
beneficiado já de um prazo superior ao normalmente previsto para dar cumprimento
aos requisitos formais de interposição de recurso – já que em vez de um prazo de
10 dias, beneficiou, mercê do despacho de aperfeiçoamento proferido, de mais um
mês para o fazer (enquanto o requerimento inicial deu entrada em 9 de Junho, o
requerimento corrigido deu entrada a 12 de Julho). O n.º 6 do artigo 75.º-A da
Lei do Tribunal Constitucional dispõe, expressamente, que o despacho de
aperfeiçoamento a proferir pelo relator no Tribunal Constitucional só tem lugar
“quando o juiz ou o relator que admitiu o recurso de constitucionalidade não
tiver feito o convite referido no n.º 5”.
Vale isto por dizer que os termos do recurso “de constitucionalidade ou
ilegalidade” terão de ser, estritamente, os que resultam do requerimento, sem
possibilidade de voltarem a ser corrigidos.
4. Perante o requerimento de recurso e a resposta ao convite para o seu
aperfeiçoamento, conclui-se, desde logo, que, muito embora se faça referência a
supostas inconstitucionalidades ou ilegalidades, o recurso há-de
circunscrever-se às questões de constitucionalidade. Não tanto porque a
ilegalidade de que este Tribunal pode conhecer esteja circunscrita às hipóteses
referidas nas alíneas c) a g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, e nenhuma dessas situações seja recondutível ao caso dos autos,
mas porque, desde logo, o tipo de recurso interposto – ao abrigo da alínea b) do
mesmo artigo – foi apenas um recurso de constitucionalidade.
Por outro lado, é também forçoso concluir que as normas impugnadas só poderão
ser apreciadas no seu sentido ou interpretação literal ou enunciativa, já que
nenhum outro foi definido pela recorrente, no requerimento de recurso ou na
resposta ao respectivo despacho de aperfeiçoamento.
Na verdade, como se disse no Acórdão n.º 199/88 (DR, II Série, de 28 de Março de
1989):
“[...] este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe
cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de
‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de
inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade
constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de
uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem
por violador da lei fundamental.” (ver também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs
178/95 – publicado no DR, II Série, de 21 de Junho de 1995 –, 521/95 e 1026/96,
inéditos).”
Neste mesmo sentido, escreveu-se no Acórdão n.º 269/94 (DR, II série, de 18 de
Junho de 1994):
“[...]
Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que
o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de
constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que –
como já se disse – tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a
norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender
de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se
aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao
menos, a norma ou princípio constitucional infringido.
Ora, sendo assim – e não se vê que possa ser de outro modo, pois não é exigível
que os tribunais decidam questões (designadamente questões de
constitucionalidade) sem que as partes lhes indiquem as razões por que entendem
que elas devem ser decididas num determinado sentido, e não noutro.”
Assim, se o recorrente entende que um preceito não é inconstitucional “em si
mesmo”, mas apenas num segmento ou numa sua determinada dimensão ou
interpretação normativa, a exigência de suscitação da questão de
constitucionalidade de forma clara e perceptível implica, pois, o ónus de, ao
suscitar a inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através
da indicação do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo
reputados inconstitucionais – o que é evidentemente diverso de sustentar apenas
que um determinado artigo de certa lei é inconstitucional. Como se escreveu no
Acórdão n.º 367/94 (DR, II Série, de 7 de Setembro de 1994):
“Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um
preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se
faça.
[...] esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de
forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa
apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em
geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o
sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo,
violar a Constituição.”
E, no Acórdão n.º 178/95 (DR, II Série, de 21 de Junho de 1995), além de se
remeter para os fundamentos dos referidos Acórdãos n.ºs 269/94 e 367/94,
conclui-se:
“[...] impunha-se que os reclamantes tivessem indicado – o que não fizeram – o
segmento de cada norma, a dimensão normativa de cada preceito – o sentido ou
interpretação, em suma – que eles têm por violador da Constituição.
De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara
e perceptível (cf., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República,
2ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma
certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa
interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme
com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o
tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários
daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em
causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.”
Tal necessidade de individualização do segmento ou de enunciação do sentido ou
interpretação normativos que a recorrente reputa inconstitucional torna-se,
aliás, particularmente evidente – notar-se-á ainda – quando o preceito ao qual
se imputa a inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, contém vários
segmentos normativos, ou se reveste de várias dimensões ou sentidos
interpretativos, susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade
diversas, eventualmente passíveis, também, de respostas distintas (no mesmo
sentido, cf., também, o acórdão n.º 116/2002, in DR, II, Série, n.º 106, de 8 de
Maio de 2002).
5. Confrontando a decisão recorrida, pode, também, por outro lado, extrair‑se
logo a conclusão de que o Tribunal da Relação de Évora não emitiu juízo sobre
nenhuma das questões de constitucionalidade/ilegalidade normativas que a
recorrente trouxe agora à apreciação deste Tribunal. Limitou-se a expor anterior
jurisprudência e doutrina sobre algumas das normas invocadas ou impugnadas pelo
arguido, constatando, designadamente, que “o artigo 141.º do CPP (…) não foi
declarado inconstitucional” – o que não constitui um juízo valorativo mas sim
uma constatação de facto. O que importa preliminarmente apurar é em relação a
qual ou quais dessas questões de constitucionalidade/legalidade estava o
Tribunal da Relação de Évora obrigado a pronunciar-se, por perante si ter(em)
sido suscitada(s), se é que o estava.
Ora, da transcrição das prolíficas conclusões do recurso que lhe foi dirigido,
também logo resulta que só no ponto D.7 se suscitou, perante o tribunal
recorrido, uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, dirigida aos
n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 141.º do Código de Processo Penal:
“D.7 – Conclui-se que a interpretação do artigo 141.°, n.ºs 1, 4 e 5, do CPP
efectuada no caso concreto, no sentido de que o cumprimento deste normativo se
basta com a formulação de perguntas genéricas e abstractas – sobre se conhece
algum dos co-arguidos e que relações mantém com os mesmos – não as concretizando
com as exactas circunstâncias de tempo, modo e lugar que determinaram a
imputação à arguida do crime de que vem indiciada, é manifestamente
inconstitucional, por violação do estatuído nos artigos 27.°, n.º 4, 28.°, n.º
1, e 32.° da CRP, que impõem ao juiz que conheça das causas que determinaram a
detenção e as comunique ao arguido, imediatamente e de forma compreensível das
razões da sua detenção ou prisão, interrogando-o e dando-lhe oportunidade de
defesa.”
No mais, mesmo admitindo que o objecto do recurso não é delimitado pelas suas
conclusões, limitou-se a arguida a imputar desconformidades constitucionais e
legais ao despacho recorrido e a transcrever, como argumento, trechos de
decisões do Tribunal Constitucional, sem invocar no caso concreto qualquer
interpretação de outras normas julgadas inconstitucionais, que não as dos n.ºs
1, 4 e 5 do artigo 141.º do Código de Processo Penal.
Há, pois, um único vício que foi invocado (inconstitucionalidade) e as normas
que unicamente podem ser apreciadas são as dos referidos números do artigo 141.º
do Código de Processo Penal. Tudo o mais, invocando embora violação de preceitos
ou princípios constitucionais, vai dirigido, não à inconstitucionalidade de uma
ou mais normas, mas antes à “notificação”/ “omissão” (D.8 a D.15), “erros de
perspectiva”/ “não compreensão” (D.16 a D.22), obrigações de leitura e
compreensão integrada com outros artigos do Código de Processo Penal e da
Constituição (D.23), ao “despacho” que decretou a prisão preventiva (D.12, D.27,
D.32, D.35, D.38), às “razões” da juiz (D.25, D.26, D.29, D.30), a “erros de
direito” (D.28), ao “espírito do juiz” (D.31), ao “despacho proferido em
resposta ao requerimento do recorrente” (D.33 e D.36), a uma não consideração da
Senhora Juiz (D.34), a um seu entendimento (D.37) e a um conjunto de
interrogações (D.39).
Não obstante as conclusões D.16 a D.35 serem, praticamente, a reprodução das que
foram apresentadas para o Tribunal da Relação de Lisboa pelo advogado do arguido
no Processo n.º 590/03 deste Tribunal (que deu origem ao já citado acórdão n.º
607/2003), de nenhuma dessas questões, que se referem a actos concretos e não a
normas, cuida este Tribunal. E de nada que o tribunal recorrido tenha escrito na
sua decisão resulta, aliás, um explícito juízo seu sobre a conformidade
constitucional de norma alguma.
6. Havendo apenas uma disposição legal em condições de ser apreciada (a do dito
artigo 141.º, embora em três dos seus números), é possível aferi-la por todos os
princípios e normas constitucionais invocados. Mas, tendo em conta que a
recorrente, nem mesmo depois de convidada a indicar as normas que pretendia ver
apreciadas, enunciou ou indicou, com um mínimo de precisão, a dimensão ou
interpretação normativa que impugnava, é claro que o sentido a que se refere o
requerimento de recurso, e que cumpre apreciar, só pode ser o literal,
resultante de uma interpretação declarativa ou enunciativa das disposições em
causa.
Tal identificação do sentido normativo impugnado era ónus da recorrente, e um
ónus cujo cumprimento era essencial para se poder apreciar a constitucionalidade
de uma qualquer particular interpretação das disposições em causa, só esse
cumprimento permitindo, por exemplo, averiguar se o sentido normativo impugnado
foi ou não efectivamente aplicado pela decisão recorrida, e sendo certo que às
disposições às quais foi imputada a inconstitucionalidade, logo pela sua
redacção, se podem revestir de várias dimensões ou sentidos interpretativos,
susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade diversas, eventualmente
passíveis, também, de respostas distintas.
Ora, é manifesto que não se verifica qualquer desconformidade constitucional de
normas com o seguinte teor:
“Artigo 141.º
(Primeiro interrogatório judicial de arguido detido)
1. O arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz
de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que
lhe for presente com a indicação dos motivos da detenção e das provas que a
fundamentam.
(…).
4. Seguidamente, o juiz informa o arguido dos direitos referidos no artigo 61.º,
n.º 1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos motivos da
detenção, comunica-lhos e expõe-lhe os factos que lhe são imputados.
5. Prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua
participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a
culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação
da sua responsabilidade ou da medida da sanção.
(…).”
Nesta parte, o recurso é, pois, manifestamente improcedente.
Conclui-se, pois, pelo não conhecimento do objecto do recurso, na sua maior
parte, e pela sua manifesta improcedência, na parte em que dele se pode
conhecer, face à inexistência da indicação de um qualquer sentido desconforme
com o seu teor literal e à conformidade constitucional deste face a todas as
normas e princípios constitucionais invocados, sendo, pois, caso de proferir,
nesse sentido, decisão nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da Lei
do Tribunal Constitucional.»
2.Na reclamação apresentada conclui-se assim:
«Resumindo e concluindo:
I – Nos termos do disposto no art.º 75.º, n.º 1, da LTC, o prazo de interposição
de recurso para o TC, é de 10 dias contados da notificação do Acórdão de que se
recorre. Prazo esse que foi observado pela ora Reclamante;
II – Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 75.º-A da LTC e art.º 687.º,
n.º 1, do CPC (por via do art.º 69.º da LTC), o recurso para o TC interpõe-se
por meio de requerimento apresentado no Tribunal a quo. Nesse requerimento,
III – Quem recorre, no requerimento de interposição de recurso, tem
exclusivamente o ónus de indicar a norma ou princípio constitucional ou legal
que se considera violado, bem como a peça processual em que tenha previamente
suscitado a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade – cfr. art.º 75.º-A,
n.º 2, da LTC (e não se vislumbra que tenha também o ónus de fundamentar ou
apresentar desde logo qualquer alegação ou conclusão). O que também foi
amplamente cumprido pela ora Reclamante;
IV – O ónus que o Exm.º Sr. Juiz-Conselheiro Relator refere que a Recorrente não
cumpriu, para que proferisse decisão sumária de não tomar conhecimento do
recurso interposto, não vem imposto em nenhuma norma legal. Pois que, o ónus de
“indicar fundamentadamente” não é o mesmo que simplesmente “indicar”;
V – O ónus de formular alegações e conclusões apenas se verifica no Tribunal ad
quem e nunca no Tribunal a quo – cfr. art.º 78.º-A, n.º 5, in fine, da LTC.
Logo,
VI – Para que esse Alto Tribunal se possa pronunciar sobre o objecto dos
presentes autos, obviamente que é necessário a apresentação de alegações e
conclusões, que devem observar o formalismo do art.º 690.º, n.ºs 1 e 2, do CPC
(por via do disposto no art.º 69.º da LTC), após notificação pelo Tribunal ad
quem para o efeito. O que, manifestamente, não aconteceu.
VII – Ainda que se considere que foram formuladas algumas alegações sobre as
quais esse Alto Tribunal se pudesse pronunciar, não estando as mesmas
apresentadas com as respectivas conclusões de modo a habilitá-lo a proferir
decisão sobre todas as questões de (in)constitucionalidade normativa suscitadas,
haveria que cumprir com o disposto no art.º 690.º, n.º 4, do CPC, aplicável por
via do art.º 69.º da LTC. Ou seja, ou notificar para apresentar alegações e
conclusões, ou notificar para, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, e
aí sim, sob pena de não se conhecer do recurso. Como se decidiu na decisão
sumária, com todo o respeito que é muito, é que não pode ser. Já agora, até
mesmo por tal decisão violar o inalienável direito ao recurso, tal como plasmado
no art.º 32.º, n.º 1, in fine, da CRP.
VIII – A subsistirem razões para decisão sumária por remissão para
jurisprudência anterior, até entendemos que, atentas as alegações e conclusões
apresentadas no articulado onde suscitamos as questões de (des)conformidade de
normas do CPP no entendimento do Tribunal a quo, com as normas e princípios
constitucionais que indicámos, atentando-se na jurisprudência desse Alto
Tribunal então indicada, até poderia haver decisão sumária, mas em sentido
oposto. Não conseguimos mesmo vislumbrar diferença relevante quanto à matéria
suscitada e apreciada em tais Acórdãos – Acórdãos do Tribunal Constitucional
n.ºs 416/03, de 24.9.2003, e 607/03, de 5.12.2003, com a matéria em causa nestes
autos;
IX – É que no processo de Inquérito n.º 377/04.9JAPTM, que corre termos na
Procuradoria da República junto do Tribunal Judicial da Comarca de Silves,
encontra-se a Recorrente em prisão preventiva há 8 meses, sem que saiba – de
forma que algum cidadão médio se possa defender cabalmente – os reais motivos
pelos quais está presa. Ainda desconhece qualquer facto imputado e concretizado
em termos das concretas circunstâncias de tempo, modo e lugar. E os arguidos dos
Acórdãos supra referidos tanto não sabiam os concretos motivos da sua prisão
preventiva, que até já estão todos em liberdade.
X – A ora Reclamante não tem culpa por não ter sobre si os holofotes da cada vez
mais histérica comunicação social, pelo menos nas questões da JUSTIÇA. Mas, o
que é certo, é que também quanto a ela deve ser observado os princípios contidos
na nossa Grundsnorm, v.g., art.ºs 13.º e 32.º, n.º 1 [sic].
XI – A ora Reclamante cumpriu escrupulosa e inequivocamente com todos os
formalismos e requisitos exigidos por lei para que tivesse o direito de ver
apreciado o recurso levado a esse Alto Tribunal. Nem sequer teve direito a
formular alegações e conclusões (no momento processual previsto na lei) para que
pudesse habilitar esse Egrégio Tribunal a conhecer das verdadeiras razões de
fundo em causa.
Assim, e com a devida vénia, nos termos das razões e fundamentos apontados,
requer-se mui respeitosamente a Vossas Excelências, Excelentíssimos Senhores
Juízes Conselheiros, que profiram Douta decisão no sentido de que deve
conhecer-se do objecto do recurso ou ordenem o respectivo prosseguimento. Neste
último caso, notificando-se a Recorrente para apresentar as alegações a que
alude o art.º 690.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Contudo, curvando-nos humildemente perante esse Alto Tribunal, fica serena
certeza que da mais Douta Justiça dirão Vossas Excelências.»
3.O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
respondeu pela seguinte forma à referida reclamação:
«1.º A presente reclamação é manifestamente improcedente, em nada abalando os
fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos
pressupostos do recurso interposto.
2.º Apenas radicando no evidente desconhecimento, por parte do reclamante, dos
ónus que inquestionavelmente recaem sobre o recorrente, nos recursos tipificados
pela al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, e da natureza
necessariamente “normativa” das questões de constitucionalidade por ele
suscitadas.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.Adianta-se desde já que a presente reclamação é improcedente, pois a
argumentação aduzida pela recorrente não abala, em nada, os fundamentos da
decisão reclamada.
Nos termos do requerimento de recurso, tal como foi apresentado após despacho
convite ao aperfeiçoamento, aquele vinha intentado ao abrigo do disposto no
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a
recorrente ver apreciada a constitucionalidade ou legalidade das normas dos
artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 86.º, n.º 5, 97.º, n.º 4, 141.º, n.ºs 1, 4 e 5,
193.º, 194.º, n.ºs 1 e 3, e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal,
por as entender violadoras dos artigos 18.º, n.º 1, 27.º, n.º 4, 32.º, n.ºs 1,
2, 4 e 5, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, bem como do
“princípio da efectividade dos direitos, liberdades e garantias constitucionais
dos cidadãos, da presunção da inocência, da lide leal e da equidade entre defesa
e acusação, da proporcionalidade das medidas de coacção, etc., etc., etc....”,
dizendo ainda que “suscitou as questões da inconstitucionalidade ou ilegalidade
desde o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, passando pelo
recurso interposto da decisão que aplicou a prisão preventiva, pelo articulado
remetido aos autos via correio electrónico em 13.4.2005, pela resposta à Vista
proferido pelo Ministério Público junto dessa Veneranda Relação. Em suma, foram
questões suscitadas em todos os articulados e incidentes até ao momento,
apresentados nos presentes autos”.
Após análise dos autos, foi proferida decisão sumária, em 19 de Setembro de
2005, pela qual se decidiu não conhecer do objecto do recurso, na sua maior
parte, e pela sua improcedência na parte em que dele se pode conhecer (quanto ao
artigo 141.º, n.ºs 1, 4 e 5), com fundamento em não estarem verificados os
requisitos essenciais para o seu conhecimento, desde logo, porque apenas em
relação à norma do artigo 141.º, n.ºs 1, 4 e 5, do Código Processo Penal foi
suscitada perante o tribunal recorrido uma verdadeira questão de
constitucionalidade normativa, e, em relação a esta norma, no seu sentido
literal (dado que era apenas esse o sentido questionado), é manifesto não se
verificar qualquer desconformidade constitucional.
Vem agora a recorrente – que, recorde-se, fora já convidada no tribunal
recorrido para aperfeiçoar o seu requerimento de recurso – protestar contra o
facto de não ter sido convidada a apresentar alegações, afirmando que os
elementos que indicou no requerimento de recurso eram bastantes para deste se
tomar conhecimento. Ora, antes de mais, o que esteve em causa, como fundamento
para se não poder tomar conhecimento, em parte, dos recursos apresentados, foi,
não propriamente a insuficiência do respectivo requerimento, mas antes a falta
de suscitação, durante o processo, das questões de constitucionalidade em causa.
A argumentação da recorrente só pode assentar, como bem salienta o representante
do Ministério Público junto deste Tribunal, no desconhecimento dos ónus que
inquestionavelmente recaiam sobre ela, nos recursos tipificados pela al. b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, para se poder vir a
tomar conhecimento do recurso, bem como da natureza necessariamente “normativa”
das questões de constitucionalidade a apreciar.
5.Trata-se, porém, de requisitos clara e inquestionavelmente resultantes da Lei
do Tribunal Constitucional (cf. o artigo 72.º, n.º 2) e que têm sido precisados
e aplicados numa jurisprudência constante e sedimentada, de mais de duas
décadas.
Assim, para se poder tomar conhecimento de um recurso de constitucionalidade
como o presente, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
do Tribunal Constitucional, torna-se necessário, não só que tenham sido
esgotados os recursos ordinários e que a questão de constitucionalidade da norma
tenha sido suscitada durante o processo, como também que seja impugnada a
constitucionalidade de uma norma, ou interpretação normativa, e que esta tenha
sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida: isto é, que tal
norma ou interpretação normativa tenha constituído fundamento decisivo para o
tribunal recorrido.
No nosso sistema de fiscalização concentrada e incidental da
constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem controlar o modo
como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer
controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as
normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No recurso de
constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da República e pela
Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de fiscalização da
constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa interpretação
enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada na decisão
recorrida.
Após análise dos autos, concluiu-se que os requisitos essenciais para tomar
conhecimento do recurso de constitucionalidade apenas estavam integralmente
preenchidos em relação à norma do artigo 141.º, n.ºs 1, 4 e 5, do Código de
Processo Penal. E isto porque só em relação a essa norma, no seu sentido
literal, foi suscitada, perante o tribunal recorrido, uma verdadeira questão de
constitucionalidade normativa (no ponto D.7 das conclusões das alegações de
recurso apresentadas perante o Tribunal da Relação de Évora), tendo-se na
decisão reclamada citado os restantes passos onde a recorrente fez alusões a uma
inconstitucionalidade.
Ora, este ónus da recorrente – o de suscitar perante o tribunal recorrido uma
verdadeira questão de constitucionalidade normativa, e cujo não cumprimento foi
o fundamento para a decisão de não conhecer do objecto do recurso na sua maior
parte −, destinado a permitir que o tribunal recorrido saiba que tem perante
ele, para decidir, uma questão de constitucionalidade de uma norma (em si mesma
ou numa sua interpretação) não se confunde com o ónus de formular alegações e
conclusões, como parece entender a reclamante. Esse ónus, que a reclamante não
cumpriu, resulta expressamente da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2
do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional e tem sido constantemente
afirmado na jurisprudência deste Tribunal. E a sua falta de cumprimento, por
parte da recorrente, não poderia vir a ser sanada pela posterior apresentação de
alegações de recurso, como pretende.
A decisão sumária reclamada merece, pois, quanto a este ponto, confirmação.
6.A decisão reclamada é igualmente de confirmar quanto à decisão de
improcedência do recurso na parte em que dele se conheceu, ou seja, em relação à
norma do artigo 141.º, n.ºs 1, 4 e 5, do Código de Processo Penal, no seu
sentido literal – pois também quanto a estas disposições a recorrente deixou de
indicar, com um mínimo de precisão, a dimensão ou interpretação normativa que
impugnava. Na verdade, também quanto a este ponto a argumentação expendida pela
reclamante não abala em nada os fundamentos da decisão reclamada, uma vez que é
manifesto que o teor literal daqueles preceitos, resultante de uma interpretação
declarativa ou enunciativa, não apresenta qualquer desconformidade
constitucional. A decisão, nesta parte, não poderia, pois, deixar de ser no
sentido da manifesta improcedência do recurso, pelo que, também nessa parte,
merece confirmação a decisão reclamada.
III Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar
a reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 12 de Outubro de 2005
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos