Imprimir acórdão
Processo n.º 1015/2004
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figura como reclamante A. e como reclamado o Ministério Público, o reclamante interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 2004, que confirmou a condenação como co-autor de um crime de sequestro. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:
A., Recorrente nos Autos acima referenciados, não se conformando com a Douta Decisão de V. Exas de 8/7/2004, vem dela interpor: RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz nos seguintes termos:
1° - O recurso é interposto ao abrigo da al. B) do nº 1 do Art° 70º da Lei n°
28/82 de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89 de 7 de Setembro, e pela Lei nº 13-A/98 de 26 de Fevereiro;
2º - Na motivação e conclusões do recurso interposto nestes Autos para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, alegou-se: o Arguido não possui antecedentes criminais, e como refere o Relatório Social do IRS, “trata-se de um indivíduo com um percurso de vida caracterizado por uma vivência adaptada às regras e normas sociais, com notório investimento na vertente familiar e laboral”, sugerindo mesmo existirem condições para a aplicação de uma medida de execução na comunidade”;
“Tal medida (suspensão de execução da pena prevista no Art° 50º do C.Penal corresponde à filosofia da nossa legislação penal, expressa no Art. 210º da Constituição e 70º do C.Penal, que privilegiam as penas não privativas da Liberdade”
“Ao não atender às condições pessoais do arguido para efeito de suspensão da execução da pena de prisão aplicável, o Acórdão recorrido violou os Astºs 50° n°
1, 70º e 71º C.P. e 210° da CRP”.
3º - O Douto Tribunal da Relação de Lisboa mantém a pena aplicada e recusa a sua suspensão de execução, sem porém se pronunciar sobre a questão constitucional levantada, ou seja, se a interpretação dos Artºs 50° nº 1 e 70° e 71º do CP feita pelo Tribunal de 1ª Instância viola ou não algum preceito constitucional, designadamente o Artº 27° n° 1 (e não o 210° como por lapso foi indicado) da CRP
, que consagra o direito à liberdade.
4º - “A fundamentação da decisão de suspender ou não a execução da pena, nos casos em que formalmente ela é possível, é uma fundamentação específica, que é como quem diz mais exigente que a decorrente do dever geral de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, postulado nomeadamente no Art° 205° nº 1 CRP” (Ac. STJ de 14/12/2000 - Proc. 2769/2000-5º; SASTJ n° 46,
54).
5° - O entendimento do Tribunal da Relação (no seguimento aliás do da 1º Instância) de que não é obrigado a fundamentar a decisão de não suspender a aplicação de uma pena traduz uma interpretação do Artº 50° do C.Penal que deve ser declarada inconstitucional por ofender os Artºs 27° nº 1 e 205° nº 1 da Constituição.
6° - Este recurso tem efeito suspensivo e sobe de imediato nos próprios Autos. NESTES TERMOS REQUER A V.EXA. SE DIGNE ADMITIR O PRESENTE RECURSO E FAZER SUBIR O MESMO COM O EFEITO PRÓPRIO, SEGUINDO-SE OS ULTERIORES TERMOS LEGAIS.
O recurso não foi admitido, por despacho com o seguinte teor:
Atento a data da notificação do despacho recorrido - 12 de Julho de 2004 a fls.
1374 verso - e à data da interposição de recurso - 21 de Setembro de 2004 - fls.
1408 e ainda ao facto de se tratar de arguido preso no processo e com ... o prazo de recurso está largamente ultrapassado pelo que se rejeita o mesmo por extemporâneo.
2. A. reclamou do despacho de não admissão do recurso, ao abrigo dos artigos
76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
A., Recorrente nos Autos acima referenciados, notificado do Douto Despacho de V. Exas que rejeita o seu recurso para o Tribunal Constitucional, vem nos termos do Artº 76° n° 4 da Lei n° 28/82 de 15 de Novembro, apresentar RECLAMAÇÃO DO DESPACHO QUE INDEFERE O REQUERIMENTO DE RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, com os seguintes fundamentos:
1° - O Arguido, dentro do prazo de 10 dias previsto na lei acima referenciada, para o efeito, apresentou recurso para o Tribunal Constitucional do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos presentes Autos.
2° - Dado que não se encontra preso, de acordo com o previsto no Artº 103° do C.P.P. descontou no decurso do prazo o tempo das férias judiciais.
3° - Com efeito, dispõe o Artº 103° n° 1 do CPP: “Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais”. Dispõe o n° 2 que “exceptuam-se do disposto no número anterior: al. a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas”.
4° - Ora o Recorrente não se encontra detido nem preso, e o recurso não é indispensável à garantia da sua liberdade porque paralelamente foi interposto pelo co-arguido B. um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que também lhe aproveita a si.
5° - A aplicação deste preceito ao Arguido traduz-se assim numa interpretação extensiva do mesmo que redunda em prejuízo para o Arguido, que assim dispõe de menos tempo para preparar a sua defesa. TERMOS EM QUE DEVE O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ANULAR O DOUTO DESPACHO DE QUE SE RECLAMA, E CONSEQUENTEMENTE ADMITIR O RECURSO INTERPOSTO. Requer que a Presente Reclamação seja instruída com cópia de despacho reclamado e dos talões de registo dos Correios que comprovem a data de notificação do Acórdão ao Arguido.
O Ministério Público, junto do Tribunal Constitucional, pronunciou-se do seguinte modo:
A presente reclamação é manifestamente improcedente. Na verdade – e desde logo – não se mostra suscitada, como objecto do recurso, qualquer questão de constitucionalidade normativa, limitando-se o recorrente a dissentir da decisão judicial, concreta e casuística, que, com determinados fundamentos específicos, rejeitou a pretendida suspensão da pena privativa de liberdade. Para além disso, o recurso interposto sempre seria de ter por efectivamente intempestivo, bastando o facto de um dos arguidos se encontrar preso à ordem do processo (como é certificado a fl. 7) para o mesmo ser de considerar como urgente – e valendo, portanto, para todos os sujeitos processuais, o princípio de que devem ser praticados em férias judiciais os actos processuais.
Cumpre apreciar.
II Fundamentação
3. O despacho reclamado considerou o recurso de constitucionalidade intempestivo, uma vez que o processo se reporta a arguido preso, embora o arguido preso à ordem dos autos não seja o ora reclamante. O reclamante considera que por não se encontrar preso não se aplica ao recurso por si interposto o regime de urgência inerente aos processos com arguidos presos, nomeadamente o disposto no artigo 103º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal. Tratando-se de um processo em que um dos arguidos se encontra preso, é em princípio aplicável o regime de urgência constante do artigo 103º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal. No entanto, trata-se de um regime que visa salvaguardar os interesses da defesa (acelerar o processo nos casos em que o arguido se encontra privado da sua liberdade), que não pode traduzir-se num prejuízo das próprias garantias de defesa. Não obstante, é determinante, nos presente autos de reclamação, para o indeferimento do recurso interposto e, consequentemente, para a rejeição da reclamação deduzida, a circunstância de não ter sido suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa. Com efeito, sendo o recurso interposto e não admitido o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário que o recorrente suscite perante o tribunal a quo a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada, o que significa ter de imputar o vício de inconstitucionalidade a uma norma ou dimensão normativa e não à própria decisão. Ora, das alegações juntas aos autos na sequência do Despacho da Relatora de fls.
61 (fls. 69 e ss.), não consta a suscitação de uma qualquer questão de constitucionalidade normativa susceptível de constituir objecto do recurso interposto. De resto, as transcrições constantes do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não contêm qualquer questão de constitucionalidade normativa. Na verdade, tais transcrições apenas demonstram que o reclamante apenas imputou o vício de inconstitucionalidade à própria decisão. Assim, ao contrário do que o reclamante afirma no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, não foi suscitada nos autos qualquer questão de constitucionalidade normativa, pelo que o recurso de constitucionalidade não podia ser admitido. Nessa medida, a presente reclamação será rejeitada.
III Decisão
4. E face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 2005
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050051.html ]