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Processo n.º 115/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que
é recorrente A. e recorrida B., foi proferida decisão sumária, ao abrigo do
disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional (LTC), por se ter entendido que não podia conhecer-se
do objecto do recurso, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1,
alínea b), da mesma Lei. Fundou-se tal juízo em duas ordens de razões: por um
lado, na não suscitação atempada, durante o processo, de uma questão de
inconstitucionalidade normativa; por outro, na falta de aplicação, pela decisão
recorrida, da norma cuja conformidade à Constituição se pretendia fosse
apreciada.
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
“1. (...) no caso presente, a questão de constitucionalidade normativa foi
suscitada, como admite expressamente o recorrente na resposta ao convite ao
aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, no ‘requerimento
datado de 30/09/04’ [1/10/2004], ou seja, após a prolação da decisão da
reclamação, mais precisamente no requerimento pelo qual se pediu a aclaração
dessa mesma decisão.
Conforme jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional, ‘a
inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo,
quando tal se faz a tempo de o tribunal recorrido poder decidir essa questão - o
que, salvo casos excepcionais e anómalos, em que, por o recorrente não ter
oportunidade processual de cumprir esse ónus, ele deve ser dispensado do seu
cumprimento (cf., entre outros, o acórdão nº 391/89, publicado no Diário da
República, II série, de 10 de Setembro de 1989), exige que essa suscitação se
faça antes de ser proferida decisão sobre a matéria a que respeita a questão de
constitucionalidade (...).
Há, assim, um tempo e um modo processualmente adequados de suscitar a questão de
constitucionalidade’ (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 155/95, Diário da
República, II, de 20 de Junho de 1995).
No caso presente, quando a questão de constitucionalidade foi suscitada já havia
sido proferida decisão final quanto à matéria em causa, justamente com a
utilização da norma cuja constitucionalidade o recorrente indica pretender ver
sindicada (o artigo 685º do Código de Processo Civil). Ora, ‘o pedido de
aclaração de uma decisão judicial ou a arguição da sua nulidade não são já, em
princípio, meios idóneos e atempados para suscitar – em vista de ulterior
recurso para o TC – a questão de inconstitucionalidade relativa a matéria sobre
a qual o poder jurisdicional do juiz ‘a quo’ se esgotou com a decisão e num
momento em que já não lhe é possível tomar posição sobre a mesma’ (Guilherme da
Fonseca e Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional, Coimbra
Editora, 2ª edição, p. 46).
Importa, pois, concluir pela não suscitação atempada de uma questão de
inconstitucionalidade normativa, circunstância que obsta ao conhecimento do
objecto do recurso e justifica a presente decisão sumária (artigos 70º, nº 1,
alínea b) e 78º-A, nº 1, da LTC).
2. Sem prejuízo do que fica dito e que, por si só, impede o conhecimento do
recurso, verifica-se que o recorrente afirmou expressamente interpor recurso,
não da decisão que julgou improcedente a reclamação, mas antes da decisão que
indeferiu a aclaração da primeira. Porém, esta decisão, desde logo por
consubstanciar resposta a um pedido de aclaração do despacho anterior, não
aplica o artigo 685º do Código de Processo Civil, norma indicada no requerimento
de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Este preceito
respeita à questão substancial em discussão nos autos de reclamação, ou seja, a
de saber se o prazo para interposição de recurso de decisão proferida oralmente
se conta da data da respectiva prolação, estando presente a parte com
legitimidade para recorrer, ou da data de notificação da acta. Ora, o recurso
previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC cabe de decisões que tenham
aplicado a norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada pelo recorrente.
Não se verificando este pressuposto, também por esta razão cabe concluir pela
impossibilidade de conhecimento do recurso (artigo 78º - A, nº 1, da LTC)”.
2. Da decisão sumária vem agora o então recorrente reclamar para a conferência,
ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, invocando o seguinte:
“1 - Conforme decorre da douta decisão sumária, o tempo e o modo de preparar o
recurso para o Tribunal Constitucional, altera-se em face de decisões-surpresa,
tal qual foi a decisão final desta lide.
2 - Por conseguinte, a circunstância de ter sido arguida a inconstitucionalidade
apenas no sentido de aclaração, não obsta, atenta a jurisprudência estabilizada,
a que siga o recurso.
3 - Enfim, integrando-se o esclarecimento ou a recusa deste na própria decisão
de que aquele se pediu, o recurso para o Tribunal Constitucional, após recepção
da notificação da decisão aclaranda ou que recusa a aclaração, é o recurso da
decisão que aplicou a norma ora arguida de inconstitucional.
4 - Logo, V. Exªs., em conferência, apreciarão de fundo, decidindo tomar
conhecimento do objecto do presente recurso e mandando notificar o recorrente
para alegações”.
3. Notificado à recorrida o requerimento de reclamação para a conferência, não
foi apresentada qualquer resposta.
II. Fundamentação
Analisado o teor da presente reclamação, verifica-se que da mesma nada resulta
que possa pôr em causa o anteriormente decidido. Assim, antes de mais, importa
assinalar que em sede de decisão sumária foram utilizados, como já supra se
referiu, dois argumentos para concluir pela impossibilidade de conhecimento do
objecto do recurso, sendo que qualquer um deles, por si só, determina tal
impossibilidade.
1. No que diz respeito à não suscitação atempada da questão de
inconstitucionalidade, afirma agora o reclamante que a decisão final da presente
lide foi uma decisão surpresa. Tal declaração, que o reclamante não fundamenta
por qualquer forma, tão pouco encontra acolhimento numa análise, ainda que
perfunctória, dos autos.
De facto, a norma aplicada na questão processual em causa nos autos (que era,
recorde-se, a de saber se o prazo para interposição de recurso de decisão
proferida em acta, estando presente a parte que dela pretendia recorrer, por si
e representada através de mandatário, se conta a partir da data da diligência ou
da data em que a acta foi elaborada), foi sucessivamente a mesma – o artigo 685º
do Código de Processo Civil –, na primeira instância e no Tribunal da Relação de
Évora (cfr. fls. 15 e v. e 38 e seg.), tendo sido aplicada com o mesmo sentido
normativo. Tanto basta para concluir estar o recorrente em condições, senão
antes, pelo menos desde a primeira aplicação da norma, no despacho que não
admitiu o recurso para a Relação, para suscitar a questão de
inconstitucionalidade do artigo 685º do Código de Processo Civil, designadamente
quando reclamou para o Presidente da Relação de Évora da não admissão de recurso
na primeira instância.
2. Relativamente à não aplicação, pela decisão recorrida, da norma cuja
inconstitucionalidade o recorrente pretendia que este Tribunal apreciasse,
sustentou agora o seguinte:
“(...) integrando-se o esclarecimento ou a recusa deste na própria decisão de
que aquele se pediu, o recurso para o Tribunal Constitucional, após recepção da
notificação da decisão aclaranda ou que recusa a aclaração, é o recurso da
decisão que aplicou a norma ora arguida de inconstitucional”.
Tal asserção, por um lado, contraria de forma directa o afirmado pelo próprio
recorrente aquando da interposição de recurso, pois que então identificou de
forma cabal, pela respectiva data, a decisão da qual pretendia interpor recurso
– cfr. fl. 49: “A., notificado da douta decisão de 07/10/2004, [a decisão que
indeferiu a requerida aclaração – fls. 44 a 47] vem interpor recurso da mesma
para o Tribunal Constitucional” (itálico aditado).
Por outro lado, decorre de forma expressa do disposto no artigo 670º, nº 2, do
Código de Processo Civil que apenas se considera complemento e parte integrante
da sentença a decisão que deferir o requerimento de rectificação, esclarecimento
ou reforma da sentença, e não aquela que o indeferir, como no caso sucedeu.
Carece, pois, de qualquer fundamento, também nesta parte, a reclamação deduzida,
impondo-se o respectivo indeferimento, com a consequente manutenção da decisão
de não conhecimento do objecto do recurso interposto para o Tribunal
Constitucional.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 24 Maio de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício