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Processo n.º 148/05
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 76º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), do despacho proferido pelo relator, no Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Outubro de 2004, que não lhe admitiu o recurso interposto do acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 27 de Maio de 2004, o qual negou a revista interposta de acórdão do Tribunal da Relação de Évora que, por seu lado, negara provimento ao recurso de apelação interposto pela mesma recorrente de sentença de tribunal de
1ª instância que, julgando parcialmente procedente a acção declarativa deduzida contra a mesma recorrente e B. e mulher C. por D. e mulher E. e a herança impartilhada de F., reconheceu que os AA. adquiriram, por usucapião, a propriedade de dois prédios identificados nos autos, declarou parcialmente nulo o contrato de compra e venda descrito na mesma sentença, ordenou o cancelamento do registo predial feito em favor da Ré A. dos mesmos prédios e condenou esta mesma R. nas custas da acção e em indemnização por litigância de má fé.
2 – Notificada do referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a ora reclamante apresentou perante ele um requerimento do seguinte teor:
«[...] inconformada com a douta decisão deste Tribunal que negou a revista
VEM DELA INTERPOR RECURSO para o Tribunal Constitucional
O Presente Recurso tem por fundamento a aplicação de normas cuja interpretação é materialmente inconstitucional e cuja inconstitucionalidade foi suscitada nos Presentes Autos.
Assim, por legal, tempestivo e admissível, requer-se a V.ª Ex.ª que se digne admitir o Presente Recurso, mais ordenando a subida dos Autos ao Tribunal Constitucional».
3 – Confrontado com este requerimento, o relator, no Supremo Tribunal de Justiça, convidou a recorrente nos termos do n.º 5 do art.º 75º-A da LTC para “aperfeiçoar o requerimento de harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo”.
4 – Veio então a reclamante apresentar requerimento em que diz:
«[...] notificada para proceder à rectificação do seu requerimento de interposição de recurso de harmonia com o disposto no n.º 1 e 2 do art.º
75º-A da LOFPTC,
vem fazê-lo pela forma seguinte:
O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da citada LOFPTC, por violação do art.º 62º da C.R.P. e pelo facto de o acórdão recorrido ter feito uma interpretação materialmente inconstitucional do disposto no artigo 1296º do C. Civil no que respeita à aplicação analógica e artigo 712º do C.P.Civil quanto à alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação”.
5 – Pronunciando-se sobre tal requerimento, o Ministério Público junto do Supremo Tribunal, ouvido, emitiu parecer do seguinte teor:
«Salvo o devido respeito pela pretensão manifestada pelo requerente
– e sem cuidar se o recurso se apresenta ou não manifestamente infundado, para os efeitos previstos na última parte do n.º 2 do art.º 76º da LOFPTC - , não tendo no requerimento, mesmo após o suprimento previsto no n.º 5 do art.º 75º-A, indicado a peça processual em que suscitou as questões de inconstitucionalidade
(parte final do n.º 2 do mesmo artigo), deverá, desde logo, ser indeferido, atento o disposto na primeira parte do n.º 2 do art.º 76º, cit.».
6 – Apreciando o mesmo requerimento do ora reclamante, o relator, no Supremo Tribunal de Justiça, decidiu nos termos seguintes:
«Pelas razões expressas no douto parecer do Ministério Público, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, não se admite o recurso interposto a fls. 666 para o Tribunal Constitucional.
Notifique, enviando-se cópia do parecer supra referido.».
7 – Notificada deste despacho, a ora reclamante apresentou requerimento do seguinte teor:
«A., Recorrente nos autos à margem referenciados, inconformada com a douta decisão de fls. 677 que não admitiu o recurso de fls. 668 para o Tribunal Constitucional, vem dela reclamar para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 76º da LTC.
Assim, porque está em tempo e tem legitimidade, requer a admissão da Presente Reclamação, a qual deve seguir todos os demais termos do art.º 77º e seguintes da LTC.».
8 – No Tribunal Constitucional, o Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
«A presente reclamação deduzida sem que o reclamante haja cumprido minimamente o ónus de impugnação da decisão reclamada, a seu cargo, e sem que se vislumbre qualquer motivo para desta dissentir carece obviamente de fundamento sério, devendo ser liminarmente rejeitada.».
B – Fundamentação
9 – Como se verifica do relatado, a Ré A. reclama, ao abrigo do disposto do n.º 4 do art.º 76º da LTC, do despacho do relator, no Supremo Tribunal de Justiça, que não lhe admitiu o recurso que interpusera para o Tribunal Constitucional do acórdão que lhe negou a revista interposta de acórdão do Tribunal da Relação de Évora, em virtude de, havendo sido por ele convidada nos termos do n.º 5 do art.º 75º-A da LTC para dar cumprimento às exigências referidas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 75º-A da mesma LTC, a reclamante não haver indicado a peça processual em que havia suscitado as questões de inconstitucionalidade relativas às normas apenas mencionadas no requerimento complementar de interposição do recurso, apresentado em consequência do referido convite.
Todavia, a reclamante não aduz como fundamento da sua reclamação sequer uma única razão de que derive a sua posição de contestação ao despacho reclamado.
Tal circunstância não pode deixar de conduzir, desde logo, ao indeferimento da reclamação por não se vislumbrarem as razões da reclamante com base nas quais entende que o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade deve ser admitido.
Mesmo a entender-se que a sua discordância versa – e apenas - sobre o fundamento aduzido no despacho reclamado de não haver mencionado no requerimento de interposição do recurso a peça processual em que suscitou as questões de inconstitucionalidade relativas às normas que aí identificou, apesar de para tanto haver sido convidada pelo relator no STJ, é de confirmar o despacho reclamado, conquanto com alteração do efeito atribuído ao não cumprimento do convite feito na parte que concerne à identificação da peça processual em que essas questões de inconstitucionalidade foram suscitadas, o qual é o de deserção do recurso (n.º 7 do art.º 75º-A da LTC) e não o de a sua não admissão, como se decretou.
E não se argumente que um tal entendimento referido à falta de resposta ao convite de indicação da referida peça processual corresponde a qualquer posição de inadmissível substancialização de aspectos meramente formais.
É que a suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo das concretas normas cuja conformidade com a Lei Fundamental se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie e que tenham constituído ratio decidendi da decisão recorrida, em termos adequados e a tempo de a decisão recorrida a poder apreciar, constitui um requisito constitucional [art.º 280º, n.º 1, alínea b), da CRP] e legal [art.º 70º, n.º 1, alínea b), e art.º 75º-A, n.º 2, da LTC] do tipo de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade e para o Tribunal Constitucional poder ajuizar da sua satisfação tem de lhe ser indicado, sem reserva de dúvida por não poder decidir a título hipotético, a peça em que essa suscitação foi feita.
C – Decisão
10 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação, condenando a reclamante nas custas e fixando a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 1 de Março de 2005
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos