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Processo n.º 795/05
Plenário
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
1. A CDU – Coligação Democrática Unitária, pelo seu representante
Paulo Alexandre Cantigas Raimundo, interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional “da deliberação da Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de
Terras do Bouro pela qual admitiu e deu provimento ao requerimento do
representante da coligação Juntos por Vilar da Veiga e, em consequência,
procedeu à recontagem dos votos obtidos por cada lista na eleição para a
Assembleia de Freguesia de Vilar da Veiga, alterando os correspondentes totais
constantes das actas das operações eleitorais, proclamando resultados diversos
dos que, de facto, foram apurados sem que estes se encontrassem contestados ou
reclamados”.
No requerimento de interposição de recurso aduz a
recorrente:
“4.º Em consequência dos apuramentos parciais constantes das actas das operações
eleitorais respectivas os resultados apurados, no que à matéria importa, foram
os seguintes:
Secção de voto n.º 1
CDU – [não se indica qualquer valor]
PPD/PSD – [não se indica qualquer valor]
Secção de voto n.º 2
CDU – [não se indica qualquer valor]
PPD/PSD – [não se indica qualquer valor]
5.º Do que, no total, resultaria:
CDU – [não se indica qualquer valor]
PPD/PSD – [não se indica qualquer valor]
6.º Não houve, como daquelas actas se pode confirmar, actos, omissões ou
quaisquer ocorrências que possam suscitar dúvida ou suspeição sobre o decurso
da votação e do apuramento e, em consequência, a sua validade.
7.º E não se vêem, ainda nas sobreditas actas, discrepâncias ou divergências em
cada um dos apuramentos locais de que resulte incoerência matemática ou
qualquer outro facto susceptível de colocar em crise a validade dos resultados
parcialmente apurados.
8.º Como não há, e pela mesma forma se pode confirmar também, nota de quaisquer
reclamações, protestos ou contraprotestos sobre os apuramentos parciais, as
operações de contagem e contraprova ou sobre o registo do que delas resultou.
9.º Não há, pois, razão objectiva para que a assembleia, com vista à
determinação dos elementos referidos no n.º 1 do artigo 146.º, extravase do
âmbito em que, em geral, o apuramento se deve conter nos precisos termos do
artigo 149.º, socorrendo‑se de elementos outros que não os taxativamente
enumerados do artigo 148.º.
10.º É nos precisos termos daquelas normas que, em princípio, o apuramento
geral deve ser feito, não cabendo na discricionariedade da assembleia alterar os
resultados da eleição através de operações diversas das ali previstas ou com
recurso a elementos que não os também ali referidos.
11.º Sem que, contudo, se levante oposição a que, como aliás é jurisprudência
pacífica desse Venerando Tribunal, a assembleia de apuramento geral possa
extravasar daquele âmbito em circunstâncias excepcionais, como sejam, e. g., a
ausência de registos ou a sua notória e significativa incongruência ou a
existência de reclamação, protesto ou contraprotesto tempestivo (em tempo
apresentado à mesa da secção de voto respectiva) que suscite dúvida sobre as
operações de contagem ou o seu registo.
12.º Ora, nenhuma daquelas circunstâncias foi presente à Assembleia, que, sobre
requerimento simples e sem fundamento atendível de um dos eventuais
interessados, deliberou exceder os poderes que a lei lhe confere e pôr em crise
as deliberações consolidadas, porque incontestadas em tempo, dos órgãos
competentes da administração eleitoral.
13.º Contra o que resulta da lei e, aliás, é também jurisprudência uniforme
desse Venerando Tribunal (como se infere, p. ex., do Acórdão n.º 322/85: «A
apreciação do recurso (…) pressupõe a apresentação (…) de reclamação ou
protesto (...) contra as irregularidades verificadas no decurso da votação e do
apuramento parcial (...)»).
14.º Mas mais: que assim se não entenda e sem, contudo, conceder, não foi ao
representante da recorrente permitido verificar as operações de recontagem
ilicitamente promovidas, como requereu e, sendo‑lhe indeferido, protestou,
podendo tudo ver‑se da acta de apuramento geral, sendo-lhe denegados os poderes
e os direitos aplicáveis analogicamente vide dos artigos 88.º e 134.º.
15.º Por tudo se requerendo desse Venerando Tribunal:
I – Seja anulada a deliberação da recorrida Assembleia de Apuramento Geral de
Terras de Bouro pela qual se deferiu, sem motivo ou razão aparente que o
justificasse e sem que, prévia e tempestivamente, a questão houvesse sido
suscitada, o requerimento da W (candidatura) em que pedia a recontagem dos
votos nas candidaturas para a eleição da Assembleia de Freguesia de Vilar da
Veiga e, em consequência:
A) Seja anulado o apuramento efectuado e mandado substituir pelo que resulta das
somas dos resultados dos apuramentos locais;
B) Sejam proclamados os resultados assim apurados e distribuídos os mandatos em
função deles.
II – Assim se não entendendo, seja ordenada a repetição do apuramento com nova
contagem que permita ao recorrente exercer os direitos previstos no artigo
134.º.”
2. Efectuadas as notificações previstas no n.º 3 do
artigo 159.º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das
autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto
(doravante designada por LEOAL), Salustiano de Carvalho e Silva, mandatário da
coligação Juntos por Vilar da Veiga, apresentou resposta, propugnando o
improvimento do recurso, quer por falta de prévia reclamação ou protesto por
parte da recorrente junto da Assembleia de Apuramento Geral, quer por ter sido
inteiramente regular o procedimento desta ao realizar a recontagem, sem proceder
a qualquer alteração das qualificações dos votos dadas pelas mesas das
assembleias de voto.
3. Resulta do artigo 156.º, n.º 1, da LEOAL que a
apreciação do mérito do recurso contencioso aí previsto depende de prévia
reclamação ou protesto contra as irregularidades ocorridas no decurso da
votação e no apuramento local ou geral, apresentados no acto em que estas se
verificaram.
Da “Acta da Assembleia de Apuramento Geral das Eleições
para os Órgãos Representativos das Autarquias Locais no Concelho de Terras de
Bouro” consta, no que à Freguesia de Vilar da Veiga concerne:
“Foi entregue pelo Mandatário da Coligação «Juntos por Vilar da Veiga» um
requerimento dirigido ao Presidente da Assembleia de Apuramento Geral do
Município de Terras de Bouro, solicitando a recontagem dos votos relativos à
eleição de cada um dos órgãos da autarquia.
Faz parte desta acta o respectivo requerimento. [Nesse requerimento o pedido de
recontagem é fundado na alegação de «não ter sido efectuada a contraprova da
contagem conforme estabelece o n.º 5 do artigo 131.º da Lei Orgânica n.º 1/2001,
de 14 de Agosto»].
A Assembleia de Apuramento Geral decidiu por unanimidade proceder à recontagem
dos votos relativos à Assembleia de Freguesia.
Procedeu‑se à recontagem dos votos obtidos por cada lista e chegou‑se aos
seguintes resultados, para a Assembleia de Freguesia:
Brancos 29
Nulos 19
CDU 332
PSD/CDS 332
PS 247
Total 959
O Sr. Alexandre Adelino Ribeiro Pereira, representante da Lista da CDU de Vilar
da Veiga, tomou da palavra, para solicitar à Assembleia de Apuramento Geral se
seria possível ele mesmo proceder à recontagem dos votos.
Foi apreciada pela Assembleia de Apuramento Geral esta petição, sendo de
imediato recusada por falta de fundamento legal.
Verificando‑se existência de empate entre as listas mais votadas para a Eleição
da Assembleia de Freguesia, a Assembleia de Apuramento concluiu pela
impossibilidade de distribuição de mandatos.
Decidiu, por unanimidade, esta Assembleia remeter esta decisão para o Governo
Civil do Distrito, para os efeitos tidos por convenientes.
Nada mais havendo a tratar foi a presente reunião dada por encerrada,
lavrando‑se acta dos resultados apurados, a qual depois de lida e achada
conforme foi assinada por todos os intervenientes, tendo ainda a Ex.ma
Presidente ordenado a publicação de edital a afixar à porta do edifício onde
funcionou esta Assembleia e o envio de um exemplar da presente acta à Comissão
Nacional de Eleições e outro ao Governador Civil, por seguro do correio.”
Como se constata da leitura da acta, a recorrente, pelo
seu representante na assembleia de apuramento geral, não só não deduziu oposição
ao deferimento do pedido de recontagem dos votos, como, efectuada esta
recontagem e anunciado o seu resultado, não apresentou qualquer reclamação ou
protesto, como tal não podendo ser considerada a solicitação de lhe ser
consentido proceder, ele mesmo, a essa recontagem, solicitação cujo
desatendimento não lhe suscitou nenhuma reacção.
4. Em face do exposto, por falta de reclamação ou
protesto, por parte da recorrente, contra a deliberação da assembleia de
apuramento geral, apresentados no próprio acto, acordam em não tomar
conhecimento do recurso.
Lisboa, 18 de Outubro de 2005.
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Silva Rodrigues
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Artur Maurício