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Processo nº 149/07
Plenário
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – O Partido Socialista (PS) recorre contenciosamente para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 8.º, alínea f), e
102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
“deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE) adoptada em plenário reunido
em 16/01/2007” “que rejeitou a reclamação apresentada pelo Requerente,
confirmando a deliberação tomada em 09/01/2007, no ‘sentido de não ser permitida
a contribuição de partidos para a campanha de grupos de cidadãos eleitores que
partilhem o seu sentido de voto’ “, no referendo nacional sobre a interrupção
voluntária de gravidez, marcado para o próximo dia 11 de Fevereiro de 2007.
2 – Pede o recorrente que o Tribunal Constitucional declare:
“A) A nulidade da deliberação recorrida, nos termos das alíneas
a) e d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo, e,
consequentemente, determine(m) que a Comissão Nacional de Eleições revogue a
deliberação proferida em 16 de Janeiro de 2007, com a necessária extinção de
efeitos jurídicos da deliberação por aquela confirmada
ou, a título subsidiário, determine(m):
B) A anulação da deliberação recorrida, nos termos dos artigos
19.º, 55.º, n.º 1, 124.º n.º 1, alíneas a), b) e c) e 135.º do Código de
Procedimento Administrativo, e, consequentemente, determine(m) que a Comissão
Nacional de Eleições revogue a deliberação proferida em 16 de Janeiro de 2007,
com a necessária extinção de efeitos jurídicos da deliberação por aquela
confirmada”.
3 – Em fundamento dos seus pedidos, o recorrente alegou razões
de facto e de direito que levou à seguinte síntese conclusiva:
«1. A deliberação recorrida, tomada pela Comissão Nacional de Eleições,
constitui um acto administrativo de conteúdo eleitoral passível de recurso, nos
termos do artigo 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional.
2. O acto administrativo recorrido é nulo, nos termos da alínea d) do
n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo, na medida em que
determina a restrição da liberdade de associação do Recorrente [cfr. n.º 2 do
artigo 46.º da Constituição da República da República], por mera decisão
administrativa, sem que tenha por fundamento lei prévia que preveja
expressamente tal restrição, conforme imposto pelo n.º 2 do artigo 18.º da
Constituição da República Portuguesa.
3. Na medida em que não existe lei que autorize aquela restrição, a
Comissão Nacional de Eleições procurou exercer poderes típicos da função
legislativa.
4. O acto administrativo de conteúdo eleitoral recorrido é nulo, nos
termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento
Administrativo, por ofender o conteúdo essencial da liberdade de associação do
Recorrente, consagrada no n.º 2 do artigo 46.º da Constituição da República
Portuguesa, de modo desnecessário, desadequado e desproporcional “stricto
sensu”.
5. O acto administrativo de conteúdo eleitoral é
simultaneamente anulável, nos termos dos artigos 19.º, 55.º, n.º 1, 124.º, n.º
1, alíneas a), b) e c) e 135.º do Código de Procedimento Administrativo, por:
i. Visar confirmar uma deliberação
(de 09 de Janeiro de 2007) que havia sido tomada sem prévia inclusão do assunto
em apreço na ordem do dia da convocatória enviada aos membros da Comissão
Nacional de Eleições;
ii. Ter sido adoptado sem que todos
os partidos políticos e os movimentos de cidadãos eleitores directamente
interessados e nominalmente identificados perante os serviços da Comissão
Nacional Eleições tenham sido por ela previamente informados do início oficioso
do procedimento tendente à tomada de decisão;
iii. Não conter fundamentação e
confirmar uma deliberação (de 09 de Janeiro de 2007) que não contém qualquer
fundamentação, apesar de decidir sobre uma reclamação apresentada pelo ora
Recorrente, de decidir contra informação elaborada pelos serviços jurídicos da
Comissão Nacional de Eleições e ter restringido o direito fundamental à livre
prossecução dos fins dos partidos políticos.
Termos em que, requer-se a V.as Ex.as que declarem:
A) A nulidade da deliberação recorrida, nos termos das alíneas a)
e d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo, e,
consequentemente, determinem que a Comissão Nacional de Eleições revogue a
deliberação proferida em 16 de Janeiro de 2007, com a necessária extinção de
efeitos jurídicos da deliberação por aquela confirmada.
Ou, a título subsidiário, determinem:
B) A anulação da deliberação recorrida, nos termos dos artigos 19.º, 55.º, n.º
1, 124.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e 135.º do Código de Procedimento
Administrativo, e, consequentemente, determinem que a Comissão Nacional de
Eleições revogue a deliberação proferida em 16 de Janeiro de 2007, com a
necessária extinção de efeitos jurídicos da deliberação por aquela confirmada».
B – Fundamentação
5 – Vistos os autos, considera-se assente o seguinte quadro
factual com pertinência para a decisão do caso:
a) Em sessão realizada, no dia 9 de Janeiro de 2007, a CNE
tomou, no âmbito do item “Outros Assuntos” da respectiva ordem de sessão, e, “na
sequência de vários pedidos de esclarecimento por parte de partidos políticos
sobre a questão de saber se podem contribuir para a campanha de grupos de
cidadãos eleitores”, a deliberação do seguinte teor: “Não é permitida a
contribuição de partidos para a campanha de grupos de cidadãos eleitores (à
excepção do caso em que o partido ou coligação declara participar na campanha do
referendo através de grupos de cidadãos eleitores)”.
b) Esta deliberação foi notificada ao recorrente em data
anterior ao dia 12 de Janeiro de 2007 ou neste dia.
c) Em 12 de Janeiro de 2007, o recorrente apresentou perante a
CNE um requerimento, que apelidou de “contestação”, no qual, após ter esgrimido
diversas razões de direito, pediu que esta entidade “reconsidere a sua posição e
nesse sentido não se oponha a que o Partido Socialista, embora participando
directamente na campanha eleitoral do referendo, possa, simultaneamente,
contribuir para a campanha de grupos de cidadãos eleitores, que partilhem do seu
sentido de voto”.
d) O requerimento referido na alínea anterior foi objecto de
apreciação, em reunião plenária, da CNE, no dia 16 de Janeiro de 2007, tendo
esta deliberado manter, por maioria, com o voto de qualidade do Presidente, a
aludida deliberação de 09/01/2007, “com o fundamento no disposto no artigos
39.º, nºs 2 e 3, 71.º, nºs 1 e 2 e 72.º, n.º 2 da Lei Orgânica do Regime do
Referendo (Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril), na medida em que estas disposições
distinguem, no que diz respeito quer à inscrição e declaração na CNE da
pretensão de intervenção na campanha para o referendo, quer no que diz respeito
ao financiamento da campanha, de dois grupos de entidades autónomas, por um
lado, os partidos políticos que declarem que pretendem participar directamente
e, por outro lado, os grupos de cidadãos eleitores legalmente constituídos,
cujos orçamentos não podem entrecruzar-se”.
Em abono da solução adoptada, a deliberação diz, ainda, que: “É
neste entendimento que se deve interpretar, na óptica da Comissão Nacional de
Eleições, a expressão “... que apresentem ou apoiem candidaturas [grupos] ...“
constante do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 16º da Lei 19/2003, de 20
de Junho. Assim, só se o partido político não apresentar declaração de que
pretende participar no referendo pode financiar o (s) grupo (s) de cidadãos
eleitores que entender”.
e) Pelo ofício n.º 136, datado de 16 de Janeiro de 2007,
enviado através de correio normal no dia 17 de Janeiro de 2007, a CNE notificou
o recorrente da deliberação referida na alínea anterior.
f) Pelo ofício n.º 138, datado de 18 de Janeiro, enviado
através de fax na mesma data, a CNE notificou o recorrente de uma rectificação
concernente a um erro relativo ao número e à identidade dos seus membros que
haviam votado vencido na mesma deliberação de 16 de Janeiro de 2007 que
constavam do ofício anterior.
g) No dia 18 de Janeiro de 2007, o recorrente contactou a CNE
acusando a recepção da rectificação a que alude a alínea anterior e informando
que não tinha ainda recebido a deliberação da CNE referida na alínea d) supra.
h) No dia 19 de Janeiro de 2007, a CNE enviou ao recorrente,
por fax, a deliberação a que alude a alínea d) supra.
i) A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional
da deliberação acima referida, de 16 de Janeiro de 2007, através de petição que
apresentou perante a CNE no dia 22 de Janeiro de 2007.
6 – De acordo com o disposto no artigo 252.º da Lei n.º
15-A/98, de 3 de Abril – Lei Orgânica do Regime do Referendo (LORR) –, “a
Comissão Nacional de Eleições exerce as suas competências também em relação aos
actos de referendo”.
Por sua vez, estabelece o artigo 8.º, alínea f), da LTC que
compete ao Tribunal Constitucional “julgar os recursos contenciosos interpostos
de actos administrativos definitivos e executórios praticados pela Comissão
Nacional de Eleições ou por outros órgãos da administração eleitoral”.
E, regulando o processo relativo a este tipo de recursos, os
nºs 1 e 2 do artigo 102.º da mesma LTC dispõem que a “interposição de recurso
contencioso de deliberações da Comissão Nacional de Eleições faz-se por meio de
requerimento apresentado nessa Comissão, contendo a alegação do recorrente e a
indicação das peças de que pretende certidão” e que “o prazo para a interposição
do recurso é de 1 dia a contar da data do conhecimento pelo recorrente da
deliberação impugnada”.
Em causa está uma deliberação tomada pela CNE, no dia 16 de
Janeiro de 2007, sobre um concreto pedido do recorrente relativo ao referendo
nacional sobre a interrupção voluntária de gravidez, marcado para o dia 11 de
Fevereiro de 2007 pelo Decreto do Presidente da República n.º 117-A/2006,
publicado no Diário da República, I Série-A, de 30 de Novembro de 2006.
Face ao disposto naquele art. 8.º da LTC, coloca-se, assim, a
questão de saber se a deliberação impugnada é ou não um acto contenciosamente
recorrível para o Tribunal Constitucional, pois que o recurso contencioso apenas
está previsto para os “actos administrativos definitivos e executórios”.
A expressão “actos administrativos definitivos e executórios”
reproduzia, à altura da edição da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o nomem
juris que constava, não só do texto constitucional (art. 268.º, n.º 3 da
Constituição, na versão saída da revisão de 1982, que sucedeu ao art. 269.º, n.º
2 da versão originária), como da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
(LPTA), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (art. 25.º, n.º 1),
sendo entendido, essencialmente, no sentido de abranger os actos administrativos
de eficácia externa, horizontal e verticalmente definitivos.
Com a revisão constitucional de 1989, operada pela Lei
Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, o texto do n.º 2 do artigo 268º
abandonou o inciso «definitivos e executórios», anteriormente utilizado no nº 2
do artigo 269º,mas daí não decorre forçosamente que a nova redacção apresentada
pelo n.º 4 do artigo 268.º tivesse adoptado o entendimento de que a garantia de
recurso contencioso passou a abranger todo e qualquer acto praticado pela
Administração e, consequentemente, que aquele art. 8.º, alínea f) da LTC, deva
ser igualmente percebido neste sentido.
A garantia constitucional de recurso contencioso cinge-se aos
actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem direitos e
interesses legalmente protegidos dos interessados, pelo que verdadeiramente
determinante do âmbito material da mesma garantia é a resposta à questão de
saber se o acto administrativo é um acto lesivo dos direitos ou interesses
legalmente protegidos dos interessados.
Ora, quer a doutrina quer a jurisprudência vêm entendendo que
um acto praticado pela Administração que meramente se confine a confirmar um
outro, nada acrescentando ou retirando a este último, desde que em causa se não
poste uma situação em que seja exigível um meio de impugnação administrativa
necessária, não é impugnável mediante recurso contencioso.
Ora, o acto impugnado – a deliberação de 16 de Janeiro de 2007
– nada inovou na Ordem Jurídica relativamente ao acto que a mesma confirmou, de
9 de Janeiro de 2007, deliberação esta que foi notificada ao recorrente, como
ele próprio alega na “contestação” que deduziu perante a CNE, em 12 de Janeiro
de 2007, sendo que este acto se consolidou na Ordem Jurídica pela preclusão do
prazo de interposição do recurso estabelecido no n.º 2 do art. 102.º-B da LTC e
isto independentemente dos vícios de que esse acto pudesse padecer.
Na verdade, este acto apenas poderá ser visto como um acto
administrativo plural (feixe de actos), dado que tem por destinatários os
sujeitos concretos que declararam ou foram admitidos a fazer campanha eleitoral
para o referendo nacional (partidos políticos ou coligações de partidos
políticos que declarem participar no esclarecimento das questões submetidas a
referendo ou grupos de cidadãos cuja inscrição perante a CNE foi requerida –
art. 39.º a 41.º da LORR). E tanto assim é que o recorrente foi dele notificado.
Segundo os seus próprios termos, a deliberação impugnada
limitou-se a “manter a deliberação de 09/01/2007”.
Deste modo, a deliberação de 16 de Janeiro é um acto meramente
confirmativo que se enquadra no art. 53.º, alínea b) do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, não sendo um acto lesivo e não podendo,
consequentemente, constituir objecto idóneo de recurso.
À mesma conclusão chegará quem entenda que, quer a deliberação de 16 de Janeiro
de 2007, como já a deliberação de 9 de Janeiro de 2007, têm uma natureza
diferente de acto lesivo, por não definirem qualquer situação individual e
concreta, na medida em que defenda que quer as contas da campanha referendária
quer as contas dos partidos estão sujeitas a julgamento pelo órgão no momento
próprio, aí se apreciando a eventual ilicitude do financiamento daquela
campanha.
Deste modo, o recurso contencioso é de rejeitar.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide rejeitar o recurso contencioso.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2007
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Mário José de Araújo Torres
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de declaração de voto junta).
Paulo Mota Pinto (vencido nos termos da declaração de voto que junto)
Maria Helena Brito (vencida nos termos da declaração de voto junta)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida, por ter dúvidas fundamentais que não consegui ultrapassar quanto
às razões que justificaram a decisão constante do Acórdão.
Em primeiro lugar, tenho dúvidas de que a afirmação da natureza
confirmativa do acto dispense a análise prévia da eventual nulidade do acto
supostamente confirmado e de que o prazo aplicável para a invocação da nulidade
quanto à primeira deliberação seja apenas de um dia e não antes um prazo que
permita, em processo eleitoral, a apreciação da eventual nulidade em tempo útil.
Em segundo lugar, admito que o critério de fundamentação da
primeira deliberação da CNE não é logicamente o mesmo que consta da segunda
deliberação. E isso deixa-me igualmente, com dúvidas muito fortes sobre a
possibilidade de caracterizar o segundo acto como confirmativo.
Em terceiro lugar, a natureza do primeira deliberação não é,
quanto a mim, inequivocamente a de um acto definitivo, tendo sobretudo um teor
interpretativo da lei e / ou de mera advertência genérica.
Por tudo isto, não encontro razões suficientemente decisivas
para acompanhar o presente Acórdão.
Maria Fernanda Palma
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido por entender que a deliberação tomada em 16 de Janeiro de 2007
pela Comissão Nacional de Eleições não é meramente confirmativa da deliberação
tomada pelo mesmo órgão na sessão de 9 de Janeiro do mesmo ano, pelo que seria
recorrível. A meu ver, é, com efeito, patente que não é apenas a fundamentação
(totalmente ausente na primeira, desenvolvida na segunda deliberação) ou a
votação (a segunda deliberação foi tomada por voto de qualidade do Presidente,
com duas declarações de voto de vencido) das deliberações que difere, mas também
o seu próprio teor e alcance, e mesmo no que toca à situação do presente
recorrente: de acordo com a deliberação de 9 de Janeiro, os partidos políticos
não podem contribuir para a campanha de grupos de cidadãos eleitores “à excepção
do caso em que o partido ou a coligação declara participar na campanha do
referendo através de grupos de cidadãos eleitores” (fls. 13 dos autos); na
segunda deliberação, tomada em 16 de Janeiro, apesar de começar por se declarar
“manter a deliberação de 09/01/07”, precisa-se o alcance da proibição no sentido
de que “só se o partido político não apresentar declaração de que pretende
participar no referendo pode financiar o(s) grupo(s) de cidadãos eleitores que
entender” (fls. 33 dos autos, itálicos aditados). Resulta daqui uma clara
diferença de alcance das deliberações, quanto ao pressuposto para um partido
político poder financiar um (ou mais) grupo(s) de cidadãos eleitores:
respectivamente “declarar participar na campanha do referendo através de grupos
de cidadãos eleitores” (deliberação de 9 de Janeiro) ou “não apresentar
declaração de que pretende participar no referendo”, para apoiar o grupo que
entender (deliberação de 16 de Janeiro). Assim, se o partido político ora
recorrente (ou um outro partido) pretendesse financiar um (ou mais) grupo(s) de
cidadãos eleitores, teria, de acordo com a primeira deliberação, de declarar
(até ao 30.º dia anterior ao dia do referendo, nos termos do artigo 40.º da Lei
Orgânica do Regime do Referendo) que participava na campanha do referendo
através dele(s), enquanto, de acordo com a segunda deliberação, bastaria “não
apresentar declaração de que pretende participar no referendo” para poder
“financiar o(s) grupo(s) de cidadãos eleitores que entender”. Esta clara
diferença de alcance das deliberações, resultante do seu teor devidamente
interpretado (cf., aliás, logo depois do esclarecimento na deliberação de 16 de
Janeiro, a referência, a fls. 34 dos autos, a “[e]sta deliberação”), não devia,
a meu ver, ser desconsiderada na apreciação da relação entre ambos os actos,
para se concluir pela negação da recorribilidade do segundo.
Paulo Mota Pinto
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida o presente acórdão, pela razão que a seguir
enuncio, de modo muito breve:
Tendo em conta os elementos constantes dos autos, afigura-se-me
não ser possível qualificar a deliberação da CNE, de 16 de Janeiro de 2007, como
acto meramente confirmativo da deliberação anterior, de 9 de Janeiro do mesmo
ano. Na verdade, entendo que as duas deliberações são diferentes, desde logo,
quanto ao seu teor: de acordo com a primeira deliberação, de 9 de Janeiro, “não
é permitida a contribuição de partidos para a campanha de grupos de cidadãos
eleitores (à excepção do caso em que o partido ou a coligação declara participar
na campanha do referendo através de grupos de cidadãos eleitores)”; de acordo
com a segunda deliberação, de 16 de Janeiro, “só se o partido político não
apresentar declaração de que pretende participar no referendo pode financiar
o(s) grupo(s) de cidadãos eleitores que entender” (itálicos aditados). O modo
como nas duas deliberações se delimita a proibição de financiamento da campanha
de grupos de cidadãos eleitores é susceptível de conduzir a resultados distintos
quanto ao alcance dessa mesma proibição e, por isso mesmo, quanto à situação dos
partidos políticos e coligações.
Tanto basta para concluir no sentido da não identidade de
conteúdo das duas deliberações e, consequentemente, no sentido da
recorribilidade da deliberação da CNE, de 16 de Janeiro de 2007.
Assim sendo, conheceria do recurso.
Maria Helena Brito