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Processo n.º 796/2005
Plenário
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Maria Júlia Leite Linhares Duarte Carrilho Simas
Santos, invocando ser mandatária do Partido Socialista para as eleições dos
órgãos das autarquias locais do concelho de Vieira do Minho, interpôs recurso
para este Tribunal, “nos termos e para efeitos do disposto nos art.ºs 156.º a
160.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, na redacção que lhe foi
conferida, designadamente, pela Lei Orgânica n.º 3/2005, de 29 de Agosto”,
indicando como autoridade recorrida a “Mesa da Assembleia de Voto da Freguesia
de Rossas, Concelho de Vieira do Minho” – recurso esse com começo de expedição,
via fax, pelas 23 horas e 45 (ou 23 horas e 59 minutos) minutos do dia 13 de
Outubro de 2005 –, para tanto invocando: –
“A) DOS FACTOS
1.º
Em 09.10.05, na Freguesia de Rossas, Concelho de Vieira do Minho, junto da
secção de voto que funcionava no Edifício da Escola Primária, António Cardoso
Barbosa, candidato à Câmara Municipal de Vieira do Minho (mais precisamente no
2.º lugar da lista) pelas listas apoiadas pela Coligação Unidos por Vieira do
Minho (PSD-CDS/PP), mais não fez do que, sistematicamente, entrar e sair das
salas destinadas ao sufrágio para as eleições locais que tinham lugar nesse dia.
2.º
Este movimento, ininterrupto, desde sensivelmente as 10 horas da manhã até às 19
horas do mesmo dia, era dirigido a «acompanhar» as pessoas que se dirigiam para
a secção de voto, sendo que as mesmas eram surpreendidas antes mesmo de entrar
nas salas de votação e seguidas até abandonarem as mesmas
3.º
António Cardoso Barbosa, assim que contactava com as pessoas que se apresentavam
para votar, retirava-lhes o cartão de eleitor, dirigia-se na companhia das
mesmas até à mesa da assembleia de voto e, uma vez levantados os boletins de
voto, que de imediato entregava aos cidadãos em causa, fazia questão de se
deslocar com os mesmos até às imediações da câmara de voto para aí aguardar pela
efectivação do seu direito de sufrágio.
4.º
Posto isto, faltava apenas conduzir os cidadãos em apreço à saída da sala de
votações para, de imediato, se reiniciar todo este circuito, por via da
«sedução» de um outro eleitor desprevenido incapaz de resistir à energia e ao
empenho postos pelo candidato das listas apoiada pelo PSD-CDS/PP nesta tarefa de
«desinteressado auxílio» aos cidadãos eleitores de Vieira de Minho.
5.º
Obviamente que ao longo de todo este infindável processo António Cardoso Barbosa
não se cansou de apelar ao voto nas listas da coligação por que era candidato, o
que acabou por motivar a indignação de vários dos presentes, designadamente
atenta a não menos admirável passividade da mesa da assembleia de voto.
[6º]
Em face disto, e depois de já terem sido convocados ao local agentes da Guarda
Nacional Republicana, o delegado das listas do Partido Socialista apresentou, de
imediato, o competente protesto, que, contudo veio a ser liminarmente
desatendido pela mesa da assembleia de voto, ainda que em deliberação destituída
de qualquer fundamentação (de facto ou de direito) razoável e, pasme-se, nem
sequer assinada.
[7º]
Como imediata decorrência de tudo quanto antecede, a assembleia de apuramento
geral veio a anular a deliberação da mesa de assembleia de voto, em virtude da
sua absoluta carência de forma legal, sem que, no entanto, daí retirasse
quaisquer efeitos de índole prática, mormente ordenando a imediata e inevitável
repetição da votação realizada.
B) DO DIREITO
[8º]
Perante o quadro fáctico acabado de sumariar ou condensar temos que não andaram
bem quer a mesa da assembleia de voto, quer a assembleia de apuramento geral,
por isso que outras e bem mais enérgicas teriam que ser as consequências a
extrair de tão singular cenário.
[9º]
Na hipótese vertente, com efeito, oferece-se-nos de meridiana clareza que houve
lugar a uma frontal e brutal violação seja do princípio da pessoalidade seja do
princípio da liberdade de sufrágio (se é que assim nos podemos exprimir).
[10º]
Na verdade, e de harmonia com os ditames legais pertinentes, é absolutamente
impre[s]cindível, em ordem a sua regularidade, que o voto seja o precipitado de
uma vontade pessoal livre e esclarecida.
[11º]
Torna-se assim mister que o exercício do direito de sufrágio não seja
condicionado por quaisquer circunstâncias endógenas ou exógenas que por algum
modo se oponham à consecução deste duplo desiderato legal (concretizado,
sobretudo, nos art.ºs 96.º a 127.º da Lei Orgânica n.º1/2001, de 14 de Agosto,
na redacção que lhe foi conferida, designadamente, pela Lei Orgânica n.º3/2005,
de 29 de Agosto).
[12º]
Sucede que no caso presente, até por incúria da mesa da assembleia de voto (que
não exerceu, como devia, as suas funções de policia), foi perturbado um são e
livre exercício do direito de sufrágio e posto em causa o seu indefectível
carácter pessoal (numa sua compreensão jurídico-norm[a]tivamente adequada) por
pessoas cuja presença na assembleia de voto se deve ter por absolutamente
proibida ou vedada à luz do estatuído no art.º 125.º do diploma legal
anteriormente citado.
[13º]
Deste modo, outra hipótese não resta senão a de anular a votação em causa, até
porque, atenta a diferença de votos entre as listas em equação (PS e
PSD-CDS/PP), respectivamente de 193 para a Câmara Municipal e de 105 para a
Assembleia Municipal, e olhando ao número de eleitores da Freguesia de Rossas -
1927 -, dúvidas não restam que a repetição do escrutínio pode vir a revelar-se
de alcance decisivo no resultado geral da eleição dos órgãos em presença.
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso contencioso ser
julgado procedente (atenta a nulidade, por absoluta carência de forma legal, da
deliberação da mesa da assembleia de voto e, outrossim, por manifesta e
inaceitável violação dos art.ºs 96.º a 102.º e 121.º a 126.º da [ ] Lei Orgânica
n.º 1/2001, de 14 de Agosto, na redacção que lhe foi conferida, designadamente,
pela Lei Orgânica n.º 3/2005, de 29 de Agosto) e, uma vez anulada a deliberação
da mesa da assembleia de voto, ordenada a repetição da votação na Freguesia de
Rossas”.
Notificados para responderem, querendo, veio apresentar
resposta o mandatário da coligação “Unidos por Vieira”, na qual, em síntese,
para além de defender ser o recurso extemporâneo – já que, tendo o edital
contendo os resultados do apuramento sido fixado no dia 12 de Outubro de 2005, a
petição somente deu entrada no sequente dia 14 , veio a propugnar pelo seu
indeferimento, dizendo, em síntese: –
– que, como a freguesia de Rossas comporta duas secções
de voto e não invocando a recorrente sobre qual delas teria tomado a deliberação
em causa, fica-se sem saber sobre qual impenderá a alegada nulidade da
deliberação;
– que, em qualquer dessas secções foram cumpridas todas
as obrigações legais, devendo constar das respectivas actas a apresentação do
alegado protesto, bem como a deliberação que sobre ele recaiu, actas essas que
foram convenientemente assinadas e rubricadas, sendo que dessa deliberação teria
sido dado conhecimento ao protestante, não tendo tal deliberação, porque emanada
de um órgão colegial, de constar de escrito autónomo, bastando da sua
fundamentação ser dado no acto conhecimento ao interessado;
– que, de todo o modo, mesmo a ser verdade o que é
referido no requerimento de interposição de recurso, a actuação do Eng.º António
Cardoso Barbosa nunca poderia conduzir à anulação da votação realizada, por isso
que o mesmo nunca teria acompanhado quem quer que fosse às secções de voto,
sendo “rotunda e absolutamente falso” o alegado pela recorrente.
Determinado pelo relator o envio das actas das
assembleias de voto da freguesia de Rossas, da acta de apuramento geral e do
edital a que se refere a parte final do artº 150º da lei eleitoral dos órgãos
das autarquias locais aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto,
verifica-se: –
– que tal edital foi afixado no dia 12 de Outubro de
2005;
– que na acta da assembleia de apuramento geral,
realizada no anterior dia 11, consta: – “(…) Nos termos e para os efeitos no
disposto no artigo 146º, nº. [1], f) da Lei Orgânica Nº 1/2001 de catorze de
Agosto, esta Assembleia deliberou por unanimidade, relativamente aos protestos
apresentados : (…) ;Freguesia de Rossas - Foi apresentado um protesto pelo
delegado do Partido Socialista, Alfredo Manuel Gomes de Sousa. A mesa de voto
deliberou, na altura, sobre a reclamação apresentada por este delegado. Esta
Assembleia relativamente à deliberação da mesa, deliberou por unanimidade,
declará-la nula por não se encontrar assinada. Quanto à matéria suscitada no
protesto, esta Assembleia não se pronunciou por não ser da sua competência (…)”.
Cumpre decidir.
2. De harmonia com o que se prescreve no artº 158º da lei
eleitoral para os órgãos das autarquias locais, o recurso contencioso é
interposto para o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do
edital contendo os resultados do apuramento.
Por outro lado, comanda o nº 2 do artº 229º da mesma lei
que quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a
intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos
considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou
repartições.
Ora, de harmonia com o disposto nos números 1 e 3 do artº
122º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, o encerramento normal dos seus serviços
ocorre às 16 horas.
Neste contexto, tendo o petitório de recurso começado a
dar entrada neste Tribunal, via fax, pelas 23 horas e 45 minutos (ou 23 horas e
59 minutos) do dia 13 de Outubro de 2005, atendendo à data da afixação do
edital, de concluir é pela extemporaneidade do vertente recurso.
Na verdade, deverá entender-se que, neste tipo de
recursos, ainda que os mesmos possam ser interpostos via telecópia, o respectivo
requerimento consubstanciador não pode deixar de dar entrada até ao «termo do
horário normal» da secretaria judicial do dia seguinte à afixação do edital
(cfr., nomeadamente, o que se escreveu nos Acórdãos deste Tribunal números
41/2005 e 414/2005).
Em face do que se deixa dito, decide-se não tomar
conhecimento do recurso.
Lisboa, 18 de Outubro de 2005
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Maria Fernanda Palma (vencida no essencial pelas
razões constantes da declaração de voto do Conselheiro
Mário Torres, mantendo a linha de orientação que sustentei
no Acórdão n.º 414/2004).
Mário José de Araújo Torres (Vencido nos termos da
declaração de voto junta)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não votei o não conhecimento do recurso com fundamento
na extemporaneidade da sua interposição, pois entendo que o recurso foi
tempestivamente apresentado, por razões similares às expostas no voto de vencido
que apus ao Acórdão n.º 414/2004.
Na verdade, nos termos do artigo 158.º da Lei que regula
a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (doravante designada por LEOAL), o recurso
contencioso tendo por objecto as irregularidades ocorridas no decurso da votação
e no apuramento local ou geral ou as decisões sobre as reclamações, protestos
ou contraprotestos apresentados contra essas irregularidades “é interposto
perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital
contendo os resultados do apuramento”. Trata‑se, assim, do prazo de um dia (e
não de 24 horas), a contar da data da afixação do edital contendo os resultados
do apuramento geral. No cômputo dos prazos são aplicáveis, salvo disposição
especial, as regras do artigo 279.º do Código Civil, das quais deriva que nessa
contagem não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo
começa a correr e que o prazo termina às 24 horas do último dia do prazo
(alíneas b) e c) desse preceito, sendo entendimento corrente o de que a regra
desta última alínea também se aplica aos prazos fixados em dias). Isto é: o
prazo de um dia para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional
começa a correr no início do dia seguinte ao do da afixação do edital e termina
às 24 horas desse dia.
Entendeu‑se, porém, no precedente acórdão que ao caso
era aplicável a regra do n.º 2 do artigo 229.º da LEOAL, nos termos do qual:
“Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção
de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera‑se
referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições”.
A formulação literal do preceito – que não utiliza as
fórmulas habituais de o acto ter de ser praticado em juízo (alínea e) do artigo
279.º do Código Civil) ou perante o serviço público (alínea c) do n.º 1 do
artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo – CPA) –, ao aludir
explicitamente à circunstância de o acto em causa implicar o envolvimento de
entidades ou serviços públicos através de uma intervenção dessas entidades ou
serviços, logo inculca que se pretendeu contemplar as situações em que a prática
do acto determina o desenvolvimento de uma actividade desses entes públicos, e
não já os casos em que os serviços funcionam como mera instância de recepção
de documentos. Daqui deriva, pois, a não aplicabilidade da regra do citado
artigo 229.º, n.º 2, ao presente caso.
Sendo “aplicável ao contencioso da votação e do
apuramento o disposto no Código de Processo Civil”, como expressamente dispõe o
n.º 5 do artigo 159.º da LEOAL, é, hoje em dia, inequívoco não só que “as partes
podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio
electrónico, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do
encerramento dos tribunais” (artigo 143.º, n.º 4, do Código de Processo Civil
(CPC), aditado pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto), como também que
quando o acto é praticado por “envio através de telecópia, [vale] como data da
prática do acto processual a da expedição” (artigo 150.º, n.º 1, alínea c), do
CPC, na redacção do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).
Em face do exposto, terminando às 24 horas do dia 13 de
Outubro de 2004 o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional e sendo incontroversa a admissibilidade do envio por telecópia
da respectiva petição, independentemente do “horário de funcionamento” do
serviço destinatário, o envio iniciado às 23h45 desse dia 13 de Outubro não pode
deixar de ser considerado como tempestivo, sendo inaplicável a regra do artigo
229.º, n.º 2, da LEOAL, por o acto praticado não “envolver a intervenção” (na
acepção atrás assinalada) de entidades ou serviços públicos, mas a mera
recepção, por qualquer meio, de um documento transmissível por telecópia,
recepção essa que não exige a presença física de qualquer funcionário.
O prazo de um dia é, por definição, sempre superior ao
prazo de 24 horas, pois despreza o tempo decorrido no dia em que ocorreu o
evento que desencadeia o início do prazo e termina às 24 horas do dia seguinte.
A tese que fez vencimento – considerando que o prazo termina às 16 horas desse
dia – tem o efeito (a meu ver inadmissível) de poder transformar um prazo de um
dia em prazo inferior a 24 horas, o que ocorrerá sempre que o edital contendo os
resultados do apuramento geral seja afixado depois das 16 horas (no caso dos
presentes autos, não consta a hora de afixação do edital).
Entendendo que o fundamento da extemporaneidade não era
idóneo a fundar o não conhecimento do recurso, resta-me constatar que o processo
não contém ainda os elementos necessários para poder, em consciência, tomar
posição quer quanto à eventual existência de outros obstáculos a esse
conhecimento, quer quanto ao mérito do recurso.
Mário José de Araújo Torres