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Processo n.º 336/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Comarca do Baixo Vouga, Águeda – Juízo de Execução, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrido A., o primeiro vem interpor recurso obrigatório, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho proferido pelo referido Tribunal de Comarca, em 24 de junho de 2010 (cfr. fls. 50-52).
2. O despacho recorrido tem o seguinte teor (fls. 50-51):
«Questão Prévia:
Não obstante o previsto no artigo 814 do Código de Processo Civil, em que a sua epígrafe equipara a injunção à sentença, quanto aos fundamentos a oposição à execução, entendemos que tal normativo legal padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proibição da indefesa, vertido no artigo 20, da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, atente-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 658/2006 de 28 de novembro de 2006, publicado no DR, II Série de 09.01.2007, que julga inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, a norma do artigo 14º do Regime Anexo ao DL 269/98 de 1 de setembro, na interpretação segundo a qual, na execução baseada em título que resulta da aposição da formula executória a um requerimento de injunção, o executado apenas pode fundar a sua alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, o qual se tem por demonstrado. (…)
Pelo exposto, não obstante o disposto no artigo 814 do Código de Processo Civil na sua atual redação, entendo que se mantém atual a doutrina vertida no referido Acórdão do Tribunal Constitucional, pelo que afasto o disposto naquele artigo, no que toca ao requerimento de injunção com aposição de fórmula executória enquanto título executivo, por inconstitucionalidade material, por violação do por violação do princípio da proibição da indefesa, vertido no artigo 20, da Constituição da República Portuguesa.»
3. O requerimento de interposição de recurso tem o seguinte teor (cfr. fls. 23 e 24):
«O Magistrado do Ministério Público junto deste Juízo vem interpor RECURSO OBRIGATÓRIO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL,
Do douto despacho de fls. 50 a 52 dos autos em epígrafe, o qual declara inconstitucional o disposto no artigo 814.º do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo DL n.º 226/2008, de 20.11, quando equipara os fundamentos da oposição à execução baseada em injunção aos fundamentos da oposição à execução baseada em sentença.
O recurso é interposto nos termos das disposições conjugadas dos artigos 70.º n.º 1 al. a), 72.º n.º 1 al. a) e n.º 3, 75.º-A n.º 1 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (na redação dada ou aditada pelas Leis n.ºs 85/89, de 7 de setembro, e 13-A/98, de 26 de fevereiro), (…).»
4. Tendo o recurso de constitucionalidade sido admitido por despacho do Tribunal recorrido de 25/01/2011 (cfr. fls. 77) e prosseguido neste Tribunal (cfr. fls. 122), o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO alegou e concluiu no sentido da confirmação do juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida, apresentando a final as seguintes conclusões:
«1.ª) O presente recurso de inconstitucionalidade foi interposto pelo Ministério Público, como recurso obrigatório, do despacho proferido nos autos do processo n.º 4281/09.6T2AGD-A, “Oposição à execução comum (Art. 813.º CPC)”, da comarca do Baixo Vouga, Águeda - Juízo de Execução, o qual declara [julga] inconstitucional o disposto no artigo 814.º do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo DL n.º 226/2008, de 20.11, quando equipara os fundamentos da oposição à execução baseada em injunção aos fundamentos da oposição à execução baseada em sentença.
2.ª) A decisão recorrida recusou a aplicação, ao caso, da norma expressa pelo conjunto normativo constituído pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil (na redação do DL n.º 226/2008, de 30 de novembro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 2/2009, de 19 de janeiro).
3.ª) A norma recorrida tem, por conteúdo, a expressa equiparação (“aplica-se, com a necessárias adaptações”) dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença “ao requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido”, produzindo assim uma restrição dos meios de defesa judicial (privação da defesa por impugnação) em comparação com os que, ao executado, é lícito deduzir, no termos da lei processual, quando a execução se não baseie naqueles dois específicos títulos (CPC, art. 816.º).
4.ª) Como se demonstra no douto Acórdão n.º 658/2006, do Tribunal Constitucional, e advoga a melhor doutrina, essa restrição, normativa, dos meios de defesa judicial é de reputar como materialmente inconstitucional, por “violação do princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais” (CRP, art. 20.º, n.º 1) ou, noutra perspetiva, por materializar restrição de um direito fundamental, em medida superior ao indispensável para garantir a tutela jurídica de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (CRP, art. 18.º, n.º 2).
Nestes termos, no entender deste Ministério Público, deverá ser confirmado o juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida e, em consequência, negado provimento ao presente recurso obrigatório. (…)»
5. O recorrido, notificado para o efeito, não contra-alegou (cfr. fls. 134).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. Em primeiro lugar importa proceder à delimitação do objeto do recurso, o qual deve ficar confinado à norma contida no n.º 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil por ser esta que a decisão recorrida, em concreto, desaplicou.
7. A questão de inconstitucionalidade material que constitui objeto dos presentes autos, relacionada com a limitação dos fundamentos da oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória – foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, primeiro no Acórdão n.º 658/2006, citado pelo despacho recorrido, e posteriormente, nos Acórdãos n.º 283/2011, n.º 437/2012, n.º 468/2012 e n.º 529/2012 (todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt) – ainda que por referência a normas diversas.
7.1 No Acórdão n.º 658/2006, citado pelo despacho recorrido, e anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro – que alterou, entre outros, o artigo 814.º do Código de Processo Civil (CPC) –, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional «por violação do princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, a norma do artigo 14.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na interpretação segundo a qual, na execução baseada em título que resulta da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção, o executado apenas pode fundar a sua oposição na alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo exequente, o qual se tem por demonstrado» (cfr. III, a)).
7.2 Já na vigência da atual redação do artigo 814.º do CPC, resultante do referido Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, que equiparou os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória aos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, os Acórdãos n.ºs n.º 283/2011, n.º 437/2012, n.º 468/2012 e n.º 529/2012 – os dois primeiros proferidos no âmbito de recursos interpostos pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e os dois últimos proferidos no âmbito de recurso interposto nos termos da alínea b) do n.º 1 daquele artigo – julgaram inconstitucional a norma do artigo 814.º do CPC, nos termos seguintes.
7.2.1 O Acórdão n.º 283/2011, da 1.ª Secção, confirmou a sentença recorrida quanto à questão de constitucionalidade – a qual recusara a aplicação da norma constante do artigo 814.º do Código de Processo Civil, por violação das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a interpretação e aplicação literal e imediata do aludido inciso legal, sem um regime transitório ou de salvaguarda aplicável às injunções a que foi conferida força executiva anteriormente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 226/2008, permite obstar e fazer precludir o exercício do direito de defesa que até então era, maioritariamente, admitido – entendendo «que a norma impugnada se encontra ferida de inconstitucionalidade, porque também viola o princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa).» (cfr. II, b), 11 e III, 12).
7.2.2 O Acórdão n.º 437/12, da 2.ª Secção, julgou inconstitucional «a norma contida no artigo 814º do Código do Processo Civil, quando interpretada no sentido de “limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória”» (Cfr. III, 10, a)) considerando na fundamentação que «a ‘norma’ em apreço, na medida em que limita injustificadamente os fundamentos de oposição à execução baseada em ‘requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória’, padece do vício de inconstitucionalidade por violar o ‘princípio da proibição da indefesa’, enquanto aceção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição.» (cfr. II, 9).
7.2.3 O Acórdão n.º 468/12, igualmente da 2ª Secção, aplicando a jurisprudência do Acórdão precedente n.º 437/12 (cfr. II), decidiu «Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 814.º do Código do Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória.» (cfr. III, a)).
7.2.4 Por último, o Acórdão n.º 529/2012, desta 3.ª Secção, decidiu «Julgar inconstitucional a norma contida no n.º 2 do artigo 814.º do Código do Processo Civil.» (cfr. III, a)), com a seguinte fundamentação, considerando a jurisprudência anterior:
«3. O Tribunal já foi chamado a apreciar a constitucionalidade da restrição do âmbito de oposição consentido ao executado nas execuções fundadas em injunção, quer anterior, quer posteriormente à disposição expressa do n.º 2 do artigo 814.º do CPC (Cfr: Acórdão n.º 658/06, anteriormente à consagração expressa da solução pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro; Acórdão n.º 283/11, já no domínio da atual regime legal, mas relativamente a execuções fundadas em título formado anteriormente; Acórdão n.º 437/12 e Acórdão n.º 468/12, no domínio da atual redação do artigo 814.º do CPC).
Ponderou-se no Acórdão n.º 437/12 (para que remete o Acórdão n.º 468/12):
“9. O artigo 814.º do Código de Processo Civil, mais propriamente o seu n.º 2 (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro), ao determinar que se aplica «… à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido» o previsto no número anterior, no qual se enumeram os fundamentos que podem ser utilizados pelo executado na oposição à execução fundada em ‘sentença judicial’, procede a uma equiparação entre ambos os títulos executivos – ‘sentença judicial’ e ‘requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória’ – (cfr., ainda, o artigo 816.º do Código de Processo Civil na redação dada pelo mesmo diploma legal), limitando-se, desta forma, os fundamentos de oposição à execução também quando esta tenha por base este último título executivo.
Tal equiparação permite-nos concluir que a ‘norma’, que apenas era conseguida pela via interpretativa dos preceitos legais pertinentes, se encontra, após a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, contida de forma explícita no mencionado preceito legal – artigo 814.º, n.º 2 (e, acrescente-se, reafirmada no artigo 816.º); ou seja, a ‘norma’ que dantes era alcançada por via interpretativa encontra-se, agora, plasmada na letra da lei, sem que, diga-se, o regime jurídico da injunção tenha sofrido qualquer alteração, de natureza substantiva ou adjetiva,suscetível de influenciar decisivamente a solução a dar à questão.
Não há dúvida que o legislador é livre na conformação da lei, tendo em conta as situações que com ela pretende regular e os resultados que pretende alcançar; porém, não poderá nunca olvidar, no exercício da sua função legislativa, os princípios constantes da Constituição, enquanto parâmetros validadores da eficácia daquela função.
Daí que, ainda que a questão se coloque com um enfoque diverso do que se colocava anteriormente à redação ora resultante do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, se afigure que a solução a dar à questão de (in)constitucionalidade suscitada, tendo em conta o princípio da tutela judicial e efetiva, não possa ser diversa da que foi encontrada nos Acórdãos 658/2006 e 283/2011 deste Tribunal, cuja doutrina, no essencial e decisivo, é aplicável no caso ‘sub judice’.
Ora, no Acórdão n.º 658/2006, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de janeiro, perante uma idêntica situação de limitação dos fundamentos de oposição à execução, cujo título executivo era uma ‘injunção a que havia sido oposta fórmula executória’,tão só aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente, afirmou-se o seguinte:
(…)
“ … a característica deste título judicial impróprio, que o afasta dos restantes títulos criados por força de disposição legal, resulta, aliás, do facto de a força executiva ser conferida apenas depois de se conceder ao devedor a possibilidade de, judicialmente, discutir a causa debendi, alegada. Ou seja, no processo de injunção, o requerido tem a possibilidade de, deduzindo oposição, impedir que seja aposta força executiva à ação”.
Pode talvez dizer-se que o título executivo não é uma sentença porque o devedor optou por, no procedimento de injunção, não se opor à pretensão do requerente. Mas, seja como for, a falta de oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção não têm o condão de transformar a natureza (não sentencial) do título, tornando desnecessária, em sede de oposição à execução, a prova do direito invocado, deixando ao executado apenas a alegação e prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente.
Tendo presente, por um lado, que a demonstração do direito do exequente não tem o mesmo grau de certeza relativamente a todos os títulos executivos, reconhecendo-se que o título executivo que resulte da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção demonstra a aparência do direito substancial do exequente, mas não uma sua existência considerada certa, e, por outro lado, que a atividade do secretário judicial não representa qualquer forma de composição de litígio ou de definição dos direitos de determinado credor de obrigação pecuniária, há que evitar a “indefesa” do executado, entendendo-se por “indefesa” a privação ou limitação do direito de defesa do executado que se opõe à execução perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito.
Nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, se uma limitação interfere com um direito, restringindo-o, necessário se torna encontrar na própria Constituição fundamentação para a limitação do direito em causa como que esta se limite “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” – não podendo, por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
No caso, a possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de “indefesa”, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, existe apenas na medida necessária à salvaguarda do interesse geral de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo” (9.º § do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro), assim se alcançando o justo equilíbrio entre esse interesse e o interesse do executado de, em sede de oposição à execução, se defender através dos mecanismos previstos na parte final do n.º 1 do artigo 815.º do Código de Processo Civil (correspondente hoje ao artigo 816.º, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março).
Ora a norma em causa, na interpretação perfilhada dos autos, segundo a qual a não oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção determinam a não aplicação do regime da oposição à execução previsto nos artigos 813.º e segs. do Código de Processo Civil, designadamente o afastamento da oportunidade de, nos termos do atual artigo 816.º do mesmo Código, e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar “todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, afeta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, na sua aceção de proibição de “indefesa”.
(…).
Ponderado o que acaba de ser citado, sem deixar de notar que a ‘norma’ em análise resulta, agora, diretamente do texto da lei – artigo 814.º, n.º 2 do Código de Processo Civil – e se projeta na parte inicial do artigo 816.ºdeste diploma legal, após a alteração introduzida a ambos os preceitos legais pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, haver-se-á de concluir que apenas se justificam «… normas restritivas quando se revelem proporcionais, evidenciem uma justificação racional ou procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, …» (cfr. Acórdão n.º 283/2011, disponível ‘in’ www.tribunalconstitucional.pt), pelo que a ‘norma’ em apreço, na medida em que limita injustificadamente os fundamentos de oposição à execução baseada em ‘requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória’, padece do vício de inconstitucionalidade por violar o ‘princípio da proibição da indefesa’, enquanto aceção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º1 da Constituição.”
4. Não se vê razão para divergir deste entendimento, não sendo decisiva nenhuma das objeções que contra ele podem antever-se.
É certo que o legislador goza de ampla margem de discricionariedade na ordenação dos meios processuais e na conformação do processo civil e que ao referido entendimento poderia contrapor-se que o regime legal, na sua globalidade, concede ao requerido a oportunidade de defender-se com toda a amplitude e de fazer intervir um juiz na apreciação das razões que tivesse contra a pretensão do credor. Basta que se oponha ao requerimento de injunção, fazendo converter o procedimento em ação declarativa. Dir-se-á que, se ficam precludidos os meios que já então poderia opor ao requerente, é porque o requerido optou por não levar oportunamente a sua posição a juízo (“… desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido”).
Afigura-se, todavia, que esta preclusão dos meios de defesa anteriores à aposição da fórmula executória consistira num sibi imputet que é excessivo face ao regime de formação do título. O conteúdo da notificação a efetuar ao requerido no processo de injunção é legalmente determinado (artigo 13.º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de setembro), importando notar que esta notificação provém da entidade a que passou a competir o processamento das injunções – o Balcão Nacional de Injunções – e dela não consta qualquer referência ou advertência de que a falta de oposição do requerido determinará o acertamento definitivo da pretensão do requerente de injunção. Essa notificação apenas não permite ao requerido ignorar que, na falta de oposição, será aposta a fórmula executória no requerimento de injunção, assim se facultando ao requerente da injunção a instauração de uma ação executiva. Perante o teor da notificação, o requerido fica ciente de que está sujeito a sofrer a execução, mas não necessariamente de que o âmbito da defesa contra a pretensão do exequente, se essa hipótese se concretizar, estará limitado pela preclusão dos fundamentos que já pudesse opor-lhe no momento do requerimento de injunção. Para que exista um “processo justo” é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cfr. artigo 235.º, n.º 2, in fine do CPC).
E igualmente improcedente se afigura o argumento de que, por esta via, o processo de injunção fica esvaziado de efeito prático, o que vale por dizer que a limitação dos fundamentos de defesa na fase executiva seria necessária para que se atingissem os fins de proteção do credor e, reflexamente, de tutela geral da economia que se visou com o novo mecanismo. Na verdade, esse procedimento permite ao credor obter de forma expedita um título que lhe abre a via da ação executiva e que lhe permite a imediata agressão do património do devedor, sendo a citação deste diferida (cfr. artigos 812.º-C alínea b) e 812.º-F, n.º 1, do CPC). Assim, sempre se atinge o objetivo de facultar ao credor um meio expedito de passar à realização coerciva da prestação, mediante uma solução equilibrada entre os interesses concorrentes que não comporta compromisso desnecessário da defesa do executado.
5. Nestes termos e no seguimento da referida jurisprudência, o recurso merece provimento, sendo inconstitucional, por violação do artigo 20.º da Constituição, na sua aceção de “proibição da indefesa” a norma do n.º 2 do artigo 814.º do CPC (Não se vê necessidade de introduzir especificações no alcance do julgamento de inconstitucionalidade porque a norma não tem outro efeito jurídico senão aquele que se julga inconstitucional, o de limitar aos enunciados no n.º 1 do mesmo preceito legal os fundamentos de oposição à execução titulada por requerimento de injunção). (…)».
8. Afigura-se ser de acolher, também no caso vertente, um tal entendimento, pelo que, pelas razões enunciadas no Acórdão n.º 529/12 e nos Acórdãos que o precederam, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, se formula idêntico juízo de inconstitucionalidade.
III – Decisão
9. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma contida no n.º 2 do artigo 814.º do Código do Processo Civil e, em consequência,
b) Não conceder provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 27 de fevereiro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral (vencida, nos termos da declaração anexa ao Processo nº 529/12).