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Processo n.º 397/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
Na decisão instrutória proferida,
em 15 de Setembro de 2006, no Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, que
culminou com a pronúncia dos arguidos A., B., C., D. e E. como co‑autores
materiais, em concurso real, de um crime de sequestro, um crime de homicídio
qualificado, um crime de profanação (ocultação) de cadáver e um crime de
detenção ilegal de arma de defesa, foi inicialmente apreciada a arguição de
nulidade (deduzida no debate instrutório pela defesa dos dois primeiros arguidos
e posteriormente subscrita pela defesa dos terceiro e quarto arguidos) da busca
realizada na residência do arguido D., sita no … – …, Marina de Albufeira, pela
Polícia Judiciária, com base na existência de fortes indícios de se encontrar um
indivíduo sequestrado e/ou agredido nesse apartamento, mas sem que tenha tido
lugar a comunicação imediata da realização da busca ao juiz, nem a sua avaliação
e validação. Essa arguição foi indeferida com base na seguinte fundamentação:
“Desde logo, refira‑se, afigura‑se falecer legitimidade aos arguidos não
residentes, à data, naquele apartamento, para arguir a nulidade decorrente de
uma busca efectuada num domicílio que, afinal de contas, não era o seu.
Todavia, o certo é que também o arguido D. subscreveu o respectivo requerimento,
pelo que de todo o modo haverá que apreciar de fundo a questão suscitada.
A regra da inviolabilidade do domicílio tem, desde logo, consagração
constitucional (artigo 34.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Constituição), cominando ainda a
Lei Fundamental com nulidade as provas obtidas mediante abusiva intromissão no
domicílio (artigo 32.º, n.º 8, da Constituição).
No que concerne às buscas domiciliárias, por regra só podem ser autorizadas ou
ordenadas pelo juiz (artigo 177.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Porém,
segundo dispõe o artigo 177.º, n.º 2, do mesmo diploma, «Nos casos referidos no
artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b), as buscas domiciliárias podem também ser
ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia
criminal. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 174.º, n.º 5.»
Assim, face ao que estabelece o artigo 174.º do Código de Processo Penal, as
buscas domiciliárias podem ser efectuadas por órgão de polícia criminal nos
casos:
«(…)
a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja
fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida
ou a integridade de qualquer pessoa;
b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por
qualquer forma, documentado;
(…).» (alíneas a) e b) do n.º 4 do referido artigo).
Todavia,
«5. Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da
diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de
instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.» (n.º 5 do artigo 174.º
do Código de Processo Penal).
No caso, resulta dos autos que, no dia 15 de Setembro de 2005, na sequência da
detenção de alguns dos arguidos, elementos da PJ entraram no apartamento em
causa, o apartamento …, sito nos …, em Albufeira, onde encontraram o cadáver da
vítima F. no interior de uma arca congeladora, e procederam à apreensão dos
objectos melhor descritos nos autos.
A diligência ficou, nomeadamente, documentada a fls. 23 a 25, tendo ali sido
invocado pela PJ que, na sequência, encontrando‑se aberta a porta daquele
apartamento, por julgar existirem fortes indícios de se encontrar um indivíduo
sequestrado e/ou agredido naquele apartamento, verificou que numa arca
frigorífica colocada de forma pouco estética junto à porta de entrada se
encontrava um cadáver que apresentava indícios ao nível do hábito externo de ter
sofrido violentas agressões. A PJ efectuou ainda inspecção judiciária ao
referido apartamento, removeu o corpo, que lá se encontrava, e procedeu à
apreensão dos objectos melhor descritos nos autos e que lá se encontravam (cfr.
ainda fls. 50 a 55).
Tais diligências tiveram lugar após as 18h30 do dia 15 de Setembro de 2005.
No dia 17 de Setembro de 2005, os autos foram presentes ao juiz de instrução,
juntamente com os arguidos, então detidos, para o seu primeiro interrogatório
judicial, o qual teve lugar pelas 12h10 do mesmo dia.
Nesse mesmo dia, o juiz de instrução, apreciando, não só julgou válidas as
detenções de todos os arguidos, sustentando‑se em que foram efectuadas na
sequência de crime cometido em situação de quase flagrante delito, tal como este
se mostra definido no artigo 256.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, como
entendeu que resultava já fortemente indiciada nos autos a prática por todos os
arguidos, em co‑autoria, dos crimes de homicídio qualificado, previsto e punido
nos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal, de ocultação de
cadáver, previsto e punido no artigo 254.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e
bem assim do crime de posse e detenção de arma proibida, previsto e punido no
artigo 275.º do Código Penal, tendo‑se decidido pela aplicação a cada um deles
da medida de coacção prisão preventiva.
Os arguidos suscitam duas questões, a ausência de comunicação imediata da
realização da busca ao juiz de instrução e a ausência de apreciação dessa mesma
busca.
Desde logo, compulsando os autos, deles resulta manifesto que a entrada naquele
apartamento se sustentou em fundados indícios da prática iminente de crime que
pusesse em grave risco a vida ou integridade física daquele que, todavia, veio a
ser encontrado no interior do apartamento em causa já sem vida, a vítima F..
Ora, detidos os arguidos, e realizada a busca, os elementos que documentavam a
entrada naquele apartamento, juntamente com os arguidos, vieram a ser
apresentados ao juiz de instrução ainda antes de decorrido o prazo de 48 horas
que a lei estabelece para a apresentação dos detidos a primeiro interrogatório
judicial.
Não se poderá pois deixar de concluir pela comunicação tempestiva da entrada do
órgão de polícia criminal no apartamento … sito nos …, na Marina de Albufeira,
não se vislumbrando que o legislador, ao impor a comunicação imediata ao juiz de
instrução, pretendesse estabelecer um prazo mais curto do que aquele que
consagra para a apresentação dos detidos, privados da liberdade, a primeiro
interrogatório judicial. Por outro lado, a nosso ver, a cominação de nulidade, a
que alude o n.º 5 do artigo 174.º do Código de Processo Penal, respeita apenas à
falta da imediata comunicação, não assim à falta de apreciação.
Todavia, mesmo que assim não se entenda, a verdade é que o teor do despacho
proferido pelo juiz de instrução aquando do primeiro interrogatório judicial dos
arguidos revela que a busca em causa e os resultados obtidos com a mesma foram
apreciados e tidos em consideração nessa decisão.
Apesar de o juiz de instrução não ter feito uma referência expressa à validação
dessa busca, é manifesto que a teve validamente em conta no seu despacho, quer
quanto aos fundamentos da validação da detenção dos arguidos, quer quanto aos
fortes indícios dos crimes que sustentaram a aplicação da medida de prisão
preventiva.
Isto, quando é certo que o cadáver da vítima fora precisamente encontrado
naquele apartamento.
Do que se conclui que, efectivamente, a busca em causa foi não apenas comunicada
imediatamente ao juiz de instrução, e por isso mesmo tempestivamente, como
também por ele apreciada e tacitamente validada, não se verificando a nulidade
que foi arguida.
Por todo o exposto, julga‑se improcedente a invocada nulidade da busca realizada
na residência do arguido D., sita no apartamento … – …, Marina de Albufeira.”
Contra esta decisão interpôs o
arguido D. recurso para o Tribunal da Relação de Évora, terminando a respectiva
motivação com a formulação das seguintes conclusões:
1.º – A pertença [sic] busca efectuada ao apartamento … – …, Marina de
Albufeira, é nula
2.º – O artigo 174.º, n.º 4, alínea a), do CPP não se basta com a mera
existência de indícios ou com a investigação de crimes de catálogo.
3.º – É também necessário que se verifiquem fundados indícios da prática
iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer
cidadão.
4.º – Ora, pese ter sido invocado tal circunstancialismo, após a descoberta do
corpo, não se entende que o OPC entre as 13h30 horas e as 18h30 estando no
local, não tenha agido no sentido de pôr cobro ao grave risco à vida ou à
integridade física de um cidadão.
5.º – Decorre daqui ser pouco credível o invocado a posteriori pelo OPC, tudo
inculcando que visa branquear a sua actuação.
6.º – Tudo sugere não ter agido o OPC por força de quaisquer fortes indícios.
7.º – Aliás, a existência de um perigo [i]minente enquadrar‑se‑ia num estado de
necessidade desculpante, não removível de outro modo, o que não era o caso.
8.º – Na verdade, este estado de necessidade parece ter podido aguardar pelo
menos por 5 horas.
9.º – Manifestamente a PJ poderia ter solicitado a emissão de manda[d]os de
buscas em tempo útil.
10.º – Assim, no entender da defesa, houve falta do pressuposto exigido pelo
artigo 174.º, n.º 4, alínea a), do CPP.
11.º – Pelo que a interpretação dada ao artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b), do
CPP, no douto despacho recorrido é inconstitucional por violação do estatuído
nos artigos 18.º, 32.º, n.ºs 1, 4 e 8, e 34.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.
12.º – Quando assim não se entenda, também não foi cumprida a exigência
prevista no n.º 5 do artigo 174.º do CPP.
13.º – É transparente do auto de 1.º interrogatório, onde ocorreu a primeira
intervenção do JIC, que a busca não lhe foi comunicada para efeitos do n.º 5 do
artigo 174.º do CPP.
14.º – Consequentemente, o M.mo Juiz não se pronunciou quanto à validação da
referida busca, como lhe seria indispensável atento o disposto no artigo 174.º,
n.º 4, alínea a), e n.º 5, do CPP.
15.º – Estamos assim perante um problema de omissão de despacho quanto à
validação da busca (?), e o facto de se ter decretado a prisão preventiva dos
arguidos não branqueia tal lapso.
16.º – Esta é, sem dúvida, a mais curial interpretação a dar ao artigo 174.º,
n.º 4, alínea a), e 174.º, n.º 5, do CPP, pois a dar‑se outra então far‑se‑á
interpretação inconstitucional das mesmas por violação do estatuído nos artigos
18.º, 32.º, n.ºs 1, 4 e 8, e 34.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.
1[7].° – O despacho sindicado violou os artigos 18.º, 32.º e 34.º da CRP e o
artigo 174.º do CPP.
1[8].º – Não há validações de buscas tácitas e expressas, pois caso contrário o
legislador disso daria notícia, sendo que as contempladas na lei são as
expressamente validadas.”
A esse recurso foi negado
provimento pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19 de Dezembro de
2006, com a seguinte fundamentação:
“Perante as conclusões da motivação, a questão a decidir consiste em saber se a
busca efectuada na residência de D. é nula:
– por não haver indícios da prática iminente de crime que punha em grave risco a
vida ou a integridade física de F.;
– por virtude da busca não ter sido comunicada de imediato ao M.mo JIC;
– por não ter sido validada a busca pelo M.mo JIC.
É ordenada busca quando houver indícios de que quaisquer objectos relacionados
com o crime ou que possam servir de provas, ou o arguido ou outra pessoa que
deva ser detida se encontram em lugar reservado ou que não seja de livre acesso
ao público (artigo 174.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
Constitui regra geral as buscas serem autorizadas ou ordenadas pela autoridade
judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
Esta regra também tem excepções e, por isso, as buscas domiciliárias, em
determinadas situações, podem ser feitas sem prévio despacho do Juiz, mas
ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgãos de polícia
criminal, como resulta do artigo 177.º, n.º 2, em conjugação com o artigo
174.º, [n.º 4], alínea a), do mesmo diploma, e que são as seguintes:
a) nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada,
quando se verifiquem indícios fundados da prática iminente de crime que ponha em
risco a vida ou integridade física de qualquer pessoa (artigo 174.º, n.º 4,
alínea a), do CPP);
b) quando haja consentimento dos visados, desde que o consentimento fique por
qualquer forma documentado.
No caso que nos ocupa, a autoridade policial efectuou a busca na residência do
arguido D. sem prévia autorização judicial e não houve consentimento dos
visados, logo importa apurar se tal busca obedeceu ao requisito previsto na
alínea a) do n.º 4.
O recorrente entende que não, porque o preenchimento de tal requisito não se
basta com a mera existência de indícios ou com a investigação de crimes de
catálogo; é também necessário que se verifiquem indícios da prática iminente de
crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade física de qualquer
cidadão e não se entende que o Órgão de Polícia Criminal, estando no local,
entre as 13h30m e as 18h30m, só tenha agido no sentido de pôr cobro ao grave
risco de vida ou à integridade física de um cidadão cinco horas após a sua
chegada ao local.
Dos autos resulta que a Polícia Judiciária recolheu, antes de proceder à busca
domiciliária, os seguintes indícios com interesse para a investigação:
– no dia 14 de Setembro de 2005, pouco antes das 23h30m, três indivíduos que se
encontravam num terreno baldio, que serve de parque de estacionamento de
viaturas, nas imediações do Lote …, em Lagos, desferiram com objectos de
características não concretamente apuradas, mas também com os punhos e os pés,
diversos golpes no corpo de F.;
– no local, num percurso de 25/30 metros, encontravam‑se vestígios hemáticos
espalhados pelo chão, um dente humano arrancado pela raiz, bem como vestígios
supostamente capilares;
– a vítima foi arrastada para uma viatura de marca BMW com a matrícula … e foi
introduzida na bagageira da mesma, após o que a viatura arrancou a grande
velocidade;
– a Polícia Judiciária foi informada pelo Oficial de Ligação Britânico que a
viatura mencionada era utilizada por indivíduos que se encontravam a residir nos
.., … e …, sitos na Marina de Albufeira;
– a Polícia Judiciária, após ter conhecimento dos caracteres físicos dos
suspeitos, deslocou‑se, no dia 15 de Setembro de 2005, cerca das 13h30m, para os
apartamentos …e verificou que por debaixo do veículo BMW, de matrícula … havia
abundantes rastos de pingos de sangue.
Na sequência de vigilâncias levadas a efeito, a PJ constatou:
– cerca das 16 horas chegaram três indivíduos numa viatura Lexus, com os
caracteres físicos coincidentes com os dos suspeitos;
– poucos minutos depois dois daqueles indivíduos vêm do apartamento … e
aparentam estar abalados: um deles pára e vomita para o chão;
– às 17 horas os dois indivíduos vão à viatura Lexus buscar roupa;
– às 17h55m, os três indivíduos encontravam‑se no apartamento … a conversar;
– às 18h30m, C., ao volante da viatura Peugeot 307, .., dirigia‑se para o
portão de saída do condomínio de apartamentos e atrás vinha o suspeito E., ao
volante do veículo BMW, de matrícula …, também em direcção à saída, altura em
que foram interceptados;
– D. e B. encontravam-se à porta do apartamento …, que dista cerca de 20 metros
do portão de saída referido, e, ao verem a intercepção feita pela Polícia,
puseram‑se em fuga para o interior do imóvel e saíram por uma janela/porta sita
nas traseiras. Foram perseguidos e detidos.
Perante estes factos, a Polícia Judiciária ficou convicta de que no apartamento
… se encontrava o indivíduo que havia sido agredido em Lagos e que a sua
integridade física ou mesmo a vida corriam grave risco; por isso, entrou no
referido apartamento, onde encontrou a vítima numa arca frigorífica e os demais
objectos relacionados com o homicídio.
Se a Polícia Judiciária só entrou no apartamento … às 18h30m, tal ocorreu
porque, face às acções de vigilância e diligências que fez durante a tarde de 15
de Setembro de 2005, no sentido de confirmar as suspeitas que pendiam sobre os
arguidos, só naquele momento ficou ciente dos fundados indícios de que lá se
encontrava a vítima e que corria grave risco para a sua integridade física face
à forma como foi agredida, ou até para a sua vida; por isso, não se justificava
tal entrada em momento anterior.
Assim, não assiste razão ao recorrente ao considerar que a Polícia Judiciária
deveria ter sido mais eficaz, nomeadamente não esperando tanto tempo para
intervir no apartamento.
Verifica‑se, pois, o requisito previsto no artigo 174.º, n.º 4, alínea a), em
conjugação com o artigo 177.º, n.º 2, do CPP, uma vez que estamos perante um
caso de criminalidade violenta, em que há fundados indícios da prática iminente
de crime que punha em perigo a integridade física ou a vida de um cidadão.
Alega ainda o recorrente que não foram cumpridas as exigências previstas no n.º
5 do artigo 174.º do Código de Processo Penal, isto é, a busca domiciliária não
foi comunicada ao Juiz de Instrução e, se o foi, tal não ocorreu imediatamente,
nem foi expressamente validada.
Estabelece o preceito mencionado que «nos casos referidos na alínea a) do número
anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente
comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação».
Importa antes de mais esclarecer que deste preceito resulta que só constitui
nulidade a falta de comunicação imediata da busca e não também a falta de
apreciação ou validação pelo juiz.
Do relato de diligência externa de fls. 61 a 63 e do de fls. 64 a 69, que faz
parte do processo que foi apresentado ao Juiz de Instrução juntamente com os
detidos, consta do primeiro que «na sequência dos factos e por julgarmos
existirem fortes indícios de se encontrar um indivíduo sequestrado e/ou
agredido naquele apartamento, verificámos que numa arca frigorífica colocada de
forma pouco estética junto à porta de entrada se encontrava um cadáver (…..)».
E do relato de fls. 64 a 69 refere‑se que foi feita uma inspecção judiciária ao
apartamento …, onde residia D., e descrevem‑se de forma pormenorizada os bens
que lá foram encontrados relacionados com o homicídio.
Assim, foi feita a comunicação da busca ao M.mo Juiz na altura em que os
arguidos foram apresentados para primeiro interrogatório.
Terá tal comunicação sido feita imediatamente, como exige o artigo 174.º, n.º 5,
do CPP?
A lei não nos dá uma noção da expressão imediatamente comunicada, por isso a
mesma terá de ser interpretada de acordo com o sentido que lhe é dado na
linguagem comum e com os objectivos visados com tal comunicação imediata.
Imediatamente significa «no mais curto espaço de tempo», «de forma rápida», «sem
qualquer demora». Com tal comunicação visa‑se o controlo da legalidade da
diligência por parte do Juiz no sentido de aferir se a busca se revelava
necessária e proporcionada aos fins visados, mas há que ter também em conta as
circunstâncias em que a mesma se realiza, nomeadamente quando estão em causa
diligências de investigação, que não se podem interromper para se fazer tal
comunicação, sob pena de se pôr em causa a investigação.
Portanto, há que ponderar todos estes elementos de acordo com critérios de
razoabilidade e bom senso a fim de se aferir se a busca foi, ou não, comunicada
de forma imediata.
No caso concreto, a busca foi realizada no dia 15 de Setembro de 2005, pelas
18h30m, hora em que o tribunal está encerrado, e, face à complexidade e
gravidade do caso, em que estão em causa crimes muito graves, a elaboração do
processo, face aos elementos de prova recolhidos, era demorada; por isso,
consideramos que a comunicação da busca, que foi feita no dia 17 de Setembro de
2005, pelas 12h, juntamente com a apresentação dos detidos ao M.mo Juiz para
interrogatório, foi efectuada, de acordo com critérios de razoabilidade e bom
senso, o mais breve possível, de imediato.
Por outro lado, se os arguidos têm de ser apresentados ao Juiz de Instrução no
prazo máximo de 48 horas após a detenção, como impõe o artigo 28.º, n.º 1, da
Constituição, não se nos afigura que o legislador pretendesse estabelecer um
prazo mais curto para a comunicação da busca do que para a apresentação dos
detidos para primeiro interrogatório judicial, uma vez que a privação da
liberdade constitui uma restrição mais grave dos direitos dos cidadãos do que a
restrição de quaisquer outros direitos.
Por tais motivos, consideramos que a comunicação da busca foi feita de forma
imediata.
Por fim, refere o arguido que o M.mo Juiz de Instrução não se pronunciou sobre
a validação da busca, como exige o artigo 174.º, n.º 4, alínea a), e n.º 5, do
Código de Processo Penal, e que esta tem de ser expressamente validada, e não
tacitamente, como se defende no despacho impugnado.
A não validação da busca não constitui a nulidade a que se refere o artigo
174.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, mas sim a falta de comunicação da
busca ao juiz, como já referimos.
A busca não foi validada expressamente, como se infere do despacho que
determinou a detenção dos arguidos, mas foi apreciada e validada tacitamente.
Na verdade, após o interrogatório dos arguidos e perante os elementos que já
haviam sido carreados para o processo, o M.mo Juiz de Instrução considerou que
havia fortes indícios da prática por todos os arguidos, em co‑autoria, do crime
de homicídio qualificado, previsto e punido nos artigos 131.º e 132.º, n.º 2,
alínea g), do Código Penal, do crime de ocultação de cadáver, previsto e punido
no artigo 254.º, n.º 1, alínea a), e do crime de posse e detenção de arma
proibida, previsto e punido no artigo 275.º, todos do Código Penal.
Os elementos de prova constantes dos autos, que são essenciais para se chegar à
conclusão que havia fortes indícios dos crimes mencionados, são os que
resultaram da busca domiciliária efectuada na residência de D..
Assim, se havia fortes indícios da prática dos crimes referidos e se os
elementos de prova resultantes da busca são essenciais para se extrair tal
ilação, então estes foram apreciados e tidos em conta para a prolação do
despacho que determinou a prisão preventiva dos arguidos, pelo que foram
apreciados e validados implicitamente, que é quanto basta para que a busca seja
validada.
Não nos merece, pois, qualquer reparo o despacho recorrido, nem se vislumbra que
tenha sido violado o disposto nos artigos 18.º e 32.º, n.ºs 1, 4 e 8, da
Constituição.
Neste sentido se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de
Janeiro de 1998, Colectânea de Jurisprudência, ano VI, tomo 1, pág. 158, o qual
refere: «A validação judicial da realização da busca pode ser implícita, desde
que se revele inequivocamente», e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 15 de Dezembro de 1998, in www.dgsi.pt, do qual consta que «Quanto à
validação da busca, banidas que estão da prática forense as fórmulas
sacramentais, ela resulta inequivocamente do despacho do M.mo Juiz de Instrução
Criminal, proferido no dia imediato ao da realização da busca e que validou a
detenção do arguido recorrente e lhe aplicou a medida de coacção de prisão
preventiva».
III – Termos em que acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal
da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido,
mantendo o despacho recorrido.”
O arguido D. requereu a aclaração
do precedente acórdão, o que foi indeferido por acórdão de 6 de Fevereiro de
2007.
Veio então o mesmo arguido
interpor recurso do acórdão de 19 de Dezembro de 2006 para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada
pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º
13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver “apreciada a
constitucionalidade da norma do artigo 174.º, n.ºs 2, 4, alíneas a) e b), e 5,
do CPP na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida”, aduzindo que “a
interpretação da norma, dada pelo tribunal de 1.ª instância, viola os artigos
18.º, 32.º, n.ºs 1, 4 e 8, e 34.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, porquanto foi
interpretada no sentido de aceitar a ausência de comunicação imediata da
realização da busca ao juiz e de entender não ser necessária a validação da
mesma, aceitando que a mesma pode ocorrer tacitamente”.
Neste Tribunal, o recorrente
apresentou alegações, que terminam com a formulação das seguintes conclusões:
“1.º – Nem a polícia nem o Ministério Público comunicaram a realização da busca
ao tribunal a fim de este apreciar e validar, como decorre desde logo da
circunstância de apenas se promover a realização de 1.º interrogatório de
arguido detido.
2.º – De qualquer maneira, admitindo, sem conceder, aceitar‑se que houve
comunicação da busca ao Juiz, esta sempre seria intempestiva, atento a que
mediaram mais de 40 horas entre a realização da busca e a apresentação dos autos
em tribunal, tendo em linha de conta que no dia 16 de Setembro o tribunal
funcionou normalmente.
3.º – A expressão imediatamente, no contexto da busca realizada ao abrigo do
disposto no artigo 177.º, n.º 2, em conjugação com o disposto no artigo 174.º,
n.º 4, alínea a), ambos do CPP, quer dizer no momento, na sequência, de seguida,
sendo esta melhor interpretação do preceito.
4.º – Não se compagina, como se pretende na interpretação dada na decisão
recorrida, com o sentido de que imediatamente abrange o prazo em que o detido
deve ser apresentado ao Juiz de instrução, ou seja, 48 horas.
5.º – A busca supra referida não foi validada pelo juiz, não podendo, sob pena
de se inverterem as regras processuais, defender‑se, como se defendeu na
interpretação dada na decisão recorrida, que a mesma foi tacitamente validada.
6.º – De resto, a não validação pelo juiz pode ter ocorrido por várias razões,
como seja, o desconhecimento ou a não comunicação da busca, pelo que, a ser como
o tribunal a interpreta, não era necessário pronunciar‑se nunca sobre tal
validação, pois esta era sempre tácita.
7.º – De resto, nem se percebe a interpretação no sentido de que existe
validação tácita, só porque os arguidos ficaram em prisão preventiva.
8.º – Uma interpretação, como a que foi feita [pela] decisão recorrida, não
impondo a comunicação ao juiz da realização de uma busca de forma clara e
inequívoca, designadamente com um pedido do OPC ou promoção do Ministério
Público no sentido de o primeiro validar a busca, ofende as garantias de defesa
do arguido e deixa desprotegido o seu direito à privacidade.
9.º – De igual maneira, como já se escreveu, defender, como foi feito na decisão
recorrida, a interpretação de [que] é legal apresentar os autos ao juiz para
efeitos de apreciação e validação de uma busca, realizada ao abrigo do disposto
na alínea a) do n.º 4 do artigo 174.º, conjugado com o disposto no n.º 2 do
artigo 177.º do CPP, mais de 40 horas após a mesma, pese o tribunal ter estado
em funcionamento, ofende as garantias de defesa do arguido e o seu direito à
privacidade.
10.º – Também a interpretação feita na decisão recorrida, e confirmada pelo
Tribunal da Relação de Évora, segundo a qual o juiz, fazendo exarar no despacho
que validou a detenção e apreciou e/ou validou a busca, daí resulta uma
validação tácita, ofende o direito de defesa do arguido, bem como o seu direito
à privacidade.
11.º – As referidas interpretações da norma constante do artigo 174.º, n.º 2,
conjugada com o artigo 177.º, n.º 2, do CPP contendem com o estatuído nos
artigos 32.º e 34.º da CRP, inquinando‑a de inconstitucionalidade material.
12.º – Como recentemente foi decidido pelo Tribunal da Relação de Évora, sobre
este ponto concreto atrás referido: «Aduzem também estes recorrentes que, mesmo
a considerar‑se incluída a busca efectuada na previsão da alínea a) do n.º 4 do
artigo174.º do CPP, mesmo assim ela seria nula, porque não observando in casu o
disposto no n.º 5 do artigo 174.º, que estabelece que «nos casos referidos na
alínea a) do numero anterior, a realização da diligência é, sob pena de
nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em
ordem à sua validação» Ora, compulsados os autos, não se descortina que a busca
lhe seja sido comunicada nem que tenha havido despacho de validação da mesma.
Daí que, face ao normativo apontado, haja que considerar nula a busca efectuada.
De resto, refira‑se, não se revela curial a tese defendida pelo Ministério
Público no sentido de que sempre o despacho da M.ma JIC que decretou a prisão
preventiva dos arguidos abrange e contempla a apreciação e validação da busca
efectuada.»
13.º – Esta a melhor interpretação a dar à norma constante do artigo 174.º, n.º
5, do CPP, conjugada com o disposto no artigo 177.º, n.º 2, ambos do CPP.
14.º – É exactamente o que se pretende ver apreciado, a constitucionalidade da
norma do artigo 174.º, n.º 2, n.º 4, alíneas a) e b), e n.º 5, conjugada com o
artigo 177.º, n.º 2, todos do CPP, na interpretação que lhe foi dada na decisão
recorrida, e se tal interpretação viola ou não os artigos 18.º, 32.º, n.ºs 1, 4
e 8, e 34.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.”
O representante do Ministério
Público no Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo:
“1.º – Não constitui restrição desproporcionada à tutela constitucional do
domicílio o entendimento segundo o qual é tempestiva a comunicação ao juiz da
realização de uma busca domiciliária dentro do prazo de 48 horas, procedendo‑se
à apresentação conjunta do expediente que a corporiza e do próprio arguido
detido.
2.º – Não viola qualquer princípio constitucional o
entendimento segundo o qual é passível de interpretação o despacho judicial
subsequente a tal comunicação, tendo-se a busca domiciliária por validada quando
o juízo de validação, embora não expresso, constitua antecedente lógico
indispensável, implícito no acto que considerou inquestionavelmente válida a
aquisição processual dos meios probatórios facultados por tal diligência.”
Tudo visto, cumpre apreciar e
decidir.
2. Fundamentação
2.1. Cumpre, antes de mais,
delimitar com precisão o objecto do recurso.
Resulta da conjugação do
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e das
subsequentes alegações que o recorrente abandonou as questões de
inconstitucionalidade reportadas à admissibilidade da efectivação da busca sem
precedência de autorização judicial (a que aludira nas conclusões 1.ª a 11.ª da
motivação de recurso para o Tribunal da Relação de Évora) e à própria existência
da comunicação ao juiz da efectivação da busca para efeitos da sua validação
(aludida nas conclusões 12.ª e 13.ª da mesma motivação). A primeira questão é,
de todo, omitida nas alegações do presente recurso, e, quanto à segunda, o
recorrente acaba por aceitar que houve comunicação da busca ao juiz (cf.
conclusão 2.ª dessas alegações), questionando apenas o respeito pela exigência
de essa comunicação ser feita “imediatamente”.
Aliás, quanto à primeira questão,
o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva de diversas
normas do Código de Processo Penal de 1987, já teve oportunidade de considerar
não inconstitucional, no Acórdão n.º 7/87 (n.º 2.7), a norma do n.º 2 do artigo
177.º, na parte em que, por remissão para a alínea a) do n.º 4 do artigo 174.º,
permite que as buscas domiciliárias sejam ordenadas pelo Ministério Público ou
efectuadas por órgãos de polícia criminal (mesmo sem autorização do Ministério
Público) nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente
organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que
ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa. Esse juízo de
não inconstitucionalidade baseou‑se na consideração de que “o direito à
inviolabilidade do domicílio, enunciado nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 34.º da
Constituição, dever compatibilizar‑se com o direito à vida e com o direito à
integridade pessoal, consignados respectivamente nos artigos 24.º e 25.º da lei
fundamental e que aquela alínea a) procura defender, direitos que hão‑de
entender‑se como limites imanentes do direito em causa”.
As duas questões de
inconstitucionalidade normativa que o recorrente coloca ao Tribunal
Constitucional prendem‑se, a primeira, com o critério normativo que teria sido
acolhido no acórdão recorrido quanto à tempestividade da comunicação, pelo órgão
de polícia criminal ao juiz, da efectivação da busca, considerando admissível
que essa comunicação ocorra no prazo de 48 horas após a efectivação da busca (à
semelhança do prazo de 48 horas, a partir da detenção do arguido, para a sua
submissão a apreciação judicial, previsto no artigo 28.º, n.º 1, da Constituição
da República Portuguesa – CRP); e, a segunda, com o critério normativo segundo o
qual é admissível a validação judicial tácita da busca resultante do despacho
que validou a detenção do arguido e lhe aplicou a medida de coação de prisão
preventiva. Quanto a esta segunda questão, importa, desde já, precisar que o
acórdão recorrido seguiu, neste domínio, orientação já definida no Supremo
Tribunal de Justiça (acórdãos de 8 de Janeiro e de 15 de Dezembro de 1998,
citados nessa decisão, a que se pode acrescentar, no mesmo sentido, o recente
acórdão de 20 de Setembro de 2006, proc. n.º 2321/06, disponível em
www.dgsi.pt/jstj), no sentido de que, uma vez que estão abolidas da prática
forense as fórmulas sacramentais, a validação judicial da realização da busca
“pode ser implícita, desde que se revele inequivocamente” [sublinhado
acrescentado], designadamente no despacho que valide a detenção e aplique a
medida de coacção de prisão preventiva. Os preceitos legais pertinentes para
suportar as interpretações normativas impugnadas são, assim, o n.º 5 do artigo
174.º (que – relativamente a buscas não domiciliárias efectuadas por órgão de
polícia criminal nos casos referidos na alínea a) do precedente n.º 4, isto é,
realizadas sem precedência de autorização judicial, por se tratar de caso,
entre outros, de criminalidade violenta e haver indícios da prática iminente de
crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa –
determina que a realização da diligência deve ser, sob pena de nulidade,
imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à
sua validação) e a parte final do n.º 2 do artigo 177.º (que manda aplicar o
disposto no artigo 174.º, n.º 5, às buscas domiciliárias efectuadas por órgão de
polícia criminal na descrita situação), ambos do Código de Processo Penal (CPP),
surgindo como irrelevantes, como suportes das interpretações normativas
questionadas, os preceitos do n.º 2 e da alínea b) do n.º 4 do referido artigo
174.º.
2.2. Justifica‑se ainda uma
segunda nota prévia, no sentido de consignar que, como tem sido repetidamente
afirmado, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a correcção da
interpretação do direito infraconstitucional operada pelos tribunais recorridos,
mas tão‑só averiguar se a interpretação normativa adoptada na decisão impugnada
– interpretação que é tida como um dado da questão de constitucionalidade que o
Tribunal Constitucional tem de decidir – se mostra, ou não, conforme com as
normas e os princípios constitucionais.
Isto é: não cabe ao Tribunal
Constitucional pronunciar‑se sobre a correcção da interpretação dada no acórdão
ora recorrido ao disposto no n.º 5 do artigo 174.º, aplicável por força da parte
final do n.º 2 do artigo 177.º, ambos do CPP, que determina que – sendo a busca
domiciliária realizada, em inquérito, por órgão de polícia criminal, sem prévia
autorização judicial, por se tratar de caso de criminalidade violenta, havendo
fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida
ou a integridade de qualquer pessoa – a realização da diligência deve ser
imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à
sua validação.
Dito de outra forma: a questão
que o Tribunal Constitucional tem de decidir é se a Constituição é violada por
normas (sendo irrelevante, para este efeito, que elas resultem da directa
estatuição de preceitos legais ou que derivem de interpretações normativas
feitas pelos tribunais) que fixem em 48 horas, a contar da efectivação da busca,
o prazo para a mesma ser comunicada ao juiz de instrução e que permitam que a
decisão judicial de validação da busca resulte, de forma implícita, desde que
inequívoca, da decisão de validação da detenção do arguido e de fixação da
medida de coacção de prisão preventiva.
Por outro lado, importa salientar
que a circunstância de o legislador ordinário ter regulado de certa forma o
regime das buscas, domiciliárias e não domiciliárias, procurando naturalmente
não desrespeitar a Constituição, não transforma essa regulação legal em padrão
de constitucionalidade, no sentido de que não seria constitucionalmente
admissível qualquer outra regulação ou qualquer interpretação da regulação
existente diferente da que o recorrente considera a correcta. Do que se trata é,
pois, de apurar se a interpretação do regime legal existente feita pela decisão
recorrida respeita as exigências constitucionais pertinentes.
2.3. Como este Tribunal
Constitucional referiu no Acórdão n.º 452/89, “a inviolabilidade do domicílio a
que se refere o artigo 34.º da CRP exprime, numa área muito particular, a
garantia do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar,
genericamente afirmado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP”, prosseguindo: “por isso
mesmo, tal garantia se não limita a proteger o domicílio, entendido este em
sentido estrito, no sentido civilístico de residência habitual; antes, e de
acordo com a interpretação que dela tradicionalmente é feita, tem uma dimensão
mais ampla, isto é, e mais especificamente, tem por objecto a habitação humana,
aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde, recatada e livremente, se
desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida
privada e familiar” (cf., ainda, o Acórdão n.º 507/94, que julgou
inconstitucionais as normas dos artigos 174.º, n.º 4, alínea b), 177.º, n.º 2, e
178.º, n.º 3, do CPP, na interpretação “de que a busca domiciliária em casa
habitada e as subsequentes apreensões efectuadas durante aquela diligência
podem ser realizadas por órgão de polícia criminal, desde que se verifique o
consentimento de quem, não sendo visado por tais diligências, tiver a
disponibilidade do lugar de habitação em que a busca seja efectuada”, por
entender não se poder prescindir “do consentimento de quem é visado pela medida
de busca domiciliária”, e que a decisão recorrida desconsiderara “a reserva de
intimidade privada do arguido” e repudiara “uma concepção de inviolabilidade de
domicílio que faz radicar tal direito ou garantia fundamental na personalidade
do ser humano visado por uma medida probatória”).
Atenta a relevância do valor em
causa e a correspondente gravidade da sua ofensa, considera‑se
constitucionalmente imposto que a verificação da legitimidade desta ofensa, para
salvaguarda de outros valores ou interesses constitucionalmente tutelados, seja
sujeita a controlo judicial. Como se referiu no Acórdão n.º 114/95: “a
intervenção do juiz é exigida pela preocupação de controlar a legalidade da
diligência e, bem assim, garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, no
caso, o direito à inviolabilidade do domicílio, o que, por outras palavras, vale
dizer ser a intervenção do juiz, in casu, de dimensão exclusivamente
garantística e não de valoração de provas” (cf., ainda, o Acórdão n.º 16/97,
que não julgou inconstitucionais as normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 176.º do
CPP, e o Acórdão n.º 297/2003, que reiterou a concepção da autorização judicial
da busca domiciliária como tendo “uma função, exclusiva ou dominantemente,
garantística, visando assegurar a tutela dos direitos constitucionais dos
arguidos”).
2.4. Porém, como já se referiu –
e não vem questionado no presente recurso –, se a regra é que a efectivação de
buscas domiciliárias deva ser precedida de autorização ou de ordem judiciais,
situações existem em que é constitucionalmente legítima a efectivação da busca
domiciliária por órgãos de polícia criminal sem prévia autorização judicial,
designadamente nos casos de criminalidade violenta, quando haja fundados
indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a
integridade de qualquer pessoa, como ocorreu no presente caso.
Na hipótese de efectivação de
busca domiciliária por órgão de polícia criminal sem prévia autorização
judicial, é sustentável que resulta do sistema de valores constitucionais,
embora não exista norma constitucional que explicitamente o imponha, a exigência
de um controlo judicial a posteriori, de natureza oficiosa. Isto é: não será
suficiente deixar à iniciativa do arguido (ou da pessoa visada com tal busca)
provocar a intervenção de um juiz para apurar o preenchimento das condições que,
no caso, determinaram a realização da busca sem se obter prévia autorização
judicial.
Assim sendo, a resposta à questão
de constitucionalidade suscitada no presente recurso depende do juízo de
suficiência que, face à razão de ser da exigência de controlo judicial a
posteriori, mereçam, ou não, as interpretações normativas questionadas. O que
cumpre apurar é, assim, se o entendimento de que a comunicação da efectivação da
busca pode ser feita no prazo de 48 horas e de que a sua validação judicial pode
decorrer de forma implícita, desde que inequívoca, satisfazem os objectivos
constitucionais que se entendem impor o controlo judicial a posteriori de
buscas não previamente autorizada [No sentido de que a exigência de comunicação
e validação judicial posterior à diligência só vale para os casos da alínea a)
do n.º 4 do artigo 174.º do CPP, e já não para os da alínea b) – que pressupõem
o consentimento do visado – cf. Ana Luísa Pinto, “Aspectos problemáticos da
reserva do regime das buscas domiciliárias”, Revista Portuguesa de Ciência
Criminal, ano 15, n.º 3, Julho‑Setembro 2005, pp. 415‑456, em especial pp.
443‑445].
A resposta a ambas as questões é
claramente afirmativa.
2.4.1. O prazo de 48 horas não se
afigura excessivo, desde logo por comparação com o prazo de apresentação de
arguidos detidos sem ordem judicial, em que está em causa a violação de um bem –
a liberdade das pessoas – seguramente não inferior ao da inviolabilidade do
domicílio.
No Acórdão n.º 192/2001, em
recurso de decisão que, após reconhecer verificar‑se uma nulidade por falta de
apreciação/validação imediata das buscas (no caso, não domiciliárias),
considerou sanável a referida nulidade, decidindo que ao abrigo do artigo 122.º
do CPP deveria “agora ser praticado o acto omitido”, o Tribunal Constitucional
não julgou inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 251.º, 174.º, n.º
5, e 122.º do CPP, interpretadas no sentido de permitir a sanação da nulidade
por falta de validação imediata da busca efectuada com a validação a posteriori
da mesma busca. O Tribunal considerou que “a sanação a posteriori da nulidade
não se configura com uma solução arbitrária e desrazoável, ou seja, como um meio
legal restritivo desproporcionado ou excessivo em relação aos fins
prosseguidos”. Reconhecendo que “até à validação da busca e podendo,
entretanto, prosseguir a investigação com base nos resultados dessa diligência,
existe um momento de incerteza sobre a verificação dos pressupostos legais da
mesma diligência, com o aparente risco de vir a ser proferida uma decisão de não
validação quando aqueles resultados já proporcionaram a obtenção de outras
provas”, entendeu‑se, porém, que “mesmo neste caso – de hipotética não validação
– o (…) regime estabelecido no artigo 122.º do CPP assegura que os actos
subsequentes sejam declarados inválidos se dependerem do acto que não obtém a
necessária validação”, e sendo certo que a outra hipótese – a da validação em
acto ulterior – “nunca porá em causa as garantias de defesa do arguido”.
A comunicação da efectivação da
busca dentro do prazo de 48 horas (no presente caso, foi feita 41 horas e 30
minutos após a busca) não afecta a substancialidade do controlo judicial a
posteriori que se teve por constitucionalmente devido, sendo certo que, como se
referiu no Acórdão n.º 192/2001, o risco de se terem entretanto colhido provas
só possíveis por causa de uma busca que venha a ser considerada inválida é
satisfatoriamente neutralizado graças ao regime do artigo 122.º do CPP, que
estende a invalidade da busca aos actos dela dependentes.
2.4.2. E, por outro lado, embora
se possa considerar que seria “melhor direito” a exigência de uma pronúncia
judicial autónoma e expressa sobre a validação da busca, entende‑se que a
validação implícita, desde que inequívoca, satisfaz capazmente os objectivos
constitucionais: confirmar que estavam preenchidos os requisitos que permitiam a
busca sem dependência de prévia autorização judicial.
No presente caso, resulta
patentemente do despacho que validou a detenção do recorrente e lhe aplicou a
medida de coacção de prisão preventiva que foram considerados validamente
obtidos e processualmente atendíveis os meios de prova obtidos na própria busca
e na actuação investigatória subsequente do órgão de polícia criminal, pelo que
constitui um pressuposto necessário destes juízos o entendimento de que a busca
foi validamente efectuada. O controlo judicial a posteriori da validade da
busca, constitucionalmente imposto, foi assim efectivamente efectuado, sendo
destituída de fundamento a pretensão de, pela circunstância de não terem sido
usadas fórmulas expressas, se considerar inexistente esse controlo. Ao que
acresce que o juízo sobre a validade da busca, implícita mas inequivocamente
manifestado no referido despacho, veio posteriormente a ser reafirmado, agora
de forma explícita, quer no despacho que indeferiu a arguição de nulidade, quer
no acórdão (ora recorrido) que negou provimento ao recurso interposto deste
último despacho.
3. Decisão
Em face do exposto, acorda‑se em:
a) Não julgar inconstitucionais
as normas constantes do n.º 5 do artigo 174.º e da parte final do n.º 2 do
artigo 177.º do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que,
efectuada busca domiciliária por órgão de polícia criminal sem precedência de
autorização judicial, por se tratar de caso de criminalidade violenta e haver
indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a
integridade de qualquer pessoa, é de 48 horas o prazo para a comunicação ao
juiz de instrução da efectivação da busca e a decisão judicial da sua
validação pode resultar, de forma implícita, desde que inequívoca, da decisão
de validação da detenção do arguido e de fixação da medida de coacção de prisão
preventiva; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso,
confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente,
fixando‑se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Maio de 2007.
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Carlos Pereira
Rui Manuel Moura Ramos