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Processo n.º 703/2005
Plenário
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I
1. Nos presentes autos de recurso eleitoral, João Bernardino Meneres Sampaio
Pimentel, na qualidade de Mandatário da Coligação PORTIMÃO PRIMEIRO, constituída
pelo PPD/PSD, pelo CDS/PP, pelo PPM e pelo MPT, concorrente às eleições para os
órgãos autárquicos do concelho de Portimão, impugnou a regularidade do processo
de candidatura do grupo de cidadãos eleitores designado por A SOLUÇÃO PARA
PORTIMÃO, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, com os seguintes
fundamentos: os proponentes da candidatura impugnada não manifestaram uma
vontade inequívoca de propor os candidatos que integram a respectiva lista; as
folhas das quais constam os elementos dos proponentes não foram trancadas e não
foi dado cumprimento ao disposto no artigo 23º, nº 8, da Lei Eleitoral dos
Órgãos das Autarquias Locais; e foram detectadas “alguns milhares de
irregularidades processuais, designadamente, por violação reiterada do disposto
no artigo 19º, nº 5, da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto”.
O impugnante conclui pedindo o seguinte:
a) Proceder-se à verificação da regularidade do processo de candidatura do
grupo de cidadãos eleitores denominado A Solução Para Portimão, de acordo com o
artigo 25°, n.º 2 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto;
b) Tendo em conta todas as dúvidas ora suscitadas acerca da regularidade da
candidatura do grupo de cidadãos eleitores em questão, promover‑se a
verificação, por amostragem, da autenticidade das assinaturas e identificação
dos proponentes, de acordo com o disposto no artigo l9.º, n.º 6 da Lei Orgânica
n.º 1/2001, de 14 de Agosto;
c) Ordenar‑se a notificação do mandatário do grupo de cidadãos eleitores A
Solução Para Portimão para, querendo, no prazo de três dias, suprir as
irregularidades ora apontadas que forem supríveis, tudo nos termos do disposto
do artigo 26°, n.º 2 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto;
d) Ser proferida decisão de rejeição da candidatura de cidadãos eleitores
designada por A Solução Para Portimão a todos os órgãos autárquicos do concelho
de Portimão, independentemente das irregularidades processuais que forem
supridas, por manifesta violação do disposto no artigo 19.º, n.º 3 da
supracitada Lei Orgânica, conforme supra alegado.
O juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Portimão proferiu a seguinte decisão,
datada de 23 de Agosto de 2005:
O mandatário da coligação P.P.D./P.S.D.‑C.D.S./P.P.‑PPM-MPT - Portimão Primeiro
vem expressamente requerer a não aceitação da candidatura do grupo de cidadãos
eleitores denominado A Solução Para Portimão alegando que das declarações de
propositura não resulta de forma inequívoca a vontade de cada um dos proponentes
em subscrever e apresentar a sufrágio uma lista de candidatos em concreto, já
que as assinaturas se encontram em folhas avulsas sem referência à lista
concreta dos candidatos.
Mais alegou que houve má fé na apresentação, ordenação e identificação dos
proponentes por não se ter procedido à numeração individual de cada um deles, de
modo a permitir a identificação rigorosa dos mesmos, nem estes estão ordenados
por ordem de inscrição no recenseamento eleitoral. Invocou também várias
irregularidades processuais em relação aos proponentes de todas as listas
concorrentes aos órgãos autárquicos, tal como a omissão da indicação do número
do B.I. do proponente, a omissão da indicação do número de eleitor do
proponente, a omissão da indicação da unidade geográfica de recenseamento do
proponente, a assinatura desconforme com o B.I. do proponente, falta de
indicação do nome completo do proponente, unidade geográfica de recenseamento
incorrecta, omissão de assinatura do proponente, número de eleitor do proponente
inexistente ou incorrecto, utilização de fotocópias de declarações de
propositura, menções obrigatórias rasuradas e falta de recenseamento do
proponente na área da autarquia, concluindo que estes factos têm como
consequência inevitável a existência de um número insuficiente de proponentes.
Requer, por isso, que se proceda à verificação da regularidade do processo de
candidatura em causa; que se promova a verificação, por amostragem, da
autenticidade das assinaturas e identificação dos proponentes; e que se ordene a
notificação do mandatário de tal candidatura para suprir as irregularidades que
forem supríveis.
A Lei Orgânica 1/2001 de 14.8 prevê expressamente que grupos de cidadãos
eleitores possam apresentar listas para a eleição dos órgãos das autarquias
locais (art. 16° 1 c)), na sequência do imperativo constitucional estabelecido
pelo n° 4 do art. 239°. As regras para a apresentação deste tipo de listas estão
estabelecidas no art. 19° da referida Lei Orgânica.
Compulsando as listas apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores denominado A
Solução Para Portimão, verificamos que, ao contrário do que pretende o
requerente, não se pode concluir que das declarações de propositura não resulta
de forma inequívoca a vontade de cada um dos proponentes em subscrever e
apresentar a sufrágio uma lista de candidatos em concreto. Se é certo que a
identificação e assinaturas dos vários proponentes se encontram em folhas
avulsas, é também certo que cada uma dessas folhas faz referência, no seu
cabeçalho, à lista em causa (A Solução Para Portimão), ao ano das eleições e ao
órgão em questão. Tanto basta, salvo o devido respeito por opinião contrária,
para que se diga que é inequívoca a vontade de apresentar a lista de candidatos
com aquela denominação e para a eleição daquele órgão autárquico, nos termos e
para os efeitos do n° 3 do art. 19.º da Lei Orgânica citada.
Nestes termos se indefere o requerido.
Quanto às listas de proponentes ...
Efectivamente o n° 8 do art. 23° da Lei Orgânica 1/2001 preceitua que sempre que
possível, os proponentes, à excepção do primeiro, são ordenados pelo número de
inscrição no recenseamento, mas é este um princípio informador, não uma
exigência legal, pelo que a sua não observância não podem ser retiradas
quaisquer consequências, não se tratando de irregularidade e muito menos da
existência de má fé. Contudo, e como bem refere o requerente, as listas de
proponentes apresentadas enfermam de várias irregularidades quando em confronto
com os requisitos estabelecidos nas diversas alíneas do n° 5 do art. 19° da
referida Lei Orgânica, tais como a omissão dos números do B.I. e/ou do cartão de
eleitor (ainda por vezes, em vez do n° de eleitor surge a data de emissão do
B.I.), omissão da indicação da respectiva unidade geográfica de recenseamento ou
indicação de unidade geográfica inadmissível, omissão da assinatura e omissão da
indicação do nome completo do proponente. Já as rasuras entendemos que não devem
ser valorizadas como irregularidades, pelo menos quando a identificação for
clara e sendo certo que nos parece que a manifestação de vontade dos
subscritores proponentes tem que ser valorada de forma efectiva pelo Tribunal.
De resto, muitas das omissões apresentadas são supríveis e poderia o Tribunal
convidar o respectivo mandatário a supri‑las. Acontece, porém, que após
proceder-se a uma análise exaustiva das listas e respectivos proponentes, está o
Tribunal em condições de concluir que mesmo sem contabilizar os vários
proponentes que não satisfazem os requisitos exigidos, estão preenchidos os
números mínimos de proponentes para cada órgão autárquico.
Assim, para a Câmara Municipal de Portimão, para um universo de 39.215
eleitores, tem que haver pelo menos 1.915 proponentes; para a Assembleia
Municipal de Portimão os proponentes têm que ser pelo menos 622; para a
Assembleia de Freguesia de Portimão, num universo de 32.420 eleitores, tem que
haver pelo menos 515 proponentes; para a Assembleia de Freguesia da Mexilhoeira
Grande, num universo de 2.933 eleitores, tem que haver pelo menos 109
proponentes; e para a Assembleia de Freguesia de Alvor, num universo de 3.862
eleitores, tem que haver pelo menos 143 proponentes. Ora os proponentes que em
cada lista satisfazem os requisitos estabelecidos pelo citado n° 5 do art. 19°
são em número superior ao mínimo exigido. Ressalva-se aqui que apenas poderia
haver dúvida, neste campo, quanto à lista apresentada para a Câmara Municipal,
mas ainda aqui se contabilizaram um total de 1.942 proponentes válidos quando o
mínimo era de 1.915 como se disse supra.
Pelo exposto, e por razões de economia processual, não há qualquer necessidade
de suprir as irregularidades verificadas, assim se indeferindo o requerido.
Já quanto à solicitada verificação, por amostragem, da autenticidade das
assinaturas e identificação dos proponentes, diremos que tal está expressamente
previsto no n° 6 do art. 19° que se tem vindo a referir e se o requerente
levanta dúvidas quanto à autenticidade das assinaturas e à identificação dos
proponentes, entende o Tribunal que devem as mesmas ser dissipadas.
Assim, e porque a solicitação de cópia do B.I. dos proponentes à respectiva
Conservatória redundaria num processo moroso e não compatível com a celeridade
processual exigível, determina-se que a Secção proceda à pesquisa aleatória, e
através do respectivo n° do B.I., através do 'site da D.G.V.', de 30 proponentes
dos que estão validamente identificados, de modo a proceder-se à comparação das
assinaturas e identificação dos mesmos.
Após ter sido dado cumprimento à verificação por amostragem da autenticidade das
assinaturas e identificação dos proponentes, nos termos do artigo 19º, nº 6, da
Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, foi proferida a seguinte
decisão, data de 26 de Agosto de 2005:
Pelo mandatário da coligação P.P.D./P.S.D.‑C.D.S./P.P.-PPM-MPT - Portimão
Primeiro foi posta em causa a autenticidade das assinaturas constantes das
declarações de propositura do grupo de cidadãos eleitores denominado A Solução
Para Portimão e solicitada a verificação, por amostragem, da autenticidade das
assinaturas e identificação dos proponentes.
Efectuada pela Secção a pesquisa ordenada no despacho de fls. 349 ss, e que
consta de fls. 365 a 394, não se levantam quaisquer dúvidas sobre a
identificação e assinatura dos proponentes alvo dessa pesquisa.
Conclui-se, assim, pela validade da candidatura do grupo de cidadãos eleitores
denominado A Solução Para Portimão a todos os órgão autárquicos do município de
Portimão.
2. João Bernardino Meneres Sampaio Pimentel, na qualidade de Mandatário da
Coligação PORTIMÃO PRIMEIRO, reclamou da decisão de 26 de Agosto de 2005,
reiterando os argumentos anteriormente apresentados e concluindo com os
seguintes pedidos:
a) Ordenar‑se a notificação do mandatário e dos representantes do grupo de
cidadãos eleitores designados por 'A Solução Para Portimão' para, querendo, no
prazo de quarenta e oito horas, responderem, tudo nos termos do disposto do
artigo 29.º, n.º 2 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto;
b) Ser proferida decisão de rejeição da candidatura de cidadãos eleitores
designada por 'A Solução Para Portimão' a todos os órgãos autárquicos do
concelho de Portimão, independentemente das irregularidades processuais que
forem supridas, por manifesta violação do disposto no artigo 19.º, n.º 3 da
supracitada Lei Orgânica, conforme supra alegado.
O juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Portimão proferiu a seguinte decisão,
datada de 2 de Setembro de 2005:
O mandatário da coligação P.P.D./P.S.D.‑C.D.S./P.P.-PPM-MPT - Portimão Primeiro
vem reclamar da admissão da candidatura, a todos os órgãos do concelho de
Portimão, do grupo de cidadãos eleitores denominado A Solução Para Portimão.
Para tanto alega que as declarações de propositura não respeitam o preceituado
no art. 19°, nº 3, da Lei Orgânica 1/2001 de 14.8, uma vez que a identificação e
as assinaturas dos proponentes constam de folhas avulsas, entendendo que a
referência que consta no cabeçalho de cada uma das folhas não é requisito
suficiente e idóneo para dar cumprimento ao previsto na citada norma, tanto mais
que a designação encerrou durante cerca de 2 meses um indisfarçável mistério
acerca dos seus objectivos e representantes.
Alega ainda que o facto de não terem sido ordenadas as listas de proponentes,
não tendo sido cumprido o disposto no art. 23° 8 da citada Lei Orgânica, tem que
ser visto, no mínimo, como uma irregularidade processual, que deveria ter
conduzido a uma notificação do respectivo mandatário para a necessária
correcção.
Mais alega que existindo várias irregularidades processuais em relação aos
proponentes de todas as listas concorrentes aos órgãos autárquicos - tal como a
omissão da indicação do número do B.I. do proponente, a omissão da indicação do
número de eleitor do proponente, a omissão da indicação da unidade geográfica de
recenseamento do proponente, a assinatura desconforme com o B.I. do proponente,
falta de indicação do nome completo do proponente, unidade geográfica de
recenseamento incorrecta, omissão de assinatura do proponente, número de eleitor
do proponente inexistente ou incorrecto, utilização de fotocópias de declarações
de propositura, menções obrigatórias rasuradas e falta de recenseamento do
proponente na área da autarquia - conclui-se no despacho de fls. 349 e ss que
existem proponentes válidos em número suficiente para manter as candidaturas sem
que se tenha fundamentado tal afirmação, até porque não se fez prova cabal do
recenseamento em relação a nenhum dos proponentes nem nenhum deles apresentou
comprovativo do recenseamento na área da autarquia.
Finalmente requer que se esclareça porque não foi o mandatário d'A Solução Para
Portimão notificado para corrigir a lista da Assembleia de Freguesia de Portimão
de 19 para 21 membros de acordo com a 1ª interpretação efectuada e a exemplo do
que sucedeu com outras candidaturas.
Notificado da presente reclamação, o mandatário d'A Solução Para Portimão nada
disse.
Cumpre decidir.
Reitera-se aqui tudo o que se disse no despacho de fls. 349 e ss.
Com efeito, ali se concluiu que das declarações de propositura resulta de forma
inequívoca a vontade de cada um dos proponentes em subscrever e apresentar a
sufrágio uma lista de candidatos em concreto, dizendo-se que se é certo que a
identificação e assinaturas dos vários proponentes se encontram em folhas
avulsas, é também certo que cada uma dessas folhas faz referência, no seu
cabeçalho, à lista em causa (A Solução Para Portimão), ao ano das eleições e ao
órgão em questão. Tanto basta, salvo o devido respeito por opinião contrária,
para que se diga que é inequívoca a vontade de apresentar a lista de candidatos
com aquela denominação e para a eleição daquele órgão autárquico, nos termos e
para os efeitos do n° 3 do art. 19° da Lei Orgânica citada. Entende-se ser
desnecessário que cada uma das folhas indique quais os candidatos a concurso até
porque não se acredita que os proponentes, ao assinarem as listas, não soubessem
o que estavam a propor.
Igualmente se reitera o já afirmado no despacho referido quanto à interpretação
do n° 8 do art. 23° da Lei Orgânica 1/2001. Repare-se que este normativo
preceitua que 'sempre que possível' (sublinhado nosso), os proponentes, à
excepção do primeiro, são ordenados pelo número de inscrição no recenseamento. A
referência ao 'sempre que possível', não pode deixar de ser entendida como um
princípio informador ou programático, não uma exigência legal que
impreterivelmente tenha que ser cumprida. Por isso se disse, como agora se
mantém, que da sua não observância não podem ser retiradas quaisquer
consequências, não se tratando sequer de irregularidade a suprir nos termos do
art. 26° da Lei que se tem vindo a citar.
Relativamente às várias irregularidades processuais detectadas, mantém-se também
o que então se disse e o que então se decidiu. É verdade que as listas de
proponentes apresentadas enfermam de várias irregularidades quando em confronto
com os requisitos estabelecidos nas diversas alíneas do n° 5 do art. 19° da
referida Lei Orgânica, tais como a omissão dos números do B.I. e/ou do cartão de
eleitor (ainda por vezes, em vez do n° de eleitor surge a data de emissão do
B.I.), omissão da indicação da respectiva unidade geográfica de recenseamento ou
indicação de unidade geográfica inadmissível, omissão da assinatura e omissão da
indicação do nome completo do proponente. Então se entendeu (e se mantém) não
valorizar as rasuras como irregularidades, pelo menos quando a identificação for
clara e sendo certo que nos parece que a manifestação de vontade dos
subscritores proponentes tem que ser valorada de forma efectiva pelo Tribunal.
Também se disse que muitas das omissões apresentadas são supríveis e poderia o
Tribunal convidar o respectivo mandatário a supri‑las, mas que após proceder-se
a uma análise exaustiva das listas e respectivos proponentes, está o Tribunal em
condições de concluir que mesmo sem contabilizar os vários proponentes que não
satisfazem os requisitos exigidos, estão preenchidos os números mínimos de
proponentes para cada órgão autárquico.
Aproveita-se para explicitar que se considerou como propositura válida aquela em
que cada proponente satisfez os requisitos estabelecidos pelo n° 5 do art. 19°,
indicando, o nome, o n° do B.I., o n° do cartão de eleitor, a unidade geográfica
de recenseamento válida para a respectiva propositura e a assinatura. Ao
Tribunal não se suscitaram dúvidas sobre a área de recenseamento, nem sobre a
autenticidade das assinaturas e identificação das proponentes, tendo-se
procedido como previsto no n° 6 do art. 19° por terem sido levantadas dúvidas
quanto à autenticidade das assinaturas e à identificação dos proponentes, sendo
que posteriormente se decidiu sobre essa autenticidade e pela validade da
candidatura a todos os órgãos, decisão que ora se reitera.
Aproveita-se ainda para esclarecer que o mandatário d'A Solução Para Portimão
não foi notificado para corrigir a lista da Assembleia de Freguesia de Portimão
de 19 para 21 membros de acordo com a 1ª interpretação efectuada e a exemplo do
que sucedeu com outras candidaturas, porque na altura em que foi proferido tal
despacho ainda não tinha sido decidida ser válida a candidatura em causa que só
foi admitida após a realização da verificação, por amostragem, da autenticidade
das assinaturas e identificação dos proponentes.
Nos termos expostos se indefere a reclamação.
3. João Bernardino Meneres Sampaio Pimentel, na qualidade de Mandatário da
Coligação PORTIMÃO PRIMEIRO, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do artigo 31º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. O
recorrente alegou, concluindo o seguinte:
1ª – A Mma. Juiz 'a quo' indeferiu a impugnação e a reclamação apresentadas nos
presentes autos contra a admissão da candidatura de cidadãos eleitores
denominada 'A Solução Para Portimão' a todos os órgãos autárquicos do concelho
de Portimão;
2ª – No que concerne à validade das declarações de propositura que serviram de
base à apresentação da referida candidatura de cidadãos eleitores, considerou a
Mma. Juiz de Direito titular do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca
de Portimão que a mera referência, no cabeçalho das declarações de propositura,
à designação ' A Solução Para Portimão' é suficiente e idónea para que se
considere inequívoca a vontade de apresentar a lista de candidatos e, em
consequência, para que se ache preenchido o requisito previsto no artigo 19°,
n.º 3 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto;
3ª – Tal norma legal exige que, da declaração de propositura, resulte uma
vontade inequívoca e clara de apresentar a sufrágio a lista de candidatos dela
constante (sublinhados nossos);
4ª – Entende o ora signatário, salvo o devido respeito por opinião contrária,
que não é sustentável o entendimento segundo o qual a mera referência a uma
designação (A Solução Para Portimão) é suficiente para achar‑se preenchido o
requisito legal constante da citada norma legal;
5ª – O legislador, ao exigir uma vontade inequívoca de apresentar uma lista de
candidatos, teve a clara intenção de possibilitar o esclarecimento cabal e sem
margem para quaisquer dúvidas de cada um dos proponentes, em relação ao grupo de
candidatos que estava a propor;
6ª – O entendimento do Tribunal 'a quo' sobre esta questão viola, de forma
ostensiva, a letra e o espírito da norma legal aqui em causa, sendo certo que o
próprio corpo do n.º 5 do mesmo artigo 19° volta a exigir uma (...) lista de
candidatos propostos por grupos de cidadãos (...)' (sic);
7ª – A supra referida candidatura de cidadãos eleitores limitou-se a proceder à
recolha desordenada e totalmente descontextualizada das assinaturas dos
proponentes, tendo organizado as mesmas em folhas avulsas com meros espaços para
as assinaturas e dados pessoais de dez proponentes por cada folha, sem que no
entanto constasse das mesmas qualquer referência à lista concreta dos candidatos
a apresentar pelo referido movimento a cada um dos órgãos autárquicos;
8ª – O tipo de procedimento utilizado pela candidatura ora em causa, que o
próprio Tribunal 'a quo' reconhece, constitui uma violação clara e inequívoca de
um requisito legal fundamental, mais não sendo do que um expediente ardiloso
que, em última análise, poderia permitir a utilização das assinaturas recolhidas
para a apresentação de quaisquer outros candidatos;
9ª – Tal procedimento viola de forma ostensiva a letra e o próprio espírito do
citado artigo 19°, n.ºs 3 e 5 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto,
constituindo a citada forma de organizar e enquadrar a declaração de propositura
uma verdadeira fraude à lei, uma vez que não permite o integral esclarecimento
dos proponentes quando estes subscrevem a respectiva declaração;
10ª – Tal irregularidade é insuprível, prelo que deveria ter dado lugar a uma
decisão de rejeição da candidatura do referido grupo de cidadãos eleitores a
todos os órgãos autárquicos do concelho de Portimão;
11ª – Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal 'a quo' o disposto no artigo
19°, n.ºs 3 e 5 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto;
12ª – Por outro lado, não pode o signatário concordar com o entendimento
subjacente ao despacho recorrido, que conduziu ao indeferimento das inúmeras
irregularidades denunciadas na impugnação e reclamação apresentadas nos
presentes autos, irregularidades essas que violam de forma manifesta e reiterada
o disposto no artigo 19°, n.ºs 4, 5, als. a), b), c), d) e 6 da Lei Orgânica n.º
1/2001, de 14 de Agosto;
13ª – As irregularidades denunciadas prendem‑se com a omissão da indicação do
número do Bilhete de Identidade, do número de eleitor do proponente e da
indicação da unidade geográfica de recenseamento em que o mesmo está recenseado,
com a existência de assinaturas desconformes com o bilhete de identidade do
proponente, com a falta de indicação do nome completo do proponente, com a
indicação errada da unidade geográfica de recenseamento, com a omissão da
assinatura do proponente, com a indicação de número de eleitor do proponente
inexistente na unidade geográfica de recenseamento indicada, com a utilização de
fotocópias de declarações de propositura, com a indicação de números de eleitor
do proponentes incorrectos, com a existência de menções obrigatórias na
declaração de propositura rasuradas e, bem assim, com a falta de recenseamento
do proponente na área da autarquia;
14ª – Pese embora a Mma. Juiz 'a quo' confirme, nos despachos que ora se põem em
crise, a existência das várias irregularidades denunciadas, considerou a mesma
que muitas das irregularidades são supríveis e que existem proponentes válidos
em número suficiente para manter a candidatura;
15ª – Uma vez que uma consulta não exaustiva do processo permitiu detectar
milhares de irregularidades processuais, conforme consta da reclamação e da
impugnação apresentadas, levantam-se séria e fundadas dúvidas quanto à
veracidade e credibilidade de todo o processo de apresentação das referidas
candidaturas;
16ª – Desta forma, no sentido de dissipar tais dúvidas, deveria no Tribunal 'a
quo ' ter sido feita uma prova cabal do recenseamento em relação a cada um dos
proponentes ou a apresentação do comprovativo do recenseamento na área da
autarquia, conforme prevê o n.º 4 do artigo 19° da Lei Orgânica n.º 1/2001, de
14 de Agosto;
17ª – Não se compreende como é que o Tribunal 'a quo', sem proceder a qualquer
diligência para verificação da área geográfica de recenseamento dos proponentes
e sem ter na sua posse qualquer documento comprovativo do recenseamento dos
proponentes, afirma existirem um número suficiente de proponentes válidos;
18ª – A existência de um número tão considerável de irregularidades processuais,
com a gravidade daquelas que foram detectadas, põe em causa, de forma
irremediável, a credibilidade da candidatura do grupo de cidadãos eleitores ora
em causa e, bem assim, a observância dos formalismos legais por parte do
referido grupo de cidadãos eleitores, nomeadamente quanto o número mínimo de
proponentes;
19ª – Desta forma, não se pode aceitar que ao Tribunal 'a quo' não se tenham
suscitado dúvidas sobre a área do recenseamento, a identificação dos proponentes
ou a autenticidade das assinaturas quando é o próprio Tribunal recorrido que
reconhece a existência de inúmeras irregularidades e a inobservância dos vários
requisitos legais exigidos pelo artigo 19°, n.º 5 da supra referida Lei
Orgânica, tendo ficado por fundamentar no despacho o motivo pelo qual tais
dúvidas não se colocaram à Mma. Juiz 'a quo';
20ª – Acresce que, no que diz respeito à indicação do número do cartão de
eleitor, foram detectadas inúmeras irregularidades, nomeadamente, com a
indicação de números que não existem, sendo as mais gritantes as relativas à
freguesia de Alvor, onde foram indicados proponentes com números de eleitor
claramente superiores ao número de eleitores da freguesia;
21ª – Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal 'a quo' o disposto no artigo
19°, n.ºs 4, 5, als. a), b), c), d) e 6 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de
Agosto;
22ª – Finalmente, quanto à ordenação das listas de proponentes, carece de
qualquer sentido lógico dizer‑se, como sucede nos, aliás, mui doutos despachos
ora em causa, que o incumprimento do artigo 23°, n.º 8 da citada Lei Orgânica n°
1/2001 não conduz a quaisquer consequências legais;
23ª – Considera‑se, ao invés, que tal comando legal não pode ser visto como um
mero preciosismo ou capricho por parte do legislador, sendo evidente que a
omissão de tal ordenação dos proponentes terá que ser classificada – no mínimo -
como irregularidade processual, à falta de outra classificação legal.
Cumpre apreciar.
II
4. O presente recurso é tempestivo (cf. artigos 31º da Lei Eleitoral dos Órgãos
das Autarquias Locais) e o recorrente tem legitimidade (cf. artigo 32º da Lei
Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais).
Nada obsta ao conhecimento do respectivo objecto.
5. O recorrente considera que os proponentes da candidatura impugnada não
revelam uma vontade inequívoca de apresentação dos candidatos que integram a
lista de cidadãos A SOLUÇÃO PARA PORTIMÃO.
Ora, de acordo com o nº 3 do artigo 19º da Lei Eleitoral dos Órgãos das
Autarquias Locais, “os proponentes devem subscrever declaração de propositura da
qual resulte inequivocamente a vontade de apresentar a lista de candidatos dela
constante”.
A lista de proponentes da referida candidatura consta de folhas que contêm a
designação do grupo de cidadãos eleitores, a indicação de que se trata de uma
lista de proponentes, o órgão autárquico a que concorre e o respectivo acto
eleitoral.
A primeira folha desse conjunto contém, por seu turno, para além destes
elementos, o nome dos candidatos que integram a lista em causa. Da primeira
folha consta ainda o nome do mandatário (e demais elementos de identificação) da
lista.
A identificação da lista candidata no cabeçalho e a sua conjunção com a primeira
folha formam, assim, um conjunto de condições que permitiriam aos respectivos
subscritores compreender o significado do acto praticado, de modo inequívoco.
O recorrente afirma, porém, que a recolha de assinaturas decorreu de modo
desordenado e totalmente descontextualizado. No entanto, não apresenta, como era
seu ónus, elementos concretos que demonstrem tal afirmação, não constando dos
autos indícios suficientes que permitam confirmar as declarações do recorrente
no presente recurso.
Desse modo, considera‑se não ter sido violado o disposto no nº 3 do artigo 19º
Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais.
6. O recorrente afirma, por outro lado, que o tribunal a quo devia ter
procedido à verificação da área geográfica de recenseamento dos proponentes.
Afirma ainda que alguns proponentes indicaram números de eleitor que não
existem.
O Tribunal Judicial da Comarca de Portimão procedeu, por amostragem, à
verificação da identidade dos proponentes e verificou que, apesar das
irregularidades apontadas pelo ora recorrente, as listas de proponentes
continham número suficiente de subscritores com os elementos legalmente exigidos
para as candidaturas apresentadas.
De acordo com o nº 4 do artigo 19º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias
Locais, “os proponentes devem fazer prova do recenseamento na área da autarquia
a cujo órgão respeite a candidatura, nos termos dos números seguintes”.
Por seu turno, o nº 5 do mesmo preceito determina os elementos que devem constar
da lista de proponentes (nome completo, número de bilhete de identidade, número
de cartão de eleitor e respectiva unidade geográfica de recenseamento e
assinatura conforme ao bilhete de identidade) e o nº 6 prevê a possibilidade de
verificação por amostragem da autenticidade das assinaturas e da identificação
dos proponentes.
Resulta, assim, do preceituado no referido nº 4 que a prova do recenseamento dos
proponentes é feita nos termos do nº 5, isto é, com a indicação dos elementos
referidos. Isto mesmo já entendeu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº
507/2001, de 22 de Novembro (D.R., II Série, de 18 de Dezembro de 2001 e em
www.tribunalconstitucional.pt).
O Tribunal Judicial da Comarca de Portimão verificou que em relação a cada
candidatura existia número suficiente de proponentes que indicaram todos os
elementos legalmente exigidos (cf. fls. 351, transcrita supra). Procedeu, por
outro lado, à verificação por amostragem a que se refere o nº 6 do artigo 19º da
Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. E, concluiu, no seguimento de
tais diligências, que a candidatura do grupo de cidadãos A SOLUÇÃO PARA PORTIMÃO
é válida.
O recorrente reitera os argumentos que apresentou, desde a impugnação inicial, e
que foram ponderados pelo tribunal recorrido.
Não apresenta, no entanto, elementos que infirmem os fundamentos da decisão
proferida pelo tribunal a quo. Nomeadamente, não demonstra, como era seu ónus,
que no universo dos proponentes que foram validados pelo tribunal se verificava
omissão dos elementos necessários ou que os elementos apresentados eram falsos.
Nessa medida, há que concluir pela improcedência dos fundamentos do recurso
quanto à invocação da violação do disposto no nº 5 do artigo 19º da Lei
Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais.
7. O recorrente sustenta, por último, que os proponentes não foram ordenados
por número de inscrição no recenseamento como dispõe o nº 8 do artigo 23º da Lei
Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais.
O referido preceito determina que “os proponentes são ordenados, à excepção do
primeiro e sempre que possível, pelo número de inscrição no recenseamento”.
É, pois, manifesto que a própria lei prevê tal modo de ordenação dos proponentes
como sujeita à condição da possibilidade. Trata‑se, portanto, de uma norma cujo
não cumprimento rigoroso não implica, por si só, a rejeição da lista. Aliás, o
recorrente não procura demonstrar no presente recurso que a ordenação pelo
número de recenseamento no presente caso era possível.
Apenas se acrescentará, no que se refere a esta última questão, que a
flexibilização legal quanto a aspectos desta natureza tem por finalidade
proporcionar condições de participação na vida política do grupo de cidadãos que
não dispõe da capacidade organizatória dos partidos políticos. Em concreto,
neste caso deve considerar‑se a circunstância de não ser fácil a recolha de
assinaturas e de tal recolha não ser feita em simultâneo.
Assim, não consubstanciando tal ordenação dos proponentes uma obrigação que
tenha de ser sempre cumprida (a lei impõe essa ordenação “sempre que possível”),
e não existindo elementos nos autos que permitam afastar a conclusão de que não
terá sido possível ordenar os proponentes pelo número de recenseamento,
conclui‑se, mais uma vez, pela improcedência do alegado pelo recorrente.
III
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao
presente recurso, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida.
Lisboa, 16 de Setembro de 2005
Maria Fernanda Palma (com declaração de voto)
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Bravo Serra (vencido quanto ao juízo constante do ponto 6 do presente acórdão
pelas razões constantes da declaração de voto que apus ao Acórdão deste Tribunal
nº 507/2001. Assim, entendo que seria exigível no mínimo legal dos proponentes a
demonstração do recenseamento na área da circunscrição eleitoral a que pertence
o órgão autárquico a cujos mandatos são dirigidas as proposituras).
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Apesar de ter votado vencida no Acórdão nº 507/2001, entendo que a orientação
exigente do voto de vencido para o qual remeti quanto à prova do recenseamento
dos proponentes se deve restringir às situações em que o próprio recorrente
suscite dúvidas fundadas quanto à veracidade da inscrição de concretos
proponentes na área da circunscrição eleitoral. E tais dúvidas devem referir‑se
a um universo delimitado de cidadãos eleitores susceptível pela sua dimensão de
afectar a regularidade da candidatura, o que não sucedeu no caso vertente. Só
esta solução moderada pode conciliar as exigências de celeridade do processo
eleitoral, as necessidades de promover a participação política e a segurança
jurídica.
Maria Fernanda Palma