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Processo n.º 84/03
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa de 26 de Dezembro
de 2002 foi concedido provimento ao recurso contencioso interposto por A. do
acto do Presidente do B. de 20 de Março de 2001 que lhe indeferiu o pedido “de
ser reposicionado nas escalas indiciárias do D.L. n.º 408/89 de 18 de Novembro,
desde a data da sua entrada em vigor, com o abono dos diferenciais daí
resultantes”.
Para o efeito, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa recusou a
aplicação, por inconstitucionalidade, do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 347/91 de
19 de Setembro, quando interpretado “no sentido de permitir que funcionários
mais antigos na categoria tenham vencimento inferior a outros de categoria igual
e menor antiguidade”, por violação do princípio da igualdade da retribuição
prevista no artigo 59º da Constituição da República Portuguesa.
Explica a referida sentença o seguinte:
“O caso submetido a juízo prende-se com a violação, alegadamente operada pelo
artigo 2º do DL n.º 347/91, de 19.9, dos princípios constitucionais plasmados
nos artigos 59º, n.º 1, al. a) e 13º, n.º 1, ambos da CRP. (...)
O DL n.º 363-A/89, de 16.10, estabeleceu o novo estatuto remuneratório dos
funcionários e agentes da Administração Pública, procedendo ao desenvolvimento e
regulamentação dos princípios gerais em matéria de emprego público definidos
pelo DL n.º 184/89, de 2.06.
Na verdade, aquele diploma estabeleceu um regime de condicionamento da
progressão na carreira através de uma calendarização, estipulando um determinado
número de anos necessários à mudança de escalão.
Assim, o artigo 19º deste diploma estabeleceu que a progressão dentro de cada
categoria operaria por mudança de escalão a qual ficava condicionada, nas
carreiras verticais, à permanência no escalão imediatamente inferior durante
três anos.
O seu artigo 38º determinou o congelamento de escalões, ao mesmo tempo que
prescreveu a calendarização do descongelamento dessa progressão.
Assim, e em conformidade com o n.º 2 deste artigo 38º, em Julho de 1990
iniciou-se o descongelamento dos dois escalões seguintes ao de integração, em
Janeiro de 1991, ficaram descongelados mais dois escalões e, finalmente, em
Janeiro de 1992, os restantes.
Os DL n.ºs 204/91, de 7 de Junho e 61/92, de 15.04 deram execução à segunda e
última fases do descongelamento de escalões previstos no DL n.º 353-A/89,
estabelecendo regras transitórias da progressão e reposicionamento dos
funcionários e agentes da Administração Pública nos escalões salariais das
respectivas carreiras.
No caso dos autos está em causa o regime de progressão nos escalões
descongelados por referência à carreira docente do ensino superior e
investigação científica.
O estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do
ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica foi definido
pelo DL n.º 408/89, de 18.11.
O artigo 4º, n.º 1 deste diploma estabelece que a progressão nas categorias
opera por mudança de escalão estando dependente da permanência de três anos no
escalão imediatamente anterior. (...)
A carreira em causa viu descongelada a progressão nos escalões das categorias e
carreiras através do DL 347/91, de 19.9.
Dispõe o artigo 2º desse diploma:
Artigo 2º
Condicionamento da progressão
1 – Fica descongelada, de acordo com as regras subsequentes, a progressão dos
escalões das categorias e carreiras do pessoal a que se refere o artigo
anterior.
2 – Na primeira fase procede-se ao seguinte descongelamento:
a) Subida de um escalão, quando a antiguidade da categoria seja igual ou
superior a 6 anos;
b) Subida de dois escalões, quando a antiguidade na categoria seja igual ou
superior a 10 anos.
3 – Na segunda fase procede-se ao seguinte descongelamento:
a) Subida de um escalão, quando a antiguidade da categoria seja igual ou
superior a 7 anos;
b) Subida de dois escalões, quando a antiguidade na categoria seja igual ou
superior a 18 anos.
Ora, como decorre da decisão impugnada o Recorrente não foi abrangido por
qualquer uma das fases de descongelamento de escalões prevista neste diploma
porquanto não preenchia os requisitos nele previstos, ou seja, não tinha 6 e 7
anos na categoria, respectivamente, em 1 de Julho de 1990 e 1 de Janeiro de
1991, sendo certo que o artigo 4º estabeleceu que a progressão nos escalões
ficava congelada a partir de 1 de Julho de 1990 quanto à primeira fase, e de 1
de Janeiro de 1991 ato à 2ª fase.
O acto impugnado procedeu, por esta forma, à aplicação das regras contidas no DL
n.º 347/91.”
Após considerar não violado o artigo 13º da Constituição pelo acto impugnado, a
sentença passou à análise da alegada violação do n.º 1 do artigo 59º da
Constituição:
“No caso dos autos, temos como assente que o Recorrente, pese embora seja mais
antigo na categoria do que outros colegas, tem um vencimento inferior.
A retribuição do trabalho deve, segundo este preceito [o n.º 1 do artigo 59º da
Constituição], ser conforme à quantidade de trabalho, à natureza do trabalho e à
qualidade do trabalho.
Estabelece, ainda, que a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve
corresponder salário igual, proibindo-se as discriminações entra trabalhadores.”
Assim, louvando-se na jurisprudência firmada no acórdão n.º 584/98 deste
Tribunal (Diário da República, II série, de 30 de Março de 1999), que concluiu
no sentido da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2º do
Decreto-Lei n.º 347/91, “enquanto restringe o descongelamento na progressão nos
escalões das categorias e carreiras do pessoal docente do ensino superior e de
investigação, mas tão-só na medida em que o limite temporal de antiguidade na
categoria, ali estipulado para a primeira e segunda fases do descongelamento,
implique que funcionários mais antigos na mesma categoria passem a auferir uma
remuneração inferior à de outros, de menor antiguidade e idênticas
qualificações” e na identidade das situações apreciadas nos dois casos, a
sentença reiterou este juízo de inconstitucionalidade e declarou nulo o acto
impugnado, porque “ofendeu o conteúdo essencial” do “direito à retribuição tal
como vem previsto no artigo 59º n.º 1 alínea a) do CRP'.
Veio então o Ministério Público recorrer para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de
Novembro (LTC), invocando a recusa de aplicação, com fundamento em
inconstitucionalidade, “do artigo 2º do Decreto-Lei 347/91 de 19/09”.
Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações, que o Ministério
Público concluiu da seguinte forma:
“1º - Pelas razões apontadas no acórdão n.º 584/98, a norma constante do artigo
2º do Decreto-Lei n.º 347/91, de 19 de Setembro, no segmento em que restringe o
descongelamento nos escalões das categorias do pessoal docente do ensino
superior e de investigação, e na medida em que o limite temporal de antiguidade
na categoria ali estipulado para a primeira e segunda fases do
descongestionamento implique que os funcionários mais antigos da mesma categoria
passem a auferir uma remuneração inferior à daqueles, é inconstitucional por
violação do princípio da igualdade, consubstanciado no actual artigo 59º, n.º 1,
alínea a) da Constituição da República Portuguesa.
2º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade
constante da decisão recorrida, quanto ao segmento normativo nela desaplicado”.
O recorrido manifestou o seu apoio à decisão recorrida e à alegação do
Ministério Público.
A situação dos autos é, na verdade, idêntica à que foi apreciada no processo em
que foi proferido o já citado acórdão n.º 584/98, tendo aqui inteira aplicação o
julgamento de inconstitucionalidade então alcançado.
No mesmo sentido se julgou, posteriormente, no acórdão n.º 123/2003 (disponível
em www.tribunalconstitucional.pt).
É esse julgamento que aqui se reitera, nos termos e pelos fundamentos constantes
no referido acórdão n.º 584/98.
Apenas se observa que o julgamento de inconstitucionalidade tem o sentido
limitado então proferido, em nada contrariando a decisão de julgar não
inconstitucional a norma do mesmo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 347/91,
“considerada em abstracto”, proferido no acórdão n.º 356/2001 (Diário da
República, I Série A de 7 de Fevereiro de 2002).
Assim, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade,
consubstanciado no actual artigo 59º n.º 1 alínea a) da Constituição, a norma
constante do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 347/91 de 19 de Setembro enquanto
restringe o descongelamento na progressão nos escalões das categorias e
carreiras do pessoal docente do ensino superior e de investigação, mas tão-só na
medida em que o limite temporal de antiguidade na categoria, ali estipulado para
a primeira e segunda fases do descongelamento, implique que funcionários mais
antigos na mesma categoria passem a auferir uma remuneração inferior à de
outros, de menor antiguidade e idênticas qualificações;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a sentença
recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 14 de Outubro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Artur Maurício