Imprimir acórdão
Processo n.º 659/2005
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Coimbra, os arguidos A. e B., acusados da prática em
co-autoria e concurso real de um crime de roubo e de um crime de furto
qualificado, requereram a alteração da medida de coacção prisão preventiva que
lhes foi imposta por despacho de 31 de Julho de 2004 (revista em 27 de Outubro
de 2004 e 26 de Janeiro de 2005). O requerimento foi indeferido por despacho de
4 de Abril de 2005 (fls. 61 e 62).
2. Os arguidos A. e B. interpuseram recursos do despacho de 4 de Abril de 2005
para o Tribunal da Relação de Coimbra (cf. as motivações de fls. 2 e ss. e de
fls. 12 e ss., respectivamente).
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 13 de Julho de 2005, julgou
improcedentes tais recursos. Para tanto, procedeu à apreciação dos pressupostos
e das finalidades das medidas de coacção, em especial da prisão preventiva,
concluindo pela sua verificação no caso (cf. fls. 80 a 84, verso).
3. A. e B. interpuseram os seus recursos para o Tribunal Constitucional do
acórdão de 13 de Julho de 2005, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da
Lei do Tribunal Constitucional (cf. requerimentos de fls. 88 e ss. e 95 e ss.,
respectivamente).
Cumpre apreciar.
4. O recurso da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional cabe das decisões que recusem a aplicação de uma norma com
fundamento na sua inconstitucionalidade.
Ora, a decisão recorrida nos presentes autos (acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra, de 13 de Julho de 2005) não recusou a aplicação de uma qualquer norma
com fundamento na sua inconstitucionalidade. Com efeito, o tribunal a quo, na
decisão recorrida, procedeu à apreciação dos pressupostos e finalidades da
prisão preventiva e demonstrou que uns e outras se verificam nos presentes autos
em relação aos dois arguidos recorrentes (cf. fls. 80 e ss.).
É, pois, manifesto que não se verifica o pressuposto do recurso da alínea a) do
nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na recusa de
aplicação pela decisão recorrida de uma norma com fundamento em
inconstitucionalidade.
De resto, os recorrentes não procuram minimamente demonstrar, no requerimento de
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, a recusa de aplicação
por inconstitucionalidade de uma qualquer norma pelo tribunal recorrido.
Não se tomará, portanto, conhecimento dos recursos interpostos.
5. Apenas se acrescentará como mero obiter dictum que mesmo que os presentes
recursos tivessem sido interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º
da Lei do Tribunal Constitucional, também haveria que concluir pelo não
conhecimento dos respectivos objectos, já que perante o Tribunal da Relação de
Coimbra não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa
pelos ora recorrentes.
6. Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento dos objectos dos dois
recursos interpostos, confirmando-se consequentemente a decisão recorrida.
Os recorrentes reclamam agora ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do
Tribunal Constitucional, com requerimentos idênticos. É o seguinte o teor de
ambos os requerimentos:
…, recorrente nos autos supra indicados, não se conformando com o douta decisão
sumária proferida a fls. ... dos autos, que decidiu não tomar conhecimento do
Recurso interposto e como assim, confirmou consequentemente a decisão recorrida,
ao abrigo do disposto no art° 78°-A, nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional, VEM
EXPOR E RECLAMAR AO PRESIDENTE DO TRIBUNAL, nos termos do art° 78°-A, nº 3, da
Lei do Tribunal Constitucional o seguinte:
1º
O recorrente por mero lapso, no seu recurso para este Tribunal, do douto acórdão
de 13 de Julho de 2005, efectivamente referiu ser ao abrigo da al. a) do nº 1 do
art° 70 da Lei do tribunal Constitucional (Cf c/ requerimentos de fls. ... dos
autos).
2º
Ora e, como é percebível e inteligível tendo em vista/conta todo o recurso de
fls. ... dos autos, o recorrente pretende dizer ao abrigo da al. b) do nº1 do
art° 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
3°
Pelo que, requer a V.Exa. que aceite a sua sincera justificação.
4°
E, nestes termos, requer-se seja considerado e relevado o lapso supra
explicitado.
5°
Também na douta decisão sumária proferida a fls. ... dos autos, que decidiu não
tomar conhecimento do Recurso interposto e como assim, confirmou
consequentemente a decisão recorrida, ao abrigo do disposto no art° 78°-A, nº 1
da Lei do Tribunal Constitucional, no seu nº5 refere o seguinte:
“Apenas se acrescentará como mero obiter dictum que os presentes recursos
tivessem sido interpostos ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, também haveria que concluir pelo não conhecimento dos
respectivos objectos, já que perante o Tribunal da Relação de Coimbra não foi
suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa …”
6°
Mas, salvo melhor opinião, entende o Recorrente não ser verdade, uma vez que no
seu recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, explicitou e suscitou várias
questões, mormente de constitucionalidade normativa:
- “Princípio da presunção de inocência, consagrado no art° 32º, nº 2 da CRP;
- Pelo exposto, existe uma clara violação dos art°s 193º, 202°, 204º, 212°, nº
1, al. b), e nº 3, do CPP, artº 27°, nº 5 e 28°, nº 2 da CRP, entre outros da
Nossa Lei.”
7°
Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser
admitido o recurso em causa.
E ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA.
O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
1º
As reclamações deduzidas – e erroneamente endereçadas ao Presidente deste
Tribunal – carecem obviamente de fundamento sério.
2º
Na verdade – e para além de não ser admissível a convolação do tipo de recurso
interposto para o que seria adequado – é manifesta a inverificação dos
pressupostos do recurso, mesmo perspectivado no âmbito da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da Lei nº 28/82, já que se não mostra suscitada qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, susceptível de servir de base ao recurso
interposto.
Cumpre apreciar.
2. Os reclamantes invocam lapso na indicação dos recursos interpostos.
No entanto, nenhum elemento dos autos permite concluir pela existência de um
lapso e nenhum fundamento existe para que o Tribunal Constitucional proceda à
convolação dos recursos interpostos. De resto, os reclamantes apenas afirmam a
existência de lapso sem, porém, o demonstrarem.
Improcedem, por essa via, as reclamações.
3. Não obstante, sempre se acrescentará que mesmo que se tratasse de recursos
interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional não se verificariam os respectivos pressupostos, como se referiu
na Decisão Sumária.
Com efeito, os reclamantes afirmam que suscitaram uma questão de
constitucionalidade normativa, transcrevendo, para o demonstrar, parte das
alegações de recurso perante o Tribunal da Relação de Coimbra.
No entanto, nesse trecho (transcrito supra), os reclamantes apenas invocam o
princípio da presunção de inocência e afirmam “uma clara violação” de vários
preceitos do Código de Processo Penal e da Constituição, “entre outros”.
Não imputam, pois, o vício de inconstitucionalidade a uma dimensão normativa
identificada com um mínimo de rigor.
Não foi, pois, suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa
perante o tribunal a quo, pelo que mesmo que os recursos tivessem sido
interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional não poderia o Tribunal Constitucional tomar conhecimento dos seus
objectos.
4. Assim, as presentes reclamações improcedem.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir as presentes
reclamações, confirmando, consequentemente, a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se as respectivas taxas de justiça em 20 UCs.,
cada.
Lisboa, 17 de Agosto de 2005
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos