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Processo n.º 87/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
(Conselheiro Mário Torres)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (LTC), contra o acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa de 7 de Dezembro de 2005, que negou provimento a recurso de apelação
deduzido contra sentença do Tribunal do Trabalho de Lisboa, que julgara
improcedente acção por ele intentada contra B., SA (o qual, entretanto, após
incorporação por fusão com o Banco C., SA, e o Banco D., SA, alterou a
denominação social para Banco E., SA), em que reclamava, além do mais, o
pagamento de diferenças de reforma, por, no cálculo desta, não terem sido
considerados (para além da remuneração‑base e das diuturnidades) os valores
correspondentes à isenção de horário de trabalho, cartão de crédito, senhas
de gasolina e prémios.
De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o recorrente pretende
a apreciação da inconstitucionalidade, por violação do artigo 63.º, n.º 4, da
Constituição da República Portuguesa (CRP), das normas constantes das cláusulas
136.ª a 144.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, interpretadas
no sentido de que “para efeitos de atribuição da pensão de reforma, apenas são
levados em consideração os valores correspondentes à retribuição base e
diuturnidades, olvidando assim os restantes valores recebidos a título de
retribuição”.
No Tribunal Constitucional, o relator, no despacho que determinou a elaboração
de alegações, consignou que as partes deviam “pronunciar‑se, querendo, sobre a
questão de eventual não conhecimento do objecto do recurso com base no
entendimento (…) de que as cláusulas de convenções colectivas de trabalho não
constituem «normas» para efeito de integrarem objecto de recursos de
inconstitucionalidade”.
2.O recorrente apresentou alegações em que defendeu a inconstitucionalidade das
cláusulas 136.ª a 144.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, da
referida interpretação, e em que concluiu, sobre a questão prévia:
“1. Em primeiro lugar, não se diga que esta matéria (estas cláusulas do ACT)
não têm dignidade de normas para o Tribunal Constitucional vir a conhecer da
sua natureza jurídica e da inconstitucionalidade destas normas por violação do
artigo 63.º da CRP, como alguma corrente jurisprudencial hoje firmada nesse mais
alto Tribunal tem afirmado.
2. Todavia, discorda‑se desta corrente quando não conhece dos recursos
interpostos com esse fundamento sem atender na realidade à verdadeira natureza
desta problemática.
3. Ora, não nos restam quaisquer dúvidas que
4. As normas referentes a segurança social constantes do ACT são normas de
carácter híbrido, público‑privado, por serem, concomitantemente, normas de
regulação de relações laborais cuja vigência se funda, apenas, em omissão de
desenvolvimento de preceito constitucional por parte do legislador.
5. E normas de concretização de um direito subjectivo público, radicado na
Constituição, caracterizado como direito fundamental, exigível perante o Estado
ou, neste caso, perante quem o substitui na vinculação à prestação.
6. Aliás, de conteúdo concretizável através não só da Lei de Bases da Segurança
Social mas também da Constituição mediante normas directamente aplicáveis por
definição do conteúdo mínimo do direito.
7. Essa prestação quer‑se como substitutiva dos rendimentos do trabalho, e que
se caracteriza por ser um direito indisponível, por se reportar ao conceito, de
direito laboral, de remuneração.
8. Assim, no que toca à vertente pública deste regime especial, temos, antes de
mais, que o campo da segurança social existe por imperativos de ordem pública,
algo que o Estado, na Constituição, assume como imprescindível para a sociedade
e que, por si, pretende assegurar.
9. A relação jurídica, de índole pública, em que se insere este direito
subjectivo dos trabalhadores, tem como contraparte, de acordo com o bloco
legal, o Estado, que está vinculado, como já demonstrámos, à prestação
concretizadora do direito.
10. Como consequência, temos que o direito à segurança social, previsto ao
nível constitucional e de lei de bases, é um direito que está fora do comércio
jurídico, não podendo ser alvo de regulação privada.
11. O que também implica que as normas que definem o conteúdo do direito são
normas imperativas, inderrogáveis, e cujo standard mínimo que estabelecem não
pode ser preterido.
12. Tal facto deduz‑se também da consagração de vários regimes de segurança
social, não no que respeita às prestações essenciais que são objecto da presente
acção, mas no que respeita a prestações complementares, afirmando o artigo 13.º
da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto (artigo 16.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de
Dezembro), que «o princípio da complementaridade consiste na articulação de
várias formas de protecção social, públicas, cooperativas e sociais, com o
objectivo de melhorar a cobertura das situações abrangidas e promover a
partilha contratualizada das responsabilidades, nos diferentes patamares de
protecção social», concretizando‑se no artigo 93.º que «o sistema público de
segurança social poderá desenvolver um regime de prestações complementares das
atribuídas nos outros regimes contributivos de segurança social, de prestações
definidas e subscrição voluntária, em regime de capitalização e em condições a
definir por lei».
13. Estes regimes, a que alude a lei, são complementares do regime obrigatório,
que, por ser isso mesmo (obrigatório), não permite que existam particulares
afastados da sua concretização que, como tal, não beneficiem do direito à
segurança social.
14. Para além de serem a situação por excelência em que a lei permite a
contratualização incidente sobre o direito à segurança social, mas apenas para
além do regime imperativo que decorre da lei, sendo que, no caso dos regimes
complementares, já não estamos no âmbito do direito fundamental à segurança
social.
15. Pois, a aplicação dos regimes complementares pressupõe a satisfação do
direito fundamental.
16. No mesmo sentido, se pronunciou o Prof. Doutor Jorge Miranda no seu
brilhante parecer que ora se junta aos autos, como doc. n.º 1 [o referido
parecer não foi junto com as alegações, mas sim com o requerimento de
interposição de recurso, a fls. 1233‑1291] e que nas suas conclusões (pág. 57)
afirma:
17. «Em contraste com a Constituição e com a lei, vem subsistindo até agora um
regime convencional de segurança social para os trabalhadores bancários em que
são as instituições de crédito, e não o Estado, a garantir‑lhes protecção
social.»
18. E continuando‑se a citar:
«Esse regime tem levado ainda a que, em vez de esses trabalhadores virem a
receber pensões de reforma baseadas nas concretas retribuições auferidas
(incluindo complementos salariais), acabem por ter direito a pensões baseadas em
tabelas de vencimentos abstractas, não raro com montantes muitíssimo
inferiores.»
19. E, ainda:
«As cláusulas do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário
infringem, por consequência, o princípio da universalidade, por subtraírem as
pessoas de determinada categoria profissional à plena efectivação do direito à
segurança social; infringem o princípio da igualdade, por introduzirem
diferenciações arbitrárias entre eles e os demais trabalhadores e diferenciações
entre trabalhadores bancários integrados e não integrados nos quadros das
respectivas instituições; e infringem o princípio da unidade e do carácter
público do sistema.
De resto, a efectivação do direito à segurança social não é objecto
constitucionalmente possível de contratação colectiva.»
20. Concluindo: «A apreciação de inconstitucionalidade das cláusulas do Acordo
Colectivo pode ser feita através do tribunais de trabalho, com os adequados
processos previstos na lei, e – para quem assim o entenda – também através do
Tribunal Constitucional.»
21. Por outro lado, a interpretação defendida pela corrente maioritária deste
Tribunal, nomeadamente no Acórdão n.º 172/93, afirma que: «… a lei regulamenta a
eficácia específica das convenções colectivas impondo a sua obrigatoriedade
unicamente quanto àqueles que devem considerar‑se representados pela entidades
que as subscrevem, à luz dos princípios do direito do trabalho. As organizações
profissionais que as celebram não têm poderes de autoridade mas apenas poderes
de representação, isto é, de defesa e de promoção da defesa dos direitos e
interesses dos respectivos filiados (cfr. artigo 56.º, n.º 1, da Constituição).
E, assim, o clausulado que elas incorporam não contém normas, entendidas como
padrões de conduta emitidos por entidades investidas em poderes de autoridade.».
22. Ora, não se pode aceitar tal interpretação!
23. As cláusulas do ACTV para o sector bancário, nomeadamente as cláusulas
136.ª a 144.ª, que regulam a matéria respeitante à segurança social, são normas,
na verdadeira acepção da palavra e nos termos do disposto no artigo 280.º da
CRP, porquanto as mesmas resultam e decorrem de normas transitórias das Leis de
Bases da Segurança Social.
24. Nessa medida, existe uma similitude entre as Leis de Bases da Segurança
Social e as portarias de extensão, pois as primeiras, através das suas normas
transitórias, estabelecem e impõem um regime especial para os trabalhadores
bancários, regime este constante das cláusulas 136.ª a 144.ª do referido ACTV.
25. Pelo que as cláusulas do ACTV, objecto do presente recurso, são normas
impostas por entidade investidas em poderes de autoridade, ou seja, através das
Leis de Bases da Segurança Social.
26. Assim sendo, e conforme decorre da interpretação deste Tribunal quanto às
portarias de extensão, as cláusulas 136.ª a 144.ª do ACTV para o sector bancário
são normas emanadas do imperium estadual porquanto decorrem das Leis de Bases
da Segurança Social, através das normas transitórias.
27. Contrariamente ao decidido por este Tribunal, estas cláusulas, objecto de
fiscalização constitucional, não são provenientes da autonomia privada!
28. Muito pelo contrário! São provenientes, não só de entidades investidas em
poderes de autoridade, bem como de poderes públicos.
29. São provenientes de poderes públicos – Lei de Bases da Segurança Social –
que estabeleceu e impôs um regime especial transitório relativamente aos
trabalhadores bancários, enquanto os mesmos não fossem integrados no regime
geral da segurança social.
30. Regime especial e transitório que perdura há várias décadas!
31. Além disso, veja‑se a tese defendida na declaração de voto do Cons. José de
Sousa e Brito aposta no Acórdão n.º 172/93, transcrita na declaração de voto do
Cons. Mário Torres aposta no Acórdão n.º 224/2005.
32. A sentença [sic] ora em crise ofende preceitos constitucionais e de direito
internacional, pelo que deverá ser revogado, com as legais consequências.
33. Atente‑se, pois, na inconstitucionalidade das normas do ACTV relativas à
segurança social e, posteriormente, na violação do princípio da igualdade,
constante dos artigos 13.º e 63.º da CRP.
(...)
67. O regime especial de segurança social dos trabalhadores abrangidos pelo ACT
vem previsto no Capítulo IX, Secção I, do documento, nos artigos 136.º a 144.º,
fazendo também parte integrante do mesmo regime os anexos V e VI.
68. No que respeita a atribuição de pensões de reforma, temos que os
trabalhadores abrangidos por este regime têm direito, em suma, a uma pensão
mensal de reforma calculada de acordo com a aplicação das percentagens do anexo
V aos valores fixados no anexo VI, mais duas pensões por ano a título de
subsídio de Natal e 14.º mês, a que acrescem os valores correspondentes a
diuturnidades a calcular nos termos definidos pela Cláusula 105.ª do ACT.
69. Tal regime implica que o cálculo do montante devido ao trabalhador a título
de pensão de reforma é realizado não atendendo, minimamente, aos montantes
outrora devidos e efectivamente prestados a título de retribuição, o que
acarreta várias consequências.
70. Com a superveniência das Leis de Bases da Segurança Social (já
identificadas), foram mantidos os regimes ditos «especiais» de segurança
social, através de normas transitórias (também já referidas).
71. Estas normas não podem ter, em relação ao direito subjectivo à segurança
social, definido constitucionalmente, de cada trabalhador abrangido por um
regime especial, outro conteúdo que não o que já foi referido, ou seja, a
garantia que, pese embora a existência de regimes especiais, estes regimes não
podem concretizar a atribuição deste direito em termos que prejudiquem os
trabalhadores por si abrangidos em relação aos trabalhadores abrangidos pelo
regime geral (que deveria ser único).
72. As normas referentes a segurança social constantes do ACT são normas de
carácter híbrido, público‑privado, por serem, concomitantemente, normas de
regulação de relações laborais cuja vigência se funda, apenas, em omissão de
desenvolvimento de preceito constitucional por parte do legislador.
73. Normas de concretização de um direito subjectivo público, radicado na
Constituição, caracterizado como direito fundamental, exigível perante o Estado
ou, neste caso, perante quem o substitui na vinculação à prestação.
74. De conteúdo concretizável através não só da Lei de Bases da Segurança
Social mas também da Constituição mediante normas directamente aplicáveis por
definição do conteúdo mínimo do direito.
75. Essa prestação quer‑se como substitutiva dos rendimentos do trabalho, e que
se caracteriza por ser um direito indisponível, por se reportar ao conceito, de
direito laboral, de remuneração.
76. Temos que o direito à segurança social, previsto ao nível constitucional e
de lei de bases, é um direito que está fora do comércio jurídico, não podendo
ser alvo de regulação privada.
77. O que também implica que as normas que definem o conteúdo do direito são
normas imperativas, inderrogáveis, e cujo standard mínimo que estabelecem não
pode ser preterido.
78. Não só a ré surge como substituta do Estado na satisfação do direito à
segurança social, estando vinculada à prestação exactamente da mesma forma que o
Estado estaria, caso fosse ele a assegurar o direito.
79. Como o regime traçado pelo ACT possui força de lei, por remissão da lei de
bases, assumindo, perante esta, o papel concretizador que está reservado aos
órgãos legislativos.
(...)”
O recorrido contra‑alegou, sustentando o não conhecimento do objecto do recurso
e, se assim se não entender, o seu não provimento.
Após mudança de relator por vencimento, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
3.Há que começar por tratar da questão prévia sobre o conhecimento do recurso.
O objecto do recurso é a apreciação da constitucionalidade das cláusulas 137.ª e
138.ª do Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, na redacção
constante do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 31/1999, interpretadas no
sentido de que o cálculo da pensão de reforma por invalidez se baseia nos níveis
salariais constantes dos Anexos V e VI, acrescido das diuturnidades, não levando
em consideração os complementos remuneratórios que o recorrente auferiu a título
de isenção de horário de trabalho, cartão de crédito, senhas de gasolina e
prémios.
Ora, como este Tribunal tem sublinhado, na averiguação e determinação do que
seja norma, para efeitos de apreciação da sua constitucionalidade pelo Tribunal
Constitucional, deve utilizar-se “um conceito funcional adequado ao sistema de
fiscalização da constitucionalidade [...] e consonante com a sua justificação e
sentido (acórdão n.º 26/85, publicado no Diário da República [DR], II Série, de
26 de Abril de 1985). É que “o conceito de norma presente nos art.ºs 277.º,
280.º, 281.º, 208.º da CRP – especificamente respeitantes à fiscalização da
constitucionalidade – é fundamentalmente um conceito de controlo ao qual está
subjacente uma componente de protecção jurídica típica do Estado de direito
democrático-constitucional” (assim, já Gomes Canotilho, Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 822). Trata-se, pois, de um conceito
funcional – e não de um conceito material, ou de outro tipo – de norma, por ser
um conceito adequado à justificação do sistema de fiscalização da
constitucionalidade. Nomeadamente, importa que se trate de preceitos que provêm
de entidades investidas em poderes de autoridade, ou de poderes públicos, e não
apenas do exercício da autonomia privada – seja embora uma “autonomia
colectiva”, exercida através de organizações representativas dos sujeitos aos
quais as cláusulas de uma convenção se vão aplicar. Para a determinação do que
deve entender‑se por norma não pode, aliás, considerar-se decisiva a
circunstância de outros preceitos, mesmo aprovados no exercício de autonomia
privada, poderem igualmente ter como resultado a violação de disposições
constitucionais, nem o facto de o conteúdo de certas convenções poder ser
estendido a outros sujeitos, que não integrem as organizações que os
subscreveram (pois que em tal caso se imporá justamente uam diferente
qualificação das disposições aplicáveis).
4.Concretizando esta directriz, o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado em
vários acórdãos sobre a questão de saber se acordos e convenções colectivas de
trabalho estão ou não sujeitas ao controlo de constitucionalidade.
Assim, nomeadamente nos acórdãos n.ºs 172/93, 209/93, 214/94, 368/97 (publicados
no DR, II Série, de 18 de Junho de 1993, 1 de Junho do mesmo ano, 19 de Julho de
1994, e 12 de Julho de 1997, respectivamente) e, mais recentemente, nos acórdãos
n.ºs 637/98 e 697/98 (inéditos). Concluiu, assim, este Tribunal (embora sem
unanimidade), por exemplo, no acórdão n.º 172/93, que:
“[...] como as normas das convenções colectivas de trabalho não provêm de
entidades investidas em poderes de autoridade, e muito menos provêm de poderes
públicos, então não estão sujeitas à fiscalização concreta de
constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do artigo
280º, n.º 1, alínea b), da Constituição.”
Depois deste acórdão, a posição negadora da competência do Tribunal
Constitucional para apreciar a constitucionalidade de cláusulas de acordos
colectivas de trabalho tem vindo a ser reiterada em vários arestos – por último,
numa posição reiterada pelo plenário do Tribunal Constitucional, no acórdão n.º
224/2005 –, fundamentando-se em que tais acordos não contêm actos normativos
juridicamente vinculativos independentemente do exercício da autonomia dos
intervenientes, que, por consubstanciarem o exercício de poderes públicos, ou
serem objecto de um reconhecimento como tal, devam estar sujeitos à fiscalização
concreta de constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos
do artigo 280º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa.
5.É esta a orientação que se entende dever seguir.
Na verdade, o presente recurso visa justamente a apreciação da
constitucionalidade de uma norma constante de uma cláusula de um instrumento de
regulamentação colectiva de trabalho, que se deve considerar excluída do
controlo de constitucionalidade, a realizar por este Tribunal, por se tratar de
preceito resultante de actuação em autonomia privada (colectiva), conducente a
acordos concluídos pelos trabalhadores (ou seus representantes) e empregador – e
não de actos emanados de um poder público, ou objecto de um reconhecimento
público, cujo conteúdo se imponha vinculativamente por essa sua qualidade (como
seria eventualmente o caso se fosse aplicável apenas por força de um regulamento
de extensão).
E esta orientação não é também contrariada pelo argumento, invocado pelo
recorrente, de que as convenções em causa concretizariam um direito subjectivo
público, seriam complementares ou decorreriam mesmo de normas do regime de
segurança social previsto na Lei de Bases de Segurança Social. Com efeito, mesmo
a ser assim quanto ao conteúdo (e não só à existência) das cláusulas em questão,
tal complementaridade, ou mesmo a previsão da sua aprovação por um diploma
legal, não altera a natureza das convenções colectivas de trabalho, de normas
não produzidas heteronomamente, isto é, cuja fonte é, antes, o exercício de
autonomia privada (embora autonomia colectiva) dos próprios sujeitos aos quais
se vão aplicar, e não directamente o imperium estadual. E é esta consideração a
que, no entendimento que se faz da jurisprudência que nesse sentido se firmou no
Tribunal Constitucional, foi decisiva para concluir que tais cláusulas não estão
sujeitas ao controlo próprio de normas, pelo Tribunal Constitucional.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento
do presente recurso.
Custas pelo recorrente, com 10 ( dez ) unidades de conta de taxa de
justiça.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2007
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres (vencido, pelas razões da declaração de voto aposta
ao Acórdão n.º 224/2005)
Maria Fernanda Palma (vencida, pelas razões constantes do Acórdão n.º 224/2005).
Rui Manuel Moura Ramos. Com a declaração de que votei a decisão em aplicação da
posição assumida pelo plenário, na sua presente composição, no acórdão n.º
224/2005, e a fim de permitir que ela tenha sentido útil, mantendo todavia as
discordâncias que então expressei quanto à tese que nele fez vencimento.