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Processo n.º 146/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A., e outros, identificados nos autos, vêm reclamar para a conferência, ao
abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal
Constitucional), da decisão sumária de 16 de Março de 2005 que teve o seguinte
teor:
«1. Em reclamação contra a não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, o Presidente desse Supremo Tribunal proferiu, em 7 de Dezembro de 2004,
o seguinte despacho:
“I. Os requeridos A., e outros recorreram para este Supremo Tribunal do acórdão
do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a decisão da 1.ª instância,
proferida em processo cautelar, condenando os requeridos a cessarem de imediato
o uso ilícito que vêm dando à fracção ‘---’ do lote -- da Rua ----------------,
abstendo-se de exercer nesse local a actividade de restauração ou de o ceder
para o mesmo fim, e ainda na sanção pecuniária compulsória de €100, por cada dia
em que deixarem de cumprir a providência decretada.
Por despacho do Ex.m.º Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido, nos
termos do art.º 387.º-A do CPC.
Desse despacho reclamam os recorrentes, sustentando que o recurso deve ser
admitido, porquanto o acórdão de que se pretende recorrer constituiu uma decisão
surpresa, pese embora o estatuído no art.º 387.º-A do CPC, que viola os art.ºs
3.º e 20.º da CRP e o art.º 1.º do Protocolo n.º 1 da Convenção para a Protecção
dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, devendo, por isso, o
referido artigo ser declarado inconstitucional. Acrescentam que também o art.º
381.º do CPC é inconstitucional, por violação dos art.ºs 668.º, n.º 1, alínea
h), do CPC e 205.º da CRP.
O despacho reclamado foi mantido.
II. Cumpre apreciar e decidir.
Tendo em conta que a decisão impugnada foi proferida em procedimento cautelar, é
a mesma insusceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos
do art.º 387.º-A do CPC.
E como não se verifica nenhum dos casos em que o recurso é sempre admissível
(v.g., no caso concreto n.ºs 2, 4, e 6 do art.º 678.º do CPC), não era o acórdão
recorrido susceptível de impugnação.
Invocam os reclamantes, no requerimento em que rectificam o de interposição de
recurso, que o mesmo é interposto ao abrigo do art.º 754.º, n.º 2, do CPC,
porquanto o acórdão questionado se encontra em oposição com um acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, em primeiro lugar, a ser admissível recurso, com base em oposição de
acórdãos, seria ao abrigo do art.º 678.º, n.º 4, e não do art.º 754.º, n.º 2, do
CPC, porquanto com a introdução do art.º 387.º-A pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99,
de 20 de Setembro, pretendeu-se restringir os recursos para este Supremo
Tribunal, bastando que fique assegurado o segundo grau de jurisdição.
Ora, a admitir-se recurso para o S.T.J., com base no referido artigo,
estar-se-ia a possibilitar uma situação que o referido Decreto-Lei veio impedir
e a desrespeitar o art.º 754.º, n.º 1, do CPC onde, além do mais, se excluem do
âmbito do recurso de agravo os casos que, por força de disposição expressa da
lei, não admitem recurso para o S.T.J.. Refira-se ainda, como se lê em Lopes do
Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, pág. 355, que
‘o triplo grau de jurisdição é incompatível com a celeridade e provisoriedade
que caracterizam a essência dos procedimentos cautelares’.
Quanto à questão da inconstituciona1idade do art.º 387.º-A do CPC invocada pelos
ora reclamantes, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a
constitucionalidade do mesmo, no acórdão n.º 132/01, de 27.03.01, (D.R., II
Série, de 25.06.01).
Nele se disse, com o que concordamos, que o direito de acesso ao tribunal
‘traduz-se, essencialmente, na efectiva possibilidade de obter uma decisão
jurídica sobre toda e qualquer questão juridicamente relevante, proferida por um
tribunal independente e imparcial, em tempo razoável, mediante um processo
equitativo e um julgamento justo e leal’.
E aditou-se que ‘não existe um genérico e ilimitado direito de recorrer de todos
os actos jurisdicionais, e extensivo a todas e quaisquer matérias. O legislador
ordinário goza de uma razoável margem de liberdade na definição dos casos em que
o recurso é admissível e dos termos em que tal direito há-de ser exercido’.
No que concerne à violação por parte deste artigo do art.º 1.º do Protocolo n.º
1 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais, não tem cabimento, uma vez que este artigo se reporta à protecção
da propriedade privada e o citado art.º 378.º-A, à admissibilidade dos recursos
em sede de procedimentos cautelares, sem prejuízo da questão da propriedade ser
sempre apreciada pelos tribunais de instância.
No respeitante à inconstitucionalidade do art.º 381.º do CPC, por violação do
art.º 205.º da CRP, refere-se não ser de conhecer da mesma, por o despacho
reclamado não ter invocado aquele preceito processual como fundamento.
Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação. Custas pelos reclamantes.”
Os reclamantes vieram então requerer que sobre a matéria deste despacho recaísse
acórdão e interpor recurso para o Tribunal Constitucional, mediante o seguinte
requerimento:
“O art.º 387.º-A C.P.C não admite recurso para o STJ, o que viola os art.ºs
3.º-3 e 20.º-1, 4 e 5 da Constituição da República e art.º 1.º do Protocolo n.º
1 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Os Recorrentes nunca interpuseram recurso qualquer recurso nos presentes autos,
tendo-se conformado com a Decisão favorável do Douto Tribunal Torres Vedras.
O Acórdão de 4 Marco 2004 é decisão-surpresa contra a qual pretendem reagir para
um Tribunal Superior pois o mesmo representa uma grave colisão de deveres que
acarreta o encerramento da empresa e despedimento dos funcionários.
A norma do art.º 387.º-A CPC priva os requeridos de recorrer e de acesso ao
tribunal superior pelo que é organicamente inconstitucional, afectando a
propriedade privada e os direitos de exploração de um estabelecimento comercial.
A privação do direito ao recurso e a decisão-surpresa do TRL –que julgou em 1.ª
instância – tolhe o direito a obter uma decisão justa através de um julgamento
justo e equitativo.
Os Reqs. B. e outros recorreram.
A requerida A. não pôde recorrer para o TRL porque a Decisão de Torres Vedras
lhe foi favorável.
O recurso para o STJ deve ser admitido pese embora ao estatuído no art.º 387.º-A
do CPC, que viola os art.ºs 3.° e 20.º da C.R.P. e art.º 1.º do Protocolo n.° 1
da C.E.D. Homem.
Urge declarar a inconstitucionalidade do art.º 387.º-A do CPC por violação do
direito ao recurso por banda dos requeridos, impedidos de fazer apreciar a
decisão-surpresa por um Tribunal Superior, ou seja o STJ.
Por outro lado, o artigo 381.º do C.P.Civil, quando entendido que basta dar como
provado que uma loja destinada a comércio por ter nela instalado um restaurante,
causa de per si lesão grave, sem se especificar em factos concretos em que é que
se consubstancia essa lesão grave, é inconstitucional por omissão da decisão em
matéria de facto conforme exige o art.º 668.º- 1, b), do C.P.C. e art.º 205.º da
Lei Fundamental e sem explicitar em concreto o processo de formação da convicção
do Tribunal por manifesta violação do dever de fundamentação das decisões dos
tribunais – art.º 205.º da Lei Fundamental.
Termos em que por tempestivo deve o recurso ser admitido, com o apoio judiciário
já concedido nos autos.
As inconstitucionalidades supra suscitadas foram arguidas tempestivamente no
Recurso interposto para o Supremo Tribunal Justiça.”
Em 12 de Janeiro de 2005 o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu o
seguinte despacho:
“Os reclamantes A., e outros vieram requerer que sobre o nosso despacho de fls.
125 e ss. recaia acórdão.
Ora, a reclamação para a conferência, prevista no n.º 3 do art.º 700.º do CPC,
pressupõe a existência de um órgão colegial, formado pelo relator e pelos
adjuntos.
Não é o que se verifica com o órgão unipessoal Presidente do Tribunal Superior
quando aprecia as reclamações contra o indeferimento ou retenção do recurso, nos
termos do art.º 668.º do CPC, ou quando não conhece da reclamação por a
considerar inadmissível; daí não se prever nesse preceito a intervenção de
adjuntos.
Em reforço do afirmado, o preceito do n.º 3 do art.º 700.º do CPC, que integra o
recurso de apelação, não é mandado aplicar ao meio de impugnação endereçado ao
Presidente do Tribunal Superior, mas apenas aos demais recursos ordinários, como
se verifica dos art.ºs 726.º, 749.º e 762.º, n.º 1, do CPC.
Nestes termos não se admite o pedido formulado a fls. 132.
Custas pelos requerentes, com a taxa de justiça de 2 UC.
*
No respeitante ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional, através do
requerimento de fls. 133 e ss., admite-se o mesmo, nos termos do disposto nos
art.ºs 70.º, n.° 1, alínea b), 71.º, n.° 1, 72.º, n.º 2, 75.º, 75.º-A, 76.º e
78.º, n.º 4, todos da Lei 28/82, de 15 de Novembro, actual redacção, a processar
nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Notifique.
Oportunamente, remetam-se os autos ao Tribunal Constitucional.”
2. Já no Tribunal Constitucional, o relator proferiu despacho a convidar os
recorrentes a indicar os elementos exigidos pelo artigo 75.º-A, n.º 1, da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do
Tribunal Constitucional), nomeadamente a alínea do n.º 1 do artigo 70.º desta
Lei ao abrigo da qual interpunham recurso de constitucionalidade e a(s) norma(s)
cuja constitucionalidade pretendiam ver apreciada.
A recorrente respondeu dizendo:
“1 – O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º-1-b), da Lei do Colendo
Tribunal Constitucional.
2 – As normas que se pretende ver apreciadas são os artigos 381.º e 387.º-A do
CPC no entendimento aduzido nos autos.
3 – Os recorrentes foram confrontados em 1.ª instância com decisão favorável.
4 – Os requerentes e recorridos recorreram dessa decisão da 1.ª instância para o
TRL.
5 – O TRL deu provimento aos requerentes.
6 – Os requeridos e ora recorrentes NÃO PODEM RECORRER para o STJ… por força do
art.º 387.º-A do CPC.
É esta questão – bem como o entendimento dado ao art. 381.º do CPC – que se
pretende ver apreciada.”
3. Verificando-se que, na parte em que se pode conhecer do presente recurso, a
questão a decidir é simples, por já ter sido objecto de anterior decisão deste
Tribunal, é caso de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do
artigo 78.º-A do mesmo diploma.
4. Com efeito, os recorrentes vieram indicar, como alínea do artigo 70.º, n.º 1,
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, ao
abrigo da qual o recurso foi interposto, a alínea b). Como é sabido, para se
poder tomar conhecimento de um tal recurso de constitucionalidade torna-se
necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma
impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que
a inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo. Este
último requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante deste
Tribunal (veja-se, por exemplo, o acórdão n.º 352/94, in Diário da República, II
série, de 6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido
feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”,
“antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma
questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido
pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de
recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal
recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º
560/94, Diário da República, II série, de 10 de Janeiro de 1995 e ainda o
Acórdão n.º 155/95, in Diário da República, II série, de 20 de Junho de 1995).
Por outro lado, recorde-se que no direito constitucional português vigente,
apenas as normas são objecto de fiscalização de constitucionalidade concentrada
em via de recurso (cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
18/96, publicado no Diário da República [DR], II Série, de 15 de Maio de 1996),
com exclusão dos actos de outra natureza, designadamente, das decisões judiciais
em si mesmas. E se a norma que se pretende ver apreciada corresponde apenas a
uma dimensão interpretativa de um ou mais preceitos, exige-se, pelo menos, que
se enuncie ou se deixe clara tal interpretação. Como este Tribunal afirmou, por
exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (DR, II série, de 21 de Junho de 1995), impõe-se
que o recorrente tenha
“(...) indicado (…) o segmento de cada norma, a dimensão normativa de cada
preceito – o sentido ou interpretação, em suma – que [tem] por violador da
Constituição.
De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara
e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República,
2.ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma
certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa
interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme
com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o
tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários
daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em
causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.”
5. Ora, no presente caso, a recorrente indica como norma impugnada também o
artigo 381.º do Código de Processo Civil, sobre o “âmbito das providências
cautelares não especificadas”. Acontece, porém, ser claro que esta norma não foi
aplicada na decisão de que foi interposto recurso de constitucionalidade, que é
o despacho do Presidente desse Supremo Tribunal proferido, em 7 de Dezembro de
2004, em reclamação contra a não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça. Nessa decisão apenas se verifica a recorribilidade da decisão do
Tribunal da Relação de Lisboa, e apenas se aplicam normas relativas a esse ponto
– concluindo pela irrecorribilidade, nos termos do artigo 387.º-A do Código de
Processo Civil.
Não pode, pois, tomar-se conhecimento do recurso de constitucionalidade quanto à
norma do artigo 381.º do Código de Processo Civil.
6. Quanto à norma do artigo 387.º-A do Código de Processo Civil, de cuja
constitucionalidade se trata na decisão recorrida, por remissão para a
jurisprudência do Tribunal Constitucional, verifica-se que a questão a decidir é
simples, por já ter sido objecto de anterior pronúncia por este Tribunal.
Na verdade, o Tribunal Constitucional já decidiu não existir
inconstitucionalidade no artigo 387.º-A do Código de Processo Civil, ao vedar
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas nos
procedimentos cautelares (sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre
admissível). Fê-lo no acórdão n.º 132/01 (publicado no Diário da República, II
Série, de 25 de Junho de 2001), citado, aliás, na decisão recorrida. É esta
também a norma que está em causa no presente recurso (sendo certo, aliás, que a
recorrente não enunciou uma sua qualquer interpretação ou dimensão normativa
particular). Pelo que, remetendo para os fundamentos desse aresto, cumpre apenas
reiterar o juízo de não inconstitucionalidade a que nele se chegou, negando,
nesta parte, provimento ao recurso.»
2. Pode ler-se na reclamação apresentada:
«Os reclamantes estão atónitos com a tramitação processual destes autos.
Recorreram tendo em vista declarar a inconstitucionalidade do art.º 387.º-A CPC
por violação dos art.ºs 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e art.ºs 20.º,
n.º 1, 4 e 5 da Constituição da República e ainda do art.º 1.º do Protocolo n.º
1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Estão lesados por norma que atenta contra os artigos 3.º, n.º 3, do C. P. Civil
e os artigos 20.º, n.º 1, 4 e 5 da Constituição da República e ainda o art.º 1.º
do Protocolo n.º 1 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Os Requeridos, ora Reclamantes nunca interpuseram recurso pois a decisão do
Tribunal de Torres Vedras não o permitia, atenta a rejeição da Providência
Cautelar, favorável a estes.
O art.º 387.º-A CPC impede-os de recorrer do TRL para o STJ, de acesso a um
tribunal superior.
A privação do direito ao recurso e a decisão-surpresa tolhe o direito a obter
uma decisão justa através de um julgamento justo e equitativo.
Urge declarar a inconstitucionalidade dos art.ºs 381.º e 387.º-A CPC por
violação do direito ao recurso por banda dos requeridos, impedidos de fazer
apreciar a decisão-surpresa por Tribunal Superior, ou seja o S.T.J..
Ao decidir questão de fundo – sem que assista direito de a impugnar para um
Tribunal Superior, lesam-se os direitos dos requeridos. Urge declarar a
inconstitucionalidade dos art.ºs 381.º e 387.º-A CPC por violação dos art.ºs 3.º
e 20.º da Lei Fundamental e art.º 1.º do Protocolo n.º 1 da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem.
O que hão-de fazer os reclamantes se este Colendo Tribunal Constitucional lhes
nega um recurso, quando a parte contrária pôde recorrer para o Tribunal da
Relação?
Fechar o Restaurante? Despedir empregados?
Deixar de pagar a fornecedores?
Esperava-se Justiça – aos reclamantes, ainda acreditam na mesma, embora pouco!!!
– pelo que deve ser atendida a reclamação e admitido o recurso (único e
primeiro) aos reclamantes...»
Os recorridos não apresentaram resposta à reclamação.
Cumpre apreciar a decidir.
II. Fundamentos
3. Adianta-se desde já que a presente reclamação se afigura claramente
improcedente, pois a argumentação aduzida pelos recorrentes não abala os
fundamentos da decisão reclamada.
4. Nos termos do respectivo requerimento, o recurso de constitucionalidade vinha
intentado ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional, pretendendo os recorrentes ver apreciada a
constitucionalidade das normas dos artigos 381.º e 387.º-A do Código de Processo
Civil. Ora, para se poder conhecer de tal recurso torna-se necessário, a mais do
esgotamento dos recursos ordinários, que a inconstitucionalidade da norma
impugnada tenha sido suscitada durante o processo e que esta norma tenha sido
aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido.
Como se afirmou na decisão reclamada e se reitera, este último requisito não se
verifica, no presente caso, quanto à norma do artigo 381.º do Código de Processo
Civil: nos termos do requerimento de recurso, este tinha por objecto a
apreciação da constitucionalidade dessa norma, sobre o “âmbito das providências
cautelares não especificadas”, “no entendimento aduzido nos autos”; mas,
consultando a decisão de que se pretendeu recorrer (que é o despacho do
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 7 de Dezembro de 2004, em
reclamação contra a não admissão de recurso para esse Supremo Tribunal),
verifica-se, como se disse já na decisão reclamada, que a norma impugnada não
foi aplicada pelo tribunal recorrido, pois nessa decisão apenas se verificou a
recorribilidade da decisão da Relação de Lisboa, concluindo-se pela
irrecorribilidade, e apenas se fez aplicação de normas relativas a esse ponto.
Das normas impugnadas, só se aplicou, pois, o artigo 387.º-A do Código de
Processo Civil, nos seguintes termos:
«(...)
Tendo em conta que a decisão impugnada foi proferida em procedimento cautelar é
a mesma insusceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos
do art.º 387.º-A do CPC.
E como não se verifica nenhum dos casos em que o recurso é sempre admissível
(v.g., no caso concreto n.ºs 2, 4, e 6 do art.º 678.º do CPC), não era o acórdão
recorrido susceptível de impugnação.
Invocam os reclamantes, no requerimento em que rectificam o de interposição de
recurso, que o mesmo é interposto ao abrigo do art.º 754.º, n.º 2 do CPC,
porquanto o acórdão questionado se encontra em oposição com um acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, em primeiro lugar, a ser admissível recurso, com base em oposição de
acórdãos, seria ao abrigo do art.º 678.º, n.º 4, e não do art.º 754.º, n.º 2, do
CPC, porquanto com a introdução do art.º 387.º-A pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99,
de 20 de Setembro, pretendeu-se restringir os recursos para este Supremo
Tribunal, bastando que fique assegurado o segundo grau de jurisdição.
Ora, a admitir-se recurso para o S.T.J., com base no referido artigo,
estar-se-ia a possibilitar uma situação que o referido Decreto-Lei veio impedir
e a desrespeitar o art.º 754.º, n.º 1, do CPC onde, além do mais, se excluem do
âmbito do recurso de agravo os casos que, por força de disposição expressa da
lei, não admitem recurso para o S.T.J.. Refira-se ainda, como se lê em Lopes do
Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, pág. 355, que
“o triplo grau de jurisdição é incompatível com a celeridade e provisoriedade
que caracterizam a essência dos procedimentos cautelares”.
(...)»
Assim, por a norma impugnada (artigo 381.º do C.P.C.) não ter sido aplicada pela
decisão recorrida, a presente reclamação tem de ser desatendida, confirmando-se,
quanto a este ponto, a decisão sumária reclamada.
5. Para além de outras considerações que não se referem aos fundamentos da
decisão reclamada, os reclamantes vêm ainda reafirmar a inconstitucionalidade do
artigo 387.º-A do Código de Processo Civil dizendo que este “impede-os de
recorrer do TRL para o STJ, de acesso a um Tribunal superior” e que “a privação
do direito ao recurso e a decisão-surpresa tolhe[m] o direito a obter uma
decisão justa através de um julgamento justo e equitativo”, já que “ao decidir
questão de fundo – sem que assista direito de a impugnar para um tribunal
superior, lesam-se os direitos dos requeridos.”
Como se disse na decisão reclamada, sobre a questão da constitucionalidade do
artigo 387.º-A do referido Código já se pronunciou, porém, este Tribunal por
diversas vezes. Fê-lo, designadamente, pelo acórdão n.º 132/2001 (publicado no
Diário da República, II Série, de 25 de Junho de 2001), já citado na decisão do
Supremo Tribunal de Justiça e, também, na decisão reclamada. E, como aí ficou
dito, o Tribunal Constitucional decidiu não existir inconstitucionalidade no
artigo 387.º-A do Código de Processo Civil ao vedar esta norma recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas nos procedimentos cautelares
(sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível), afirmando-se,
designadamente, que, “[c]om a norma do artigo 387.º-A do CPC não é afectado o
direito a que uma causa seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante
processo equitativo, nem deixou de ser assegurado um procedimento célere (a
norma até se justifica também por razões de celeridade) que permita obter a
tutela efectiva contra ameaças ou violações de direitos pessoais”.
A presente reclamação nada acrescenta, em argumentação, ao que então se analisou
e afirmou, sendo certo que a presente providência cautelar foi já apreciada por
duas instâncias judiciais (e em nada podendo, aliás, a decisão do Tribunal da
Relação de Lisboa, proferida em recurso interposto da decisão da 1.ª instância
no qual foram deduzidas contra-alegações, ser considerada como
decisão-surpresa).
A decisão sumária reclamada merece, pois, também quanto a este ponto,
confirmação.
III Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar
a reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 24 de Maio de
2005
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos